SEXISMO NAS LEIS PENAIS (PARTE I)

06/08/2019 às 09:37
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O trabalho analisa o sexismo, que significa discriminação fundamentada no sexo, presente na legislação penal brasileira.

INTRODUÇÃO

 

O objetivo do trabalho é analisar o sexismo, que significa discriminação fundamentada no sexo, presente na legislação penal brasileira.

Para os fins desta investigação, o termo “leis penais” tem um significado abrangente, incluindo: a) leis penais incriminadoras, que definem os crimes e estipulam as penas respectivas; b) leis processuais penais que, por exemplo, regulam os requisitos para decretar prisão ou conceder liberdade provisória; c) leis de execução penal, relacionadas ao cumprimento das penas; d) leis e políticas públicas direcionadas ao combate à violência; e) decretos de indulto coletivo.

Serão estudadas as leis que violam o princípio da igualdade entre homens e mulheres, quais sejam: a Lei Maria da Penha (combate exclusivamente a violência doméstica contra mulheres); a qualificadora especial do homicídio praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio); a Lei das Mães Livres, que concede prisão domiciliar a mães com filhos até 12 anos e facilita a progressão de pena na mesma situação; o Indulto do Dia das Mães, e a lei que concede competência à Polícia Federal para apurar discurso do ódio contra mulheres.

Pretende-se identificar as causas pelas quais os benefícios concedidos nessas leis não foram estendidos às pessoas do sexo masculino e perquirir se existem motivos legítimos para um tratamento legal diferenciado.

A primeira parte trata do princípio da isonomia entre homens e mulheres. Este princípio é apresentado conforme sua formulação constitucional e dividido entre dois subprincípios, que são: 1) princípio da igualdade de punição; 2) princípio da igualdade de proteção. São discutidos posicionamentos doutrinários de John Rawls e Robert Alexy, dois grandes juristas que escreveram sobre igualdade, bem como apresentadas formas de declaração de inconstitucionalidade de leis sexistas.

A segunda parte examina o sexismo nas leis e na sociedade, a partir de esclarecimentos acerca da injustiça nas leis, a incerteza do direito, a compatibilidade entre democracia e discriminação e o sexismo estatal. Pretende-se identificar possíveis causas para o tratamento diferenciado entre homens e mulheres, como o feminismo discriminador, o machismo cavalheiro e as ações afirmativas.

A terceira parte trata da violência doméstica, que no Brasil é coibida pela Lei Maria da Penha, aplicável, porém, somente à violência doméstica contra mulher. Serão objeto de reflexão nesta parte a indiferença da sociedade em relação à violência contra o gênero masculino, a violência doméstica contra homens, a agressão sexual contra machos, agressões psicológicas, a violência contra meninos, a violência contra o gênero neutro, campanhas contra a violência, estatísticas da violência doméstica, a aplicação analógica da Lei Maria da Penha, e o julgamento de ações pelo STF que declararam a constitucionalidade da Lei Maria da Penha.

A quarta parte analisa a Lei das Mães Livres. Publicada em 2018, essa lei alterou o Código de Processo Penal para deixar claro o direito de mães com filhos até 12 anos terem eventual prisão preventiva substituída por prisão domiciliar, direito este que não foi reconhecido, da mesma forma, aos pais. São discutidos o habeas corpus coletivo n. 143.641, a prisão domiciliar para mães, políticas contra o encarceramento, o estímulo à criminalidade feminina e feita uma comparação com o abate de cangurus-macho na Austrália.

A quinta parte termina a análise da legislação penal sexista. Trata do feminicídio, suas causas, do machocídio, do Indulto do Dia das Mães e da competência atribuída à Polícia Federal para investigar discurso do ódio contra mulheres praticado através da rede mundial de computadores.

PARTE I

1.1 A isonomia entre os gêneros na Constituição

Segundo o art. 5º, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, “homens e mulheres são iguais em direitos1 e obrigações2, nos termos desta Constituição”. Os gêneros masculino e feminino têm o mesmo valor perante a Constituição, não sendo qualquer deles superior ou inferior ao outro.

Declarar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações não significa que eles sejam idênticos em todos os aspectos. Homens e mulheres possuem diferenças físicas, psicológicas, hormonais. Mas, apesar de serem biologicamente distintos, de apresentarem comportamentos diferentes, homens e mulheres possuem o mesmo status jurídico, devem ser tratados com igual dignidade, merecem o mesmo respeito e proteção.

Uma das maiores conquistas da era moderna foi o reconhecimento da igualdade jurídica entre os gêneros masculinos e feminino, o que não significa desconhecer que eles são organicamente diferentes, por definição. Um é macho, outro é fêmea. Contudo, sua desigualdade natural não tem importância perante a Constituição. Esta deu a ambos o mesmo status; nós enfatizamos isso: o mesmo status jurídico. Nem mais nem menos direitos, nem mais nem menos obrigações.

A igualdade de direitos e obrigações leva à equivalência entre recompensas e castigos, conforme o princípio retributivo. Constitui “o princípio retributivo uma aplicação do princípio da igualdade, que por muitos é considerado como sendo o princípio da justiça puro e simples”3. As ações de cada um devem ser punidas ou recompensadas de forma proporcional a sua conduta: “quanto maior for a falta, tanto maior deve ser o castigo; quanto maior o merecimento, tanto maior deve ser a recompensa'”4.

Assim como uma mulher que executa o mesmo trabalho de um homem deve receber idêntica remuneração, a mulher que comete um crime há de estar sujeita à mesma pena de um homem que praticou idêntico delito. Segundo Kelsen:

 

Aquilo que vale da norma retributiva que prescreve para uma determinada falta uma determinada pena vale também de forma análoga pelo que respeita à norma retributiva que prescreve para um determinado merecimento uma determinada recompensa, assim como para a norma de justiça que prescreve para uma determinada prestação uma determinada contraprestação5.

 

A Constituição afirma que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Ela não disse que a igualdade será definida nos termos da lei, não delegou à lei definir autonomamente quando homens e mulheres serão tratados de maneira igual e quando não o serão. A expressão final “nos termos desta Constituição” deixa claro que somente a própria Constituição expõe os casos nos quais será legítimo um tratamento diferenciado.

É incorreta, dessa forma, a compreensão de que a lei pode criar distinções, estabelecer privilégios e benefícios em proveito de determinado gênero, ao alvedrio do legislador.

Porém, o princípio da igualdade entre os sexos tem sido substituído, em leis e decisões judiciais, pelo seu oposto, a regra da desigualdade, que manda tratar os desiguais de forma desigual. Homens e mulheres seriam, conforme esse ponto de vista, seres desiguais que precisam ser tratados de forma desigual.

Acontece que a Constituição declarou que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, de modo que a regra há de ser o tratamento igualitário entre os gêneros. Se a regra fosse a desigualdade de tratamento, a redação do art. 5º, inciso I, seria “homens e mulheres são desiguais em direitos e obrigações”.

A desigualdade de tratamento deve ser a exceção e não a regra. Só se pode admitir que homens e mulheres sejam tratados desigualmente quando se encontrem numa situação de fato que, por impossibilidade de extensão ao outro gênero, justifique a diferenciação. O sexo não é motivo suficiente para tratar duas pessoas de maneira desigual, quando se encontrarem na mesma situação fática.

 

1.2 A isonomia no direito penal

 

O princípio da isonomia não consta expressamente entre os princípios do direito penal. Dentre estes podem ser citados o da legalidade, da anterioridade, da proibição de analogia in mala partem, etc.

A isonomia é mais conhecido como um princípio de direito constitucional. Diz a Constituição de 1988, art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Mas, sendo um mandamento constitucional que todos são iguais perante a lei, e que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, o direito penal, que está submetido à Constituição, também deve obedecer ao princípio da isonomia, tanto na criação como na aplicação das normas penais.

Contudo, não é isso que se observa em algumas leis penais. O legislador tem atuado de maneira anti-isonômica em políticas públicas e ao criar crimes e estabelecer sanções penais, dando ao gênero feminino normas especiais, a exemplo de proteção exclusiva em casos de violência doméstica e penas maiores quando a vítima de homicídio é mulher (feminicídio), tratando de forma diferenciada as vítimas masculinas na mesma situação fática.

É preciso saber até que ponto é legítimo criar crimes, causas de aumento ou de diminuição de pena por razões do sexo ou outras condições pessoais do autor ou da vítima. Para tanto, deve-se partir do princípio da isonomia entre os gêneros, como formulado na Constituição.

A igualdade de direitos e obrigações traz como consequência a:

 

1) Igualdade de punição:

A pena deve ser proporcional ao delito. Como consequência do princípio constitucional da igualdade de obrigações, homens e mulheres estão sujeitos a punições proporcionais aos crimes que praticam (simili scelere idem poena). É inadmissível um tratamento desigual entre os gêneros, penas maiores por conta do sexo do autor ou da vítima, hipóteses diferenciadas de prisão, liberdade provisória ou progressão de pena, a não ser quando as características fáticas nas quais os delitos ocorreram não forem as mesmas.

 

A necessidade de individualização da pena, uma exigência constitucional, não representa exceção a esse princípio. Ainda que circunstâncias pessoais do autor ou da vítima possam levar a uma pena final diversa, as penas previstas em abstrato não podem ser diferentes em razão do sexo dos envolvidos.

A punição para um delito não pode variar exclusivamente em razão do gênero da vítima. Qualquer previsão legal de aumento ou diminuição de pena precisa levar em consideração as circunstâncias concretas do crime e seus motivos. O sexo do autor ou da vítima não é uma circunstância por si só suficiente para modificar a punição.

Sabemos que o legislador tem a liberdade de considerar um determinado crime mais grave e prever pena maior que a prevista para outro. Afinal, quem estabelece as punições para os mais diversos delitos é o legislador, com base no clamor social que provocam, como observou Kelsen:

 

Se o homicídio é julgado pela sociedade um crime mas grave do que o furto, é porque aquele é mais indesejável do que este, porque o desprazer, a reação emocional que é produzida na sociedade em caso de homicídio é mais intensa do que no caso de furto. Em outras palavras: porque o prejuízo que o homicídio causa à sociedade é mais fortemente sentido do que o prejuízo que o furto provoca, porque a segurança da vida é ainda mais desejada do que a segurança da propriedade6.

 

Então, seguindo esse raciocínio, seria legítimo considerar que a reação emocional da sociedade perante o assassinato de uma mulher, sendo maior que aquela provocada pelo assassinato de um homem, justifica uma pena maior para homicídios praticados contra mulheres?

Não. Fazer isso significa aquilatar a vida das mulheres como tendo um valor maior que a vida dos homens, o que fere o princípio da igualdade entre os gêneros. Todas as pessoas possuem uma igual dignidade que não pode ser valorada diferentemente conforme o seu sexo, raça ou religião.

Mas praticar um crime contra uma criança não merece pena maior? Sim, porque as crianças possuem um desenvolvimento físico e mental inferiores à de um adulto. Praticar um crime contra uma criança demonstra um alto grau de covardia (merecedora de maior punição), e crianças, principalmente as menores de 6 anos, não têm como se defender da agressão de um adulto. Uma mulher adulta não pode ser equiparada a uma criança.

As mulheres já foram consideradas inferiores aos homens por conta de seu sexo. Somente no início do século XX foi assegurado às mulheres o direito de votar. Isso aconteceu porque se chegou à conclusão de que elas não são inferiores ao homens e devem ter os mesmos direitos. E igualdade de direitos leva à igualdade de obrigações, deveres, responsabilidades e punições.

 

2) Igualdade de proteção:

A cada um conforme sua necessidade. Como decorrência da igualdade de direitos, homens e mulheres devem receber a mesma proteção legal quando são vítimas de crimes (satis praesidii ad victimam). É inadmissível um tratamento desigual entre homens e mulheres quando são vítimas das mesmas infrações penais.

 

Conforme a Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 24: “Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei”. A proteção legal há de ser concedida considerando a necessidade em recebê-la, não o sexo do beneficiário.

Todos aqueles que são vítimas de violência familiar hão de receber a mesma proteção legal. A Constituição de 1988 foi explícita a respeito, ao declarar, no seu art. 226, § 8º: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

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O Estado tem a obrigação constitucional de prestar assistência a cada pessoa que compõe a entidade familiar, seja homem ou mulher, menino ou menina, criando mecanismos para coibir a violência praticada contra seus membros. A Constituição não disse que a proteção contra a violência doméstica será prestada exclusivamente às pessoas do gênero feminino.

É quase inacreditável ver, diante uma norma tão clara, os tribunais superiores insistirem em negar aos homens vítimas de violência doméstica a mesma proteção dada às mulheres.

Quando a Constituição desejou tratar homens e mulheres de maneira diferente, ela mesma o fez, como quando excluiu a obrigatoriedade de prestação de serviço militar7 às mulheres e previu idades diferentes para a aposentadoria.

Em qualquer outra hipótese não excepcionada pela própria Constituição, é inadmissível discriminar homens e mulheres, a não ser em situações nas quais a igualdade de tratamento não fizer sentido, em virtude das características exclusivas de cada gênero. Por exemplo, um homem não tem direito a políticas especiais destinadas a mulheres grávidas porque homens não engravidam.

O princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres deve nortear a elaboração e a interpretação de todos as leis em vigor, embora no direito não exista nenhuma lei univoca, nenhuma norma que não possa ser interpretada de maneiras diferentes, ao gosto do freguês.

Numa democracia, espera-se que as leis respeitem alguns princípios fundamentais, como o princípio da igualdade. Elaborada uma nova lei, alguém pode questionar se essa lei respeita o princípio da igualdade. Então, várias respostas virão, conforme as convicções de quem responde.

Uns considerarão corretas leis discriminatórias, sob o argumento de que os desiguais precisam ser tratados de maneira desigual. Como todas as pessoas possuem alguma diferença, devem ser tratadas de forma diferenciada, conforme seu sexo, cor, origem, condição social, ou religião. Para essas pessoas o princípio da igualdade significa desigualdade de tratamento, o que é um verdadeiro contrassenso.

Outros acreditam que os seres humanos têm a mesma dignidade, apesar de serem diferentes, por isso precisam ser tratados de maneira igual, como regra. Não considerarão válida uma lei que discrimina pessoas que se encontram na mesma situação, mesmo que possuam sexo, cor, origem, condição social ou religião diversas. Nenhuma pessoa é igual a outra, todos têm semelhanças e diferenças, mas possuem a mesma dignidade, por pertencerem ao gênero humano.

Fazemos parte do segundo grupo. Acreditamos que homens e mulheres pertencem ao gênero humano, daí porque possuem a mesma dignidade, devem receber as mesmas recompensas e os mesmos castigos, conforme os atos que praticarem. O Estado é uma associação de pessoas iguais.

 

1.3 O princípio da igualdade em Rawls

 

John Rawls e Robert Alexy foram dois destacados filósofos do direito que escreveram sobre o princípio da igualdade. É importante verificar se Rawls e Alexy admitiram que pessoas possam ser tratadas de maneira diferente, de acordo com o gênero ao qual pertencem. Vejamos.

O conceito de justiça de Rawls, que consta logo no começo de sua obra mais conhecida – Uma teoria da justiça-, desautoriza qualquer lei injusta:

 

A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, assim como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Por mais elegante e econômica que seja, deve-se rejeitar ou retificar a teoria que não seja verdadeira; da mesma maneira que as leis e as instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformuladas ou abolidas se forem injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem o bem-estar de toda a sociedade pode desconsiderar. Por isso, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior desfrutado por outros. Não permite que os sacrifícios impostos a poucos sejam contrabalançados pelo número maior de vantagens de que desfrutam muitos. Por conseguinte, na sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas irrevogáveis; os direitos garantidos pela justiça não estão sujeitos a negociações políticas nem ao cálculo de interesses sociais.8

 

Dessa forma, a perda de direitos de um gênero não pode ser justificada pelo bem do outro, pois nenhuma legislação que desatenda o princípio da justiça deve ser aceita, ainda que tenha as melhores intenções. Rawls explica o que entende por instituições justas:

 

Quem defende concepções distintas de justiça pode, então, concordar que as instituições são justas quando não se fazem distinções arbitrárias entre pessoas na atribuição dos direitos e dos deveres fundamentais, e quando as leis definem um equilíbrio apropriado entre as reivindicações das vantagens da vida social que sejam conflitantes entre si.9

 

O Estado que faz distinções no reconhecimento de direitos em prol de determinado gênero comete uma arbitrariedade. As distinções são arbitrárias quando fundamentadas unicamente no sexo. Qualquer pessoa pode ser vítima de um crime e precisar de proteção. Se o Estado só conceder tal proteção a alguns, praticará uma distinção arbitrária.

Segundo Rawls, “a sociedade está bem-ordenada quando suas instituições elevam ao máximo o saldo líquido de satisfações. […] A justiça social é o princípio da prudência racional aplicado a uma concepção agregativa do bem-estar do grupo”.10

Assim, uma sociedade será justa quando tiver como objetivo a satisfação de todos os seus membros. Ou seja, não apenas os membros de determinado gênero, mas de todos. As políticas públicas hão de ser adotadas de forma que não sacrifiquem uns em benefícios dos outros. O saldo médio de felicidade deve ser equilibrado, para que não exista um grupo feliz e outro infeliz.

Contudo, como o princípio da justiça visa alcançar um saldo máximo de satisfação, não há “por que a violação da liberdade de poucos não possa ser justificada pelo bem maior compartilhado por muitos.”11 Acontece que endurecer a legislação penal de modo a atingir especificamente um gênero, acaba por atingir de modo prejudicial os direitos fundamentais de todos aqueles que compõem esse gênero, que corresponde a cerca de metade da população. Dessa maneira a sociedade não aumentará “o saldo líquido de satisfação levando em conta todos os seus membros.”12

As políticas públicas adotadas pelo Estado que são intrinsecamente injustas, ainda que possuam as melhores intenções, não podem sobrepujar o princípio da justiça: “A prioridade da justiça se explicita, em parte, afirmando-se que os interesses que exigem violação da justiça não têm nenhum valor. Não tendo mérito absolutamente nenhum, não podem anular as exigências da justiça.”13

Para Rawls, “a força das pretensões de justiça formal, de obediência ao sistema, depende claramente da justiça substantiva das instituições e das possibilidades de reformá-las”.14 Se as leis são injustas, se tratam os cidadãos de maneira desigual, a obediência ao sistema legal fica comprometida. A injustiça das leis estimula o seu descumprimento.

Os cidadãos obedecerão mais facilmente leis corretas. As normas justas são atendidas voluntariamente, enquanto as injustas dependem de ameaças e punições. A arbitrariedade do governante alimenta a revolta do governado. “Vínculos de obrigação pressupõem instituições justas, ou razoavelmente justas à luz das circunstâncias.”15.

Rawls sintetizou os princípios da justiça em dois enunciados:

 

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para as outras pessoas.

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefício de todos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos.16

 

O primeiro enunciado está ligado aos direitos individuais fundamentais, dentre os quais se encontram aqueles que visam proteger a liberdade da pessoa contra prisões e punições arbitrárias. O segundo refere-se aos direitos sociais e econômicos.

Rawls, porém, admite que algumas pessoas sejam tratadas de maneira desigual, desde que isso traga vantagens a todos: “Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais do auto-respeito – devem ser distribuídos de forma igual, a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores seja vantajosa para todos.”17 Mais à frente, ele acrescenta: “A única razão para restringir as liberdades fundamentais e torná-las menos extensas é que, se isso não fosse feito, interfeririam umas com as outras”18.

Então, a limitação dos direitos fundamentais de determinado gênero pode ser considerada justa. Um tratamento diferenciado imposto ao gênero masculino pela legislação penal, por exemplo, será aceitável se trouxer vantagens a todos, homens e mulheres.

Acontece que ser discriminado não produz qualquer benefício. Traz somente desvantagens, interfere no exercício da liberdade individual e ocasiona perda de direitos.

Em determinada passagem de sua obra, Rawls traz dúvida sobre sua concordância em favorecer as mulheres na distribuição dos direitos. Ele escreveu:

 

Se, por exemplo, há direitos básicos desiguais fundamentados em características naturais fixas, essas desigualdades identificarão posições relevantes. Já que é impossível alterar essas características, as posições que definem contam como pontos de partida na estrutura básica. São desse tipo as diferenças de raça e cultura. Assim, se há favorecidos, digamos, na atribuição dos direitos fundamentais, essa desigualdade só é justificada pelo princípio de diferença (na interpretação geral) se for vantajosa para as mulheres e aceitável do ponto de vista delas. E uma condição análoga se aplica à justificativa dos sistemas de casta, ou das desigualdades raciais e étnicas.19

 

No trecho “se há favorecidos, digamos, na atribuição dos direitos fundamentais, essa desigualdade só é justificada pelo princípio de diferença (…) se for vantajosa para as mulheres e aceitável do ponto de vista delas”, Rawls se refere a mulheres que se encontram (em determinado contexto) numa posição social inferior, desfavorecidas. Daí porque ele diz que essa desigualdade só estará justificada “se for vantajosa para as mulheres e aceitável do ponto de vista delas”.

Essa conclusão fica bastante clara quando Rawls, mais à frente, estabelece a chamada regra de prioridade:

 

Os princípios de justiça devem ser classificados em ordem lexical e, portanto, a liberdade só pode ser restringida em nome da liberdade. Existem dois casos: (a) uma liberdade menos extensa deve reforçar o sistema total de liberdades partilhados por todos, e (b) uma liberdade menor deve ser considerada aceitável por aqueles cidadãos com a liberdade menor.20

 

Embora as pessoas possam se comportar de modo egoísta, desejando benefícios apenas para si ou para o grupo ao qual pertencem, os benefícios, direitos e posições privilegiadas precisam ser repartidos de maneira equânime e visando o bem de todos, sob pena de desarranjo social:

 

É condição de ordenação que torna inadmissível o egoísmo, pois, se todos têm autorização para promover seus objetivos conforme lhes aprouver, ou se todos devem promover seus próprios interesses, as reivindicações conflitantes não são ordenadas e o resultado é decidido pela força ou pela esperteza.21

 

Desse modo, aqueles possuidores de menos direitos estão numa posição inferior de proteção legal, levando à necessidade de que a diferença de proteção seja aceitável para eles, o que dificilmente ocorrerá.

 

1.4 O enunciado da igualdade em Alexy

 

Robert Alexy também discorreu sobre o princípio da igualdade. Tomando como ponto de partida a Constituição alemã, Alexy, inicialmente, esclarece que o princípio “Todos são iguais perante a lei”, presente no art. 3º, §1º, daquela Constituição, não vincula unicamente os órgãos de aplicação da lei (igualdade na aplicação da lei), mas também o legislador ao criar a lei: “o Tribunal Constitucional Federal [...] assumiu como evidente a vinculação do legislador ao enunciado da igualdade, ou seja, assumiu uma interpretação do art. 3º, §1º, não apenas como um dever de igualdade na aplicação, mas também na criação do direito”.22

O enunciado da igualdade não exige que todos sejam tratados sempre de maneira igual, mas não se permite diferenciações arbitrárias:

 

o enunciado geral da igualdade, dirigido ao legislador, não pode exigir que todos sejam tratados exatamente da mesma forma ou que todos devam ser iguais em todos os aspectos. Por outro lado, para ter algum conteúdo, ele não pode permitir toda e qualquer diferenciação e toda e qualquer distinção.23

 

A igualdade ou a desigualdade de tratamento somente se justifica se estiver relacionada a características e situações fáticas:

 

A igualdade – tanto quanto a desigualdade – entre indivíduos e situações é sempre uma igualdade – ou desigualdade – em relação a determinadas características. Juízos de igualdade, que constatam uma igualdade em relação a determinadas características, são juízos acerca de relações triádicas: a é igual a b em relação à características E (ou às características E1, E2 ... En). Juízos desse tipo são juízos sobre uma igualdade fática parcial, ou seja, relativos a apenas algumas e não a todas as características do par a ser comparado. Eles são verdadeiros se tanto a quanto b tiverem a característica E (ou as características E1, E2, ... En). O mesmo vale para juízos de desigualdade.24

 

Assim, aplicando o raciocínio acima, homens e mulheres que se encontrem numa mesma situação fática, como vítimas ou autores de um crime, devem ser tratados de maneira igual, ou seja, receber a mesma proteção legal, no primeiro caso, ou a mesma pena, no segundo.

Alexy, analisando a jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, revela a preocupação daquela corte com discriminações arbitrárias. A fim de evitá-las, o Tribunal criou diversas fórmulas, tais como: “Uma desigualdade substancial está presente nos casos em que um tratamento desigual for necessariamente arbitrário”25; e “o igual não pode ser tratado arbitrariamente de forma desigual”26.

Nota-se a vaguidade das fórmulas e critérios utilizados pelo Tribunal Constitucional alemão, bem como a preocupação deste em interferir o menos possível nas decisões do legislativo (a Alemanha é uma República parlamentarista onde os membros do Tribunal são indicados pelo Parlamento). Mas mesmo com todo o respeito ao legislador: “nunca se pode excluir a possibilidade de que uma maioria parlamentar decida a favor de uma discriminação não abarcada pelas normas especiais, discriminação, essa, que, no entanto, deveria ser classificada como vedada a partir da perspectiva do direito constitucional”.27

Alexy enuncia duas fórmulas a respeito de tratamento desigual:

 

(7) Se não houver uma razão suficiente para a permissibilidade de um tratamento desigual, então, o tratamento igual é obrigatório.

(9) Se houver uma razão suficiente pra o dever de um tratamento desigual, então, o tratamento desigual é obrigatório.28

 

Mas o que é “razão suficiente”? São as circunstâncias relacionadas ao suporte fático. Não há outra maneira de verificar se um tratamento desigual é justo senão através da análise do caso concreto.

Exemplo. Uma lei concede condições mais benéficas de financiamento habitacional, com subsídios do governo, para pessoas de baixa renda. O fato de ser pessoa de baixa renda constitui razão suficiente para um tratamento mais benéfico. Contudo, a lei não pode conceder condições mais benéficas de financiamento somente às pessoas do sexo feminino. Esta situação não é razão suficiente para um tratamento desigual, pois não demonstra maiores dificuldades para se adquirir uma casa própria.

Concluindo, Alexy afirma que se “alguém não é incluído em algum benefício, em desrespeito ao enunciado da igualdade, então, ele pode ter um direito definitivo concreto ao benefício, fundado no enunciado da igualdade, ou seja, um direito do status positivo.”29

Portanto, todo indivíduo tem direito às liberdades, benefícios e proteções que são concedidas a outro indivíduo em situação fática similar. O enunciado da igualdade proíbe tratamentos diferentes. A uma determinada pessoa não pode ser negado o que é concedido a outra em idêntica situação.

 

1.5 A inconstitucionalidade das leis sexistas

 

Surge a dúvida de como corrigir a omissão do legislador, se ele violar o princípio da isonomia, se é possível intervir na esfera jurídica de terceiros com suporte no princípio da igualdade.

Conforme lições de Gilmar Mendes30, discute-se se é cabível declarar nulidade na ausência de ato normativo. Não se pode declarar a nulidade da lacuna da lei, mas é possível declarar inconstitucional a omissão do legislador. Declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, porque a ofensa à Constituição não decorre da regulamentação, mas da sua incompletude.

No caso de exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade, quando a lei, de forma arbitrária, concede benefícios a determinado grupo de cidadãos, excluindo outros, a declaração de nulidade da disposição não é o mais acertado. O princípio da nulidade da lei inconstitucional não pode ser aplicado em casos de omissão ou exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade.

Outra possibilidade é o apelo ao legislador. No apelo ao legislador a corte reconhece que a lei não se tornou ainda inconstitucional, conclamando o legislador a corrigir essa situação ainda constitucional. Não se pronuncia a nulidade da lei.

Ao reconhecer que o indivíduo excluído tem o direito de exigir do Estado proteção contra lesões ou ameaças a valores ou bens, provenientes da ação de terceiros, o tribunal, embora reconheça a constitucionalidade da lei, inclui na parte dispositiva recomendação para que o legislador edite disposição complementar.

Os efeitos do apelo ao legislador não estão disciplinados pelo direito positivo. Não obriga o julgador a tomar qualquer providência. O STF aplica a técnica do apelo ao legislador, com suas variações (lei ainda constitucional), ao declarar a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc ou pro futuro.

A declaração de inconstitucionalidade de uma omissão parcial do legislador contém, implicitamente, uma afirmação sobre a inconstitucionalidade da lei.

Não se deve admitir a edição de normas concretas ou gerais em julgamento de ADI por omissão, em respeito ao princípio da divisão de poderes.

A constatação da inconstitucionalidade parcial, no processo de controle abstrato da omissão, deve ter como consequência a suspensão da aplicação de todo o complexo normativo questionado. Mas em determinados casos a aplicação excepcional da lei inconstitucional traduz exigência do próprio ordenamento jurídico.

Configura-se omissão legislativa não apenas quando o órgão legislativo não cumpre o seu dever, mas também quando o faz de forma incompleta. Há inconstitucionalidade da norma em razão da sua incompletude, mas é incabível a declaração de nulidade.

Ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo o STF poderá, por razões de segurança jurídica e excepcional interesse público:

a) Declarar a inconstitucionalidade apenas a partir do trânsito em julgado (ex nunc), com ou sem repristinação da lei anterior;

b) Declarar a inconstitucionalidade com suspensão de efeitos por algum tempo a ser fixado na sentença (pro futuro); considerando que o legislador não fixou o limite temporal para a aplicação da lei inconstitucional, caberá ao tribunal fazê-lo;

c) Declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade, permitindo a suspensão de aplicação da lei e dos processos em curso até que o legislador, dentro de prazo razoável, venha a se manifestar sobre situação inconstitucional; congela-se a situação jurídica até o pronunciamento do legislador destinado a superar a inconstitucionalidade;

d) Dar efeito retroativo à decisão, preservando algumas situações31.


 

O controle de constitucionalidade pode ser exercido por qualquer órgão do poder judiciário, através do controle difuso (o STF exerce o controle concentrado). O problema aí são os princípios da legalidade e de proibição de analogia in mala partem. Ou seja, a norma penal não pode ser estendida para casos nela não expressamente previstos.

Diante desse quadro, surge a questão de como resolver a inconstitucionalidade de uma lei penal que fere o princípio da igualdade. As possibilidades são duas:

1) Quando a natureza da norma o permitir, aqueles que foram excluídas da proteção legal devem ser nela incluídos, de modo a também gozarem dos mesmos benefícios. Essa regra vale para normas de natureza processual, administrativa, civil ou trabalhista, para leis que concedam algum tipo de benefício a um grupo/gênero/classe de pessoas, omitindo outras que se encontram na mesma situação fática e merecem tratamento igual. É a forma de corrigir a violação ao princípio da igualdade de proteção.

2) Quando a natureza da norma não admitir interpretação extensiva ou aplicação por analogia, como as leis penais, a norma pode ser invalidada, anulada retroativamente. O poder judiciário não deve se omitir diante de uma lei que fere o princípio da igualdade, tolerar a sua existência. Se a norma não pode ser estendida, pois tem natureza punitiva, anula-se a lei. Isso faz com que o princípio da igualdade volte a prevalecer, que o equilíbrio social seja restabelecido. Enquanto a norma não for anulada, a injustiça que ela representa continuará a afetar aqueles que são tratados de maneira desigual. Essa regra se aplica quando for desrespeitado o princípio da igualidade de punição.

A invalidade de uma lei que fere o princípio da isonomia, dando privilégios a determinadas pessoas e negando-os, injustamente, a outros, é algo difícil de ser declarado. Alega-se que declarar a lei nula retirará direitos de uma classe ou grupo de pessoas que não tem porque ser prejudicada em virtude das preferências do legislador. Quando uma lei concede vantagens a grupos específicos, o Tribunal Constitucional Alemão nega-se a anular a lei, limitando-se a notificar o legislador para informar que a exclusão de outros grupos foi inconstitucional, a fim de que legislativo produza uma norma que supra tal falha. Diz-se que o judiciário não pode fazer as vezes de legislador positivo, criando direitos sem previsão legal.

Ocorre que, no caso da lei penal que aumente a pena de um crime de forma a prejudicar apenas uma classe de pessoas, não se está diante de uma norma criadora de prestações positivas em prol de um grupo determinado. A lei penal cria uma sanção penal mais grave apenas para determinados grupos de pessoas. Outros indivíduos não são beneficiados com prestações positivas, que possam ser retiradas caso haja anulação da lei. A lei apenas prejudica, injustamente, determinado grupo ou categoria de pessoas, excluindo outras.

Uma coisa é a política pública, que pode ser diferenciada em razão do sexo, da raça, da condição econômica, outra coisa, completamente distinta, é uma sanção penal, que não deve levar em conta tais condições para aplicar penas diferentes a quem praticou a mesma conduta ilícita.

Constitui discriminação aplicar uma pena maior a alguém porque é do sexo masculino ou da raça branca. O princípio da dignidade da pessoa humana pressupõe que todo ser humano merece igual respeito e tem o mesmo valor.

A previsão de penas maiores quando a vítima de um delito é de determinado sexo constitui discriminação inversa. Ao fazê-lo, o legislador trata um gênero de maneira menos digna que o outro e desrespeita o princípio da isonomia entre homens e mulheres.

A diferença entre uma ação afirmativa e a sanção penal é que aquela sempre cria vantagens para um grupo, atua de maneira positiva, através de ações benéficas do Estado. Ações afirmativas são legítimas se razoáveis e adequadas ao momento histórico e social.

A sanção penal, contudo, traz um mal para o indivíduo. Tem um caráter negativo, prejudicial, só se justificando para prevenir e punir condutas que causam danos a bens jurídicos especialmente protegidos. A pena é uma retribuição a um ilícito. Quem pratica um mesmo fato ilícito deve receber a mesma pena, não importando se é pobre, rico, branco, negro, homem ou mulher.

Não cabe invocar o argumento das ações afirmativas para justificar uma sanção penal maior para homens que cometem crimes contra mulheres, pois o que importa é o desvalor da ação, e não quem a executa, salvo se for adotado o direito penal do autor, que pune o indivíduo não exatamente pelo que faz, mas sim pelo que é.

Para a mesma conduta tipicamente relevante deve ser aplicada a mesma pena, independente de quem a cometa. Assim, é aceitável agravar a pena do homicídio quando praticado em determinada situação (v.g. violência doméstica), vez que se pune de forma mais severa uma ação especialmente grave aos olhos do legislador. Mas não é correto aumentar a pena do homicídio em razão apenas do sexo da vítima.

É possível resolver tal falha anulando a lei penal, vez que isso não causará qualquer prejuízo a outros grupos, considerando que nenhum direito lhes será retirado. A anulação beneficiará o grupo prejudicado, que não ficará mais submetido a uma sanção penal maior.

Não é suficiente manter a lei intacta e oficiar ao legislativo para corrigir a lei, pois este pode quedar inerte, mantendo a violação ao princípio da isonomia.

Pode-se alegar que a anulação da lei prejudica o grupo que o legislador quis proteger de um modo especial, que a invalidação lhe proporcionaria uma proteção “menor”. Mas tal conclusão é incorreta.

A declaração de nulidade de uma lei penal que pune mais severamente apenas um determinado grupo ou gênero não acarretará ao outro uma proteção menor, mas sim uma proteção igual. Todos serão tratados com a mesma dignidade, sem discriminações. A lei penal discriminatória, por não poder ser estendida, deve ser anulada, o que corrige seu vício e faz com que o princípio da igualdade volte novamente a ser respeitado.

É odioso punir um indivíduo de forma mais grave só porque é de determinado gênero, cor ou classe social. Se o legislador comete um erro desse, ainda que levado pelas melhores intenções, o judiciário, como último abrigo daqueles que sofrem injustiças, precisa anular a lei. A partir daí, nada impede que o legislativo produza outra norma, prevendo igual proteção a todos.

E as leis penais que preveem penas mais altas para crimes praticados contra menores, idosos, deficientes, etc? Nesses casos, o aumento da pena não depende do gênero, da cor ou da condição social da vítima. Também não faz diferença sobre quem seja o autor. Um deficiente, se praticar um homicídio contra menor, terá pena aumentada. Ou seja, não faz diferença o sexo da vítima.

1 Direitos são quaisquer bens, prestações ou benefícios devidos a alguém por decorrência da lei ou contrato, que coloca um sujeito na posição de exigir algo de um particular ou o Estado.

2 Obrigações são todos os deveres a quem alguém está compelido em decorrência de lei ou contrato, que obriga um sujeito a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.

3 KELSEN, Hans. O problema da justiça. Trad. João Baptista Machado. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 32.

4 Idem, p. 36.

5Idem, p. 59.

6Idem, p. 37.

7 Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.

(...)

§ 2º - As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.

8 RAWLS, John. Uma teria da justiça. Trad. Jussara Simões. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 4.

9Idem, p. 6.

10Idem, p. 29.

11Idem, p. 32.

12Idem, ibidem.

13Idem, p. 38.

14Idem, p. 72.

15Idem, p. 135.

16Idem, p. 73.

17Idem, p. 75.

18Idem, p. 77.

19Idem, p. 118.

20Idem, p. 311.

21Idem, p. 165.

22 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros: São Paulo, 2008, p. 295.

23Idem, p. 397.

24Idem, p. 399.

25Idem, p. 404.

26Idem, p. 405.

27Idem, p. 414-415.

28Idem, p. 430.

29Idem, p. 431.

30 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

31 Idem, p. 395.

 

Sobre o autor
Alexandre Assunção e Silva

Procurador da República. Mestre em Políticas Públicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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