REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS NO CASAMENTO

07/08/2019 às 11:20
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE AS PECULIARIDADES DO REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS NO CASAMENTO.

REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS NO CASAMENTO
Rogério Tadeu Romano

Até o advento da Lei 6.515, de 26.12.77, Lei do Divórcio, o regime legal tradicional era o da comunhão universal de bens, no qual os nubentes, no momento da habilitação para o casamento, após os esclarecimentos de praxe realizados pelo Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais, em não se manifestando em sentido contrário, escolhiam esse regime para regular as relações patrimoniais após o casamento. Tal escolha não dependia de qualquer formalidade, como a lavratura de um contrato pré-nupcial.

Segundo Sílvio Rodrigues (Direito de família, segunda edição) todos os casamentos feitos em nossos reinos e senhorios se entendem feitos por carta de a metade: salvo quando entre as partes outra coisa for acordada e contratada, porque então se guardará o que entre elas for encontrado.

O legislador presume, de maneira irrefragável, que os cônjuges, ao silenciarem, escolheram o regime legal.

Tínhamos, ainda, o regime da comunhão parcial e da separação total de bens, os quais necessitavam de escritura pública de pacto antenupcial. Havia também o regime da separação obrigatória de bens para os que casavam com infração ao art. 183 e seus incs., combinado com o art. 258, par. único, e mais os seus incs. (atuais artigos 1.523 e 1.641 do CC de 2002), que estabeleciam as hipóteses nas quais se fazia obrigatório o referido regime, também conhecido por regime sanção.

O artigo 262 do Código Civil de 1916 caracterizava o regime da comunhão, declarando que ele importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, bem como de suas dívidas passivas.

Com exclusão de algumas exceções, os patrimônios dos cônjuges se fundem em um só, passando marido e mulher, a figurar como condôminos daquele patrimônio. É um condomínio peculiar, pois que insuscetível de divisão antes da dissolução da sociedade conjugal, extingue-se nesse instante, de forma inexorável.

O regime da comunhão universal (arts. 1.667 ao 1.671, CC) estabelece que os bens adquiridos antes e durante o casamento ficam pertencendo ao casal, com exceção das situações constantes do art. 1.668. é mister a celebração de escritura pública de pacto antenupcial. Pode-se considerar que este regime de bens é uma forma de aquisição da propriedade não elencada expressamente nos capítulos II e III, do Título III, do Livro III, do CC.

Esse o quadro que havia sob o regime original do Código Civil de 1916.

Segundo Lafayette Rodrigues Pereira(Direito de família, 1956, § 55) os princípios que regem a comunhão universal dos bens são:

a) Em regra, tudo o que entra para o acervo dos bens do casal fica subordinado à lei de comunhão;

b) Torna-se comum tudo o que cada consorte adquire, no momento em que se opera a aquisição;

c) Os cônjuges são meeiros em todos os bens do casal, embora um deles nada trouxesse ou nada adquirisse na constância do matrimônio.

Esse regime comporta exceções:

a) Os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; assim se um imóvel doado com cláusula de incomunicabilidade vier a ser desapropriado, a indenização é paga pelo poder público(Decreto-lei n. 3.365/41, artigo 31) ao donatário, em razão da sub-rogação real, não se comunicando ao seu cônjuge. A esse respeito ensinou Washington de Barros Monteiro(Curso de direito civil, direito de família, 19ª edição, volume II, pág. 160 – 161) de que, embora omissa a lei, são ainda incomunicáveis: a) os bens doados com cláusula de reversão(CC, artigo 547), ou seja com a morte do donatário, o bem doado retorna ao patrimônio do doador que lhe sobrevive, não se comunicando ao cônjuge do falecido, e b) os bens doados, legados ou herdados com cláusula de inalienabilidade, pois comunicação é alienação(Súmula 49 do STF; RT 190: 486, dentre outros). Mas, observe-se posição em sentido contrário; RT 160: 157, 175: 369.

b) Os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário antes de realizada a condição suspensiva, pois a propriedade do fiduciário é resolúvel. Com o implemento da condição vai cessar a resolubilidade, operando sua entrada na comunhão, como ensinou Pontes de Miranda(Tratado de direito de família, § 72), logo, esses bens não podem comunicar-se antes da condição suspensiva. Assim o direito do fideicomissário não se comunica enquanto não se realizar a condição suspensiva, pois tem apenas um direito eventual, só adquire o domínio se vier a condição;

c) As dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus arrestos, ou reverterem em proveito comum. Assim, pelos débitos anteriores ao matrimônio, que não se comunicam, responde, exclusivamente, o devedor com os seus bens particulares ou com os bens que ele trouxe para a comunhão conjugal. Apenas com a dissolução do casamento, a meação do devedor responde pelos seus débitos contraídos antes das núpcias. Se o credor provar que as dívidas são oriundas de despesas com os aprestos do casamento, como aquisição de móveis, enxoval ou festa, ou se reverteram em proveito de ambos os consortes, como o dinheiro emprestado para comprar imóvel destinado à residência do futuro casal ou para a viagem de núpcias, ter-se-á a comunicabilidade;

d) São ainda excluídos da comunhão universal, as doações antinupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com cláusula de incomunicabilidade, a fim de proteger o donatário ainda que o doador seja o outro consorte;

e) Estão fora da comunhão universal, os bens de uso pessoa, os livros, instrumentos de profissão, uma vez o seu cunho pessoal;

f) Ainda se excluem os proventos do trabalho pessoal de cada consorte. A esse respeito, disse Silvio Rodrigues(Direito de família, volume VI, sexta edição, pág. 195), que ele atua em detrimento da mulher que se ocupa do lar e que não aufere renda. Seu marido, que ganha na sua profissão, guarda como bens seus a renda do trabalho. Ela, que nada ganha, nada pode guardar. Leve-se em conta que o Projeto de Lei n. 276/2007 pretendia modificar o artigo. 1.666, alterando o inciso V, retirando os proventos do rol dos bens incomunicáveis, acatando a lição de Alexandre Gudes de A. Assunção de que “o regime da comunhão universal de bens caracteriza-se pela comunhão dos bens presentes e futuros dos cônjuges. Assim não faria sentido a exclusão dos rendimentos do trabalho porque implicaria a exclusão de todos os bens adquiridos com estes rendimentos ante a sub-rogação. Acatada a exclusão do inciso VI do artigo 1.659 e procedendo-se com a remuneração respectiva é necessário excluir sua referência a esse dispositivo. Anote-se que o Parecer Vicente Arruda rejeitou tal proposta quando inserida no Projeto de Lei n. 6.960/2002, depois PL n. 276/2007, pelas mesmas razões com que não aceitou a alteração;

g)  As pensões, meio-soldos, montepios e outras rendas semelhantes são bens personalíssimos, sendo a pensão o quantum pago, periodicamente, por força de lei, sentença judicial, ato inter vivos ou causa mortis a uma pessoa com finalidade de prover sua subsistência, o meio-soldo é a metade do soldo pago ao militar reformado(Decreto-lei n. 9.698/¨46, artigo 108), o montepio é a pensão que o Estado paga aos herdeiros de funcionário falecido, em atividade ou não. Observe-se ainda os rendimentos pagos com relação a verba de FGTS de um dos cônjuges;
h) Os bens da herança necessária a que se impuser a cláusula de incomunicabilidade, logo, pelo artigo 1.848 a legítima de um consorte não se comunica ao outro;

i) Os direitos patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos resultantes de sua exploração, salvo pacto antinupcial em contrário. A propósito, tem-se a Lei n. 9.610/98, artigo 39.
Pelo artigo 1.669 do Código Civil, a incomunicabilidade dos bens arrolados no artigo 1.668 não se estende aos frutos(civis, naturais ou industriais), quando se percebem ou se vencem durante o matrimônio.

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No regime da comunhão universal, na constância da sociedade conjugal, a propriedade e posse dos bens é comum, mas, como a direção da sociedade conjugal é de ambos os consortes, compete-lhes a administração desses bens. Mas tal administração segue as diretrizes traçadas nos artigos 1.663, 1.665 e 1.666 do Código Civil, como se lê do artigo 1.670 daquele diploma legal.
Qualquer dos cônjuges poderá administrar o patrimônio comum, sendo que pelas dívidas contraídas na gestão respondem os bens comuns e os particulares do cônjuge administrador. Assim os bens de outro consorte apenas responderão se se provar que esteve algum lucro. Para que ceda, gratuitamente, o uso e o gozo de bens comuns, será imprescindível a anuência de ambos os cônjuges. Se houver malversação, dilapidação ou desvio dos bens, o órgão judicante atribuirá a administração do patrimônio comum a um dos consortes. A administração e disposição dos bens excluídos da comunhão competirá ao cônjuge proprietário, a não ser que haja disposição em sentido contrário em pacto antenupcial. Pelos débitos assumidos por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares, e em benefício destes, não responderão os bens comuns, como se vê dos artigos 1.670, 1.663, 1.665 e 1.666 do Código Civil de 2002. A responsabilidade civil pelas obrigações ilícitas não poderá recair sobre bens comuns do casal, salvo se o cônjuge que não cometeu a falta obteve lucro com o produto do ilícito perpetrado pelo outro(RT 182: 131; 414:344). A indenização, nesse caso, deverá ser paga com os bens que compõem a meação do culpado ou com seus bens particulares excluídos da comunhão. Mas há entendimento de que não se poderá onerar a meação do responsável, enquanto a sociedade conjugal não se dissolver, por se tratar de meação indivisa e ideal(RT 151: 131; 465:203). Entendem assim Barros Monteiro(obra citada, pág. 162), Arnoldo Medeiros da Fonseca(A incomunicabilidade das obrigações por ato ilícito no regime da comunhão universal de bens, RF 77:232), Pontes de Miranda(Tratado de direito de família, § 74).

Há a extinção da comunhão universal com a dissolução da sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, pela sentença de nulidade ou anulação do casamento, pela separação ou pelo divórcio.

Observou Orlando Gomes(Direito de família, 3ª edição, pág. 222) que a verificação de um desses fatos não põe fim, de imediato, ao estado de indivisão dos bens, uma vez que a comunhão termina de direito, embora os bens permaneçam indivisos até a partilha.

Havendo morte de um dos consortes, o cônjuge sobrevivente, que continua na posse dos bens, administra-os, até a partilha entre ele e os herdeiros do falecido. Reparte-se o acervo em duas meações, ficando uma com o cônjuge sobrevivente e outra com os sucessores do de cujus. Mas os bens incomunicáveis não serão partilhados, como ensinaram Barros Monteiro(obra citada, pág. 166) e Orlando Gomes(obra citada, pág. 223).

 Mas se houve declaração de nulidade do casamento, não se em comunicabilidade de bens, em razão do fato de não se ter casamento, logo, não há partilha do acervo em duas metades, pois cada consorte retirará tão-somente o que trouxe para a massa, como revelou Barros Monteiro(obra citada, pág. 166).

O mesmo ocorre com o casamento anulável. Mas se a sentença considera-lo putativo, por reconhecer a boa-fé de um ou de ambos os consortes, aplicar-se-ão as normas concernentes à separação judicial, partilhando-se os bens em duas meações. Se um deles for inocente, o culpado perderá todas as vantagens patrimoniais oriundas do casamento, não podendo requerer a meação do patrimônio com que o cônjuge inocente entrou para a comunhão. Todavia, o inocente terá todo direito de pretender a meação relativa aos bens que o culpado trouxe à comunhão(RT 157: 163) e ainda os ensinamentos de Eduardo Espínola(A família no direito civil brasileiro, 1957, n.73). Mas há o entendimento em sentido contrário, que Maria Helena Diniz traz no RT 462: 116.

Dissolve-se a comunhão a partir da data da sentença de separação judicial ou da escritura pública da separação extrajudicial ou do divórcio direto, os bens serão repartidos em duas partes iguais, uma para cada consorte, não havendo nenhuma sanção de perda de bens para o culpado(RT 177:284) e restabelecendo-se a comunhão se porventura o casal se reconciliar.

Terminada a indivisão, o consorte, ante a presunção iuris et de iure de que sempre foi o titular de sua meação, emite-se na posse de bens que a compõem, passando a ter uso, gozo e disposição.

Por sua vez, extinta a comunhão e efetuada a divisão do ativo e passivo, cessará a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro por dividas que este houver contraído, como firma o artigo 1.671 do Código Civil.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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