Esconder dinheiro em casa é crime?

05/08/2019 às 19:11
Leia nesta página:

Esconder dinheiro em casa é crime? O artigo tenta esclarecer situações em que esconder ou guardar dinheiro em casa pode suscitar problemas com a Justiça Penal.

Se tornou corriqueiro encontramos a expressão “lavagem de dinheiro” nos noticiários, principalmente ao ser relacionada aos escândalos nos quais os protagonistas são funcionários públicos, empresários e políticos, quando, geralmente, são flagrados com altas quantias em dinheiro guardadas ou escondidas em seus imóveis.

 Mas, afinal, guardar dinheiro em casa poderá configurar crime?

 A resposta é: depende!

 Se o dinheiro tiver origem lícita, crime algum estará sendo cometido.

 Porém, se o dinheiro tiver origem criminosa, algumas considerações são necessárias.

 Preliminarmente, é preciso esclarecer que, muito embora o crime em comento tenha sido popularizado como “lavagem de dinheiro”, por razões de abrangência conceitual adotamos aqui o termo “lavagem de capitais”, conquanto a lei se utiliza dos termos bens, direitos e valores.

 Pois bem, o que seria o crime de “lavagem de capitais”?

 O crime de lavagem de capitais tem sua primeira previsão legal na Lei 9.613/98 com posterior aprimoramento pela lei 12.683/2012.

 Para melhor esclarecer, trazemos aqui o conceito de “lavagem de capitais”formulado por MARCO ANTONIO DE BARROS[1], como sendo “um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação, na economia de cada pais, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico teoricamente composto de três fases independentes e simultâneas, denominadas conversão, dissimulação e integração (…)”

 Ultrapassada esta consideração conceitual, passamos a imaginar que a polícia no transcorrer de uma operação encontre valores em dinheiro escondidos na casa de uma pessoa investigada pela prática de crimes contra a administração pública.

 Assim, para a configuração do crime de lavagem de capitais deverá se demonstrar que aquele dinheiro apreendido pela Polícia era produto de crime ou contravenção penal e estava ali escondido temporariamente para ser integrado ao sistema econômico com aparência de obtenção lícita por meio de processos de ocultação e dissimulação.

 Por exemplo: ainda que o dinheiro esteja guardado em cofre da residência, a investigação policial consegue descobrir que um doleiro já sabia da existência daquele valor e estaria disponibilizando procedimento para encaminhá-lo para algum paraíso fiscal no exterior. Não há dúvida aqui a respeito da consumação do crime de lavagem de capitais.

 Entretanto, “se alguém rouba um banco e esconde o dinheiro para depois usá-lo para aquisição de bens de consumo pessoal, em seu próprio nome, como carros ou imóveis, oculta o dinheiro do ponto de vista objetivo, mas não há tipicidade de lavagem de dinheiro porque sua intenção não é a reciclagem do capital, mas apenas exaurir o crime antecedente. O agente não busca conferir uma aparência lícita aos bens obtidos pelo crime, mas apenas aguardar o melhor momento para usufruí-los”.[2]

 Por exemplo: o dinheiro está guardado no cofre da residência e a investigação descobriu que parte daquele valor foi utilizado para comprar um veículo de luxo. É evidente que aqui não estaria ocorrendo o crime de lavagem de capitais porque o dinheiro foi apenas usufruído e não reinserido na economia para lhe conferir aparência lícita.

 O Superior Tribunal de Justiça segue esse entendimento porque já pronunciou que “O mero proveito econômico do produto do crime não configura lavagem de dinheiro, que requer a prática das condutas de ocultar ou dissimular. Assim, não há que se falar em lavagem de dinheiro se, com o produto do crime, o agente se limita a depositar o dinheiro em conta de sua própria titularidade, paga contas ou consome os valores em viagens ou restaurantes”.[3]

 Conforme se vê e com o devido respeito a entendimento contrário, pouco importa a origem criminosa, o critério vultuoso e a forma em que o valor é encontrado no imóvel do agente, uma vez que o crime de lavagem de capitais somente se configurará em razão do preenchimento do aspecto subjetivo do tipo penal, qual seja, a vontade ou intenção de limpar o dinheiro ocultado para reinseri-lo na economia com aparência de licitude.

[1] BARROS, M.A. de Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004.

[2] BADARÓ, G.H.; BOTTINI, P. C. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais: Comentários à Lei 9.613/1998, com as Alterações da Lei 12.683/201- São Paulo: Revista dos Tribunais.2016

[3] STJ – APn: 458 SP 2001/0060030-7, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 16/09/2009, CE – CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 18/12/2009.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos