Fim da sociedade empresarial: com quem fica a patente?

09/08/2019 às 08:04
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Qual é o destino dos ativos intelectuais com o fim da empresa? Em especial, no caso de patentes, uma vez encerrada a atividade da empresa, quem pode ou deve ficar com a patente?

Nem todos os negócios dão certo como foram idealizados. Alguns, por motivos variados, entram em falência, outros precisam se reestruturar para conseguir o sucesso. Tanto em casos de falência como em casos de reestruturação, o que ocorre, muitas vezes, é o fim da sociedade empresarial. E aí entra a dúvida comum que assola muitos empreendedores: nesse caso, quem fica com a patente?

Em primeiro lugar, é preciso entender, de fato, o que é uma patente. Podemos definir patente como o termo utilizado para designar um título de propriedade sobre uma invenção ou modelo de utilidade conferido pelo Estado, por tempo determinado.

Já sociedade empresarial é qualquer empresa que tenha dois ou mais sócios. Existem diversos tipos de empresas no Brasil, sendo a mais comum a sociedade limitada.

Quando uma sociedade empresarial chega ao fim, todos os seus ativos são apurados, valorados e divididos de acordo com as quotas que cada sócio possui – essas estabelecidas do contrato social. As patentes, assim como os demais ativos intelectuais (marcas, desenhos industriais etc.), são parte integrante desses ativos e é sobre elas que vamos falar a seguir.

Organização profissional e jurídica

A organização profissional e jurídica da empresa é essencial para evitar problemas futuros.
Muitas empresas começam com uma boa idéia e uma reunião entre amigos. E, por conta disso, muitos acreditam que não há necessidade de formalizar tudo, com contratos ou regras escritas para soluções de disputas ou pontos de desacordo, sob o argumento de que isso tornaria o negócio excessivamente burocrático.

Isso é um erro grave. Especialmente no que diz respeito a patentes e marcas.

Portanto, para aumentar as chances de sucesso de uma empresa é fundamental que ela tenha processos claros, escritos e, sobretudo, uma estrutura jurídica adequada, incluindo contratos bem elaborados e que tenham previsão de regras de solução de conflitos.

A propriedade intelectual é um dos temas que merecem especial atenção, pois está relacionada justamente com os bens mais valiosos e que ainda podem gerar benefícios estratégicos com o fim da sociedade empresarial.

Patente por pessoa física

Quando falamos sobre a importância de processos claros, contratos e organização, devemos considerar que tudo isso deve ter início antes mesmo do início da empresa. E aqui já esbarramos em uma das hipóteses que poderia ser muito bem estabelecida e regulada antes mesmo do início das atividades da sociedade empresarial.

Como sabemos, uma invenção tem sempre um inventor (ou alguns) que é o seu pai, ou seja a pessoa física responsável pela sua concepção e que é assim identificada no respectivo certificado, chamada carta-patente.

Mas além do inventor existe também um titular, que não necessariamente será o próprio inventor. Confuso? Eu explico melhor no tópico seguinte. Aqui vamos focar na patente que tem como titular e inventor uma pessoa física.

Se a patente que era explorada pela empresa tinha como seu titular e inventor uma pessoa física – normalmente um dos sócios – e em nenhum momento houve qualquer tipo de regularização ou formalização dessa relação, será essa a pessoa que continuará sendo a dona da patente.

Na verdade, nesse caso não há que se falar em “quem fica com a patente”, já que ela sempre foi do titular, tendo sido explorada pela empresa em razão de um contrato verbal de autorização de uso, uma espécie de licença.

É claro que estamos considerando que a patente foi obtida ou depositada antes mesmo da constituição da sociedade empresarial, ou que tenha o seu titular ingressado na empresa já com a patente solicitada ou concedida, sem no entanto integralizá-la ao capital social da empresa ou ainda “entregá-la informalmente como pagamento pela seu ingresso na empresa”.

Se no entanto a patente foi desenvolvida dentro da empresa pelo titular, usando inclusive seus equipamentos e estrutura, mas foi solicitada apenas em seu nome, maliciosamente, é possível discutir judicialmente a sua titularidade, já que a lei é clara ao estabelecer que a patente pertence exclusivamente ao empregador quando decorrer de contrato de trabalho que tenha por objeto a pesquisa ou a atividade inventiva, ou resulte esta da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado.

De qualquer forma e para evitar disputadas, o ideal é que haja formalização quando o titular for pessoa física, de modo que se estabeleça uma licença em favor da empresa, hipótese em que a patente continua sendo do titular e isso não mudará com o fim da sociedade (normalmente são inseridas cláusulas regulamentando o fim da licença para o caso de falência ou recuperação judicial) ou mesmo uma cessão, situação em que a patente terá sido transferida para a empresa e será mais um dos bens a ser arrecadado no processo falimentar e levado a leilão, para liquidar os débitos com os credores.

Leia também:  Projeto de lei quer acelerar a concessão de registro de marcas e patentes

Patente por pessoa jurídica

No Brasil somente uma pessoa física pode inventar algo patenteável, e jamais uma pessoa jurídica. Mas isso não significa que uma empresa não possa ter a propriedade de uma patente. Quando a invenção for concebida por uma empresa, tendo seus colaboradores contribuído com o seu desenvolvimento dentro do escopo de suas atividades, será ela a sua titular. Aqui os colaboradores são os inventores e a empresa a sua titular.

Isso significa que os direitos patrimoniais são exclusivos da empresa, que poderá explorar a invenção como bem entender, portanto não apenas fabricando os produtos que sejam acobertados pela patente, como também realizando licenças com outras empresas ou até mesmo a sua cessão (venda). Os inventores não possuem qualquer direito de restringir esses atos, nem mesmo receber remuneração adicional, salvo se estipulada em contrato.

A patente é, nesse caso, um ativo da empresa, e na hipótese de fim da sociedade seguirá as mesmas regras aplicadas aos demais bens da sociedade, que serão aquelas vinculadas ao tipo de encerramento que ocorrer. Assim, se o fim da sociedade se der em razão da decretação de sua falência, a patente será também arrecadada, avaliada por um perito do juiz e levada a leilão, podendo ser arrematada por aquele que oferecer o melhor lance. E, naturalmente, os valores obtidos na hasta pública serão utilizados para pagar as dívidas da empresa e não destinados aos bolsos dos sócios ou mesmo do inventor.

Agora, se os sócios resolverem encerrar a sociedade por mera liberalidade, seguindo é claro as regras do Código Civil e aquelas que estiverem no contrato social, a patente deverá ser avaliada e poderá ser vendida para outras empresas, interessados ou até mesmo um dos sócios, sendo que o valor será considerado na divisão do patrimônio da empresa e cada um receberá o montante vinculado a sua quota parte que na sociedade.

Em caso de aquisição da empresa, normalmente todos os ativos são transferidos para a empresa ou grupo adquirente, portanto as patentes (e todo ativo intelectual) é cedido para o adquirente, sendo realizado o respectivo contrato que será averbado junto ao INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Outra forma muito mais clara e fácil de tratar é quando o contrato social da empresa ou acordo de quotistas já possui cláusulas sobre sua própria dissolução, inclusive tratando de patentes ou das marcas.

Essas cláusulas estipulam a destinação dos ativos da empresa, a divisão entre os sócios e as possibilidades de aquisição das patentes, em geral, determinando prioridades como, por exemplo, o sócio majoritário terá a escolha de ficar com as patentes, pagando o valor proporcional aos demais sócios, na medida de suas quotas societárias.

Contrato de cessão ou de licença

Como falamos acima, é fundamental que toda e qualquer tecnologia que esteja sendo explorada pela empresa tenha regras claras e formalizadas em contratos bem estruturados, o que evitará prejuízos e transtornos futuros, como no caso de patentes de invenção.

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E isso começa no contrato social – como veremos a seguir – mas deve estar também no contrato de trabalho de todos os colaboradores, bem como nos contratos de prestadores de serviços. Essas regras, além de permitirem segurança jurídica para a empresa, serão aplicáveis quando do encerramento de suas atividades, ainda que ocorra por deliberação dos sócios, impactando também quando ele ocorre em razão de decretação da falência.

Assim, quando a patente explorada por uma empresa pertence a uma pessoa física o ideal é que seja analisado se essa relação é mesmo uma espécie de autorização concedida para a empresa, deixando claro a contrapartida, para que um contrato de licença seja redigido e tenha regras claras, como a existência ou não de exclusividade, duração etc.

Leia também:  Patentes: principais questões jurídicas envolvidas

De outro lado, se a invenção está em nome da pessoa física, ou seja, ela consta como inventora e também titular mas, na realidade, quem é a “dona da patente” é a empresa, seja por conta de acordo quando do ingresso desse inventor na sociedade, seja em razão de uma “compra” da tecnologia, ou mesmo em função de tudo ter sido desenvolvido dentro da empresa, é fundamental formalizar um contrato de cessão, que em outras palavras é basicamente a transferência da titularidade da patente para a empresa.

Com a existência desses contratos o destino da patente ao final da sociedade não deixará dúvidas: se for um contrato de licença ela continuará com o seu titular, que pode ser o mesmo que o inventor e, como ocorre em vários casos, um dos sócios da empresa. E como falamos, aqui pouco importa o motivo do encerramento, ou seja, se foi um acordo entre os sócios ou mesmo a decretação judicial da falência.

Já no contrato de cessão a coisa é bem diferente. Nenhum dos sócios ficará com a patente, salvo se adquirí-la da empresa e desde que o fim da sociedade não tenha sido em razão de da falência, hipótese em que a patente, como vimos acima, será leiloada em hasta pública.

Contrato social

Como já vimos, o contrato social não é apenas um requisito burocrático para a criação da sociedade empresarial (chamado informalmente como certidão de nascimento da sociedade), mas um instrumento fundamental para estabelecer as regras que serão observadas e aplicadas durante a existência da empresa.

Nele é possível não apenas estipular regras sobre o funcionamento da empresa, organização societária, destinação e divisão de lucros e ativos mas também os parâmetros de sua dissolução.

Alguns empreendedores, em especial os inexperientes, acreditam que não há necessidade de determinar como será o fim da empresa, pois seria começar já pensando em acabar. Nada mais crasso que isto.

Destinar, em cláusulas específicas, como se dará a destinação dos bens e ativos da empresa remanescentes é imprescindível para se ter segurança no negócio, inclusive para potenciais investidores.

Assim sendo, o contrato social pode sim estipular ordem de prioridade de aquisição de patentes da empresa, quando o encerramento das atividades, repita-se, não for em razão de sua falência.

Ademais, outros instrumentos podem regulamentar questões importantes da empresa, como o acordo de quotistas, que será objeto de outro artigo como um dos nossos convidados!

Ação judicial

Na hipótese de controvérsia sobre com quem fica a patente ou quem é o seu verdadeiro titular, seja pela invenção ter sido patenteada por pessoa física, embora os recursos e possibilidades de sua criação só tenham decorrido das condições dadas pela empresa, ou por não haver especificações contratuais claras sobre a destinação delas, é possível que o tema vire uma disputa judicial.

Nesse caso, será o Poder Judiciário que decidirá com quem fica a patente ao final de um processo que pode ser arrastar por anos e consumir energia e recursos financeiros de todos.

Não é incomum, em casos como esse, especialmente quando a patente esteja sendo negociada, que haja uma verdadeira paralisação não apenas da exploração dos seus benefícios, mas do interesse em terceiros investirem em algo que não se sabe quem é o seu verdadeiro titular. Se ainda assim o investidor tiver interesse em explorar a invenção por meio de um contrato de licença, isso terá que ser autorizado pelo juíz(a) do caso, e sendo autorizado, os valores ficarão depositados em uma conta judicial, podendo ser resgatados somente ao final do processo.

Entendeu a razão da advocacia preventiva ser SEMPRE a melhor opção? O fim de uma sociedade empresarial pode ser tranquilo ou controvertido, a depender da organização jurídica da empresa.

Sobre o autor
Franklin Gomes

Franklin Gomes é mestre em Direito Penal Econômico pela Universidade de Granada (Espanha), pós graduado em Teoria da Infração Criminal Revisitada (IDPE Universidade de Coimbra, Portugal), possui curso de extensão em Propriedade Intelectual pelo Franklin Pierce Center for Intellectual Property da Universidade de New Hampshire (USA), pós graduação em Processo Penal pela FMU, atendeu ao Summer Course da WIPO - Organização Mundial da Propriedade Intelectual, tem curso de extensão em Fundamentos do Sistema Legal Americano pela Thomas Jefferson School of Law (San Diego, USA) e curso em Forense Computacional (Data Security). É advogado, agente da propriedade industrial, membro da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/SP, associado da ABPI, ABAPI, INTA, IBCCRIM, ASPI, autor de artigos publicados em diversas revistas, co-autor de livros sobre propriedade intelectual e sócio de Franklin Gomes Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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