A PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO RESSARCIMENTO DO ILÍCITO CIVIL DE SEU PATRIMÔNIO.

02/08/2019 às 15:28
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Com o julgamento do Recurso Extraordinário de nº 669.069 pelo Supremo Tribunal Federal, fixou o prazo quinquenal para que a União efetue o ressarcimento dos danos causados pelos administrados a seu patrimônio.

A PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO RESSARCIMENTO DO ILÍCITO CIVIL DE SEU PATRIMÔNIO.

INTRODUÇÃO

            O presente trabalho científico terá por finalidade analisar os efeitos do julgamento, com efeito erga omnis, do Recurso Extraordinário nº 669.069 do Supremo Tribunal Federal, que fixou o prazo de cinco anos para que a União e seus entes, efetuem a cobrança pelos atos ilícitos, decorrentes de cláusulas contratuais ou responsabilidade civil, que causem danos ao erário público.

 

Assim sendo, o presente artigo será dividido em dois capítulos. No primeiro capítulo será analisada a prescrição quinquenal fixada pelo STF para o pedido de ressarcimento de danos ao erário público. No segundo capítulo será analisada a validade dos atos administrativos de cobrança por parte da União, os quais, com a ocorrência da prescrição, está viciados pela ausência de legalidade.

Para alcançar o desiderato científico proposto, será utilizada a metodologia empregada será a pesquisa em doutrina e jurisprudência, assim como a coleta de informações, dados e casos práticos da ação da Administração Pública.

Por fim, o objeto deste trabalho cientifico voltará em desenvolver, examinar e identificar os princípios do direito administrativo, que garante ao administrado a segurança jurídica decorrente da prescrição do direito material, garantindo assim que não sejam feitas cobranças indevidas.

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CAPÍTULO 1. DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO RESSARCIMENTO DO DANO

 

Até o início dos anos noventa, muitas escolas de aviação receberam aeronaves da União, por intermédio do extinto DAC (Departamento de Aviação Civil), para fomentar o ensino da aviação civil no Brasil, mediante contrato de cessão de uso. Após o recebimento das aeronaves, as escolas passaram a utilizá-las, as quais muitas acabaram por sofrer acidente ou mesmo utilizando o total de horas disponíveis da sua vida útil, impossibilitando o uso das mesmas, as quais foram dadas como irrecuperáveis.

Com a extinção do DAC no ano de 2005, todas as aeronaves que estavam sob a sua responsabilidade, passaram para a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), que veio a ocupar o lugar do DAC.

Ocorre que, após um inventário do patrimônio, a ANAC iniciou diversos procedimentos administrativos de cobrança das escolas de aviação, visando ser ressarcida das aeronaves dadas como irrecuperáveis, sob o argumento de que o ressarcimento encontra fundamento nas cláusulas contratuais quarta e quinta do contrato de cessão de uso, cuja redação se transcreve:

 

Cláusula Quarta: O DONATÁRIO se obriga a manter a aeronave à suas próprias expensas, seja para operação, manutenção, recuperação, inclusive quanto às peças de reposição, bem como translado, quando for o caso.

Cláusula Quinta – Ao DONATÁRIO caberão os encargos de seguro, de acordo com a legislação em vigor, além daqueles necessários à formalização da transferência de propriedade e no prazo especifico, bem como quanto aos encargos fiscais, estaduais e municipais, quando incidente.

Parágrafo único – No caso de o DONATÁRIO deixar de cumprir nos prazos especificados na legislação os encargos descritos no caput desta cláusula, a aeronave reverterá imediatamente à União, sob jurisdição do Ministério da Justiça.

 

   Ainda nos processos administrativos de ressarcimento, a ANAC alega que o não pagamento do valor informado por ela na esfera administrativa, ensejará o pedido judicial de ressarcimentos de danos ao patrimônio da União.

   Ocorre que, os acidentes que geraram o pedido administrativo de ressarcimento da ANAC contra as escolas de aviação, ocorreram ha mais de cinco anos da data do acidente, estando o pedido atingido pela prescrição da ação, impossibilitando o seu ressarcimento.

Mas a ANAC não aceita esse prazo extinto do exercício do direito, alegando que o ressarcimento aos cofres de União é imprescritível, ingressando judicialmente com pedidos de ressarcimento.

No entanto, pelo Princípio da Igualdade (art. 5º, caput, da CF) há algum tempo a doutrina e a jurisprudência já firmavam o entendimento de que, se o administrado possui cinco anos para ingressar com ação de ressarcimento por atos decorrente de responsabilidade civil (Decreto-Lei nº 20.910/1932), o mesmo prazo deveria ser aplicado com o credor da reparação fosse a União ou as pessoas que compõem a Administração Indireta.

A matéria em questão foi confrontada pelo Supremo Tribunal Federal em 2016, através do Recurso Extraordinário nº 669.069, foi reconhecido que a União possui o prazo de cinco anos para ingressar com o pedido de ressarcimento, pois ultrapassado esse prazo, ocorrerá à prescrição ao direito de ação.

 

1.1. O Entendimento Doutrinário da Prescrição da Ação da Administração Pública contra o Particular.

 

  Hely Lopes Meirelles (2016, pág. 887), conceitua a prescrição como a perda da ação pelo transcurso do prazo para seu ajuizamento ou pelo abandono da causa durante o processo.

  Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, pág. 1070), a prescrição é:

 

A prescrição, instituto concebido em favor da estabilidade e segurança jurídicas (objetivo, este, também compartilhado pela decadência), e, segundo entendimento que acolhemos, arrimados em lição de Câmara Leal, a perda da ação judicial, vale dizer, do meio de defesa de uma pretensão jurídica, pela exaustão do prazo legalmente previsto para utiliza-la.

 

            Em relação ao prazo prescricional do administrado contra a Administração Pública, Hely Lopes Meirelles (2016, pág. 888), ensina que:

 

A prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública e suas autarquias é de cinco anos, conforme estabelece o Dec. ditatorial (com força de lei) 20.910, de 6.1.32, complementado pelo Dec.-lei 4.597, de 19.8.42. Essa prescrição quinquenal constitui a regra em favor de todas as Fazendas, autai:'quias, fundações públicas e empresas estatais.

 

            Já quanto ao prazo da Administração Pública contra o administrado por danos ao erário público, Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, pág, 1076) diz que também podem se extinguir por decurso do prazo as ações judiciais da Administração contra o administrado.

            O próprio Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, pág. 1080) diz que houve uma mudança no entendimento da matéria:

 

Até a 26ª edição deste Curso admitimos que, por força do § 5º do art. 37, de acordo com o qual os prazos de prescrição para ilícitos causados ao erário serão estabelecidos por lei, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento, estas ultimas seriam imprescritíveis. E certo que aderíamos a tal entendimento com evidente desconforto, por ser obvio o desacerto de tal solução normativa.

 

            No tocando ao lapso temporal, Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, págs. 1078-1080), leciona que:

 

Não ha regra alguma fixando genericamente um prazo prescricional para as ações judiciais do Poder Publico em face do administrado. Ve-se, pois, que este prazo de cinco anos e uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Publico, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais, salvo disposição legal explicita, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem ações. Isto posto, estamos em que, faltando regra especifica que disponha de modo diverso, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé em uma, outra ou em ambas as partes de relação jurídica que envolva atos ampliativos de direito dos administrados, o prazo para a Administração proceder judicialmente contra eles e, como regra, de cinco anos, quer se trate de atos nulos, quer se trate de atos anuláveis.

 

            Assim, até o julgamento do RE 669.069 pelo STF, não havia uma regra definida sobre o prazo de prescrição da Administração Pública contra o administrado, mas sim uma interpretação analógica, onde se aplicavam o prazo de cinco anos, prazo esse que seria o mesmo para a Administração Pública rever seus atos (art. 54 da Lei nº 9.784/99)

 

1.2. O Julgamento do Recurso Extraordinário de nº 669.069, pelo Supremo Tribunal de Federal.

 

            O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário de nº 669.069, fixou o prazo de cinco anos para que a União, suas Agências ou Autarquias, efetuem a cobrança pelo ressarcimento, cuja ementa transcrevesse:

 

ADMINISTRATIVO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA RESSALVA FINAL PREVISTA NO ARTIGO 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário no qual se discute o alcance da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário prevista no artigo 37, § 5º, da Constituição Federal. PRONUNCIAMENTO: PRESCRIÇÃO – AÇÃO PATRIMONIAL – RESSARCIMENTO DO ESTADO – ARTIGO 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – RECONHECIMENTO NA ORIGEM DO PRAZO QUINQUENAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento.                  

 

            Diante desse julgamento, cujos efeitos são erga omnis, a União, quer por meio do extinto DAC, quer seja pela ANAC, tinha apenas o prazo de 05 (cinco) anos para efetuar a cobrança do ressarcimento ao erário público, em decorrência dos danos decorrentes do ilícito civil contratual, a partir da data do acidente, mas não o fez.

            Notadamente na prática, o que se vê é a ANAC cobrando pelo ressarcimento após os cinco anos da data dos anos à aeronave, havendo casos em que o acidente ocorreu há vinte anos, o que torna a cobrança indevida e ilegal, ensejando a devolução dos valores.

            Ventilada a matéria em sede administrativa, a ANAC não aceita a decisão do STF, passando a indeferir os recursos administrativos, fazendo com que as Escolas de Aviação Civil, procurem o Poder Judiciário para declarar judicialmente a prescrição, dada a ilegalidade do ato administrativo praticado.

           

2. DA AUSÊNCIA DA LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO EM DECORRÊNCIA DA INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO.

 

                Em decorrência do lapso temporal entre os fatos que causaram danos as aeronaves e, por conseguinte, ao patrimônio da União, e o início do processo administrativo promovido pela ANAC contra as Escolas de Aviação, faltou ao ato administrativo o pressuposto da legalidade.

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            Havendo a ausência do pressuposto da legalidade, o ato administrativo torna-se nulo, ensejando assim o seu controle interno, pela própria Administração Públicas (Súmula 473 do STF), ou externo, por meio do Poder Judiciário.

            Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, pág. 389) conceitua ato administrativo como sendo:

 

declaração do Estado, ou de quem lhe faça as vezes, no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgãos jurisdicionais.

 

            Já Hely Lopes Meirelles (2016, pág. 173), conceitua como:

 

toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.

 

            Por fim, temos o conceito de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2017, pág. 237):

 

declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário.

 

            Da analise desses conceitos doutrinários, um requisito ou elemento é comum a todos: a observância da lei ou ao princípio da legalidade, sujeitos ao controle externo de legalidade.

            Os atos administrativos são revestidos de propriedades jurídicas especiais decorrentes da supremacia do interesse público sobre o privado. Nessas características, reside o traço fundamental entre os atos administrativos e as demais categorias de atos jurídicos.

            A doutrina mais moderna faz referência a cinco atributos, também chamados de requisitos, de validade do ato administrativo, quais sejam: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade, autoexecutoriedade ou executoriedade, e tipicidade.

            No caso em analise, os atributos aplicáveis são o da presunção de legitimidade ou legalidade e o da tipicidade.

            Segundo a doutrina, a presunção de legitimidade, também conhecido como presunção de legalidade ou presunção de veracidade, significa que, até prova em contrário, o ato administrativo é considerado válido para o direito.

            Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2017, pág. 239), há cinco fundamentos para justificar a presunção de legitimidade:

 

1. o procedimento e as formalidades que antecedem sua edição, constituindo garantia de observância da lei; 2. o fato de expressar a soberania do poder estatal, de modo que a autoridade que expede o ato o faz com consentimento de todos; 3. a necessidade de assegurar celeridade no cumprimento das decisões administrativas; 4. os mecanismos de controle sobre a legalidade do ato; 5. a sujeição da Administração ao princípio da legalidade, presumindo-se que seus atos foram praticados em conformidade com a lei.

 

            Assim, temos que a ANAC, sendo uma Autarquia, tem por obrigação agir somente dentro do que a lei permite, ou seja, somente pode praticar o que está autorizado em lei.

            No caso os pedidos de ressarcimento, a prescrição do exercício do direito material do ressarcimento lhe alcança quando do início do processo administrativo de cobrança contra as Escolas de Aviação Civil, tornando o ato administrativo nulo, por lhe faltar o atributo da legalidade e da tipicidade.

            Dispõe o artigo 37, § 5º, da Constituição Federal:

 

A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

 

            A expressão “ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento” deu ensejo, no passado, ao entendimento de que são imprescritíveis as ações ajuizadas em decorrência de ato de improbidade administrativa no que diz respeito ao dano causado ao erário.

            Contudo, quando do julgamento do RE 669.069, o STF concluiu a tese de que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil, cujo efeitos é erga omnis. Isto é, a Fazenda Pública tem cinco ação para propor a ação de ressarcimento de ilícito civil, decorrente da responsabilidade civil ou contratual. Tal prazo, como bem foi definido no julgamento do RE, não é aplicável a ações que busquem o ressarcimento ao erário em decorrência de ato de improbidade administrativa.

            Portanto, tornou-se induvidoso que a regra do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal contém dois prazos de ressarcimento: o primeiro, da prescritibilidade dos ilícitos administrativos praticados por qualquer agente público, segundo dispuser a lei; e o segundo, o da imprescritibilidade das ações de ressarcimento, não podendo a lei, obviamente, dispor em contrário.

            Não cabe a afirmação de que o Princípio Constitucional da Segurança Jurídica seria causa de impedimento da declaração de imprescritibilidade dessas ações. O princípio ocupa, hierarquicamente, o mesmo patamar que o da norma que previu a imprescritibilidade. Se a Carta da República pode determinar que a lei cumpra, peremptoriamente a paz social, o Princípio da Segurança Jurídica pode também excepcionar tal determinação.

            Assim, no juízo de valores considerados importantes, o da Segurança Jurídica, a Constituição Federal formula opção legal válida, excepcionando determinadas situações da possibilidade de prescrição.

            Hely Lopes Meirelles (2016, pág. 817), sobre a aplicação do Princípio da Segurança Jurídica em sede de prescrição, para fins de estabilização do direito, leciona que:

 

O instituto da prescrição administrativa encontra justificativa na necessidade de estabilização das relações entre o adminis1trado e a Administração e entre esta e seus servidores, em obediência ao princípio da segurança jurídica. Transcorrido o prazo prescricional, fica a Administração, o administrado ou o servidor impedido de praticar o ato prescrito, sendo inoperante o extemporâneo.

 

            Dessa forma, resta razoavelmente clara e expressa a imprescritibilidade na questão de atos de improbidade administrativa e a prescitibilidade nos casos de danos decorrentes de ilícito civil.

            Por essa exposição, restar claro que estando prescrito o exercício do direito material da ANAC, esta não poderia estar exigindo, de forma imperiosa e sob a coação de serem tomadas medidas judiciais, o valor do ressarcimento às Escolas de Aviação Civil que, a luz do julgamento do RE nº 669.069 pelo STF, estão sob o manto da prescrição do direito de ação da ANAC.

            Situação diversa neste momento, onde está claro que o ato administrativo praticado estava carente dos atributos de legalidade ou legitimidade e da tipicidade, retirando assim a sua validade e tornando o nulo, com efeitos ex tunc.

            Assim, legítimo é a realização do controle da legalidade, realizada pela própria Administração Pública (Súmula 473 do STF) ou pelo Poder Judiciário, para declarar a nulidade do ato administrativo.

            Nesse mister, o que se pretende aqui não é, em momento algum, adentrar ao mérito administrativo, mas sim se valer do controle de legalidade correlato, valendo colacionar, neste ponto a lição de Hely Lopes Meirelles (2016, pág. 606):

 

Os atos sujeitos a controle judicial comum são os administrativos em geral. No nosso sistema de jurisdição judicial única, consagrado pelo preceito constitucional de que não se pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito, individualizou coletivo (art. 5º, XXXV), a Justiça ordinária tem a faculdade de julgar todo ato de administração, praticado por agente de qualquer dos órgãos ou Poderes Estado. Sua limitação é apenas quanto ao objeto do controle, que há de ser unicamente a legalidade, sendo-lhe vedada pronunciar-se sobre conveniência, oportunidade ou eficiência do ato em exame, ou seja, sobre o mérito administrativo.

                                  

            Como é cediço, os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, conforme ensina Hely Lopes Meirelles (2016, pág.182):

 

Os atos administrativos, qualquer que seja sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da legalidade da Administração (art. 37 da CF), que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental. Além disso, a presunção de legitimidade dos atos administrativos responde a exigências de celeridade, segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de seus atos, para só após dar-lhes execução.

 

            Contudo, essa presunção é relativa, ou seja, fenecerá caso haja prova em sentido contrário. Aliás, esta também é a lição de Helly Lopes Meirelles (2016, pág. 183):

 

Outra consequência da presunção de legitimidade é a transferência do ônus da prova de invalidade do ato administrativo para quem a invoca. Cuide-se de arguição de nulidade do ato, por vício formal ou ideológico ou de motivo, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante, e até sua anulação o ato terá plena eficácia.

 

            Na situação narrada, não se verifica a existência da legalidade ou legitimidade e da tipicidade do ato administrativo, em face da ocorrência da prescrição do exercício do direito material, princípios esses elencados no artigo 37, caput, da Constituição Federal:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 

            Assim como também repetidos no caput do artigo 2º da Lei nº 9.784/99:

 

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

 

            Portanto, o ato administrativo que motivou a ANAC a efetuar a cobrança das Escolas de Aviação Civil a título de ressarcimento ao erário público, decorrente do ato ilícito pelos danos da não recuperação das aeronaves danificadas, quando estes ocorreram há mais de cinco anos, está eivado de vício insanável – prescrição do exercício do direito material, devendo o mesmo ser declarado nulo, com efeito ex tunc, pela própria Administração Pública ou, caso esta não o declarece, pelo Poder Judiciário, garantindo assim o devido controle de legalidade dos atos administrativos.

            Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, quando do julgamento da Apelação Cível nº 5002442-29.2016.4.04.7117/RS pela 4ª Turma, cujo Relator foi o Juiz Desembargador Luiz Alberto D´Azevedo Aurvalle, julgado em 25 de janeiro de 2017, confrontando o tema, já decidiu pela aplicação da prescrição do exercício do direito material da ANAC:

 

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. TERMO INICIAL. CONHECIMENTO INEQUÍVOCO DAS RAZÕES DO ACIDENTE. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL - OCORRÊNCIA. Tratando-se de pedido de indenização por danos materiais de aeronave, tem-se como termo inicial a data do conhecimento inequívoco das razões do acidente, o que foi possível somente após a conclusão do Relatório Final do CENIPA.

 

            Portanto, ultrapassado o prazo quinquenal entre a data do acidente, ou da conclusão do relatório final do CENIPA (Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), e o início do processo administrativo ou judicial de ressarcimento de danos, haverá a ocorrência da prescrição do direito de ação, deixando a ANAC de poder exigir a efetiva reparação.

            Entretanto, quando da defesa na esfera administrativa, a ANAC diverge seu entendimento, para justificar a recursa do argumento da prescrição por parte das Escolas de Aviação Civil, que a reparação é imprescritível, pois se trata de dano ao erário público, tratando a situação como se fosse ato de improbidade administrativa.

            Ou seja, temos que a ANAC muda o seu fundamento de cobrança quando é questionada por meio da defesa das Escolas de Aviação Civil, violando aquela o Princípio da Motivação, violando assim a Teoria dos Motivos Determinantes, pois quando do momento da cobrança a ANAC fundamenta seu pedido de ressarcimento em cláusula contratual, mas quando questionada, sendo ventilada a prescrição, diz que se trata de ressarcimento por improbidade administrativa.

            Segundo o entendimento doutrinário, o princípio da obrigatória motivação impõe à Administração Pública o dever de indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinaram a prática do ato, conforme previsão expressa do art. 2º, parágrafo único, VII, da Lei nº 9.784/99.

            Assim, a validade do ato administrativo está condicionada à apresentação por escrito dos fundamentos fáticos e jurídicos justificadores da decisão adotada.

            O dever de motivar os atos administrativos encontra fundamento em diversos dispositivos normativos, merecendo destaque a adequada compreensão do referido princípio, onde: a motivação é a justificativa escrita sobre as razões fáticas e jurídicas que determinaram a prática do ato; o motivo é o fato que autoriza a realização do ato administrativo; a causa é o nexo de pertinência lógica entre o motivo do ato e o conteúdo, sendo útil para aferir a proporcionalidade da conduta.

            Tendo em vista a diferença entre motivo e motivação do ato administrativo é possível concluir que existe uma sequência obrigatória e cronológica a ser observada entre esses três acontecimentos: motivo é o fato concreto que autoriza o ato, este por sua vez é a decisão administrativa praticada como resposta ao fato; já a motivação é a justificativa escrita apontando os fundamentos que levaram à prática do ato.

            Importante destacar que a inversão dessa ordem ou a supressão de um desses elementos importa em nulidade do processo decisório. É a conclusão que melhor se coaduna com a norma do art. 50 da Lei nº 9.784/99.

            O texto de lei não faz qualquer diferenciação quanto ao ato ser vinculado ou discricionário. Logo, todo ato administrativo deverá ser motivado.

            Assim, segundo a teoria dos motivos determinantes o motivo apresentado como fundamento fático da conduta vincula a validade do ato administrativo. Havendo comprovação de que o alegado pressuposto de fato é falso ou inexistente, o ato torna-se nulo.

            Sobre a Teoria dos Motivos Determinantes, Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, pág. 408) leciona o seguinte:

 

A proposito dos motivos e da motivação, e conveniente, ainda, lembrar a “teoria dos motivos determinantes”. De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto e, os fatos que serviram de suporte a sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação de “motivos de fato” falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme ja se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a pratica do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calcou; ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enuncia-los, o ato só será valido se estes realmente ocorreram e o justificavam.

 

            Dessa forma, quando a ANAC invoca as cláusulas contratuais para impor às Escolas de Aviação Civil a imposição do ressarcimento pelo ilícito civil dos danos as aeronaves, ficou ela vinculada ao contrato.

            Quando as Escolas de Aviação Civil alegam que a cobrança pelo ressarcimento foi indevida, em face da ocorrência da prescrição, a ANAC muda o seu fundamento, dizendo que o ressarcimento é decorrente de ato de improbidade administrativa.

            Logo, fica clarividente que a ANAC muda seus motivos para efetuar (ou justificar) a cobrança indevida dos valores que estavam prescritos quando da apresentação da defesa administrativa por parte das Escolas de Aviação Civil, violando assim o Princípio Administrativo da Motivação e a Teoria dos Motivos Determinantes.

            Portanto, tendo a ANAC indeferido as defesas na esfera administrativa, restando somente ao controle externo do ato administrativo, por meio do Poder Judiciário, para que seja reconhecido a prescrição o direito material da ação da ANAC em efetuar a cobrança das Escolas de Aviação Civil.

 

CONCLUSÃO 

 

Portanto, foi possível constatar que a Administração Pública, principalmente a União, está sujeita aos mesmos prazos da prescrição quinquenal a que estão sujeitos os administrados, quando se trata de ressarcimento por danos de responsabilidade contratual ou extracontratual que causem danos ao erário público.

Os estudos realizados, demostraram que a doutrina e a jurisprudência já indicavam a incidência do prazo quinquenal para que a Administração Pública ingressasse com o pedido de ressarcimento, conforme aplicação do Decreto-Lei nº 20.910/1932, combinado com o Princípio da Igualdade (art. 5, caput, da CF), equiparando assim a União e o administrado em situação de igualdade.

              Diante de todo o exposto, percebeu-se que a Administração Pública, principalmente União e suas Autarquias, estão sujeitas ao prazo quinquenal, devendo respeitar esse prazo, sob pena da nulidade do ato administrativo de cobrança, sujeito ao controle externo da legalidade pelo Poder Judiciário.

 

REFERÊNCIAS

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito Administrativo. - 30.ed. Rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.

 

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo – 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro – 42ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2016.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo – 30ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2013.

 

NOHARA, Irene Patrícia. Manual de Direito Administrativo. – 6. ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Altas, 2016.

 

SILVA, José Affonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 15ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 1998.

 

GLOSSÁRIO

 

ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil

CENIPA – Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos

DAC – Departamento de Aviação Civil

STF – Supremo Tribunal Federal

RE – Recurso Extraordinário

Sobre o autor
Cesar Augustus Mazzoni

Advogado e parecerista (2002), pós graduado em direito empresarial (2013) e direito administrativo (2018). Professor no Curso de Direito da FAESB - Faculdade Santa Barbara de Tatuí. Professor no Curso de Direito da Faculdade de Cerquilho - FAC. Especializado em Direito Aeronáutico, Administrativo, Contratos e Empresarial.

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