SEXISMO NAS LEIS PENAIS (PARTE III)

06/08/2019 às 09:50
Leia nesta página:

O trabalho analisa o sexismo, que é a discriminação fundamentada no sexo, presente na legislação penal brasileira

PARTE III

 

3.1 Violência contra o gênero masculino

A famosa revista de quadrinhos infantil “A Turma da Mônica” conta estórias de uma menina chamada Mônica que bate em meninos, principalmente em seus coleguinhas Cebolinha e Cascão. Usando como arma um coelho de pelúcia apelidado de “Sansão”, Mônica muitas vezes bate tanto em seus colegas que eles ficam prostrados no chão. Embora os quadrinhos não mostrem o espancamento em si, mostra os meninos surrados, jogados um sobre o outro. Para Mônica dar uma boa surra nos garotos, basta que seja contrariada ou enganada.

Ainda que esteja voltada para o público infantil e contenha sugestão de violência, desde que essa revista em quadrinhos foi lançada, há décadas, não temos conhecimento de qualquer questionamento ético quanto ao seu conteúdo. Pelo contrário, a revista vem ganhando mais e mais destaque, com produção de desenhos animados para a TV e publicações no exterior.

Exemplo semelhante encontra-se na série de TV mexicana Chaves. Em vários episódios dessa série, dirigida ao público juvenil, a personagem Dona Florinda bate (dá um grande tapa) no rosto do personagem Senhor Madruga, mas este nunca revida. Há episódios em que ela o espanca severamente, deixando-o acamado e de muletas.

Esses dois exemplos dos gibis e da TV, tão conhecidos do público brasileiro, servem para ilustrar como a violência praticada por mulheres contra homens é aceita socialmente, sendo mesmo objeto de deleite para o público em geral. A conclusão a que se chega é que a violência de mulheres (ou meninas) contra homens (ou meninos) não é condenada, sendo aceita inclusive como forma de divertimento.

A situação contrária, contudo, teria uma recepção bem diferente. Um gibi que retratasse um menino batendo continuamente em meninas, mesmo após ter sido injustamente provocado, seria considerado uma forma de apologia à violência contra as mulheres. O público teria ojeriza. Já um seriado de TV que exibisse um homem batendo numa mulher faria com que o público considerasse esse homem um canalha, merecedor de todas as condenações possíveis.

Essa realidade mostra duas formas de discriminação, como notou Benatar:

Primeiro, as pessoas são menos inibidas de cometer atos de violência contra homens do que contra mulheres. Em segundo lugar, quando a violência é infligida aos homens, outras pessoas levam isso menos a sério. A última explica em parte a primeira. Em outras palavras, é em parte porque a violência contra os homens é levada menos a sério que algumas pessoas estão mais inclinadas a perpetrar violência contra os homens, e outras pessoas estão menos inclinadas a preveni-la.1.

 

A incapacidade de levar a violência contra homens a sério contribui para uma maior violência contra o sexo masculino. Na sociedade, a agressão de uma mulher contra um homem não é criticada ou reprimida. Se uma mulher der um tapa num homem em público, seja seu marido, namorado ou até um desconhecido, essa agressão será considerada irrelevante. Mas se um homem der um tapa numa mulher, seja sua esposa, companheira ou namorada, isso será o suficiente para uma imediata intervenção em defesa da mulher e acionamento dos mecanismos de repressão estatal.

Mas porque isso acontece, qual a causa dessa diferenciação? A explicação mais comum é a seguinte: o homem, por ser mais forte fisicamente, nunca deve bater numa mulher. Se uma mulher bate num homem, ele deve suportar e não reagir, pois poderá machucá-la. Quando uma mulher bate num homem, dificilmente conseguirá machucá-lo. Nessa situação, o homem deve suportar a agressão, sem revidar, ou se afastar.

Esse argumento exige que todo homem se comporte como herói ou como covarde, não reagindo mesmo quando é agredido por uma mulher. Mas o mesmo heroísmo não é exigido da mulher. Se uma mulher for agredida, mesmo que por um leve tapa, ela precisa (dizem as campanhas) procurar imediatamente a polícia e denunciar o agressor (na verdade, qualquer pessoa deve denunciá-lo). A mulher não tem que se comportar de maneira submissa. O comportamento submisso é exigido apenas do homem. É uma nova espécie de servidão.

Argumenta-se que um homem pode ferir uma mulher se bater nela. Mas uma mulher também pode ferir um homem se bater nele. Os homens sentem dor quando levam um tapa, são atingidos em sua honra e dignidade, assim como as mulheres. Os danos psicológicos advindos de um ato de violência não podem ser medidos pelo sexo da vítima.

Caso seja agredido, um homem não tem direito a nenhuma das medidas de proteção especiais previstas em lei, devendo se contentar com a abertura de um processo nos juizados especiais. Se quiser se afastar da agressora, terá que sair de casa.

A sociedade ensina a sermos condescendentes, carinhosos e prestativos com as mulheres. A violência contra a mulher é mostrada como algo inaceitável. Daí o clichê: “Em mulher não se bate nem com uma flor”. Tudo isso se reflete nas leis e na justiça, que se mostra condescendente com as mulheres.

A indiferença da sociedade em relação à violência contra homens foi denunciada por uma ONG na Inglaterra. Esta realizou duas simulações. A primeira a de um homem prestes a agredir uma mulher, em praça pública. Muitas pessoas que estavam próximas ficam preocupadas e intervêm. Na segunda simulação, o homem é agredido pela mulher. Ninguém se importa ou faz coisa alguma, embora as agressões seja bem mais grave que na primeira simulação. O vídeo com as simulações foi produzido na Inglaterra em 2018 (onde 40% dos homens são vítimas de violência doméstica) e está disponível na internet2.

Pesquisas já comprovaram que a sociedade não desaprova da mesma maneira a agressão contra homens:

 

Há algumas pesquisas sociais científicas que apoiam a afirmação de que um homem que ataca uma mulher está sujeito a muito mais desaprovação do que um homem que bate em outro homem. Por exemplo, uma série de pesquisas revelaram que as pessoas têm uma visão mais negativa da violência dos maridos contra as esposas do que vice-versa3.

 

A violência é resultado da falta de respeito ao próximo, da ignorância, da intolerância, do ciúme, presentes em grande parte da população.

Muitos homens são educados na infância sofrendo castigos físicos e psicológicos. Quando não experimentam agressões por parte da família, meninos podem ser agredidos na escola por outros garotos. A violência aprendida durante a infância e a adolescência faz com que, quando adultos, eles estejam mais propensos a reagir com violência em situações estressantes, como uma discussão familiar, infidelidade conjugal, separação. As meninas geralmente não são submetidas à mesma violência física que os meninos.

Em se tratando de medidas punitivas de caráter correicional, no âmbito familiar e escolar: “É mais provável que homens, em vez de mulheres, estejam sujeitos a punições corporais. Na verdade, às vezes tal punição às mulheres é proibida, enquanto ela é permitida, se não encorajada, para homens”4.

Quando se admitem castigos contra alunos nos colégios, os infligidos aos meninos são mais severos do que os aplicados às meninas: “se um garoto ou uma garota na mesma classe cometem a mesma falta, o garoto pode estar sujeito a punição corporal, mas a garota é tratada mais levemente”5.

No Brasil só recentemente foram aprovadas leis que proíbem o castigo corporal no âmbito familiar. Tradicionalmente, meninos sempre foram tratados com mais rigor e submetidos a punições corporais às vezes severas, que não eram impostos às meninas, sob a justificativa de que aqueles são mais fortes e suportam melhor a dor.

O fato de terem sofrido sevícias durante a juventude contribui para que os homens se tornem adultos violentos. Essa opressão aprendida na infância poderá depois ser dirigida às esposas e companheiras. É um círculo vicioso. Assim, muito mais eficaz que aumentar penas, para diminuir a violência doméstica cometida por homens, é ensinar as famílias a não agredir seus filhos. É preciso mudar a forma de educar os garotos, sem agredi-los. Isso sim diminuirá a violência na sociedade.

O fato dos homens cometerem mais crimes levou à crença de que a criminalidade masculina é inata, natural, decorrente do hormônio testosterona. Contudo, não é o hormônio testosterona o responsável pela maior grau de violência dos homens:

 

Nos poucos estudos que sugerem conexões entre a testosterona circulante e a agressão humana, os elos são correlacionais e há algumas razões para pensar que são os comportamentos agressivos e dominantes que causam o aumento dos níveis de testosterona, e não vice-versa6.

 

Homens não são maus por natureza, tendentes à violência e ao crime. As mulheres também cometem crimes. Todos as pessoas podem errar; contudo, não perdem a condição de seres humanos em razão disso. Merecem um tratamento adequado por parte das leis e da justiça.

Quem é julgado quando comete um crime é o indivíduo que o pratica e não o gênero ao qual pertence. A culpabilidade reside nas pessoas como indivíduos e não como membros de um grupo. Ainda que as mulheres sejam, como regra, menos agressivas que os homens, se uma mulher pratica um ato de violência, deve responder por ele da mesma forma que um indivíduo do sexo masculino. “Quaisquer que sejam as diferenças psicológicas e comportamentais naturais entre homens e mulheres, estas são apenas estatísticas. Eles são tendências. Não podemos dizer, por exemplo, que todos os homens são mais agressivos que todas as mulheres”7. A culpa é algo individual, que é avaliada de acordo com as circunstâncias do caso concreto. São as circunstâncias fáticas e não o sexo do autor ou da vítima que importam.

A sociedade estimula os homens a serem superprotetores, expondo-se de forma mais frequente à violência, a serem mais agressivos, o que contribui para a criminalidade:

 

Os homens são encorajados a serem mais agressivos, a proteger o território, a prover e proteger mulheres e crianças, a competir por parceiros e, no processo, a se expor a riscos maiores. Em algumas circunstâncias, esses traços tornam os machos particularmente predispostos ao crime. Se for esse o caso, então o papel do gênero masculino desempenha um papel no crime masculino. Se os homens (e as mulheres) fossem socializados de forma diferente, então proporcionalmente menos crime seria atribuível aos homens, e então menos homens experimentariam severas punições judiciais8.

 

Indivíduos do sexo masculino tratam uns aos outros como potenciais inimigos. Eles tem o papel de proteger a si e a suas famílias. Quando ocorrem conflitos sociais, muitas vezes se espera dos homens um comportamento agressivo e até violento.

Deseja-se que as mulheres se comportem de forma amável, evitando conflitos, a partir da ideia preconcebida de que elas são seres benevolentes e pacatos. Ser assim considerado, porém, tem suas desvantagens, pois contribui para que delinquentes visem as mulheres como vítimas preferenciais de projetos criminosos.

A injustiça, a incoerência que se vê nas leis, decorre diretamente do preconceito que existe na sociedade. As leis que mais refletem o preconceito social são as leis penais. O tratamento mais rigoroso por parte da legislação penal não cessará enquanto não houver uma mudança nos costumes e crenças tradicionais.

 

3.2 Violência doméstica contra homens

 

A lei de combate à violência doméstica não foi criada para combater qualquer violência que aconteça no âmbito familiar, mas, unicamente, a agressão contra mulheres. Por mais estranho que possa parecer, a lei n. 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, não coíbe todos os tipos de violência doméstica.

Não têm direito às medidas protetivas previstas na lei n. 11.340/06: 1) homens agredidos por mulheres no ambiente doméstico ou familiar; 2) homens agredidos por outros homens nas mesmas hipóteses; 3) indivíduos sem gênero definido; 4) crianças do sexo masculino vítimas de violência doméstica; 5) idosos do sexo masculino; 6) deficientes do gênero masculino.

Não existe, no Brasil, uma lei ou política pública que coíba a prática da violência doméstica e familiar de forma geral. A Lei Maria da Penha foi produzida com o objetivo de proteger apenas as mulheres. É um exemplo legal de padrão duplo.

Padrão duplo é a aplicação de diferentes regras e princípios para situações idênticas. Um padrão duplo surge quando duas ou mais pessoas, circunstâncias ou eventos são tratados de maneira diferente, embora devessem ser tratados de forma igual. É preciso analisar se as circunstâncias que a princípio parecem ser as mesmas diferem em algo relevante. Observando os paralelos entre essas circunstâncias e de que maneira elas diferem, pode ser encontrado um fato que, após um exame detalhado, torna essas situações distintas. Mas se não há uma verdade ou fato que distingue essas situações, então um duplo padrão duplo foi aplicado, o que configura uma injustiça.9

As diferenças na forma como homens e mulheres são tratados podem configurar um padrão duplo, como normas sociais diversas em relação a namoro, coabitação, virgindade, casamento, novo casamento, abuso, agressão, assédio sexual e violência doméstica. Haverá um padrão duplo se ocorrer diferentes graus de proteção legal. Essa diferença viola a máxima de que todos são iguais perante a lei. Um padrão duplo constitui uma aplicação tendenciosa ou moralmente injusta dessa máxima. Espera-se que os juízes e líderes sejam imparciais e apliquem os mesmos padrões a todas as pessoas, independentemente de seus próprios preconceitos subjetivos com base na classe social, etnia, gênero, religião, orientação sexual, idade ou outras distinções. Os padrões duplos se desenvolvam na mente das pessoas por uma série de motivos, como distorção dos fatos para apoiar crenças, vieses de confirmação, vieses cognitivos, ou a necessidade de ser certo.10

Foram criadas, por determinação da Lei Maria da Penha, delegacias especializadas em combater violência contra a mulher e em apurar feminicídio11. O correto teria sido elaborar uma lei que protegesse todas as vítimas de violência doméstica, que existissem delegacias especializadas em combater a violência familiar em geral e em apurar homicídios praticados por preconceito de gênero, independentemente do sexo da vítima.

Embora os homens sejam as maiores vítimas da violência, à expressão “violência de gênero” tem sido dado o significado de violência contra mulheres. Contudo, excluir os homens do subconjunto “violência de gênero” não passa de uma arbitrariedade, de discriminação. Como observou Benatar:

 

Claramente, a violência de gênero deve ter algo a ver com gênero ou sexo. Uma visão razoável é que é a violência que é causada ou legitimada por ideias (conscientes ou subconscientes) sobre gênero. Alternativamente, pode ser entendido como violência que afeta desproporcionalmente um sexo. No entanto, "homem" também é um gênero ou sexo e, portanto, é difícil ver como pelo menos alguma violência contra os homens não é também violência de gênero12.

 

Os casos de violência doméstica contra homens são bem menos notificados às autoridades que os casos de violência praticados contra mulheres. Há uma clara subnotificação dos casos de agressão praticadas contra homens.

Vários fatores contribuem para isso, dentre eles a vergonha de ser qualificado como “homem que apanha de mulher”, ou “mulherzinha”, por ter apanhado de outro homem. Além disso, a falta de um adequado amparo jurídico aos homens vítimas de violência contribui para que eles não denunciem quando sofrem agressões.

Se um homem levar um soco de sua esposa, ou for ferido de forma que não sofra lesões graves, dificilmente irá denunciá-la na delegacia ou pedir alguma proteção, em razão do preconceito segundo o qual todo homem pode se defender de uma mulher sem ajuda externa. “É muito provável que os homens sejam menos propensos do que as mulheres a fazer acusações por abuso doméstico, mesmo quando sofrem ferimentos semelhantes. Eles podem ter mais vergonha de não serem capazes de se defender”13.

Contudo, sendo o homem mais forte que a agressora, a intervenção policial poderia evitar que esse homem, caso seja novamente agredido, reaja de forma a machucá-la. Ou seja, prestar assistência ao homem agredido é uma maneira de evitar futuras agressões à mulher. Um homem que sofre constantemente agressões ou humilhações da esposa um dia pode se revoltar e cometer um desatino.

Há muita falta de informação a respeito da violência doméstica. Embora os termos “violência conjugal” e “violência doméstica” sejam rotineiramente empregados para se referir à agressão de maridos contra suas esposas e namoradas, a percepção geral segundo a qual a violência conjugal é exclusivamente o violento tratamento de mulheres por seus maridos é errada. Os estudos realizados a respeito indicam outra realidade. A taxa de violência física é semelhante para cada sexo:

 

Muitos estudos têm mostrado que esposas usam violência contra seus maridos ao menos tanto como maridos usam contra suas esposas. Dado o quão inesperadas são essas descobertas para muitas pessoas, pelo menos um autor conhecido (que compartilhou os preconceitos predominantes antes de sua pesquisa quantitativa) examinou os dados de várias maneiras, a fim de determinar se eles poderiam ser reconciliados com visões comuns. Em quase todos os pontos, as mulheres eram tão violentas quanto os homens. Verificou-se que metade da violência é mútua, e na metade restante havia um número igual de agressores femininos e masculinos. Quando foi feita uma distinção entre “violência normal” (forçar, empurrar, dar tapas e atirar coisas) e “violência severa” (chutar, morder, socar, bater com um objeto, 'espancar' e atacar o cônjuge com uma faca ou arma), a taxa de violência mútua caiu para um terço, a taxa de violência apenas pelo marido permaneceu a mesma, mas a taxa de violência pela esposa aumentou. Mostrou-se que as esposas iniciam a violência tão frequentemente quanto os maridos. Pelo menos alguns estudos sugeriram que há uma taxa maior de esposas atacando maridos do que maridos que atacam esposas, e a maioria dos estudos sobre violência no namoro mostra taxas mais altas de violência infligida por mulheres. Não é, portanto, o caso, como alguns sugeriram, que a violência feminina contra os parceiros geralmente é em autodefesa14.

 

Mesmo que haja alguma diferença de força entre homens e mulheres, isso não justifica um tratamento legal muito mais rigoroso do que aquelas praticadas por mulheres contra homens ou de homens contra homens.

Admitimos, anteriormente, que é justa a aplicação de uma pena maior nos delitos praticados contra crianças, pois estas são mais fracas e menos desenvolvidas que os adultos. A mesma lógica não justificaria, então, um tratamento diferenciado da violência contra a mulher, vez que as mulheres são, em média, mais fracas fisicamente que os homens?

Entendemos que não. É justo e legítimo aumentar a pena de um crime praticado contra criança em razão do preceito moral segundo o qual agredir alguém mais fraco constitui um ato de covardia merecer de maior punição. Um homem que agride uma criança merece uma pena maior, assim como um homem que agride outro indivíduo bem mais fraco que ele, seja outro homem ou uma mulher, igualmente merece uma sanção penal mais elevada. Esse é o princípio que orienta o aumento da pena em caso de crimes praticados contra idosos ou deficientes.

Essa lógica, contudo, não foi respeitada pela Lei Maria da Penha. Primeiro ela presume que todos os homens são mais fortes que todas as mulheres, o que não é verdade, pois existem mulheres mais fortes que a maioria dos homens, ou detentoras de habilidades marciais que grande parte deles não possui. Além disso, a lei não seguiu a lógica da necessidade de proteção a qualquer vítima de violência.

Se um indivíduo sofre violência doméstica é porque se encontra numa posição inferior, está numa situação de vulnerabilidade. O agressor está numa posição superior, seja porque é mais forte seja porque domina psicologicamente a vítima. O simples fato de existir uma agressão demonstra a desigualdade e a necessidade de uma proteção especial do Estado, independentemente do gênero da vítima (masculino, feminino ou neutro).

O princípio é que qualquer vítima de violência doméstica e familiar encontra-se em situação de fragilidade e precisa de uma proteção especial, da mesma forma que toda criança, por ser indefesa, precisa de um amparo legal específico, independente de seu sexo.

A percepção errônea de que esposas não batem nos maridos faz com que os homens agredidos não sejam adequadamente assistidos quando procuram ajuda. Homens nem sempre conseguem se defender de agressoras do sexo feminino, principalmente se estes estão usando algum tipo de arma. Na vida real há algumas situações nas quais as mulheres se comportam de maneira tão ou mais agressiva que os homens. As mães, por exemplo, infligem mais castigos corporais às crianças do que os pais15.

A violência doméstica não deveria receber maior atenção que outras formas de violência que são mais graves. O assassinato fora do contexto doméstico é muito mais comum e os homens são as principais vítimas.

Ainda que hajam mais casos de violência doméstica registrados contra mulheres (não esquecendo a cifra oculta da criminalidade doméstica contra homens), isso não justifica a produção de leis que protegem apenas a mulher. Há muitos casos de sevícias contra homens relatados às autoridades (geralmente os casos mais graves) e talvez só não aja mais em virtude da inutilidade dessa providência.

Se um homem receber um tapa de sua esposa ou de outro homem após uma discussão familiar, dificilmente irá a uma delegacia, porque não existe incentivo legal para que o faça. Se for, a queixa será registrada como vias de fato, sem maiores consequências para o agressor(a). Se uma mulher, porém, receber um tapa do marido durante uma discussão doméstica, mesmo que em resposta a um tapa por ela dado antes, poderá conseguir uma medida protetiva que afastará imediatamente o marido agressor da residência conjugal, além de outras previstas em lei16.

Para os homens não vale a pena denunciar uma agressão recebida por uma mulher ou por outro homem no ambiente familiar, pois não há previsão de medidas protetivas em seu benefício nem haverá uma punição efetiva, a não ser que seja algo muito sério, como uma tentativa de homicídio ou lesão corporal grave.

Como a Lei Maria da Penha coíbe apenas a violência contra mulher, os homens tornam-se alvos mais fáceis, pois não recebem igual amparo legal: “Dado que já existe uma norma que desestimula a violência contra as mulheres, na verdade são os homens que, de um modo geral, são mais vulneráveis à violência. Isso ocorre porque a vulnerabilidade de uma pessoa é uma função não apenas da capacidade defensiva de alguém, mas também da probabilidade de alguém ser atacado”17.

Leis e preconceitos sociais, ao mesmo tempo que desencorajam a violência contra as mulheres, estimulam a violência contra os homens. Estes são deixados à própria sorte, ou melhor, à legislação “comum”, considerada insuficiente para proteger o gênero feminino.

Uma das conclusões a que se pode chegar diante disso é que a lei, indiretamente, está punindo os homens. Eles não devem receber uma adequada proteção legal como forma de punição, talvez por serem os responsáveis pela maior parte dos casos de violência.

Mas é uma forma injusta de proceder, pois exclui de antemão indivíduos que não são violentos ou responsáveis por qualquer tipo de agressão. Ninguém deve ser punido ou sofrer restrições de direitos porque faz parte de determinado grupo, mas sim pelos atos que individual e conscientemente realiza:

 

Até mesmo muitos conservadores reconhecem que tratar as pessoas com base nas características de seu grupo pode, pelo menos algumas vezes, estar errado. Eles podem pensar que há casos selecionados em que a discriminação com base nas características do grupo é permissível. No entanto, porque eles acham que há outros casos em que não é permissível, é insuficiente simplesmente apontar para generalizações, a fim de justificar o tratamento de todos os membros de um grupo de forma diferente de todos os membros de outro grupo18.

 

A nenhum homem deve ser negado um direito pelo simples fato de pertencer ao gênero masculino. Negar a um homem vítima de violência doméstica a mesma proteção que é outorgada pela lei à mulher constitui uma discriminação injusta.

Por outro lado, conceder a mesma proteção legal já concedida às mulheres a um homem vítima de violência doméstica não interfere no direito daquelas.

O legislador brasileiro considerou as vítimas do gênero masculino indignas de consideração. Os gêneros masculinos e femininos não foram tratados com a mesma dignidade. Qualquer tipo de violência, seja contra mulheres, homens, crianças, idosos, deficientes, animais, precisa ser e reprimida pelo Estado.

É pública e notória a violência contra mulheres na sociedade. Essa violência precisa ser combatida através da legislação penal, por meio do sistema de justiça e políticas públicas estatais. Mas a violência contra o homem igualmente existe e merece atenção.

 

3.3 Agressão sexual contra machos

 

As mulheres constituem a maioria das vítimas de agressão sexual. Mas, quando homens são vítimas desse tipo de violência, não são levados a sério. Conforme Benatar: “as mulheres são vítimas de discriminação sexual porque são mais propensas a serem vítimas de agressão sexual; e podemos dizer que os homens são vítimas de discriminação sexual porque é mais provável que a agressão sexual deles não seja levada a sério”19.

Crimes sexuais contra homens são tratados de forma leniente. Prova disso foi o caso de um homem estuprado após participar de uma orgia. O agressor foi absolvido, sob a justificativa de que a vítima deixou de ter o direito de se opor a sexo não consentido: "Se o indivíduo, de forma voluntária e espontânea, participa de orgia promovida por amigos seus, não pode ao final do contubérnio dizer-se vítima de atentado violento ao pudor", decidiu o Tribunal de Justiça de Goiás. A absolvição foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça20.

Estudos sugerem que “tanto homens como mulheres são menos simpáticos a homens vítimas de violência sexual do que são com mulheres vítimas de tal tipo de violência21. E em casos de julgamento por agressão sexual, “significativamente maiores penas foram recomendadas quando os réus eram homens do que quando eram mulheres”22.

A maior parte da violência sexual infligida aos homens é feita por outros homens, o que não elimina a necessidade de uma atenção especial do Estado. Como observou Benatar:

 

É amplamente reconhecido que a agressão sexual em geral é subnotificada. Este problema é particularmente agudo quando as vítimas são do sexo masculino. As agressões sexuais aos meninos são menos prováveis de serem relatadas do que as das meninas. […] Os homens adultos também são menos propensos do que as mulheres a relatar que foram agredidos sexualmente. […] A agressão sexual aos homens é menos provável de ser notificada em parte porque as pessoas são menos propensas a acreditar no relato23.

 

O estupro é um crime tradicionalmente atribuído aos homens. As leis que definem quais são os delitos de natureza sexual muitas vezes são feitas de forma que somente machos possam praticar esse delito:

 

Historicamente, o estupro foi definido de tal forma que apenas as mulheres podem ser vítimas de estupro e os machos os únicos autores. Em alguns lugares, não há crime comparável do qual os machos possam ser as vítimas. Isso é verdade na China (excluindo Hong Kong), onde o Artigo 236 do Código Penal proíbe o estupro de mulheres e relações sexuais com garotas menores de idade, mas não tem disposições para proibir atos comparáveis contra homens24.

 

Mesmo quando a lei penal não é feita de forma que apenas homens possam cometer estupro, é muito difícil acusar uma mulher desse tipo de crime, tendo em vista que as principais formas de sexo, a penetração do pênis na vagina, ânus e boca, não podem ser executadas por uma mulher. Exames médicos são aptos para confirmar a penetração do órgão sexual masculino, inclusive com coleta de esperma, mas quando a violência é praticada por uma fêmea, é muito mais difícil produzir a prova, restando, muitas vezes, a palavra da agressora contra a da vítima. Só que, quando esta última é homem, sua palavra vale bem menos. Quem acreditaria num homem que chegasse numa delegacia dizendo que foi obrigado por uma mulher, que estava armada, a fazer sexo oral? Não seria mais provável que esse homem fosse mandado pra casa sob comentários de que deveria estar feliz com o que lhe aconteceu?

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Há ainda preconceitos com relação ao assédio sexual. A lei n. 11.340/06 enquadra o assédio sexual como um tipo de violência sexual, vez que é uma conduta que constrange alguém a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça ou coação (art. 7º, inciso III, da lei n. 11.340/06). Mesmo quando o assédio é praticado no local de trabalho estará sujeito às medidas de proteção especial previstas na Lei Maria da Penha, pois encontra-se abrangido pelo conceito de ambiente doméstico - espaço de convívio permanente entre pessoas (art. 5º, inciso I, da lei n. 11.340/06).

Os homens são frequentemente acusados de assédio sexual, o que gera efeitos devastadores, mesmo antes da produção de qualquer prova:

 

Os homens se tornaram muito vulneráveis a acusações de assédio sexual. Não importa o quão frívola ou infundada tal acusação possa ser, um homem pode ser seriamente prejudicado por ela. O desafio é encontrar o equilíbrio certo, mas isso não é fácil. Vítimas de assédio sexual genuíno precisam ser levadas a sério e receber proteção. Mas as vítimas de acusações de assédio sexual falso também precisam de proteção contra acusadores mal-intencionados, oportunistas e delirantes, mesmo que não haja muitas delas25.

 

As políticas de repressão ao assédio sexual têm o defeito de considerar as mulheres seres indefesos e delicados que devem ser protegidas do ataque de machos libidinosos. Além de caracterizar preconceito, pois homens igualmente podem ser assediados, isso pode prejudicar o convívio no ambiente de trabalho, conforme apontou Paglia:

 

Eu peço diretrizes moderadas de assédio sexual que não devem infringir os direitos de outras pessoas no local de trabalho ou criar um padrão duplo reacionário que defina as mulheres como de alguma forma mais fracas, frágeis ou mais puras do que os homens […] Todo local de trabalho é hostil tanto para mulheres quanto para homens; testes, desafios e possíveis sabotagens estão em toda parte. As mulheres devem aprender a manobrar e negociar em seu próprio território a partir do momento em que chegam ao local de qualquer escritório ou sala de aula.26

 

O Estado brasileiro não tem dado a devida atenção à discriminação reversa contra os homens nem tomado as medidas necessárias para evitá-la. É preciso chamar a atenção do Estado e da sociedade quanto ao preconceito contra o gênero masculino nos locais de trabalho.

 

3.4 Agressões psicológicas

 

Dentre as espécies de violência doméstica e familiar consideradas pela Lei Maria da Penha dignas de atenção encontram-se as violências psicológica, patrimonial e moral27.

Mas, se quanto à força física o homem pode possuir alguma vantagem sobre a mulher, no que diz respeito à capacidade de praticar violência psicológica e moral, homens e mulheres estão em situação de paridade de armas.

Nos dias de hoje não faz sentido pressupor qualquer superioridade mental de um gênero sobre o outro. A violência psicológica está relacionada à personalidade do indivíduo e à sua dependência em relação a alguém. Como as mulheres estão cada vez mais independentes financeiramente, tendo aumentado progressivamente o número de famílias chefiadas ou mantidas por mulheres, estas estão cada vez menos sujeitas a sofrer violência psicológica, patrimonial e moral, e mais propensas a praticá-las. Como escreveu Paglia: “A maioria dos homens é intimidada pelas mulheres! Qualquer mulher que se preze deve saber lidar com os homens e colocá-los em seu lugar. As mulheres devem exigir respeito e, com o tempo, conseguirão”.28

Observando o que ordinariamente acontece, é comum vermos maridos dominados psicologicamente por suas esposas. Em matéria de inteligência, sagacidade e ousadia, as mulheres não deixam nada a dever aos homens.

A violência psicológica, patrimonial e moral pode ser praticada por qualquer dos gêneros, uma vez que não existe, naturalmente, uma superioridade intelectual do homem sobre a mulher. Na verdade, alguns estudos mostram que as mulheres possuem capacidades intelectuais e inteligência superiores às dos homens. Em virtude das constantes mudanças pelas quais vem passando a sociedade, as mulheres ocupam a cada dia mais posições de poder, exercem as melhores profissões (médicas, advogadas, gerentes) e chefiam empresas.

É um erro considerar os homens sempre fortes e dominadores, e as mulheres fracas e submissas. Esse é um preconceito típico das sociedades ocidentais. Qualquer homem possui alguma característica que é comumente considerada feminina, assim como mulheres qualidades apontadas como masculinas.

Um indivíduo do sexo masculino, fisicamente forte, pode ter um temperamento frágil e dócil; uma mulher, fisicamente pequena, ter uma personalidade forte e dominadora.

Na música “Masculino e feminino”, Pepeu Gomes disse, corretamente, que “ser um homem feminino não fere o meu lado masculino”, ou seja, expressar aspectos femininos não impede alguém de ser homem:

 

Ser um homem feminino

Não fere o meu lado masculino

Se Deus é menina e menino

Sou Masculino e Feminino...

(...)

 

Masculino e feminino não são universos estanques e separados, mas perfis que se interpenetram e convivem em harmonia, a exemplo do símbolo chinês yang e yin. Como observou Camile Paglia: “Macho e fêmea, os chineses yang e yin, são poderes equilibrados e interpenetrantes no homem e na natureza, aos quais a sociedade é subordinada”29.

A presunção que se vê na legislação penal brasileira de que homens são seres violentos por natureza e sempre ocupam a posição de agressores, e as mulheres seres dóceis que sempre ocupam a posição de agredidas, é um preconceito cultural que advém da ignorância do que realmente acontece.

Dependência emocional, coação moral e domínio psicológico, podem ocorrer de um homem em relação à esposa, namorada ou companheira, deixando-o fragilizado. A subordinação afetiva da vítima ao agressor pode existir tanto quando se é mulher como se é homem, pois, obviamente, um homem pode ser afetivamente dependente. Não faz sentido distinguir uma situação da outra.

Os efeitos de uma agressão psicológica não são maiores porque a vítima é mulher. Qualquer pessoa agredida sofre física e emocionalmente. Fazer uma discriminação de sofrimentos, considerar um maior que o outro, considerando apenas o sexo da vítima, e não o caso concreto, é uma crueldade, uma desumanidade.

Qualquer forma de violência doméstica precisa ser punida. Se a punição é considerada leve quando a vítima é mulher, mais leve será, ou mesmo inexistente, quando a vítima for homem.

Ademais, a exclusiva proteção legal proporcionada às mulheres, em casos de violência doméstica, pode ainda favorecer um aumento da violência psicológica contra homens, uma vez que estes não possuem uma adequada proteção legal.

 

3.5 Violência contra meninos

 

Os resultados que advém da aplicação insensível da Lei Maria da Penha são chocantes, mas parecem passar despercebidos. Veja-se a seguinte lição doutrinária sobre a hipótese de um pai que agride ao mesmo tempo um filho e uma filha:

 

Na hipótese de uma mesma agressão ser perpetrada contra vítimas de sexos diversos (v.g. pai que agride simultaneamente um filho e uma filha), estará sujeita à Lei Maria da Penha apenas a violência perpetrada contra a criança do sexo feminino. No entanto, ante a conexão probatória entre os dois delitos, é perfeitamente possível a reunião dos feitos perante o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nos termos do art. 60, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Nesse caso, os institutos despenalizadores da Lei dos Juizados (v.g. transação penal, suspensão condicional do processo) só poderão ser aplicados em relação à infração de menor potencial ofensivo cometida contra filho, vez que não se admite a aplicação da Lei n. 9.099/95 aos crimes e contravenções praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.30

 

O autor não vê problema algum em aplicar os institutos despenalizadores da lei n. 9.099/95 às agressões praticadas contra uma criança do sexo masculino, de modo a evitar o julgamento do feito, mas entende que a transação ou a suspensão condicional do processo seriam incabíveis quando a criança for do sexo feminino, em razão da Lei Maria da Penha.

Todavia, como as duas vítimas são crianças, ambas merecem a mesma proteção da lei e o agressor igual punição, independentemente do gênero da pessoa agredida. Permitir um tratamento mais leniente ao agressor quando a criança é do sexo masculino não passa de uma inaceitável discriminação de gênero. Um menino de 5 anos de idade se encontra em idêntica situação de vulnerabilidade que uma menina da mesma idade. Não faz sentido dar maior proteção a um do que ao outro.

A própria Constituição veda todo tipo de discriminação contra crianças, além de determinar punição severa contra quem pratique qualquer violência contra elas, na forma do seu art. 227, caput, e § único:

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

 

Todas as crianças estão em idêntica situação de vulnerabilidade e devem receber a mesma proteção da lei, não podendo ser discriminadas em razão do seu sexo.

A solução mais correta para o caso acima é não aplicar as medidas despenalizadores (transação e sursis processual) em relação a qualquer agressão praticada contra criança, seja do gênero masculino ou feminino. Tanto a transação penal quanto a suspensão condicional do processo não devem ser aplicadas quando as circunstâncias do delito indicarem que elas não são adequadas31. É o caso da violência praticada contra crianças.

 

3.6 Violência contra o gênero neutro

 

O STF já se manifestou sobre a constitucionalidade da lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha), concluindo que o tratamento diferenciado entre os gêneros masculino e feminino faz-se necessário “ante as peculiaridades física e moral da mulher na cultura brasileira” (ADI 19). Esse julgamento, porém, não resolveu o problema da violência de gênero. Na verdade ele criou diversos problemas.

Ao legitimar mecanismos de combate à violência somente em prol do gênero feminino, o legislador deixou no limbo, sem definição, os casos de violência nos quais a vítima não é homem nem mulher. O STF e o legislador ignoraram, ou esqueceram, que existem pessoas sem gênero definido, designadas como gênero neutro.

Uma pessoa pode ter a aparência de um homem mas não se identificar com o gênero masculino, não ser homem nem mulher, possuindo características físicas e psicológicas de ambos. Se esse indivíduo for vítima de violência doméstica ele terá direito às medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha? A decisão do STF não responde esta questão.

A negativa de medidas especiais de proteção a alguém unicamente porque é do gênero masculino (o que para nós é um absurdo), não resolve qual deve ser a solução quando o indivíduo agredido se parece com um homem, mas não é, ou tem aparência andrógina.

Atualmente tem sido reconhecido ao indivíduo o direito de se identificar socialmente com o gênero que quiser, ou seja, uma pessoa que nasceu homem pode se identificar como pertencente ao gênero feminino e adotar um nome feminino; e uma pessoa nascida mulher pode se identificar com o gênero masculino e adotar um nome social masculino.

Ora, se as pessoas têm o direito de se identificar com o gênero que quiserem, elas podem não se identificar com os gêneros tradicionais, declarar que não têm gênero definido.

Existem mulheres que não se identificam com o gênero feminino, vestindo-se e comportando-se socialmente como homens. Elas se relacionam afetiva e sexualmente com mulheres, mas também podem se relacionar com homens. Se uma pessoa assim for vítima de agressão no âmbito doméstico, deverá ser tratado como homem ou como mulher? Se for agredida por uma mulher, será tratada como homem? E se sofrer agressão de um homem, será tratada como mulher? O que importa é o seu gênero real, social, ou o gênero do agressor?

Na verdade, o que deve importar é o fato de ser vítima de violência. Toda pessoa vítima de violência precisa receber o cuidado necessário, independentemente do seu gênero, ou do gênero do agressor. “Uma democracia moderna, baseada nos conceitos de liberdades individuais, tem uma obrigação de proteger todas as variedades de expressão pessoal.”32

Juízes de primeira instância e alguns tribunais têm aplicado a lei n. 11.340/06 em benefício de travestis, transexuais e homens homossexuais, sob o argumento de que estão na mesma posição de vulnerabilidade da mulher. Segundo esse entendimento, como a lei visa proteger o gênero feminino, quem desempenhe o papel de “fêmea” num relacionamento pode receber seus benefícios.

Acontece que nem sempre é possível identificar, num ambiente doméstico, familiar, ou numa relação afetiva, quem ocupa a posição de macho e de fêmea.

O indivíduo que pertence ao gênero neutro, indefinido ou não binário, não se identifica quer com o gênero masculino, quer com o feminino. Quem se encontra nesse grupo pode se comportar ora como homem, ora como mulher, ainda que possua as características físicas e biológicas de um ou outro. Uma pessoa com as características físicas de uma mulher pode se inserir no gênero neutro e não se identificar socialmente com o gênero feminino. Um indivíduo neutro pode ser homossexual, bissexual ou até mesmo assexuado (não se relacionar sexualmente com ninguém, o que não o impede de se relacionar emocional e afetivamente).

Vejamos as seguintes hipóteses: 1) o indivíduo “A” tem o aspecto físico de um homem, órgãos sexuais masculinos, veste-se como homem, mas afirma não ter um gênero definido, relacionando-se (afetiva e sexualmente) com homens e mulheres; 2) o sujeito “B” tem aparência andrógina, características físicas masculinas e femininas, órgão sexuais masculinos e/ou femininos, veste-se combinando trajes masculinos e femininos, não se identifica socialmente com qualquer gênero e relaciona-se (afetiva e sexualmente) com mulheres e homens; 3) o indivíduo “C” tem o aspecto físico de um homem, órgãos genitais masculinos, mas se veste de mulher, identifica-se socialmente como mulher e se relaciona com homens e mulheres; 4) o cidadão “D” tem a aparência física de um homem (cabelo curto, pelos no corpo), veste-se como homem, identifica-se socialmente como homem, mas biologicamente é uma mulher (tem órgãos genitais femininos), relacionando-se (afetiva e sexualmente) principalmente com mulheres, mas também com homens.

No primeiro e quarto exemplos a pessoa tem a aparência de um homem. No segundo há uma mistura de macho e fêmea, perceptível por quem observar. No terceiro, embora o indivíduo vista-se como mulher, não alterou seu corpo, permanecendo com características físicas masculinas.

Se alguma dessas pessoas sofrer violência doméstica, ela precisará ser classificada como mulher para fins de receber a devida proteção legal. Acontece que nenhuma delas têm a aparência física de uma mulher, existindo, no segundo e terceiro exemplos, uma verdadeira mistura de características masculinas e femininas. Como em todos os casos o indivíduo possui, total ou parcialmente, características masculinas, isso o excluirá de qualquer proteção especial prevista na lei Maria da Penha.

Contudo, excluir essas pessoas do âmbito de proteção da lei n. 11.340/06, quando vítimas de violência doméstica, não passa de discriminação pelo fato de não se enquadrarem nos gêneros tradicionais. Embora não sejam mulheres (em todos os aspectos), tais pessoas precisam de cuidado se forem agredidas. Quem faz parte do gênero neutro ou indefinido não se encontra numa posição masculina “superior”.

Daí porque o melhor critério a ser utilizado para saber se alguém vítima de violência doméstica deve receber o apoio da lei n. 11.340/06 é o simples fato de ter sofrido agressão de uma pessoa de sua convivência familiar (pois há uma quebra de confiança e aproveitamento dessa situação para cometer o delito), independentemente do seu gênero (masculino, feminino, neutro ou indefinido), de modo a não haver qualquer tipo de preconceito ou discriminação com base no sexo.

Se um homem agredido não desempenhar o papel social de mulher, de acordo com o entendimento atual, não será possível aplicar as medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha em seu benefício, por mais fragilizado e vulnerável que esteja. Todavia, num casal gay, pode não ser possível determinar quem exerce o papel de homem e quem exerce o papel de mulher. A ausência de uma clara diferenciação é possível nas relações afetivas e sexuais.

Não se deve exigir que um homem, agredido por outro, declare que se considera mulher, seja afeminado, enfim, que adote a posição de mulher no ambiente familiar, conforme a tradicional e preconceituosa classificação da mulher como um ser frágil e inferior ao homem (da qual discordamos completamente), para só assim ter direito à proteção da lei.

A legislação brasileira trata o homossexual masculino de maneira semelhante a países como Irã. Lá o homossexualismo é reprimido severamente, homens são proibidos de se relacionar sexualmente com outros homens, sob pena de morte. Contudo, o Irã aceita e até estimula a mudança de sexo. Transexuais são vistos como portadores de uma doença curável mediante cirurgia. A República do Irã é um dos recordistas mundiais em cirurgias de mudança de sexo. Se um homem não se identifica com o gênero masculino, pode se tornar mulher, através de uma operação feita naquele país. A partir de então, será aceito socialmente e tratado como uma mulher.33

De maneira semelhante, a Lei Maria da Penha, ao negar qualquer proteção aos homens, torna necessário que gays se tornem mulheres para terem a devida proteção legal. Embora o STF tenha declarado a validade de uniões familiares entre pessoas do mesmo sexo, a Lei Maria da Penha simplesmente despreza tal realidade, ao não incluir no seu âmbito de aplicação o homem vítima de violência. E os casais formados por homens? Será que não pode existir agressões entre eles? Um homem homossexual agredido não merece a mesma proteção legal de uma mulher? É preciso que um homem gay se vista como mulher e tome hormônios femininos? Ou ele só receberá essa proteção se fizer uma cirurgia de mudança de sexo?

Várias pessoas famosas, dentre as quais escritores, atores e cantores, de ambos os sexos, já declararam publicamente que não se enquadram nem no gênero masculino, nem no feminino.

Quando uma pessoa do gênero neutro, biologicamente do sexo feminino (fêmea-macho), sofrer uma agressão no ambiente doméstico, não haverá maiores problemas, pois seu aspecto exterior permitirá que seja enquadrado pelas autoridades públicas como mulher e em consequência disso receberá toda a proteção legal cabível.

Mas quando um indivíduo do gênero neutro tem a aparência de um homem, ainda que não se identifique com o gênero masculino, certamente as autoridades se negarão a aplicar a Lei Maria da Penha, mesmo que esse indivíduo diga que se identifica com o gênero feminino (macho-fêmea).

Os homens estão sujeitos, assim, a uma dupla discriminação quando são vítimas de violência doméstica: não recebem a devida proteção legal porque são machos; e mesmo quando não são tradicionalmente machos (macho-fêmea), não recebem a adequada assistência legal porque parecem machos.

Os indivíduos sem gênero definido estão entre as maiores vítimas de violência, decorrente do preconceito social e familiar, sendo vítimas também da omissão estatal. É uma minoria discriminada pela legislação penal.

Exigir que um homem, para receber o amparo legal adequado devido às vítimas de violência doméstica, seja um transexual, tenha aparência de mulher, ou se declare como tal, é uma imposição autoritária e discriminatória, que afronta o objetivo fundamental da Constituição de promover o bem de todos, previsto no art. 3º, IV:

 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

Quem não é mulher, pois não tem suas características físicas, nem é homem, no sentido tradicional de “macho”, faz parte do gênero neutro ou indefinido, digno de proteção contra a violência assim como qualquer pessoa. Mas, atualmente, está sujeito à mesma “desproteção” legal dos indivíduos do gênero masculino.

Se, conforme a Constituição, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, porque discriminações graves de gênero são aceitas? “Se alguém se opõe à injustiça, então é injustiça que conta, não o sexo da vítima”34.

O princípio constitucional da promoção do bem de todos foi completamente ignorado. Para a cúpula do Poder Judiciário, uma proteção especial precisa ser fornecida à mulher vítima de violência doméstica, através de “novas leis”, pois a as “leis antigas” são totalmente inadequadas. Porém, a “velha” legislação é perfeitamente aceitável para reprimir (se é que existe essa intenção) a violência contra homens, sejam os famigerados machos, ou machos-fêmea, por terem tido o azar de nascerem homens. Assim permanecerão sendo tratados até mudarem de sexo.

 

3.7 Campanhas contra a violência

 

Os discursos e campanhas de combate à violência de gênero, no Brasil e em outros países, segue um viés de completa indiferença à violência contra homens. São slogans como: “Diga não à violência contras as mulheres, denuncie”. “Violência contra a mulher é crime”. “Parem de matar mulheres”. “Feminicídio, basta”. “Tantas mulheres são mortas por dia”. É o diz a grande mídia, grita-se nas ruas, pinta-se nos outdoors. Mas, e quantos homens são mortos todo dia? O número de homens assassinados é comprovadamente maior que o de mulheres, mas não há qualquer menção a isso.

As campanhas contra "violência de gênero" são voltadas à proteção do gênero feminino. Excluem o gênero masculino, o mais afetado pela violência. Alega-se que os homens são a maioria dos perpetradores de agressões contra mulheres. Porém, como observou Benatar:

 

o problema com esta resposta é que o apelo é para o fim da violência contra as mulheres, e não para o fim da violência pelos homens. Seu foco está na vítima e não no agressor. Se os homens são mais comumente vítimas, então o foco apenas na minoria feminina das vítimas é inadequado. Além disso, mesmo quando se foca nos perpetradores, é estranho ignorar os perpetradores do sexo feminino, dos quais há um número significativo. Com efeito, no caso da violência contra as crianças, as mulheres constituem uma proporção substancial, se não a maioria dos autores35.

 

No Brasil, a lei 11.340/2006 determina que sejam realizadas campanhas educativas a fim de prevenir a violência doméstica unicamente contra as mulheres36, daí porque a violência contra homens é ignorada nas campanhas dos órgãos públicos e privados.

“Parem de matar mulheres!” é o lema de várias campanhas. E quanto aos homens? Bem, considerando a mensagem implícita à fala oficial, os homens podem continuar sendo mortos. Elas campanhas passam a mensagem implícita de que matar ou agredir homens não possui nada de alarmante e pode continuar como está.

É preciso que haja políticas públicas visando combater todas as formas de violência, contra todas as pessoas, todos os gêneros.

O comportamento violento é uma consequência da forma como as crianças são educadas, dos valores recebidos no âmbito familiar, do modo como as pessoas convivem umas com as outras. Se os indivíduos que compõem uma sociedade são violentos, isso afetará a todos, homens e mulheres, indistintamente. Se o costume de resolver problemas através do constrangimento físico ou moral não for combatido, a situação pouco mudará.

A violência não possui preferências, atinge a todos. Ainda que as mulheres sofram mais violência doméstica que os homens, estes sofrem mais violência, no geral, que as mulheres. Combater todos os tipos de violência, de maneira igual e uniforme, sem dar destaque e preferência, diminuirá a violência como um todo.

As leis penais no Brasil muitas vezes são feitas por pressão social, provocada por notícias que vêm da mídia. Quando é noticiada uma ação condenável que chama a atenção, o legislador procura fazer alguma lei para evitar que ocorra novamente. Geralmente faz uma lei para tornar o fato um crime, ou, se já o for, para aumentar a pena prevista.

Acontece que casos de violência doméstica e assédio contra mulheres recebem ampla divulgação na imprensa. Até mesmo uma ocorrência de importunação sexual pode receber uma cobertura exclusiva. Contudo, casos de agressões sofridas por homens não recebem a mesma atenção, embora sejam muito mais frequentes. Só são divulgados assassinatos, crimes com alguma característica especial ou envolvendo alguém famoso. A criminalidade comum que afeta o gênero masculino não é manchete dos jornais ou dos grandes sites de notícias.

Como existe uma maior exposição de crimes praticados contra mulheres, o legislador brasileiro tende a criar medidas específicas para proteger mulheres, embora a violência cotidiana atinja mais os homens. A violência familiar contra homens não é divulgada, ou sequer comunicada às autoridades. E só aquilo que é divulgado na mídia é objeto de atenção do legislador. Como observou Benatar: “campanhas para 'acabar com a violência contra mulheres e crianças' devem ser ampliadas para 'acabar com a violência'. A repetição interminável de inverdades - por exemplo, que meninas e mulheres são as maiores vítimas da violência - deve terminar”37.

Alguém pode dizer que não salientar especificamente o número de mulheres que são vítimas de violência doméstica é uma forma de ocultar essas vítimas. Seria fundamental explicitar a violência contra mulheres para que esta receba uma especial atenção e leve à elaboração de públicas próprias por parte do Estado. Contar o número de vítimas femininas junto com as masculinas tornaria a violência contra o gênero feminino invisível.

Acontece que é justamente isso que ocorre com a violência praticada contra o gênero masculino. Ao não revelar o número de vítimas que são homens, a violência contra estes fica invisível. Como consequência disso, ela é ignorada e não tem qualquer atenção especial por parte do Estado e da sociedade. Como os números da violência contra homens não são divulgados pelos meios de comunicação, aquilo que se teme acontecer com as mulheres já vem ocorrendo há muito tempo com os homens.

O correto é divulgar o número das vítimas de violência dos gêneros masculino e feminino. Se objetivo da campanha for a violência doméstica, deve ser esclarecido quantas vítimas são do sexo feminino, quantas do sexo masculino, quantas idosas, quantas deficientes, e pedir que qualquer ocorrência seja denunciada às autoridades. Em relação aos números da violência em geral, também é preciso divulgar quantas vítimas são do sexo masculino e quantas do sexo feminino. Aí então todos poderão avaliar esses números e tomar as conclusões que quiserem.

 

3.8 Estatísticas da violência doméstica

 

No Brasil, não existem dados estatísticos sobre violência doméstica contra homens. A legislação brasileira somente determina a realização de estatísticas e estudos a respeito da violência doméstica contra mulheres38. Além disso, existe uma enorme cifra negra, decorrente da vergonha dos homens em denunciar quando são vítimas de violência. Tudo isso impede que se reúnam dados a respeito.

O fato é que homens também são vítimas de violência doméstica, não apenas agressores, como se acredita. Esse preconceito é sustentado por campanhas de diversos órgãos estatais que mostram somente vítimas mulheres. Como resultado, a violência contra homens não é percebida.

A discriminação masculina tanto “não é levada a sério que tão pouco tempo de pesquisa e dinheiro são dedicados a ela. Mas porque não está em voga examinar tal discriminação, bem menos se sabe sobre ela, e isso perpetua a impressão de que não é digna de consideração detalhada”39.

Mas, se o número de vítimas de violência doméstica pertencer em sua maior parte ao sexo feminino, isso não justificaria leis específicas e uma maior atenção da mídia em combater a violência contra a mulher?

Admitamos que a maioria das vítimas de violência doméstica e familiar seja do sexo feminino. Presumamos, por exemplo, que para cada 5 (cinco) pessoas agredidas no âmbito familiar, 4 (quatro) sejam do gênero feminino e 1 (uma) do masculino, ou seja, 80% (oitenta por cento) das vítimas de violência doméstica sejam mulheres. Ainda assim, diante da inegável ocorrência de agressão contra homens, não há porque negar-lhes proteção legal.

Se a violência é praticada contra mulheres e homens, as campanhas devem ser no sentido de eliminar a agressão contra mulheres e homens. Se a violência contra homens existe, ela merece atenção e não pode continuar livremente.

Enfim, ainda que haja mais violência doméstica praticada por homens contra mulheres, isso não justifica que as leis adotem medidas de proteção exclusivas para mulheres.

 

3.9 Aplicação analógica da Lei Maria da Penha

 

A constitucionalidade da Lei n. 11.340/2006 já foi declarada pelo STF. Não temos nenhuma intenção em negar sua validade. O que postulamos é a aplicação extensiva da lei em benefício de todas as vítimas de violência doméstica, independente do seu gênero (feminino, masculino ou neutro), desde que necessite. Um homem pode ser agredido por uma mulher ou por outro homem. A lei n. 11.340/06 poderia ser aplicada não apenas em casos de uniões homoafetivas, mas em qualquer agressão ocorrida no ambiente doméstico e familiar em que a vítima seja homem, como quando um filho agride o pai ou a mãe agride o filho.

Diante da omissão da lei, vem a pergunta, é possível a interpretação extensiva ou a aplicação por analogia da Lei Maria da Penha a casos de violência doméstica contra homens?

Para responder a esta pergunta é preciso identificar a natureza das normas constantes na lei n. 11.340/2006. Esta possui normas de direito civil, processual penal e penal.

Dispositivos que declaram direitos, conceitos legais, criam políticas públicas assistenciais a serem oferecidas pelo Estado, como aqueles constantes nos artigos 1º a 9º da lei n. 11.340/2006, não possuem qualquer restrição quanto a sua aplicação analógica, pois são normas de direito civil. Vale a regra geral da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: “Art. 4o. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” Somente as normas restritivas de direitos não devem ser aplicadas de forma ampliativa, não as que concedem benefícios.

Outras regras constantes na lei n. 11.340/2006 têm a natureza de normas processuais penais, a exemplo dos artigos 10 a 12-C, que tratam do atendimento pela autoridade policial às vítimas de violência doméstica (vez que disciplinam a condução da investigação penal e do inquérito policial respectivo), e das medidas protetivas de urgência, previstas nos artigos 18 a 24 da lei (medidas cautelares de natureza pessoal, real ou patrimonial). As normas processuais penais são passíveis de interpretação extensiva e aplicação por analogia, conforme prevê o art. 3º do CPP: “Art. 3o. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.

Mas na lei n. 11.340/2006 também existem normas de natureza penal, como o art. 17, que veda a aplicação de penas alternativas, como prestação pecuniária, ou a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

Acontece que a natureza dos crimes perpetrados mediante violência doméstica impede, por si só, a sua substituição por penas alternativas. O Código Penal, no seu art. 44, I, admite a substituição de qualquer pena inferior a 4 anos por penas alternativas, desde que o crime não tenha sido praticado mediante violência ou grave ameaça a pessoa40.

Ora, a violência física, psicológica e sexual geralmente é praticada através de constrangimento físico ou grave ameaça, o que por si só impede a substituição por prestação pecuniária. Mesmo em situações de violência patrimonial ou moral, a substituição igualmente pode ser negada, pois as circunstâncias indicam que essa substituição não é suficiente (art. 44, III, do CP).

E quanto ao art. 129, § 5º, do CP, que permite a substituição da pena por multa quando as lesões corporais não forem graves? Entendemos que esse artigo foi implicitamente revogado pelo art. 44 do CP, que passou a disciplinar todas as hipóteses possíveis de substituição da pena e proíbe, expressamente, qualquer substituição quando houver violência ou grave ameaça a pessoa.

Dessa forma, é possível aplicar por analogia a Lei Maria da Penha a casos de violência doméstica e familiar praticadas contra homens e meninos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, porém, tem se mostrado contrária.

 

3.10 O STF e a Lei Maria da Penha

 

Na ADI 4.424/DF o Supremo Tribunal Federal - STF deu interpretação conforme aos artigos 12, I, e 16, da lei n. 11.340/2006, para considerar de natureza incondicionada a ação penal em caso de lesão corporal leve, se a vítima for do gênero feminino.

Nesse julgamento o STF resolveu desprezar completamente a vontade individual da mulher, substituindo-a pela do Estado. Colocou as mulheres sob tutela estatal, como crianças. A mulher perdeu o direito de optar em apresentar ou não a representação, perdeu o direito de escolha, sendo equiparada a um incapaz, cuja vontade é irrelevante, quebrando a regra dos crimes de lesão corporal leve, que dependem de representação da vítima, na forma do art. 88 da lei n. 9.099/95. Isso afeta diretamente a autonomia feminina, sua liberdade de agir da forma que achar melhor.

Retroagiu-se ao período anterior ao Estatuto da Mulher Casada, quando a esposa era relativamente incapaz e estava sob a tutela do marido, para sua “proteção”. Hoje, a mulher está sob a tutela do Estado, para sua “proteção”.

Já na ADC 19/DF o STF considerou que o tratamento diferenciado entre os gêneros masculino e feminino previsto na lei 11.340/06 está em harmonia com a Constituição Federal, tendo em vista as peculiaridades física e moral da mulher e a cultura brasileira.

Durante toda a discussão no plenário menosprezou-se a situação do homem vítima de violência doméstica. Alegou-se que as agressões sofridas pelas mulheres são significativamente maiores que as sofridas pelos homens, sem citar dados concretos (estes não existem ou não refletem a realidade, por conta da subnotificação da violência doméstica contra homens)41.

Falou-se que a violência doméstica contra mulheres é algo cultural e social, o que constitui um verdadeiro contrassenso. A violência sempre foi uma prática antissocial, sendo repelida em qualquer sociedade minimamente organizada. Dizer que no Brasil a violência contra a mulher, algo que sempre foi crime, é socialmente aceita, não reflete a realidade.

Mencionou-se a diferença de força física entre homens e mulheres que, na prática, importa pouco, pois a mulher pode fazer uso de armas ou do efeito surpresa para agredir um homem, o que elimina a vantagem da maior força física, sendo possível ainda que a mulher seja naturalmente mais forte (uma fisiculturista ou praticante de artes marciais).

De mais a mais, o argumento da força física é insuficiente, por si só, para legitimar um tratamento diferente em casos de violência. Um homem, ao ser agredido por uma mulher, demonstra que, ou é mais fraco que a agressora, ou que sua força física não foi suficiente para impedir a agressão. Além disso, um indivíduo pode ser dominado psicologicamente, ter uma personalidade fraca, mesmo sendo mais forte fisicamente, de modo a não conseguir reagir diante de uma agressão. Os dados estatísticos citados no julgamento do STF ignoram por completo a violência contra homens. Trata-se do conhecido viés de confirmação.

A Lei Maria da Penha foi elogiada por retirar as mulheres vítimas de violência da invisibilidade e do silêncio. Todavia, a mesma lei deixou os homens e os indivíduos sem gênero definido em situação de invisibilidade e completo desamparo.

Foram mencionados casos de tratamento diferenciado da Constituição em relação a homens e mulheres, como a especial proteção ao mercado de trabalho da mulher e critérios diferentes para concessão de aposentadoria.

Acontece que a Constituição em momento algum afirmou que a mulher poderia ter um tratamento diferenciado em matéria de políticas públicas de combate à violência. Sempre que a Constituição quis dar um tratamento diferente entre homens e mulheres, o fez expressamente, e isso não aconteceu em relação às leis sobre violência doméstica. É o próprio art. 5º, I, que diz: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”

Em diversos momentos do julgamento as mulheres foram equiparadas aos idosos, índios e pessoas com deficiência, a fim de justificar um tratamento privilegiado. Mas uma mulher sem deficiência não pode ser equiparada a um deficiente; uma mulher que não é idosa não pode ser igualada a um idoso; e uma mulher que não é índia não pode ser considerada índio. Essa equiparação é inadequada e parece querer inferiorizar as mulheres adultas, que deveriam ser equiparadas aos homens adultos plenamente capazes, não às crianças, aos idosos e aos deficientes.

O STF chegou a lembrar que o homem pode ser vítima de violência doméstica. Contudo, disse que nesse caso basta o art. 61, II, “f” e o art. 44, II, “g”, do Código Penal. O primeiro prevê uma circunstância agravante quando o crime é praticado prevalecendo-se de relações domésticas ou de coabitação. Ora, se a previsão de uma circunstância agravante fosse suficiente para coibir a violência doméstica, porque não foi considerada suficiente para combater a violência doméstica contra a mulher? A resposta é que não é suficiente, e não sendo suficiente para reprimir a violência contra mulheres, também não o é contra homens. Não passa de puro preconceito de gênero negar que um homem vítima de violência doméstica se encontra na mesma situação fragilizada de uma mulher agredida.

O STF fez referência ao art. 44, II, “g”, do Código Penal, que também serviria para proteger adequadamente o homem vítima de violência, mas dispositivo simplesmente não existe no Código Penal. Talvez a referência correta fosse ao art. 44 da lei n. 11.340/06, que aumentou a pena do crime de lesão corporal praticada no âmbito familiar. Mas essa medida não foi considerada suficiente quando a vítima é mulher.

Como é ignorado pelo Estado (Estado-legislador e Estado-juiz), o homem que sofre agressão no âmbito familiar continuará recebendo o tratamento legal anterior à lei n. 11.340/06, por exemplo, a pena para quem agredir um homem no âmbito familiar poderá perfeitamente ser de pagamento de cestas básicas ou outras prestações pecuniárias, bem como ser substituída por multa42

Foi citado o art. 226, § 8º, da Constituição para justificar um tratamento privilegiado à mulher vítima de violência. Mas o referido parágrafo da Constituição visa proteger todo aquele que integra a unidade familiar e sofra agressão, não apenas o gênero feminino: “Art. 226. (Omissis). §8º. O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

A Constituição Federal preocupou-se com a violência contra qualquer um que faça parte da unidade familiar, não apenas contra a mulher. A alegação de que a mulher vítima de violência está numa situação fragilizada aplica-se a qualquer um que venha a ser agredido, inclusive um homem ou menino.

Foi mencionado diversas vezes o Informe n. 54/2001 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos dos Estados Americanos, que indicou um padrão de violência contra a mulher a ser combatido pelo Estado brasileiro. Lamentamos que a comissão tenha esquecido completamente a violência praticada contra homens e meninos. A comissão deveria ter solicitado o combate contra toda e qualquer violência praticada no ambiente doméstico.

O sexo da vítima nunca pode ser, por si só, motivo suficiente para um tratamento legal diferenciado. Isso fere o princípio da igualdade entre homens e mulheres. Se no caso de uma pessoa agredida no âmbito doméstico devem ser aplicadas medidas mais severas de punição, para evitar a impunidade, essa regra precisa valer para qualquer um.

A Lei Maria da Penha foi comparada ao Código de Defesa do Consumidor - CDC, ao Estatuto do Idoso e ao Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Como os referidos códigos e estatutos, seria uma legislação especial criada em defesa de pessoas particularmente vitimizadas ou fragilizadas na sociedade.

Há, todavia, uma grande diferença entre a Lei Maria da Penha e os diplomas legais citados. Aqueles não discriminam os indivíduos em razão do sexo. O CDC visa proteger qualquer pessoa que se enquadre na condição fática de consumidor final de um produto ou serviço, homem ou mulher; o Estatuto do Idoso cuida de qualquer pessoa que se encontre na situação de idoso (tenha mais de 60 anos), seja homem ou mulher; o ECA salvaguarda qualquer criança ou adolescente, menino ou menina. Essas leis não discriminam em razão do gênero do indivíduo.

Já a lei n. 11.340/06 tem por finalidade proteger somente as vítimas de violência doméstica do gênero feminino, não todas as vítimas de violência. É uma lei discriminatória, que exclui de seu âmbito de proteção todos os que pertencem ao gênero masculino. Para ter direito aos benefícios previstos nesta lei, não basta ser vítima de violência doméstica; tem que ser mulher. Daí a grande diferença entre a Lei Maria da Penha, o CDC, o Estatuto do Idoso e o ECA. Para estes basta ser consumidor, idoso ou criança.

Homens e indivíduos sem gênero definido foram completamente ignorados pela legislação especial que visa coibir a violência familiar. Não há, dessa forma, como comparar uma lei seletiva, como a Lei Maria da Penha, com leis inclusivas como CDC.

Crianças, idosos e deficientes não foram citados pela lei n. 11.340/06, mas possuem estatutos próprios de proteção. Contudo, ainda que o ECA, o Estatuto do Idoso e as leis proteção aos deficientes prevejam medidas de defesa contra violência, poderiam ter sido previstas medidas também para esses grupos, especialmente sujeitos à violência familiar. O legislador deveria ter produzido uma lei geral, abrangendo todas as possíveis vítimas de violência doméstica, com disposições especiais para crianças, idosos e deficientes. Isso não prejudicaria em nada sua finalidade.

Durante o julgamento da ADI 4424/DF e da ADC 19/DF foi dito que há na sociedade uma vitimologia machista (“a mulher é culpada por ter apanhado”), daí porque a mulher precisaria de uma proteção singular. Essa conclusão, embora questionável, aplica-se perfeitamente ao homem vítima de agressão. Nos casos de violência familiar contra homens, a falta de amparo adequado da lei resultará em impunidade. Então, certamente “o homem será culpado por ter apanhado”.

O STF esqueceu o fato de toda vítima de agressão, abuso ou exploração praticada em ambiente doméstico precisa da proteção legal, independentemente de seu sexo, idade ou condição social. Todos, inclusive o homem.

Há muito o Brasil deixou de ser um país machista, que privilegia o sexo masculino, pelo menos no campo das leis e políticas públicas. A Constituição diz que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Mas o STF só falou em “tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”, o que torna a aplicação do princípio da igualdade complemente discricionária. Quem são os desiguais? Qual é a medida da desigualdade? A Constituição não diz que homens e mulheres são iguais? Se são iguais, tratá-los de forma desigual não é discriminação? Só há discriminação se a mulher for tratada de forma inferior ao homem, mas não há quando o homem é tratado de forma inferior à mulher?

1“First, people are less inhibited from commiting acts of violence against males than against females. Second, when violence is inflicted on males, other people take it less seriously. The latter partly explains the former. In other words, it is partly because violence against males is taken less seriously that some people are more inclined to perpetrate violence against males, and other people are less inclined to prevent it.” (BENATAR, David. The second sexism: discrimination against men and boys. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2012, p. 127-128).

2 ONG inglesa faz campanha sobre violência doméstica contra os homens. Disponível em: <http://recordtv.r7.com/fala-brasil/videos/ong-inglesa-faz-campanha-sobre-violencia-domestica-contra-os-homens-06102018>. Acesso em 22.01.2019.

3“there is some social scientific research that lends support to the claim that a man who strikes a woman is subject to much more disapproval tham a man that strikes another man. For example, a number of surveys have sown that people have a more negative view of husbands' violence against wives than vice versa”. (BENATAR, David. The second sexism: discrimination against men and boys. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2012, p. 82-83)

4“Males are more likely than females to be subject to corporal punishment. Indeed, sometimes such punishment of females is prohibited, while it is permited, if not encouraged, for males”(Idem, p. 2)

5“if a boy and a girl in the same class commit the same offense, the boy may be subjected to corporal punishment, but the girl is treated more mildly”. (Idem, p. 34).

6“In those few studies which do suggest connections between circulating testosterone and human aggression, the links are correlational and there is some reason to think that it is the aggressive and dominant behaviors that cause testosterone levels to rise, rather than vice versa.” (Idem, p. 92).

7“whatever natural psychological and behavioral differences there are between men and women, these are only statistical. They are tendences. We cannot say, for example, that all men are more aggressive than all women.” (Idem, p. 95)

8“Males are encouraged to be more aggressive, to protect turf, to provide for and protect women and children, to compete for mates and, in the process, to expose themselves to greater risks. In some circumstances these traits make make males particularly disposed to crime. If that is the case, then the male gender role plays a part in male crime. If males (and females) were socialized differently then proportionately less crime would be attributable to men, and then fewer men would experience harsh judicial punishment.” (Idem, p. 155)

9DOUBLE STANDARD. In: Wikipédia: a enciclopédia livre Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Double_standard>. Acesso em 29-05-2019.

10Idem.

11 Lei n. 11.340/06:

“Art. 12-A.  Os Estados e o Distrito Federal, na formulação de suas políticas e planos de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, darão prioridade, no âmbito da Polícia Civil, à criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams), de Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e a investigação das violências graves contra a mulher. “

12“Clearly gender violence must have something to do with gender or sex. One reasonable view is that it is violence that is caused or legitimated by (either conscious or subconscious) ideas about gender. Alternatively, it might be understood as violence that disproportionately affects one sex. However, 'male' is also a gender or sex and thus it is hard to see how at least some violence against males is not also gender violence.” (BENATAR, David. The second sexism: discrimination against men and boys. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2012, p. 122).

13 “It is very likey that men are less likely than women to press charges for domestic abuse even when they suffer comparable injuries. They may be more ashamed of not being able to defend themselves.” (Idem, p. 181)”

14“Many studies have shown that wives use violence against their husbands at least as much as husbands use violence against their wives. Given how unexpected such fndings are ato many people, at least one well-known author (who shared the prevailing prejudices prior to his quantitative research) examined the data in multiple ways in order to determine whether these could be reconciled with common views. On almost every score, women were as violent as men. It was found that half the violence is mutula, and in the remaining half there were a equal number of female and male aggressors. When a distinction was drawn between 'normal violence' (pushing, shoving, slapping and throwing things) and 'severe violence' (kicking, biting, punching, hitting with an object, 'beating up' and attacking the spouse with a knife or gun), the rate of mutual violence dropped to a third, the rate of violence by only the husband remained the same but the rate of violence by only the wife increased. Wives have been shown to initiate violence as often as husbands do. A least somes studies have suggested that there is a higher rate of wives assaulting husbands than husbands assaulting wives, and most studies of dating violence show higher rates of female-inflicted violence. It is thus not the case, as some have suggested, that female violence against partners is usually in self-defense. (Idem, p. 31)

15 Idem, p. 88-89.

16 Lei n. 11.340/06:

“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.”

17“Given that there is already a norm discouraging violence against women, it is actually men who, all things considered, are more vulnerable to violence. This is because one's vulnerability is a function not only of one's defensive capacity but also of the likelihood that one will be attacked” (Idem, p. 125)

18“Even many conservatives recognize that treating people on the basis of characteristics of their group can, at least sometimes, be wrong. They might think that there are select cases where discrimination on the basis of group characteristics is permissible. However, because they think that there are other cases in which it is not permissible, it is insufficient simply to point to generalizations in order to justify treating all members of one group differently from all members of another group.” (Idem, p. 130)

19“women are the victms of sex discrimination because they are more likely to bem the victmss of sexual assault; and we can say that men are the victms of sex discrimination because sexual assault of them is more likely not to be taken seriously.” (Idem, p. 134)

20 Acusado de ter violentado outro homem é absolvido. Disponível em: <https://expresso-noticia.jusbrasil.com.br/noticias/140600/acusado-de-ter-violentado-outro-homem-e-absolvido>. Acesso em 22/01/2019.

21“both males and females are less sympathetic to male victms of sexual assault than they are to female victims of such assault”. (Idem, p. 37)

22“Significantly longer sentences were recommended when the defendants were male than when they were female.” (Idem, ibidem)

23“It is widely recognized that sexual assault in general is under-reported. This problem is particularly acute when the victims are males. Sexual assaults upon boys are less likely to be reported than are those upon girls. […] Adult males are also less likely than women to report being sexually assaulted. […] sexual assault on males is less likely to be reported in part because people are less likely to belive the report.” (Idem, p. 38).

24“Historically, rape has been defined in such a way that only females can be the victims of rape and males the only perpetrators of it. Is some places, there is no comparable crime of which males could be the victms. This is true in China (excluding Hong Kong), where Article 236 of te Penal Code prohibits rape of women and sexual intercourse with underage girls, but has no provisions to prohibit comparable acts against men.” (Idem, p. 39)

25“Men have become very vulnerable to accusations of sexual harassment. No matter hou frivolous or unfounded such an accusation may be, a man can be seriously harmed by it. The challenge is to strike the right balance, but this is not easy. Victims of genuine sexual harassment need to be taken seriously and given protection. But victims of bogus sexual harassment charges also need protection from malicious, opportunistic and delusional accusers, even if there are not many of these.” (Idem, p. 240-241).

26“I call for moderate sexual harassment guidelines that must not infringe on other people's rights in the workplace or create a reactionary double standard that defines women as somehow weaker, frailer, or purer than men […] Every workplace is hostile for both women and men; testing, challenge, and potential sabotage are everywhere. Women must learn how to maneuver and negotiate for their own territory from the moment they arrive on the scene of any office or schoolroom. .” (PAGLIA, Camile. Free women, free men: sex, gender, feminism. New York: Pantheon, 2017, p. 132)

27 Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

(...)

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

(…)

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

28“Most men are cowed by women! Any woman worth her salt should know how to deal with men and put them in their place. Women must demand respect, and over time they will get it.” (Idem, p. 134)

 

29“Male and female, the Chinese yang and yin, are balanced and interpenetrating powers in man and nature, to which society is subordinate.”(Idem, p. 12)

30 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 6. ed. rev. Salvador: JusPODIVM, 2018, p. 1187.

31 Lei n. 9.099/95:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

(...)

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

(...)

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

(...)

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

32“A modern democracy, based on concepts of individual liberties, has an obligation to protect all varieties of personal expression.” (PAGLIA, Camile. Free women, free men: sex, gender, feminism. New York: Pantheon, 2017, p. 220)

33 É bom lembrar, contudo, que exceto em casos de hermafroditismo congênito, o DNA de cada célula do corpo humano é codificado de forma inalterável como masculino ou feminino até a morte. Até o momento é impossível mudar isso.

34“If one is opposed to injustice, then it is injustice that counts, not the sex of te victim.” (Idem, p. 200)

35“one problem with this response is that the call is for an end of violence against women, rather than for an end to violence by men. Its focus is on the victim and not the perpetrator. If males are more commonly the victims, then the focus only on the female minority of victims is inappropriate. Moreover, even if one does focus on perpetrators, it is strange to ignore female perpetrators, of whom there are a signficant number. Indeed, in the case of violence against children women constitute a substantial proportion if not a majority of the perpetrators.” (Idem, p. 123)

36 Lei n. 11.340/06: “Art. 8o  A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

(…)

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;”

37“campaigns to 'end violence against women and children' should be broadened to 'end violence'. The endless repetition of untruths – for example, that girls and women are the mais victims fo violence – must end.” (Idem, p. 257)

38 Lei n. 11.340/06:

“Art. 8o.  A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

(…)

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;”

39“is not taken seriously that so little research time and money are devoted to it. But because it is not in vogue to examine such discrimination, much less is known about it, and this perpetuates the impression that is not worthy of detailed consideration.” (BENATAR, David. The second sexism: discrimination against men and boys. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2012, p.255-256)

40 Código Penal:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

41Interessante reportagem do jornal A Gazeta do Povo ressalta a falta de notificação dos casos de agressão conjugal contra homens. Homens também são vítimas de violência doméstica. E não há lei para protegê-los. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/homens-tambem-sao-vitimas-de-violencia-domestica-e-nao-ha-lei-para-protege-los/>. Acesso em 06.07.2019.

42Essa hipótese é expressamente vedada pela lei quando a vítima é mulher. Lei n. 11.340/06:

Art. 17.  É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

Sobre o autor
Alexandre Assunção e Silva

Procurador da República. Mestre em Políticas Públicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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