Da inconsistência sistemática da previsão de imunidade tributária aos videogames produzidos no território nacional

Comentários sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº 51/2017

08/08/2019 às 19:41
Leia nesta página:

Imunidade tributária sobre jogos para videogames produzidos no Brasil

Tramita no Senado Federal uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 51/2017), que tem a pretensão de garantir a imunidade tributária para os jogos e consoles de videogames produzidos no Brasil.

Em avançado estágio de tramitação, a PEC 51/2017 foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça no último dia 07 de agosto de 2019.

A intenção do projeto é a inserção da alínea “f” ao inciso VI do art. 150 da Constituição Federal, com vistas a incluir os consoles e jogos para videogames produzidos no Brasil no rol de imunidades constitucionais.

O senador TELMÁRIO MOTA, relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça, justifica que a medida tem o objetivo de equiparar o lucrativo comércio de games ao mercado de fonogramas e videofonogramas musicais (CDs e DVDs) produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros, que foram elevados à imunidade com o advento da Emenda Constitucional nº 75, de 15 de outubro de 2013 (alínea E, inciso VI, do art. 150 da Constituição Federal).

Justifica, ainda, o Senador que a medida visa o desenvolvimento do mercado de jogos eletrônicos, a geração de empregos, além de representar um golpe na pirataria, que, segundo argumenta, tenderá a deixar de representar vantagem para o consumidor.

Em que pese os argumentos do ilustre Senador relator, e do proponente da norma, a imunidade pretendida representaria uma extensão indevida do rol de imunidades constitucionais.

Consoante noção estabelecida, a imunidade tributária consiste em uma vedação ao poder de tributar conforme ditames e limites estabelecidos pelo texto constitucional. Com a imunidade o potencial contribuinte passa a situar-se fora do raio de alcance do poder tributante, afastando o nascimento da obrigação tributária.

A imunidade tributária representa uma forma de exoneração fiscal de determinadas atividades pela supressão constitucional da competência impositiva para tributar. Com a imunidade, pode-se afirmar, que há o ceifamento do poder tributante do Estado.

No caso da pretensa imunidade que pretende-se conferir aos consoles e jogos para videogames produzidos no Brasil, trata-se de ampliação inadequada da norma imunizante, pois representa um favorecimento a um setor sem qualquer ligação com os fatos, bens ou situações prestigiadas pela Carta Magna, como são as imunidades em geral já previstas no texto constitucional.

Na verdade, não é toda e qualquer atividade que pode ser inserida no rol de imunidades constitucional, pois o principal objetivo da norma imunizante é resguardar determinados valores políticos, religiosos, educacionais, sociais, culturais e econômicos que foram tratados de forma especialíssima pelo legislador constituinte, o entretenimento conferido pelos games, na nossa opinião, não se enquadra entre estes valores.

O ilustre doutrinador LUCIANO AMARO, ensina que “o fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a não tributabilidade das pessoas ou situações imunes” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p 1760).

O objetivo finalístico das imunidades é justamente estimular setores ligados aos valores preservados no texto constitucional, tais como a preservação do pacto federativo, a manutenção da democracia, o exercício da liberdade religiosa, a livre expressão do pensamento, o estímulo à educação e a promoção da assistência social. Visto por este prisma, novamente, a inserção de uma categoria que melhor se enquadra na classe do entretenimento não se mostra razoável.

Ao estabelecer a imunidade de determinados setores, o legislador constituinte quis resguardar os valores intrínsecos de determinadas atividades de importância para o desenvolvimento nacional, como elucida JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, que leciona que “o objetivo da imunidade é a preservação de valores considerados como de superior interesse nacional, tais como a manutenção das entidades federadas, o exercício das atividades religiosas, da democracia, das instituições educacionais, assistenciais e de filantropia, e o acesso às informações” (MELO, José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário, 10. Ed. – São Paulo : Dialética. 2012, p.156)

Com efeito, para cada modalidade de imunidade, o constituinte se pautou em um valor tido como relevante para consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, para a materialização de direitos sociais, ou mesmo para o fortalecimento de fundamentos e princípios democráticos visados pelo texto constitucional.

A guisa de exemplo, é de se dizer a imunidade recíproca que alcança as pessoas de direito público interno visa garantir a convivência harmônica entre as pessoas de direito público e atua como elemento essencial para a preservação do pacto federativo.

Por sua vez, a imunidade que favorece os templos de qualquer culto encontra supedâneo na garantia de liberdade de consciência e de crença religiosa.

De outro modo, a imunidade que alcança os partidos políticos, suas fundações e organizações sindicais visa resguardar o pluripartidarismo, impedindo, por exemplo, que com a alternância de poder, sejam adotadas políticas fiscais que inviabilize a sobrevivência de partidos adversários. Fácil de constatar, pautado nestas premissas, que a imunidade dos livros, jornais e periódicos visam garantir a livre manifestação do pensamento, bem com o acesso à cultura.

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Visto por este prisma, se a PEC nº 51/2017 versasse exclusivamente sobre a imunidade de jogos educativos, não havia que se falar em inconsistência sistemática da imunidade tributária ora demonstrada.

No entanto, a imunidade de forma ampla e irrestrita tal como prevista no texto da PEC nº 51/2017, não se pode argumentar nesta direção, visto que nem todos os jogos estimulam a socialização da criança e há aqueles em que se discute, inclusive, se existe prejuízo no aprendizado, matéria que é objeto de estudo de educadores e psicólogos.

Na PEC nº 51/2017, em que o objetivo da norma favorece a indústria de jogos e consoles de videogames produzidos no Brasil, não é possível traçar uma relação entre a norma imunizante e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Feitas tais considerações é de se dizer que não deve ser acolhida a justificativa de que a imunidade dos games é correlata aquela prevista na alínea “e” do inciso IV, do artigo 150 da Constituição Federal, inserida na Carta Maior pelo advento da Emenda Constitucional nº 75, de 16 de outubro de 2013, que tornou imunes os fonogramas e videofonogramas musicais e literomusicais de artistas brasileiros, pois já naquela Emenda, se referia a uma hipótese em que a correlação entre a norma imunizante e outros valores constitucionais já não foi respeitada pelo Legislador Pátrio, pois naquela norma já se via um marcante caráter mercadológico da norma imunizante, criando um precedente para a dilação indevida de normas imunizantes, como a que se pretende na PEC nº 51/2017.

As normas imunizantes, nestes casos, destoam das demais hipóteses de imunidade, que são marcadas por uma perfeita correlação axiológica entre as normas imunizantes e garantias fundamentais e/ou objetivos da República Federativa.

A novel norma de imunidade pautada unicamente em interesses comerciais de um grupo específico de empresários não deve prevalecer, mormente por se tratar de um mercado bilionário que possui registros de gradual crescimento do faturamento, o que geraria um prejuízo ao erário, tendo em vista que a imunidade pretendida geraria uma gritante redução da incidência e cobrança de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) para o Fisco.

* ALEX PEREIRA DE ALMEIDA é advogado no escritório ALMEIDA & GALDINO ADVOGADOS, graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2012

- MELO, José Eduardo Soares de, Curso de direito tributário, 10. Ed. – São Paulo : Dialética. 2012

- É possível acompanhar a tramitação da PEC nº 51/2017 no seguinte link: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132049

Sobre o autor
Alex Pereira de Almeida

Advogado graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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