O SINISTRO
Rogério Tadeu Romano
I – CONCEITO DE SINISTRO
Para Fran Martins(Contratos e obrigações comerciais, 5ª edição, pág. 445), o sinistro é a ocorrência do dano previsto no contrato, acarretando a obrigação da seguradora de fazer a indenização prometida. É a verificação do acontecimento incerto que constitui o risco, próprio do contrato, assumido pelo segurado.
Para Pedro Alvim(O contrato de seguro, segunda edição, pág. 392) disse que o sinistro é apenas a realização do acontecimento previsto no contrato, independentemente de suas consequências. Enquanto não ocorre, o risco é um evento incerto, seja quanto à sua realização, seja quanto ao tempo de sua ocorrência. Quando deixa de ser uma incerteza para transformar-se numa realidade fática, muda-se de nome: passa a denominar-se sinistro.
Ora, acontecendo o sinistro, sendo o seguro contratado mediante a emissão de um bilhete de seguro, a prova da ocorrência do risco compete ao segurado ou ao beneficiário, bem como a justificação de seu valor, sendo permitida à sociedade seguradora, para exonerar-se de responsabilidade, a arguição de existência da circunstância relativa ao objeto ou interesse do segurado cujo conhecimento prévio influiria na sua aceitação. Se houve violação pelo segurado de qualquer das condições estabelecidas para a contratação do seguro, esse fato exonera a seguradora de responsabilidade, como já dispunha o artigo 11, § § 1º, 2º e 3º). O pagamento da indenização do prêmio depende da prova do pagamento do prêmio(artigo 12, parágrafo único).
Como ensinou Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume III, 1975, pág. 427), segurado e segurador fixarão o seguro em razão do valor da coisa. Se for esta segurada por menos do que vale, e houve perda parcial, o segurador é obrigado tão-somente em proporção, porque em tal caso a lei instituiu a presunção iuris et de iure de que o segurado e cossegurador dela, e, pela parte não coberta, é como se fosse segurador de si mesmo, como afirmaram Mazeau et Mazeau(Leçons, volume III n. 1.587) e ainda Marcel Planiol, George Ripert e Boulanger. É o que os doutrinadores denominam regra parcial.
Reversamente, o segurador pode recusar o pagamento mediante a prova de que o valor do seguro é excessivo em relação a coisa, partindo de que o seguro é informado pela ideia de indenização, e esta seria superada pelo sobre-seguro. Se o segurador tiver aceito o valor, e no momento do sinistro apurar o excesso, sua anuência não tem o efeito de convalidá-lo, porque o princípio ressarcitório é prevalente. A vantagem única da cláusula do valor aceito é inverter o ônus probandi do excesso, transferindo-o ao segurador.
II – ESPÉCIES DE SEGURO
Sobre isso tem-se:
a) Seguro de vida que é uma espécie que ganhou a maior utilização nos dias atuais. Esse seguro pode compreender duas espécies: seguro de vida propriamente dito, em que o segurado paga o prêmio indefinidamente ou por tempo limitado, assumindo o segurador a obrigação de pagar aos beneficiários o valor do seguro em função da álea específica da morte do segurado; há, por outro lado, o seguro de sobrevivência em que se ajusta a liquidação da vida do segurado, após um certo termo ou na ocorrência de um certo evento. Mas não se confunde o seguro de vida, que é a soma devida por terceiro(segurador), sub conditione da morte do estipulante, com a herança que pressupõe a existência do bem no patrimônio do de cujus, e sua transmissão do sucessor, por causa da morte. Por isso mesmo, a soma não está sujeita às dívidas do segurado, nem suportar a imposto de transmissão mortis causa. Não deve, igualmente, levar-se à colação, se o beneficiado for herdeiro necessário, nem se computa na meação do cônjuge supérstite. O seguro de vida pode efetuar-se livremente, ou ter por causa a garantia de uma obrigação. Na primeira hipótese, o segurado, como estipulante, tem a faculdade de substituir o beneficiário, independentemente de sua anuência, por ato inter vivos ou causa mortis. Na segunda, não pode;
b) Seguro contra acidentes: Há o seguro contra acidentes no trabalho, obrigatório a todo empregador; o seguro contra acidentes pessoais que visa a cobrir os riscos da morte ou lesão, consequente a um acidente a que o segurado se exponha;
c) Seguro de fogo: é o que cobre os riscos de incêndio, raios e suas consequências, podendo ser facultativo ou obrigatório;
d) Seguro de transporte: é o que tem em vista assegurar bens e mercadorias transportadas por via terrestre, marítima, fluvial, lacustre e aérea;
e) Seguro agrário: é destinado à preservação das colheitas e dos rebanhos contra a eventualidade de riscos que lhe são peculiares e que foi instituído no Brasil pela Lei nº 2.168/1954, com a finalidade protetora do patrimônio rural;
f) Seguro mutuo: é o objeto do ajuste entre várias pessoas que se propõem assumir os riscos que todas estejam correndo e figuram ao mesmo tempo como segurados e seguradores. Cada um dos segurados se obriga às cotas necessárias às despesas de administração e indenização dos sinistros, seja com a partilha dos encargos pro rata, seja mediante o pagamento das quantias fixas, subsistindo, entretanto, neste último caso a obrigação de se cotizarem pela diferença se os fundos arrecadados forem insuficientes;
g) Seguro de responsabilidade civil: tem por objeto transferir para o segurador as consequências de danos causados a terceiros, pelos quais possa o segurado responder civilmente. Nessa mesma rubrica inscrever-se-á a cobertura do risco a que se exponha de sofrer prejuízo pelo ato ilícito de quem não tenha resistência econômica para suportar as consequências, compreendendo, ainda, o seguro contra o furto ou roubo. Nesta mesma linha, está o seguro-fidelidade, efetuado com o propósito de resguardar contra desvios voluntários ou involuntários, valores confiados a prepostos, representantes, servidores etc, como caixas, tesoureiros, cobradores etc.
III – A COMUNICAÇÃO E AVISO DO SINISTRO
Caso ocorra o sinistro, cabe à seguradora investigar as suas causas para poder enquadrá-lo dentro do contrato. Nos seguros de danos, faz-se, em regra, perícia no objeto danificado, sendo dessa apresentação um laudo. Nos seguros de vida, além do atestado de óbito, dando a mortis causa, pode a seguradora investigar sobre se houve concorrência do segurado para a ocorrência do evento, o se este não está coberto pelo seguro, como se vê nos casos de suicídio.
Ocorrendo o sinistro, deve o segurado ou beneficiário dar ciência, de qualquer forma, do evento à seguradora. E uma vez apurados os prejuízos, deve a seguradora, com a devida presteza, fazer a liquidação do sinistro pagando a indenização a quem de direito.
Verificado o sinistro, o segurado ou o beneficiário têm de cumprir as formalidades que a lei estabelece, considerado o Instituto de Resseguros do Brasil(IRB), litisconsorte necessário nas liquidações judiciais sempre que tiver responsabilidade nas importâncias reclamadas. E cabe, então, ao segurador efetuar o pagamento, admitida a hipótese da transferência do direito de receber, como acessório da propriedade ou de algum direito real sobre a coisa. Opera-se a mutação do crédito por cessão para as apólices nominativas, por endosso à ordem, ou por tradição simples para as emitidas ao portador. Além desses casos, a lei prevê a sub-rogação de terceiro nos direitos do segurado: a) o direito do usufrutuário sub-roga-se no valor da indenização; b) o direito do credor com garantia real sub-roga-se no que for pago no caso de perecimento do objeto dado em garantia; c) situação jurídica dos comunheiros no edifício em regime de propriedade horizontal com encargo de reconstruir sub-roga-se na indenização paga em caso de incêndio; d) o direito do credor de renda, sub-roga-se no seguro do imóvel se a ele for vinculada.
Mas não se confunde esta sub-rogação com aquela outra, a benefício do segurador que paga contra o causador do dano. Em alguns sistemas há sub-rogação expressa(Código Civil italiano, art. 1.916), qualificada então s sub-rogação legal. Acrescente-se ainda a hipótese do de responsabilidade civil, na qual o segurador tem ação in rem verso contra o causador do prejuízo que ele teve de indenizar.
Sem dúvida, o sinistro efetiva a obrigação do segurador, pois importa para o segurador no pagamento da indenização ou de verba prevista nos seguros de pessoa.
Os sinistros podem ser caracterizados como Parciais ou Integrais. O sinistro parcial é quando o veículo sofre uma colisão ou qualquer outro dano que não atinja 75% do valor do carro. Ultrapassando essa porcentagem, é definido como Perda Total (o famoso “PT”), significando assim como sinistro integral.
Ao passar por uma situação de sinistro, o segurado deverá passar um procedimento padrão, em um prazo máximo de 30 dias:
• Apuração de danos, onde a causa, natureza e extensão das avarias serão levantadas por meio de vistorias, registros policiais e tantos outros;
• Regularização, onde ocorre a análise do evento, definindo se ele está realmente coberto ou não;
• Liquidação, na qual se realiza o pagamento da indenização, ou encerra-se o processo sem indenização.
Ensinou Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, ed. 1965, tomo XLV, pág. 338), que, se ocorre o sinistro, tem o interessado de dar aviso ao segurador, ou a quem tenha poderes para receber o aviso. O aviso supõe o conhecimento por parte do interessado, porque se trata, por definição, de comunicação de conhecimento. Ao ônus de aviso. A finalidade do aviso é pôr o segurador a par do ocorrido, para que tome conhecimento das circunstâncias, verifique se o sinistro está incluso na cláusula contratual e investigue quanto às causas do sinistro e de importe de danos, antes de se tornarem impossíveis ou difíceis pelas mudanças e alterações regulares ou culposas ou dolosas.
Carvalho Santos(Código civil brasileiro interpretado, 1958, volume XIX, pág. 351), disse que essa obrigação desaparece desde que se torne supérfluo qualquer aviso, pela notoriedade do fato, ou quando, pela espécie do seguro, não tenha a Companhia de Seguro interesse algum em ser avisada imediatamente da ocorrência como, por exemplo, no seguro de vida.
O aviso de sinistro será objeto das condições gerais das apólices. No ramo incêndio, por exemplo, o segurado se obriga a comunicar o fato ao segurador, “logo que do mesmo tenha conhecimento”. Nos seguros marítimos, a apólice-padrão exige a comunicação, ainda que a ocorrência do sinistro seja pública e notória, “sob pena de ficar exonerada a Companhia de qualquer responsabilidade se ocorrer omissão culposa”. Nos seguros de crédito à exportação “o segurado será obrigado a avisá-lo à seguradora, o mais tardar até 15(quinze) dias após a data e que dele tiver conhecimento”.
Já no seguro de pessoa o critério é diferente. A apólice-padrão de seguro de vida em grupo diz que “a comunicação do evento deverá ser encaminhada à Companhia em formulário próprio ou em carta registrada”. Não determina prazo para o aviso, nem poderia fazê-lo, pois o beneficiário do segurado, cuja morte dá origem à responsabilidade do segurador. Quanto ao seguro de acidentes pessoais, há um prazo bem dilatado par o aviso, que era conhecido como de 30 dias da data do acidente.
Costuma-se se advertir que, quando ocorre o sinistro, antes mesmo do aviso ao segurador, devem ser tomadas pelo segurado as medidas urgentes necessárias à proteção dos bens ameaçados pela destruição a progressão das chamas pelo isolamento dos pontos atingidos, seja oferecendo combate direito pelo uso de meios de extinção do fogo que estiverem à sua disposição, tratando-se de seguro-incêndio.
Ensinou, por sua vez, Pontes de Miranda(obra citada, volume 45, tomo XLV, pág. 339), que o segurador pode alegar que foram todas as despesas, ou algumas delas, feitas sem necessidade ou utilidade. Também são ressarcíveis os danos que, na operação de salvamento, o bem haja causado ao interessado, salvo se as operações forem feitas sem oportunidade ou sem cabimento, ou acima de seu valor de salvamento.
Estabelecia a apólice padrão de seguro-incêndio que são indenizáveis, até o limite máximo da importância segurada, os danos materiais e despesas decorrentes de providências tomadas para o combate à propagação dos riscos cobertos, para o salvamento e proteção de bens descritos na apólice e para o desentulho do local.
Se o segurado faz despesas de salvamento que, somadas aos prejuízos, ultrapassam a importância segurada, só receberá, segundo a cláusula acima, até o limite dessa.
Se as despesas são feitas no interesse exclusivo do segurador, desde que oportunas e necessárias não deviam estar sujeitas a qualquer restrição.
Comentando o artigo 1.461 do Código Civil de 1916 disse Clóvis Beviláqua(Código Civil, 1952, volume V, pág. 219): “Ainda que a responsabilidade do segurador se limite aos danos provenientes do risco assumido, não somente abrange-os todos, como ainda se estende aos consequentes, como sejam os ocasionados pela água empregada para apagar o incêndio, e os determinados pelo salvamento dos objetos”.
Quanto ao Código Comercial observe-se o artigo 721:
Art. 721 - Nos casos de naufrágio ou varação, presa ou arresto de inimigo, o segurado é obrigado a empregar toda a diligência possível para salvar ou reclamar os objetos seguros, sem que para tais atos se faça necessária a procuração do segurador, do qual pode o segurado exigir o adiantamento do dinheiro preciso para a reclamação intentada ou que se possa intentar, sem que o mau sucesso desta prejudique ao embolso do segurado pelas despesas ocorridas.
O certo é que tomadas as primeiras providências relacionadas com o sinistro, como o aviso ao segurador e as diligências para reduzir as proporções dos danos, seja pelas medidas de defesa, seja pela preservação dos salvados, cumpre ao interessado no recebimento do seguro fazer a prova da ocorrência para suas causas, pois nem todos vinculam a obrigação do segurador.
IV – AS CAUSAS E CONCAUSAS DO SINISTRO
Devem ser examinadas as causas e concausas do sinistro.
Não estão previstas na garantia do seguro, por exemplo, o incêndio em propriedade rural quando esta provém de uma queimada, o no seguro de acidentes pessoais, a morte do segurado por doença, ainda que esta se origine do acidente coberto.
Diversas teorias se propuseram a resolvê-lo.
Vamos elencá-las:
I - Da c.s.q.n(condição simples ou equivalência): Tal doutrina foi elaborada por Von Buri, que denominou-a doutrina da conditio sine qua non, da equivalência ou da condição simples, na linha de John Stuart Mill(Sistema da Lógica). O problema que se tem atribuído a tal teoria é no sentido de que se considera arbitrária qualquer distinção entre causa e condição. Ora causa é o todo e a condição, parte.
Sua fórmula proposta seria:
1. a conduta é causa do evento somente se, sem ela, o evento não se teria verificado;
2. um comportamento não é causal quando, sem ele, o evento se teria igualmente verificado.
II – Da condição qualificada:
1. causalidade adequada:
1. condição perigosa(segundo Grispigni, a análise da relevância causal da condição deve ser feita com referência ao contexto, no qual se efetua a ação, tendo-se em conta as circunstâncias preexistentes, concomitantes e previsivelmente subsequentes, num juízo de prognose póstuma e segundo o conhecimento tanto do homem médio como do agente. Sendo assim a ação será condição qualificada se, tendo em vista o conjunto das circunstâncias, é relativamente idônea a produzir o resultado, de acordo com a experiência, constituindo-se em uma possibilidade de certa relevância para causar o resultado, sendo condição perigosa, pois constitui um perigo para a formação do resultado;
2. causa humana exclusiva(Antolisei): a causalidade deve ser encarada sob o ângulo da consciência humana, através do qual o homem apreende e prevê as circunstâncias, que interferem no encadeamento causal. Assim havendo circunstâncias excepcionais, cuja força causal não é possível ser apreendida ou calculada, a causalidade não deve ser atribuída ao homem;
3. causalidade jurídica;
4. tipicidade condicionada;
5. causalidade humana representável;
6. causalidade racional: sua construção deve-se a Soler,que disse que o nexo de causalidade deve ser deduzido mediante um juízo de razoabilidade da ocorrência do resultado. Assim a condição é a causa do resultado quando devia razoavelmente produzi-lo, de modo que sua força causal é inteligível pelo homem, a ser feito o juízo com vistas às circunstâncias concretas em que a ação se realizou e segundo o cálculo feito e exigível do agente, cabendo analisar, também, a ocorrência de fatos excepcionais, devendo-se atender ao exame real das consequências prováveis, captáveis pelo agente.
Outras teorias podem ser apontadas levando em conta seja um critério cronológico(condição próxima), ou de eficiência(quantitativo ou qualitativo).
Tem-se ainda a teoria da causalidade adequada:
A tese parte das ideias de Von Bar e Von Kries.
A causa é o antecedente não apenas imprescindível, mas também o mais adequado para a produção do resultado. Somente podem ser utilizados os antecedentes úteis, o mais adequado para a produção do resultado, ou seja, com mais probabilidade de produzirem o resultado, segundo uma valoração posterior.
É um critério corretivo da teoria da equivalência das condições independente do subjetivismo.
Lembra-se que pelas ideias de Von Buri qualquer das condições que compõem a totalidade dos antecedentes é causa do resultado, pois a sua inocorrência impediria a realização do evento.
Sem dúvida, ela pode trazer muitas injustiças.
Vejamos um exemplo: A fere levemente B que deve, contudo, ser atendido em um Pronto - Socorro, onde ocorre um incêndio onde B vem a falecer. Ora, pela teoria da causalidade adequada a lesão produzida em B é causa de sua morte, pois com a eliminação hipotética do ferimento B não teria sido atendido no Pronto Socorro, onde ocorreu o incêndio.
Fácil entender que essa regressão ad infinitum traz injustiças na solução de problemas no âmbito penal.
Assim o legislador não pode adotar a teoria da equivalência de condições em todas as suas consequências.
De outro modo, há censuras à teoria da causalidade adequada, no sentido em que se assenta em uma abstração, numa prognose póstuma da norma eficácia causal apreensível ao homem médio e não à verificação das forças, que atuaram no fato concreto e de sua percepção pelo agente.
Examinando o problema das concausas, Martinho Garcez Neto(Prática da responsabilidade civil, 1970, páginas 47 e 48) fez análise com relação as diversas teorias, dizendo que a teoria da equivalência seguiram-se duas outras, também acolhidas com entusiasmo, a da causa próxima e da causa eficiente; uma, estabelecendo que entre as diversas condições necessárias de um resultado, chama-se “causa” somente a que, segundo um critério temporal, se acha mais próxima desse resultado; outra, partindo do pressuposto de que as condições necessárias de um resultado não são todas equivalentes, mas de eficácia distinta, tanto que, conforme o critério qualificado, será “causa” a condição de maior eficiência na produção do evento.
A discussão sobre a causa do sinistro surge com frequência quando se atribui ao segurado a prática de algum ato culposo ou doloso que, desvirtuando a natureza do risco, essencialmente aleatório e independente de sua vontade, exclua a responsabilidade do segurador.
Pedro Alvim(obra citada, pág. 407) ensinou que “convém observar que, nestes casos, inverte-se o ônus da prova. Cabe ao segurador provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo de sua obrigação, de acordo com as normas processuais. Ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra si mesmo.
As apólices incluem, de costume, cláusula tornando explícita a obrigação do segurado ou do interessado no recebimento do seguro de apresentar os documentos hábeis sobre o sinistro.
O princípio dominante dos seguros de dano consta da regra segundo a qual não pode o segurado receber mais do que perdeu. O objeto do seguro é recoloca-lo na mesma situação em que se achava antes do sinistro, pondo a sua disposição o necessário para compensar os prejuízos.
O ônus da prova será do segurador.
Mas, em todo caso, aplica-se o princípio indenitário de que proíbe-se lucrar o segurado com o sinistro, pode o segurador arguir o excesso do valor dos bens, desde que ultrapasse um quarto do valor real, nos seguros marítimos(artigo 693) ou qualquer fração nos seguros terrestres, como já era previsto nos artigos 1.438 e 1.439.
A avaliação deverá ser feita pelo valor que os bens tinham na data do sinistro. Não é o valor histórico, da estimação ou de venda, mas o de reposição, isto é, o quantum necessário para que o segurado adquira outros bens nas mesmas condições em que se achavam quando destruídos ou subtraídos.
Para os seguros marítimos são aplicadas as regras do artigo 694 e 696, 697 e 699, onde se vê:
Art. 694 - Não se tendo declarado na apólice o valor certo do seguro sobre fazenda, será este determinado pelo preço da compra das mesmas fazendas, aumentado com as despesas que estas tiverem feito até o embarque, e mais o prêmio do seguro e a comissão de se efetuar, quando esta se tiver pago; por forma que, no caso de perda total, o segurado seja embolsado de todo o valor posto a risco. Na apólice de seguro sobre fretes sem valor fixo, será este determinado pela carta de fretamento, ou pelos conhecimentos, e pelo manifesto, ou livro da carga, cumulativamente em ambos os casos.
Art. 696 - O valor de mercadorias provenientes de fábricas, lavras ou fazendas do segurado, que não for determinado na apólice, será avaliado pelo preço que outras tais mercadorias poderiam obter no lugar do desembarque, sendo aí vendidas, aumentado na forma do artigo nº. 694.
V – AVALIAÇÃO DO SINISTRO
Na avaliação da indenização do seguro tem-se a avaliação direta quando os bens segurados podem ser identificados, medidos e pesados ou contados, segundo sua natureza, mesmo depois do evento.
Por sua vez, há as chamadas avaliações indiretas quando se verificam com mais frequência, no seguro-incêndio, quando as chamas destroem completamente os bens segurados ou quando se torne impraticável sua identificação.
Essa avaliação indireta consiste na determinação do valor global dos bens segurados e que se achavam no local. Prescinde da identificação e do valor de cada um dos objetos que compõem a universalidade segurada, como acontece na avaliação direta. Se a apólice destinar separadamente uma verba para cada grupo de bens, como, por exemplo, uma para produtos estocados, outra para produtos em fase de acabamento e, ainda, uma terceira para matéria-prima, é necessário conhecer o valor global de cada uma dessas verbas, como se fossem seguros independentes um do outro, como afirmou Pedro Alvim(obra citada, pág. 415).
Mas se o segurado é comerciante, a apuração dos prejuízos pode fazer-se pela contabilidade.
Verifica-se o estoque das mercadorias constante do último balanço. Adiciona-se-lhe o total das compras efetuadas depois do último balanço até o dia do sinistro, comprovadas por faturas e pela contabilidade. Da soma destas duas parcelas diminui-se o total das vendas efetuadas, desde o último balanço até a data do sinistro, também comprovadas pela escrituração mercantil, como ensinou ainda Pedro Alvim(obra citada, pág. 416).
Mas ainda lembrou Pedro Alvim que quando os bens destruídos são homogêneos, como, por exemplo, os estoques de café, de algodão, de soja e de outros produtos da lavoura, armazenados a granel ou em sacas, produz resultado satisfatório o sistema de cubagem da área atingida. Os indícios deixados pelas chamas nas paredes e no solo dão uma ideia aproximada da área ocupada antes pelos bens destruídos.
Se nenhum dos processos utilizados para avaliação surtir efeito, resta, como ainda ensinou Pedro Alvim(obra citada, pág. 417), o estudo comparativo com outras atividades do mesmo gênero e do mesmo porte.
VI – SALVADOS
O que são salvados?
Dá-se o nome de salvados aos remanescentes de sinistro parcial. Abrange todos os bens segurados que ficarem em perfeito estado e aqueles que sofrerem danos, mas tenham ainda algum valor econômico.
Procede-se a avaliação dos salvados, quando se torna impraticável o levantamento direito dos prejuízos. Ocorre com frequência no seguro-incêndio de casas comerciais ou parques industriais.
O acordo em torno dos salvados, como ainda revelou Pedro Alvim(obra citada, pág. 421) pode ser influenciado por circunstâncias estranhas ao estado material dos bens danificados. Se o segurado desiste de sua atividade empresarial, por efeito do sinistro, ou se for obrigado a aguardar um tempo relativamente grande, perde o interesse pelos salvados, já que não dispõe de condições para seu aproveitamento. Nesses casos, reluta em recebe-los, ainda que a avaliação lhe seja favorável.
Disse ainda Pedro Alvim:
“Ocorre, também, com certa frequência, o desinteresse pelos salvados, quando for importante para a comercialização dos produtos sua boa apresentação ou seu funcionamento perfeito.
Quando se verifica uma dessas hipóteses, a tendência normal do segurado é pretender o recebimento integral do valor dos bens danificados, deixando com o segurador os salvados. Como este não é obrigado a recebe-lo, senão em determinadas condições, a solução prática encontrada consiste em se promover sua alienação a terceiros.”
No artigo, salvados e sinistros: conceitos e suas implicações, Ricardo Bechara Santos, assim resume:
“O salvado de sinistro, e sua alienação por valor justo de mercado, há de ser interpretado como fator positivo na operação de seguro de dano e, por conseguinte, para o consumidor, porque, na ciência e na lógica, inclusive atuarial, do direito do seguro e da mutualidade que o caracteriza, quanto mais se restrinja o seu valor maior será o preço do seguro, este que leva em conta para o cálculo do prêmio a alienação dos salvados e por consequência o valor econômico dessa operação, que, pelo “Plano de Contas da Superintendência de Seguros Privados” é contabilizada como ressarcimento sub-rogatório sem qualificação de receita.
Com efeito, no que tange aos salvados de sinistros de veículos automotores, de via terrestre, o artigo 126 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, de redação simples, clara e objetiva, determina a baixa do registro de veículo irrecuperável ou definitivamente desmontado. Ocorre que os salvados de sinistros não são apenas os irrecuperáveis ou definitivamente desmontados, por isso nem todos suscetíveis de baixa do registro.
Não há confundir salvado de sinistro com sucata. Nesta última hipótese sim é que o artigo 126 do CTB determina, inexoravelmente, a baixa no registro competente. Um exemplo de salvado de sinistro não sucateado é o dos veículos furtados ou roubados não encontrados no prazo contratual (em regra de trinta dias) contado da data em que o fato delituoso ocorreu e desde que comunicado às autoridades policiais, situação em que os mesmos são indenizados pelo valor integral segurado. Encontrados esses veículos após o referido prazo, em bom estado como não raro acontece, serão eles recuperados e, estando em condições de circulação, não carecem de baixa no órgão de trânsito. Tais veículos, a toda evidência, não são ”irrecuperáveis ou definitivamente desmontados”, como revelam, à saciedade, as normas vigentes sobre a matéria.
Outro exemplo, bastante eloquente, é o dos salvados de sinistros cobertos por seguros no transporte de veículos zero quilômetro, pois basta uma mossa na lataria, ou leve arranhão, ocorrida no manejo do transporte, na carga ou na descarga, para se ter, contratualmente, uma “indenização integral” (antes denominada, impropriamente, de “perda total”), da qual o segurador se sub-rogará nos direitos desses salvados “zero quilômetro” e, nem por isso, terão sua baixa decretada ou perderão sua condição de veículo automotor, já que, por óbvio, sucatas não são.
Mesmo os veículos sinistrados por colisão e que tenham sido objeto de indenização integral não são, necessariamente, irrecuperáveis, pois se trata de critério puramente contratual autorizado pelas normas da SUSEP (ver Circular SUSEP nº 269/2004), por isso o veículo indenizado por tal critério contratual, desde que não se transforme em sucata, é passível de recuperação com a segurança necessária, desde que tomadas medidas que a legislação assim determina.
Ocorre que a perda financeira de mais de 75% (setenta e cinco por cento) do valor segurado, embora implique em obrigação de a Seguradora pagar a indenização integral prevista no contrato de seguro, não significa que o veículo sinistrado tenha se tornado, necessariamente, irrecuperável.
Em verdade, duas são as hipóteses possíveis, inconfundíveis entre si: 1ª) o sinistro pode causar a irrecuperabilidade do veículo, que então não mais será vendido como veículo, mas sim como sucata, não se afastando, entretanto, a possibilidade de aproveitamento de peças validadas por entidade a tanto credenciada conforme legislação em vigor (lei do desmonte – Lei nº 12.977 de 20 de maio de 2014); ou 2ª) o sinistro não acarreta a irrecuperabilidade do veículo, que pode, então, ser como tal alienado.
Quando o veículo for irrecuperável sob o aspecto mecânico, o mesmo é vendido como sucata e não como veículo, sendo procedida à baixa definitiva no Departamento de Trânsito Estadual ou do DF (DETRAN) mediante a entrega de toda documentação original e das placas respectivas, bem como recorte do chassi. Com este procedimento, é impossível que um veículo indenizado como irrecuperável pela seguradora volte a circular.
Quando o veículo for recuperável do ponto de vista mecânico ou mesmo se não apresentar danos mecânicos de quaisquer espécies (por exemplo, veículo recuperado de roubo ou furto), a Seguradora comunica a transferência da propriedade ao DETRAN e procede à venda do mesmo no estado em que se encontra. Tal venda é realizada em leilões públicos ou por meio de revendedores especializados em veículos sinistrados, sendo totalmente transparente ao futuro comprador o estado físico do veículo sinistrado que está sendo comercializado. Para que o veículo sinistrado seja legalizado e possa voltar a circular, deve o comprador, após reparar – por sua conta – os danos eventualmente existentes, submeter o veículo a uma inspeção em órgão autorizado pelo INMETRO, que atestará a sua capacidade técnica de circulação e emitirá o competente Certificado de Segurança Veicular.
É exatamente o que determinam as normas regulamentadoras vigentes do CONTRAN, consoante as quais o veículo envolvido em acidente deve ser avaliado pela autoridade de trânsito ou seu agente, na esfera das suas competências estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro, e ter o seu dano classificado conforme estabelecido, hoje, na Resolução nº 544 de agosto de 2015 (antes respectivamente pelas Resoluções 25/98 e 362/10), conforme sejam os danos de pequena, média e grande monta, sendo que, em caso de danos de média e grande monta, o órgão ou entidade fiscalizadora responsável pela ocorrência, deverá comunicar o fato ao órgão executivo de trânsito dos Estados ou do Distrito Federal, onde o veículo for licenciado, juntando os registros que possibilitam a classificação do dano, para adoção das medidas administrativas pertinentes, de modo que seja providenciado o bloqueio no cadastro do veiculo, que será registrado na Base de Índice Nacional – BIN, pertencente ao RENAVAN, contendo a data do sinistro, o tipo de dano classificado, o órgão executivo de trânsito do Estado ou do DF responsável pela inclusão e, se for o caso, o número do Boletim de Ocorrência de Acidente de Trânsito – BOAT e o órgão fiscalizador responsável pela ocorrência.
Enquanto perdurar a restrição administrativa imposta será proibida a circulação do veículo em via pública, devendo o respectivo órgão executivo de trânsito notificar o proprietário com a informação sobre as providências para regularização ou baixa do veículo, sendo que será possível o desbloqueio do veículo que tenha sofrido dano de média monta, desde que cumpridas determinadas exigências previstas na Resolução, tais como (I) apresentação do Certificado de Registro de Veículos – CRV e Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV originais (II) comprovação do serviço executado e das peças utilizadas com as respectivas notas fiscais; (III) Certificado de Segurança Veicular – CSV expedido por Instituição Técnica Licenciada, devidamente credenciada pelo DENATRAN e acreditada pelo INMETRO; (IV) comprovação da autenticidade da identificação do veículo mediante vistoria do órgão executivo de trânsito competente ou entidade por ele autorizada. Não sem lembrar de que o desbloqueio do veículo ficará vinculado à emissão de um novo CRV, no qual já estarão inseridas as informações relativas ao sinistro.
Caso não ocorra a recuperação do veículo, seu proprietário deve providenciar a baixa do registro de acordo com o artigo 126 do CTB e regulamentação complementar, em respeito à necessária e inarredável “Segurança Veicular”.
O veículo enquadrado na categoria de “dano de grande monta” deve ser classificado como “irrecuperável” pelo órgão executivo de trânsito, devendo, por conseguinte, ser executada a baixa do seu cadastro na forma determinada pelo CTB, cabendo ao interessado, querendo, a apresentação de recurso com vistas ao reenquadramento do dano, mediante o cumprimento de exigências determinadas na Resolução em comento.
Portanto, verdade é que as seguradoras agem em consonância com o que determina o artigo 126 do CTB e demais normas legais aplicáveis, não havendo o mínimo de sustento na alegação de que as seguradoras procedem à venda de veículos recuperados de “perda total” (leia-se indenização integral), a preço de mercado, como se fossem novos.
Referidas disposições legais determinam tão somente que o proprietário de ”veículo irrecuperável” ou “definitivamente desmontado” requeira a baixa do registro, no prazo e na forma estabelecidos pelo CONTRAN, sendo vedada a remontagem do veículo sobre o mesmo chassi, de forma a manter o registro anterior.
Relevante frisar que tal se dá também no interesse dos consumidores, já que a alienação de veículos sinistrados é fator de redução do prêmio de seguro pago pelo segurado, pois o ressarcimento com a alienação dos salvados integra o cálculo atuarial do prêmio, tornando menos oneroso, em prol do grupo segurado, o custo do seguro. Esta é a razão pela qual “o produto da venda dos salvados é contabilizado como recuperação de indenização da seguradora”, como diz, com acerto, a SUSEP (PARECER/GEACO/DECON/Nº9/18.05.1993).”
Ainda com relação a alienação de salvados disse Bechara Santos:
“Por outro giro, caberia aqui também registrar que nenhuma abusividade existe na cláusula de alienação de salvados, muito pelo contrário, tem sido entendimento copioso do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que a abusividade não basta ser alegada, há de ser cabalmente comprovada. Basta, para não citar outras, conferir com a decisão unânime proferida no REsp nº 1.216.673-SP (2010/0184273-9) de junho de 2011, de relatoria do eminente Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA que julgou improcedente ação civil pública em que se pretendia taxar de abusiva cláusula de contrato regulado pela SUSEP sem se dar ao trabalho de demonstrar a ilicitude. E dentre os fundamentos da decisão, um deles foi justamente o de que … não pode o juiz, com base no CDC determinar a anulação de cláusula contratual expressamente admitida pelo ordenamento jurídico pátrio se não houver evidência de que o consumidor tenha sido levado a erro quanto ao seu conteúdo. No caso concreto, não há nenhuma alegação de que a recorrente tenha omitido informações aos consumidores ou agido de maneira a neles incutir falsas expectativas. Deve ser utilizada a técnica do “diálogo das fontes” para harmonizar a aplicação concomitante de dois diplomas legais ao mesmo negócio jurídico.
Acresça-se que o próprio CDC admite cláusulas restritivas ao direito do consumidor (art. 54, § 4º), salvo se abusivas. E abusiva não é, de forma alguma, a prática decorrente da “cláusula de indenização integral” e consequente alienação dos salvados de sinistros pelo valor econômico que representa, jamais sempre como sucata, porque, consoante o seu artigo 51:
(I) não coloca o consumidor em desvantagem exagerada; (II) não é incompatível com a boa-fé ou a equidade; (III) não ofende princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
(IV) não restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato de tal modo a ameaçar o seu objeto ou o equilíbrio contratual; (V) não é excessivamente onerosa para o consumidor considerando a natureza e conteúdo do contrato ou o interesse das partes e da operação securitária. Pelo contrário, protege os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence.
Verdade inconcussa, portanto, é a de que os veículos alienados pelas Seguradoras não são por elas recondicionados, mas transferidos aos adquirentes no estado em que se encontram (estado em que o veículo é adquirido, obrigatoriamente, pela Seguradora, por abandono sub-rogatório, já com perda financeira de mais de 75% do valor segurado), indenizando-o pelo valor integral estabelecido no contrato de seguro, mas não significando que todo o veículo com danos acima de 75% se encontre ou se mostre irrecuperável, pois se trata de uma “perda total convencional” (vale repetir, hoje mais apropriadamente denominada “indenização integral”), apenas para fins de indenização do sinistro, jamais como corolário da baixa dos veículos sinistrados.
A alienação de salvados é simplesmente um ato de liquidação de sinistros, pensada e praticada em benefício dos consumidores de seguro porque, adrede, levada à conta do prêmio, por isso os desvios indevidos do seu valor, de automóvel para sucata, refletirão, como se viu ampla e repetidamente, no custo do seguro a dano do consumidor.
Em fundamento a essa afirmação basta atentar para a leitura do que de há muito já dizia e ainda diz, exemplarmente, o Código Comercial, quer quanto ao abandono (título XII), quer quanto à liquidação da coisa avariada:
Art. 753 – É lícito ao segurado fazer abandono dos objetos seguros, e pedir ao segurador a indenização da perda total nos seguintes casos:
……………………….
III – perda total do objeto seguro, ou deterioração que importe pelo menos três quartos do valor da coisa segurada.
Art. 773 – Os efeitos avariados serão sempre vendidos em público leilão a quem mais der, e pagos no ato da arrematação; e o mesmo se praticará com o navio, quando ele tenha que ser vendido segundo as disposições deste Código; em tais casos o juiz, se assim lhe parecer conveniente, ou se algum interessado o requerer, poderá determinar que o casco e cada um dos seus pertences se vendam separadamente.
A liquidação dos salvados, em se tratando de seguros terrestres, obedece a essa mesma sistemática, guardadas as peculiaridades de cada operação, que é adotada pela já antes citada Circular SUSEP nº 269/04.
Realmente, se os danos que atingiram o veículo o tornam efetivamente imprestável à circulação, as Seguradoras, imediatamente, procedem à baixa junto aos órgãos de trânsito, declarando-o como veículo com “perda total real irrecuperável”, podendo ser alienadas somente suas peças. Por outro lado, veículos roubados ou furtados, mas recuperados pelas Seguradoras com perda financeira contratual de mais de 75%, são classificados também como “perda total” para fins de indenização integral, mas nem por isto sem condições de circulação, não carecendo de baixa no órgão de trânsito.
Demais porque, transformar veículos recuperáveis em “bens fora de comércio”, é pretensão que viola o direto constitucional de propriedade das sociedades seguradoras e, por conseguinte, da mutualidade por elas gerida.
Oportuno sempre realçar, sem a pecha da repetitividade, que o direito ao ressarcimento sub-rogatório conferido ao segurador na alienação de salvados reflete positivamente no cálculo do prêmio, em benefício do consumidor de seguro. A alternativa de se deixar o salvado com o segurado seria sem dúvida para ele a solução menos vantajosa, como menos vantajoso seria igualmente o aumento no custo do prêmio acarretado por qualquer cerceamento ao segurador na alienação dos salvados, como, por exemplo, ter que transformar em sucata um veículo técnica e juridicamente recuperável.
Já determinava a legislação federal anterior (Lei 8.722/93 e Decreto 1.305/94), que não teria sido revogada pelo novo Código de Trânsito Brasileiro – posto que legislação mais específica sobre o tema e que imprime os conceitos de veículo irrecuperável a que o Código de Trânsito não desceu tanto aos detalhes para fazê-lo –, a obrigatoriedade de baixa dos veículos considerados pela seguradora como irrecuperáveis e que, como tais, deveriam ser comercializados como SUCATA.
A Lei nº 8.722/93, ao tornar obrigatória a baixa de veículos, vendidos ou leiloados como sucata, conferiu ao Poder Executivo, ouvido o CONTRAN, a tarefa de regulamentar a matéria, da qual se desincumbiu através, primeiramente, do Decreto nº 1.305, de 09/11/94, que logo no seu artigo 1º assim preceituou, in verbis, para definir o veículo irrecuperável visando sua baixa obrigatória como sucata:
Para efeito de aplicação deste decreto, considera-se irrecuperável todo veículo que em razão de sinistro, intempéries ou desuso, haja sofrido danos ou avarias em sua estrutura, capazes de inviabilizar recuperação que atenda aos requisitos de segurança veicular, necessária para circulação nas vias públicas.
O mesmo Decreto, também já elencava as pessoas ou entidades que devem requerer essa baixa, dentre elas, o proprietário, o segurador sub-rogado, o leiloeiro, a autoridade etc.
Realmente, na aplicação do então novo Código de Trânsito Brasileiro, ao referir-se a ‘perda total’, há de se buscar subsídios na lei especial por ele recepcionada, que imprime o conceito de veículo irrecuperável, por que só este será suscetível de ser retirado do mundo jurídico, de tornar-se coisa fora de comércio, sob pena de se estar violando o direito de propriedade fundamentalmente assegurado pela Constituição Federal.”
VII – A NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE A ALIENAÇÃO DOS SALVADOS DO SINISTRO PELA SEGURADORA
Em face da Súmula Vinculante nº 32/11, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu:
O ICMS não incide sobre alienação de salvados de sinistro pelas seguradoras.
Precedentes Representativos
Incidência de ICMS na alienação, pela seguradora, de salvados de sinistro. 3. A alienação de salvados configura atividade integrante das operações de seguros e não tem natureza de circulação de mercadoria para fins de incidência do ICMS. 4. Inconstitucionalidade da expressão “e as seguradoras”, do inciso IV do art. 15 da Lei 6.763/1975, com redação dada pelo art. 1º da Lei 9.758/1989, do Estado de Minas Gerais. 5. Violação dos arts. 22, VII, e 153, V, da CF/1988.
[ADI 1.648, rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 16-2-2011, DJE 233 de 9-12-2011.]
Registro que por vedação legal “As Sociedades Seguradoras não poderão explorar qualquer outro ramo de comércio ou indústria” (art. 73 do DL 73/1966), de maneira que elas não são e nem poderiam ser “comerciantes de ferro velho”. O que ocorre é que, por disposição contratual, as seguradoras recebem por ato unilateral a propriedade do bem nas hipóteses em que, em razão de sinistro, tenha perdido mais de 75% do valor segurado. Ressalto que as companhias de seguro são obrigadas a pagar ao segurado 100% do valor do bem. A posterior alienação dos salvados, pelas seguradoras, tem, quando muito, o condão de recuperar parcela da indenização que haja superado o dano ocorrido. Não há, dessa forma, finalidade de obter lucro, não havendo, portanto, intenção comercial. Este é o sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme se depreende do Enunciado 541 da Súmula do Tribunal (...). O objeto das operações das seguradoras é o seguro. A eventual alienação dos salvados não os torna mercadorias (...).
[RE 588.149, voto do rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 16-2-2011, DJE 107 de 6-6-2011.]
Jurisprudência selecionada
● ICMS na operação de saída do bem sinistrado da seguradora anterior à edição da Súmula Vinculante 32
Como afirmado na decisão agravada, o que se pôs em foco nesta reclamação é se o Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Estado do Rio Grande do Sul teria desrespeitado a Súmula Vinculante 32 do Supremo Tribunal Federal, ao inscrever a agravante na dívida ativa em razão de sua condenação no Processo 76487-14.00/10-4, no qual se reconheceu a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na operação de saída do bem sinistrado da seguradora. (...) Na espécie vertente, a decisão administrativa foi proferida pelo Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais em 9-2-2011 (fl. 2, doc. 3) e a Súmula Vinculante 32foi editada na sessão plenária de 16-2-2011, ou seja, posteriormente ao ato administrativo impugnado.
Essa circunstância afasta a arguição de desrespeito a uma súmula vinculante até então inexistente. (...) Registre-se que a inscrição no cadastro da dívida ativa é ato jurídico que tem por objetivo legitimar a cobrança do crédito tributário pela Fazenda Pública, isto é, o crédito tributário é levado à inscrição como dívida ativa depois de definitivamente constituído. A dívida ativa tributária decorre de crédito tributário regularmente inscrito na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo para pagamento fixado pela lei ou, como no caso dos autos, por decisão administrativa final proferida em processo regular, conforme dispõe o art. 201 do CTN/1966. A Súmula Vinculante 32 do Supremo Tribunal Federal apenas dispõe que “o ICMS não incide sobre alienação de salvados de sinistro pelas seguradoras”. Assim, não há identidade material entre a inscrição da agravante no cadastro da dívida ativa e o disposto na Súmula Vinculante 32 deste Supremo Tribunal, apontada como paradigma, conforme exige a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
[Rcl 11.667 AgR, voto da rel. min. Cármen Lúcia, P, j. 30-6-2011, DJE 151 de 8-8-2011.]
VIII – A VENDA DOS SALVADOS
A venda dos salvados a terceiros pode não convir ainda ao segurador ou não existir na ocasião interessados em sua aquisição. A hipótese se verifica com alguma frequência em certos ramos de seguros, como, por exemplo, o de automóveis.
Assim, como disse Pedro Alvim(obra citada, pág. 422), “costumam os seguradores, embora não sejam obrigados a adotar a medida, indenizar ao segurado integralmente pelo valor do bem antes do sinistro, mediante transferência para seu nome dos salvados. São vendidos posteriormente pelo próprio segurador a terceiros, no estado em que se acham ou depois de algum beneficiamento para melhorar suas condições.”
Mas há o entendimento de que a venda dos salvados representa inconveniências.
Ainda que se tome o cuidado de alienar a coisa como salvados para aproveitamento diferente de sua utilidade original, haverá sempre um risco. Tal acontecerá com os veículos. A transferência do segurado para o segurador e deste para o terceiro do veículo danificado se faz como sucata para aproveitamento de peças, por isso não há necessidade de formalização no órgão oficial de trânsito.
Mas se o comprador, como advertiu Pedro Alvim, resolve fazer a recuperação do veículo e o põe em circulação, encontrará dificuldades para regularizar sua situação legal. Terá que procurar o antigo proprietário, isto é, o segurado para obter a necessária autorização, uma vez que figura seu nome nos registros oficiais.