O PROBLEMA DA AUTOEXECUTORIEDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS UNILATERAIS

05/08/2019 às 09:28
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE OS LIMITES DA AUTOEXECUTORIEDADE DO ATO ADMINISTRATIVO E DO INTERESSE DE AGIR PARA AJUIZAMENTO DE AÇÕES EM JUÍZO.

O PROBLEMA DA AUTOEXECUTORIEDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS UNILATERAIS

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Tem-se que a Administração pode, de forma legítima, unicamente, por sua vontade, alterar o patrimônio jurídico de outrem, sem o cometimento deste.

Desta forma, dentro dos limites da legalidade, a Administração pode estabelecer, unilateralmente, para seus jurisdicionados, direitos e obrigações.

Os atos administrativos unilaterais são aqueles produto de uma só vontade, de modo que a Administração pode modificar, por sua única vontade, situações jurídicas, sem o consentimento dos atingidos pelo ato.

Esses atos têm o atributo da imperatividade ou obrigatoriedade, qualidade de coercibilidade, quanto a seu cumprimento ou execução, impondo seu fiel atendimento.

Uma das características principais desses atos administrativos unilaterais é, sem dúvida, a autoexecutoriedade.

Com a executoriedade tem-se a execução forçada na via administrativa, que consiste em uma via jurídica especial, própria do ato administrativo, fazendo a Administração prescindir da declaração de direito pelo Judiciário, como lecionou Sérgio Andréa Ferreira(Lições de direito administrativo, 1972, pág. 99).

A conclusão que se tem é de que, considerando-se o poder discricionário da Administração Pública, que faculta a mesma certas opções, quando essa atividade não estiver vinculada à Lei, não parece que esteja estabelecido o recurso ao Poder Judiciário, podendo recorrer à execução forçada, ainda mais quando for indeclinável e inadiável a obtenção do resultado.

É conhecida a lição de Machado Guimarães(Comentários ao código de processo civil, 1942, pág. 214 e seguintes) no sentido de que "desde que o conteúdo do ato administrativo consista em uma obrigação de fazer ou de não fazer, pode, em regra, o próprio órgão administrativo promover a respectiva execução direta, sem necessidade de acertamento prévio da obrigação, de acordo com as normas de processo civil ".

Esse processo executório pode efetivar-se por meios diretos, quais sejam: realização de prestação devida pelo obrigado ou por terceiro; conversão de uma prestação em outra e ainda apreensão da coisa.

A via a coerção somente será aberta para o Poder Público quando não há outro meio eficaz para obter o cumprimento da pretensão de direito, legitimando-se na medida em que é não só compatível como proporcional ao resultado pretendido, como se dirá, de forma que se exerça no estritamente necessário à obtenção do efeito jurídico que é desejado de forma licita pelo Poder Público.

Sem dúvida a executoriedade dos atos administrativos tem importância no exercício do poder de polícia administrativa, na faculdade que tem a Administração Pública de disciplinar e limitar, em prol dos interesses públicos adequados, os direitos e liberdades individuais, na lição de Caio Tácito(O poder de polícia e seus limites, Revista de Direito Administrativo, volume 27, páginas 1 e seguintes).

A executoriedade somente pode ser utilizada se expressamente determinada na lei, ou se e na medida da estrita necessidade administrativa, sendo que a Administração tem competências indisponíveis, e, portanto, deve poder desfrutar da possibilidade de efetivá-las sem ter de se socorrer previamente do Judiciário.

Por certo, há exceções à executoriedade: a desapropriação, as requisições, a cobrança da divida ativa, por exemplo.

Essas decisões de policia são por, sua natureza, executórias.

Vem a pergunta: O que é poder de policia?

Define Celso Antônio Bandeira de Mello(obra citada, pág. 252) a polícia administrativa como "a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na força da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante a ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção(non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo".

São atributos do poder de policia: discricionariedade(a Administração Pública tem a liberdade de estabelece limites a atuação do particular, de acordo com sua conveniência e oportunidade), autoexecutoriedade(a administração pode exercer o poder de polícia sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário) e coercibilidade(os atos de poder de polícia podem ser impostos aos particulares, mesmo que seja necessário o uso da força para cumpri-los).
As medidas de policia administrativa frequentemente são autoexecutórias, podendo a Administração promover, por si mesma, independentemente de remeter-se ao Poder Judiciário a conformação do comportamento do particular às injunções dela emanadas, sem necessidade de nenhum juízo prévio de cognição e posterior comando de execução por parte do Judiciário.

Será o caso da interrupção de espetáculo teatral obsceno, da apreensão de gêneros alimentícios que sejam impróprios para o consumo, uma vez que estejam deteriorados ou insalubres, do fechamento de estabelecimento industrial que exceda o nível de ruídos tolerados, a apreensão de material de pesca realizada em desacordo com as normas existentes etc. Será o caso de um delito ambiental que esteja sendo cometido e que exija uma rápida e efetiva atuação da Administração.

Nos casos de epidemia ou de perigo de epidemia, cabe à Administração tomar medidas no exercício de poder de policia visando inibir a progressão da doença.

O limite para o exercício desse poder de polícia administrativa encontra-se na proporcionalidade uma vez que ele não pode ser exercido de forma abusiva.
Tudo que exceda ao estritamente necessário à obtenção do Poder Público é antijurídico uma vez que é atuação abusiva.

O exercício do poder de policia passa pelos atos preventivos, fiscalizadores e repressivos. Os preventivos passam pelas autorizações e licenças, para as quais a Administração tem competência para conceder ou não. Os atos repressivos envolvem a produção de multas, embargos, intervenção de atividade e apreensões. Os atos fiscalizadores envolvem inspeções, vistorias e exames realizados pela Administração.

Mas o poder de policia limita direitos, mas não os extirpa.

Nessa linha de pensar está o artigo 78 do Código Tributário Nacional que afasta a possibilidade de invocação das regras do Código Comercial ou de qualquer outra lei que exclua ou limite o direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papeis e efeitos comerciais ou fiscais.

No julgamento do HC 18.612 – RJ, Relator Ministro Gilson Dipp, 17 de dezembro de 2002, entendeu-se que os documentos e livros que se relacionam com a contabilidade da empresa não estão protegidos por nenhum tipo de sigilo e são, inclusive, de apresentação obrigatória por ocasião das atividades fiscais. Não representa nenhuma ilegalidade a apreensão de livros contábeis e notas fiscais, durante a fiscalização.

Vem a discussão com relação a inviolabilidade do domicílio e o poder de polícia.
O Supremo Tribunal Federal tem dado interpretação extensiva ao conceito de domicílio, em benefício do morador, do que se lê da SS 1203/DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 15 de setembro de 1997, quando se disse: “A Carta Federal, pois, em cláusula que tornou juridicamente mais intenso o coeficiente de tutela dessa particular esfera de liberdade individual, assegurou em benefício de todos, a prerrogativa da inviolabilidade domiciliar. Sendo assim, ninguém, especialmente a autoridade pública, pode penetrar em casa alheia, exceto: nas hipóteses previstas no texto constitucional ou com o consentimento de seu morador, que se qualifica, para efeito de ingresso de terceiros no recinto doméstico, como o único titular do respectivo direito de inclusão e de exclusão. Impõe-se destacar, por necessário, o conceito de “casa”, para os fins de proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo, pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, qualquer compartimento habitado, qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade”.

Disse ainda o Ministro Celso de Mello: “Torna-se essencial destacar, neste ponto, no contexto de nosso sistema de direito positivo, que a outorga ao Poder Público, de prerrogativas e garantias de índole jurídico-administrativa não o exonera do dever fundamental de respeitar as limitações e de observar as restrições, que, estabelecidas pelo texto da Constituição da República(como a garantia da inviolabilidade domiciliar), incidem e condicionam a atividade, da Administração Pública. A atividade administrativa do Estado, mesmo naquelas hipóteses em que o ato emanado do Poder Público se reveste de autoexecutoriedade, constitui comportamento necessariamente subordinado aos princípios impostos pelo ordenamento constitucional. Na realidade, incumbe à Administração Pública agir com estrita observância dos parâmetros delineados pelo sistema normativo, sob pena de desrespeitar os próprios fundamentos em que se assenta o Estado Democrático de Direito”.

Sendo assim os escritórios e locais fechados ou de acesso restrito ao público são protegidos pela norma constitucional referenciada, vedando-se o exercício do poder de polícia.
Nem a Polícia Judiciária, nem o Ministério Público nem a administração tributária, têm prevalência diante do domicílio, com o objetivo de apreender, durante o período diurno, e sem ordem judicial, quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público. Mas se estiver ocorrendo delito pode haver o exercício do poder de policia, caracterizada a flagrância.

Caso interessante foi objeto de julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Relator Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, AC 2010. 50.50.002076 – 1, E – DJF2R, 14 de março de 2012, onde se discutia a nulidade de auto de infração, alegando-se que o IBAMA multara o demandante em R$10.500,00(dez mil e quinhentos reais), sanção pecuniária resultante de supostas infrações a atos normativos de caráter ambiental consoante foi lavrado e que, ato contínuo, o agente da autarquia ambiental embargou “a criação amadorística de passeriformes na residência do requerente”. Sustentou o autor ser ilícita toda a prova coligida pelo ato fiscalizatório, uma vez que a invasão de sua residência pelos agentes fiscais deu-se fora das exceções previstas no inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal. Naquele caso entendeu-se que ficou caracterizada a flagrância delitiva em local em que foram constatadas péssimas condições de salubridade, de forma a caracterizar a hipótese do artigo 29 da Lei 9.605/98(matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes de fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida). Em razão disso, entendeu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região que o ato administrativo era válido e caracterizada flagrância do delito ambiental de forma a caracterizar o exercício do poder de policia por parte da Administração, no exercício da autoexecutoriedade.

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Mas o pleito de tutela pela Administração não retira o seu interesse de agir de obter perante o Judiciário uma providência em prol dos interesses da sociedade mesmo que se entenda que existe a hipótese de autoexecutoriedade.

No julgamento da Apelação Civil 379.532 – PB, Relator Desembargador Federal Manoel Erhardt, DJU de 22 de julho de 2008, destacou-se: “ A cautela da autarquia apelante para respaldar atitude mais enérgica no sentido de adentrar na área em questão a fim de proceder fiscalização ambiental, deve ser valorizada, haja vista que acima do poder de policia e da autoexecutoriedade dos atos da Administração está a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio(artigo 5º, XI, da Constituição).

Caso importante envolvendo aplicação do poder de polícia e sua característica de autoexecutoriedade se deu no julgamento do Recurso Especial nº 1.246.443 – PR, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 17 de maio de 2011, onde se discutiu o poder de autoexecutoriedade e a ausência do interesse de agir.

Discute-se a questão da inafastabilidade da tutela jurisdicional, a teor do disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

A matéria leva em conta o disposto no artigo 72, VIII, da Lei 9.605/98, no que concerne à demolição de obra.

Discutia-se o artigo 19 do Decreto 6.514/08 naquilo que legitima o IBAMA a aplicar a sanção de demolição de obra, de modo que as medidas para tanto podem ser promovidas no âmbito administrativo, sendo que somente em casos excepcionais poder-se-ia discutir e requerer providências judicialmente.

Na verdade, mesmo que a Lei 9.605/98 autorize a demolição de obra como sanção às infrações administrativas de cunho ambiental, há de se reconhecer que existe forte controvérsia acerca de sua autoexecutoriedade(da demolição da obra), ademais quando se trata de recuperação ambiental em área de preservação.

Some-se a isso o fato de não se tratar, propriamente, de demolição de obra, pois o objeto da medida é edifício já concluído, o que intensifica o problema.

Na verdade, tem o IBAMA interesse de agir em ações que objetivem ordem judicial de demolição de imóvel construído em área de preservação ambiental, nada obstante haja um procedimento administrativo em trâmite. Assim o Superior Tribunal de Justiça julgou nesse sentido: REsp 1.246.443/PR, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 13 de abril de 2012; REsp 859.914/PB, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe de 16 de junho de 2010; REsp 789.640/PB, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 9 de novembro de 2009; REsp 826.409/PB, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 25 de maio de 2006 e ainda no AgRg no REsp 1.312.668/PB, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 11 de setembro de 2013.

Registre-se que a atividade fiscalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao IBAMA interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado em área cuja competência para o licenciamento seja do município do estado, quando a atividade esteja, sem o devido acompanhamento do órgão competente, causando danos ao meio ambiente, como se vê no julgamento do AgRg no REsp 1. 373.302/CE, Relator Ministro Humberto Martins, DJe de 19 de junho de 2013.

Transcreve-se trecho do voto do Min. Castro Meira, no Recurso Especial n° 859.914:
"Na espécie, nota-se que as condições da ação estão presentes. O interesse processual, única condição em destaque, é composto pelo binômio utilidade-necessidade do provimento. A utilidade pode ser facilmente demonstrada pela necessidade de ordem judicial para a demolição da obra prejudicial ao ambiente. Por outro lado, a caracterização da necessidade pode ser extraída dos princípios da jurisdição, precisamente, a imparcialidade e a definitividade.

Na esfera administrativa a relação processual não possui a característica da imparcialidade, já que a parte interessada - administração - ocupa, também, a função de julgador. Além disso, as decisões proferidas nesta seara não ostentam caráter definitivo, imutabilidade, presente apenas nos provimentos jurisdicionais.

Por isso, a administração pode buscar o Poder Judiciário para que, mediante relação processual própria, o Estado-Juiz promova a solução definitiva da controvérsia, atento às alegações de cada parte.

Sendo assim a eventual possibilidade de o imóvel irregular poder ser demolido por autarquia, que detenha tal atribuição em decorrência do poder de polícia que lhe é atribuído por lei, não lhe retira a faculdade de ajuizar ações judiciais em que esse fim pode ser alcançado com finalidade definitiva.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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