1. INTRODUÇÃO
A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) pela constitucionalidade das pesquisas com células tronco demonstra que o novo refletir acerca do direito e da Constituição advindos do pós guerra nunca se fez tão presente. As recentes decisões da mais alta corte do país revelam que a nação brasileira nunca valorizou tanto um estado de direito constitucional estruturado nos direitos fundamentais explícitos e implícitos nos seus princípios.
Um novo constitucionalismo tem sido criado pela jurisprudência do STF, e assim não foi diferente no julgamento da ADIN 3510 que julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade do art.5° da lei de biossegurança. Decidiram os juízes do supremo pela inexistência do direito à vida e pela constitucionalidade do uso das células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para fins terapêuticos, pela descaracterização do aborto.
Afirmaram ainda que as normas constitucionais conformadoras do direito fundamental a uma vida digna passam pelo direito á saúde e ao planejamento familiar e que é descabido falar em utilização da técnica de interpretação conforme para aditar à lei de biossegurança controles desnecessários que implicam restrições ás pesquisas e terapias.
Diante dos desdobramentos que a decisão teve sobre a sociedade brasileira, se faz oportuno o presente artigo por refletir sobre o julgamento, buscando ampliar assim o debate sobre o tema.
2. A LEI DE BIOSSEGURANÇA.
No dia 24 de março de 2005, publicou-se a lei de biossegurança [1], que estabeleceu normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados- (OGM) e seus derivados e criou o Conselho Nacional de Biossegurança, além de reestruturar a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, conforme se observa a partir do art 1° da Lei federal 11.105:
Esta lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados- OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e á saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.
Tendo em vista a necessidade humana de estar sempre progredindo, em constante crescimento social, científico aliado ao surgimento de patologias irreversíveis e muitas vezes incuráveis, o homem começou a concatenar possibilidades de barrar o ascendente crescimento e proliferação de tais mazelas, surgindo assim as pesquisas com células tronco, a produção de produtos transgênicos e diversas pesquisas no que tange a buscar alternativas, soluções, para o mal que assola milhares de pessoas pelo mundo. Esse novo meio de agir na busca por soluções para as mazelas humanas traz um olhar esperançoso à sociedade.
Dessa forma o legislador hodierno sentiu a necessidade de regulamentar as relações de pesquisa e extensão com organismos geneticamente modificados.
Um passo importante foi dado com o advento da lei n° 11.105 de 24 de março de 2005 ao dispor acerca de mecanismos de produção, pesquisa e demais meios de manipulação dos organismos geneticamente modificados – OGM.
Insta salientar que diversos países já possuem legislação especial no que tange a biossegurança com fulcro na pesquisa com células tronco tais como: EUA, Grécia, Japão, tornando-se o Brasil apenas o 26° em escala mundial e o 1° na América Latina. Soerguendo o Brasil a um novo patamar no cenário da ciência, pesquisa e extensão [3].
Vale destacar a Constituição Federal que nos títulos que versam sobre direitos, garantias e princípios fundamentais traz a existência da vida com dignidade como pressuposto inerente a qualquer relação humana,
Salienta-se que tais princípios são inseridos por analogia a legislação de biossegurança, condicionando os procedimentos previstos nessa lei ao previsto no ordenamento constitucional, que seria o respeito à vida, dignidade da pessoa humana, direito à saúde, planejamento familiar e etc.
A Lei de Biossegurança, n° 11.105, de 24 de março de 2005 veio com o objetivo principal de regulamentar em sentido lato sensu os organismos geneticamente modificados, bem como os similares a estes. O texto de lei busca alcançar todos os meios de produção, como também os procedimentos que usam esses organismos geneticamente modificados, a exemplia gratia, a produção de alimentos, engenharia genética, pesquisa com células tronco, observando-se sempre a preocupação com o meio ambiente, saúde humana e qualquer outro meio que possa ferir a integridade fisiológica do ser humano.
A Lei de Biossegurança demonstra o interesse do legislador em abranger o maior número de possibilidades no que concerne ao uso de organismos regulamentados no seu texto legal. As pesquisas com células tronco devem submeter-se a prévia inspeção e aprovação da (CNTBio) Comissão Técnica Nacional de Biossegurança[4] que visa observar se a manipulação de organismos geneticamente modificados não está pondo em perigo a incolumidade física e mental da sociedade, dando uma maior credibilidade junto aos beneficiários das pesquisas com organismos geneticamente modificados.
3. A CONSTITUCIONALIDADE DA PESQUISA COM CÉLULAS EMBRIONÁRIAS
Como ícone da recente, mas polêmica positivação das normas inerentes a biossegurança, tem-se a ADI 3510 que se decidiu acerca da constitucionalidade da lei de biossegurança e da pesquisa com células-tronco embrionárias no Brasil, cuja ementa é a seguinte:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANCA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANCA). PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANCA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. ( DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-01PP-00134)
A ação foi impetrada ainda no ano de 2005 pelo Procurador Geral da República e contou com o apoio da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e outras entidades religiosas, e o seu julgamento somente ocorreu no ano de 2008, de forma que tramitou no STF por mais de três anos, sobretudo devido a polêmica gerada e a necessidade de audiências públicas para auxiliar na decisão dos juízes, bem como a utilização do instituto do “amicus curiae”. De modo que as pesquisas com células tronco sempre foram objeto de muita polêmica no que tange a sua legitimidade constitucional e sua função social no campo da ciência jurídica.
Diversos questionamentos acerca dos limites para as pesquisas tinham por finalidade resguardar o núcleo de direitos fundamentais e sociais trazidos pela Constituição Federal em seu art 1°inciso III e art 5° caput .
Dessa forma perante tal debate acerca da legitimidade da pesquisa com células embrionárias e consequentemente a sua constitucionalidade, tal problemática fora levado a Corte Suprema, o STF (Supremo Tribunal Federal), que debateu acerca da constitucionalidade da pesquisa com células-tronco.
Em sede de decisão o STF considerou constitucional a pesquisa com células-tronco embrionárias no país contrariando o que fora proposto pela ADI 3.510 que argumentava que tais pesquisas violavam o direito à vida.
Tal decisão foi tomada sob o argumento de não violação ao direito a vida, menos ainda a dignidade da pessoa humana, além do direito à saúde, reportando-se aos arts 1°, inciso III, 5° caput e art. 196 da CF/88 e diversos direitos fundamentais que integram o arcabouço de garantias mínimas dos cidadãos.
O julgamento da ADIN 3.510 trouxe a lume um debate acalorado envolvendo diversos seguimentos da sociedade e os próprios ministros da Corte suprema que dividiam-se em dado momento defendendo a improcedência da referida ADIN, posicionando-se nesse sentido os ministros Celso de Mello, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Carmen Lúcia Antunes Rocha, como bem expõe o voto[5] do ministro Carlos Ayres Britto, relator da matéria :
[...] assim ao influxo desse olhar pós positivista sobre o Direito brasileiro, olhar conciliatório do nosso Ordenamento com os imperativos de ética humanista e justiça material, que chego à fase da definitiva prolação do meu voto. Fazendo-o, acresço às três sínteses anteriores estes dois outros fundamentos constitucionais do direito à saúde e à livre expressão da atividade científica para julgar, como de fato julgo, totalmente improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade[...]
E acatando-a parcial, contendo algumas ressalvas e adicionando algumas restrições às pesquisas, nesse sentido Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Eros Grau e Carlos Alberto Menezes Direito.
Insta salientar o voto[6] do ministro Gilmar Mendes corroborando o entendimento no sentido de condicionar as pesquisas a adição de algumas medidas de caráter protetivo e proporcional.
“Assim, julgo improcedente a ação, para declarar a constitucionalidade do art. 5º, seus incisos e parágrafos, da Lei n° 11.105/2005, desde que seja interpretado no sentido de que a permissão da pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, deve ser condicionada à prévia autorização e aprovação por Comitê (Órgão) Central de Ética e Pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde.”
Os juízes também lembraram em seus debates a respeito da não utilização das pesquisas com células tronco como um projeto que as trata como mercadoria, banalizando portanto as pesquisas científicas que tão importantes são para o desenvolvimento do país e que visam dar uma justa utilidade as células “coringa” . De forma que com o forte embate entre os juízes da corte, chegou-se a um consenso do que seria mais digno e protetivo a pessoa humana.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na incessante busca por melhor qualidade de vida e como forma de amenizar o repertório de mazelas que faz com que a vida humana se torne ainda mais frágil, pode-se evidenciar como a ciência progrediu e nos trouxe bastante otimismo e crença na cura, na recuperação de doenças , cujo processamento é bastante cruel.
É notório que já se progrediu muito acerca da ciência e seus métodos de pesquisa, mas se tem muito espaço para melhorar, o que passa é claro pela via da biossegurança, da pesquisa em campo, da exploração das células coringas (células tronco) sim, dessa forma que as mesmas são vistas, pois constituem uma importante ferramenta de constituir tecidos, órgãos, células, muitas vezes necessárias a manutenção da vida humana, a exemplo da medula óssea e outros tantos tecidos, órgãos que fazem com que as estatísticas de mortos no Brasil e no mundo cresçam vertiginosamente.
Destarte com o objetivo de propor, discutir e intensificar debates acerca do limite da pesquisa com células tronco, sem invadir a esfera de direitos fundamentais dos cidadãos, bem como a aplicação da lei de biossegurança nas pesquisas com OGM, o presente artigo traz a tona toda celeuma acerca da lei 11.105/05 e deixa evidenciada a necessidade de se tomar uma postura jurídica que possa elevar a sociedade brasileira a um nível maior de maturidade a respeito de temáticas tão importantes a vida e saúde humana, como as pesquisas com células tronco.
REFERÊNCIAS:.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.510-0 DISTRITO FEDERAL. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adi3510relator.pdf. Acesso em: 15/01/2019.
BRASIL. Lei Federal nº 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Publicado em 28 de março de 2005
BRASIL. STF. ADI 3510. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei de biossegurança. Impugnação em bloco do art. 5º da lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 (lei de biossegurança). Pesquisas com células-tronco embrionárias. Inexistência de violação do direito à vida. Supremo Tribunal Federal. Brasília 29 de maio de 2008. Improcedência total da ação. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=3510&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em 15/01/2019.
CIÊNCIA E SAÚDE. STF aprova pesquisas com células tronco. UOL. Disponível em: <http://cienciaesaude.uol.com.br/ultnot/2008/05/29/ult4477u692.jhtm.pdf>. Acesso em: 12/01/2019.
PALMA, Carol Manzoli. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e as Comissões Internas de Biossegurança: competências e funcionamento. Revista Ambito Jurídico. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5974. Acesso em: 13/01/2019.
VOTO O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3510GM.pdf Acesso em: 16/01/2019
[1] BRASIL. Lei Federal nº 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Publicado em 28 de março de 2005.
[2] Ibidem.
[3] CIÊNCIA E SAÚDE. STF aprova pesquisas com células tronco. UOL. Disponível em: http://cienciaesaude.uol.com.br/ultnot/2008/05/29/ult4477u692.jhtm.pdf Acesso em: 12/01/2019
[4] A CTNBio é um órgão de instância colegiada multidisciplinar, criado com o intuito de prestação de apoio técnico consultivo e deliberativo ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança (PNB) relativa à OGMs e seus derivados, e também no estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos conclusivos no que tange à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, em atividades relativas à construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGMs e derivados. PALMA, Carol Manzoli. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e as Comissões Internas de Biossegurança: competências e funcionamento. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5974. Acesso em: 13/01/2019.
[5] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.510-0 DISTRITO FEDERAL. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adi3510relator.pdf. Acesso em: 15/01/2019.
[6] VOTO O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3510GM.pdf Acesso em: 16/01/2019