Evolução Constitucional da Capacidade Política Ativa sob a Ótica do Sistema Eleitoral Internacional

09/08/2019 às 11:30
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Texto publicado no Congresso Interdisciplinar de Direitos Humanos – INTERDH 2019. GT Dimensões jurídicas dos DH. Conselho Internacional de Altos Estudos em Direito.

[Como citar este artigo: TERENZI, Gabriel Vieira. Evolução Constitucional da Capacidade Política Ativa sob a Ótica do Sistema Eleitoral Internacional. Congresso Interdisciplinar de Direitos Humanos – INTERDH 2019. GT Dimensões jurídicas dos DH. Conselho Internacional de Altos Estudos em Direito.]

INTRODUÇÃO

Entende-se por direitos políticos o ramo jurídico formado pelo conjunto de direitos que garantem, restringem e regulamentam ao cidadão a soberania popular, manifestada pela participação no processo político.

Nos parece acurada a definição de serem estes direitos:

“o conjunto de regras que disciplina as formas de atuação da soberania popular, conforme preleciona o caput do art. 14 da Constituição Federal. São direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania” (MORAES, 2017, p. 187).

Ainda pode-se determinar que os direitos que compõem tal ramo “expressam os direitos da nacionalidade e os de participação política, que se sintetizam no direito de votar e ser votado” (BARROSO, 2010, p. 209). Finalmente, cite-se o Mestre: “Expoentes da primeira geração de direitos, em que sobressai a liberdade, figuram os direitos políticos nas principais declarações de direitos humanos, sendo consagrados já nas primeiras delas” (GOMES, 2017, p. 33).

Conquanto o gozo dos direitos políticos é unitário – ou se goza destes, ou não – o seu exercício se materializa em diferentes capacidades. Denomina-se capacidade eleitoral passiva aquela relativa à possibilidade de ser votado em um determinado sufrágio. Por sua vez, a capacidade eleitoral ativa é exercida por aquele que vota.

Por conseguinte, podem-se estabelecer diferentes critérios para que se exerçam os direitos políticos em diferentes capacidades. Assim, muito embora um cidadão possa, em tese, satisfazer critérios que o tornem um eleitor, não necessariamente este terá adimplidas condições de elegibilidade, e vice e versa.

Em nosso atual ordenamento jurídico, tais limitações, denominadas direitos políticos negativos, são estabelecidas pela própria Constituição Federal, ou por intermédio de Lei Complementar. Ademais, sendo os direitos políticos direitos humanos de primeira geração, tomam parte em um procedimento de evolução histórica. Tal é denotado pela análise do Eminente Ministro Luís Roberto Barroso:

Na primeira geração encontram-se os direitos individuais, que traçam a esfera de proteção das pessoas contra o poder do Estado, e os direitos políticos, que expressam os direitos da nacionalidade e os de participação política, que se sintetizam no direito de votar e ser votado (BARROSO, 2010, p. 209).

Assim, atualmente balizam-se seus critérios de regulação pela sistemática internacional protetiva aos direitos fundamentais. Todavia, os valores contemporâneos que hoje podem ser tidos como unânimes e indispensáveis, nem sempre assim foram considerados. Ao se analisar a evolução constitucional do ramo, pode-se perceber a trajetória que os direitos políticos traçaram em nossa história jurídica, bem como se verificar a influência que cada período jurídico pautou ao tema, a partir de que critérios foram utilizados para garantir ou restringir o exercício da capacidade eleitoral ativa – do voto.

II DESENVOLVIMENTO

A seguir, tratar-se-á das disposições relativas ao exercício da capacidade eleitoral ativa em cada Constituição nacional, em especial dos critérios utilizados por cada instrumento para conferir a condição de eleitor, bem como a relação entre tais critérios e a Declaração Universal e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

2.1 Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824

Obviamente, por se tratar de uma Constituição outorgada pelo Imperador Dom Pedro I, as disposições eleitorais da carta se referem majoritariamente ao Poder Legislativo, visto ser o Executivo concentrado na figura imperial.

O próprio texto constitucional determina que “o Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado” (artigo 102) e que “haverá em cada Provincia um Presidente, nomeado pelo Imperador, que o poderá remover, quando entender, que assim convem ao bom serviço do Estado” (artigo 165).

Tais disposições traduzem-se em modelo típico da idade moderna, uma vez que, embora não possua o príncipe poderes absolutos, há ainda grande concentração de atribuições em sua figura, bem como uma possibilidade indubitavelmente maior deste interferir nos demais poderes.

Em relação ao exercício da capacidade eleitoral ativa, determina a Carta:

Art. 90. As nomeações dos Deputados, e Senadores para a Assembléa Geral, e dos Membros dos Conselhos Geraes das Provincias, serão feitas por Eleições indirectas, elegendo a massa dos Cidadãos activos em Assembléas Parochiaes os Eleitores de Provincia, e estes os Representantes da Nação, e Provincia.

Traduz-se, portanto, a democracia do período, em uma representação indireta. O grosso eleitoral era composto pelos cidadãos que elegiam, por meio das assembleias paroquiais os Eleitores de Província, os quais, por sua vez, elegiam os deputados e senadores que iriam compor a Assembleia Geral, composta pela Câmara e pelo Senado.

A fim de poder exercer o voto na Assembleia Paroquial, era necessário que o eleitor fosse homem, maior de vinte e cinco anos (com exceção dos homens casados, dos clérigos, oficiais militares a partir da idade de vinte e um anos e bacharéis formados, que podiam votar mesmo se ainda não atingido tal critério etário) – artigo 92, I.

Também estavam excluídos da capacidade eleitoral ativa os filhos menores dependentes economicamente dos pais, com exceção daqueles funcionários públicos; religiosos enclausurados; e o cidadão que não pudesse comprovar uma renda mínima anual de cem mil réis proveniente de emprego, comércio, indústria ou propriedade de terras – artigo 92, II, IV e V.

Finalmente excluía-se ainda da possibilidade de exercer o voto neste primeiro patamar eleitoral os: “criados de servir, em cuja classe não entram os Guardalivros, e primeiros caixeiros das casas de commercio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco, e os administradores das fazendas ruraes, e fabricas” (artigo 92, III).

Traduz-se, finalmente, que não poderiam os empregados domésticos, com exceção dos encarregados de escrituração; os criados da Corte e os responsáveis pela administração dos engenhos e de fábricas, exercer o voto.

Os Eleitores de Província, responsáveis pelo exercício indireto do voto, por sua vez, além dos prévios requisitos, necessitavam possuir renda superior a duzentos mil réis, não ser escravo liberto nem condenado ou mesmo investigado em processo judicial, segundo a inteligência do artigo 93 e seguintes da Carta de 1824.

Ao se analisar os parâmetros que autorizavam a concessão do direito político ao sufrágio, pode-se verificar que, diferentemente do que ocorre em nosso ordenamento jurídico atual, o voto era indireto, particularizado (não universal, uma vez que excluídas as mulheres), e restringido por critérios econômicos e profissionais. De outro modo, o critério etário contemporâneo também era utilizado à época, embora mitigado.

Por óbvio, as condições estabelecidas, em análise comparativa com os critérios atuais autorizadores de regulação política encontram-se totalmente incompatíveis.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 21, item 3, determina:

A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.

Para além da incompatibilidade em relação ao fato de ser o voto, à época, indireto e particularizado, o conceito de honestidade da eleição previsto pela Declaração não se vê atendido já que, em razão de tais rígidos critérios, uma parcela absurdamente minoritária da população exercia a participação política. Não se pode cogitar um sufrágio honesto no sentido de fidedigno tradutor da vontade popular, se tal vontade refletir a parcela minoritária da população.

Já a Convenção Americana, quanto ao tema, reza em seu artigo 23:

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

a. de participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;

b. de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c. de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

Para além das incompatibilidades já mencionadas com a Declaração, manifesta a inconvencionalidade entre a regulação do exercício da capacidade eleitoral pelos critérios econômicos, profissionais, e pela mera condição de investigado em processo judicial.

2.2 Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891

A Constituição, cujo contexto é o de pós-proclamação da república, com a tradução de interesses oligárquicos, estabelecia em seu artigo 70, como eleitores, “os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei”. Por oportuno, o artigo 69 da Carta conceitua aqueles tidos como cidadãos.

Assim, embora tenha permanecido o critério etário como condicionante ao voto, o que, alias, subsiste em nosso ordenamento atual, a idade diminui de vinte e cinco para vinte e um anos. Surge também o conceito do alistamento eleitoral, como procedimento jurídico-administrativo que garante a condição de eleitor.

A maior evolução em relação à Carta Imperial sem dúvida alguma é a constituição do voto direto. Em relação ao Poder legislativo, reza o artigo 28: “A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo eleitos pelos Estados e pelo Distrito Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da minoria”. Os Senadores, segundo o artigo 30, são eleitos do mesmo modo que os Deputados Federais.

Já em relação ao Poder Executivo, o voto direto, embora instituído, é mitigado pela regra de que, se nenhum dos votados houver alcançado maioria absoluta, o Congresso elegerá, por maioria dos votos, um, dentre os que tiverem alcançado as duas votações mais elevadas na eleição direta. (artigo 47, § 2º).

No que concerne às vedações à capacidade eleitoral ativa, tem-se que não podem exercer o voto:

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1º) os mendigos;

2º) os analfabetos;

3º) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior;

4º) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade Individual.

Conquanto tenha-se dirimido a brutalidade do critério econômico como condicionante ao voto, uma vez que não mais definido um valor rentista a ser aferido para que se pudesse ser eleitor, continua tal condição vigente, sob a ótica de que o mendigo não podia exercer o voto. Obviamente, tal parâmetro não encontra guarida em nossa atual sistemática, denotando caráter elitista da época.

Por sua vez, a vedação ao sufrágio estendida ao analfabeto pode, em tese, ser compatibilizada com a disposição da CADH pela qual a instrução pode regular exercício dos direitos políticos. Por óbvio, na visão do presente autor, tal interpretação da Convenção já se encontra descompassada, afinal, pelo princípio da odiosa restringenda favorabilia amplianda deve o direito fundamental (como os políticos) sofrer a menor restrição possível, Tal é a situação atual, em que a instrução somente se vê necessária como condição de elegibilidade e não de alistabilidade.

Em relação à vedação ao voto dos militares (com exceção dos aspirantes ao oficialato), tal se perpetua atualmente, tendo previsão constitucional. Não se sabe a razão pela qual optou o constituinte em limitar a tal classe os direitos políticos. Segundo José Rubens Rezek “duas linhas de raciocínio puderam ser identificadas, ora atribuindo a causa da proibição à neutralidade que deve imperar nos quartéis, ora ao caráter de exclusividade do serviço militar” (REZEK, 2009).

Finalmente, quanto à vedação aos religiosos, mantida na passagem da primeira para a segunda de nossas Constituições pátrias, o novo constituinte optou por, ao menos, apresentar uma justificativa quanto à sua incidência, atrelada à autenticidade do pleito, ou seja, ao livre exercício da intenção eleitoral.

2.3 Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasilde 16 de julho de 1934

Estabelece a referida Lei Maior, em seu artigo 108, os eleitores como “os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei”.

Grande avanço se dá com a constituição do voto universal, incluindo o sexo feminino. Ademais, há que se pontuar a diminuição do critério etário já existente.

Já o parágrafo único do mesmo artigo traz as causas impeditivas ao voto, reprodução quase que integral da Constituição interior:

a) os que não saibam ler e escrever;

b) as praças-de-pré, salvo os sargentos, do Exército e da Armada e das forças auxiliares do Exército, bem como os alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial;

c) os mendigos;

d) os que estiverem, temporária ou definitivamente, privados dos direitos políticos.

Tais impedimentos já foram abordados por ocasião do item anterior, foram mantidos os critérios de instrução (que como visto, pode ser considerado compatível com a sistemática internacionaç, porém descompassado), condição de militar (aparentemente, não compatível), e condição econômico-militar (completamente incompatível).

Interessante o apontamento de que, embora as Constituições anteriores já houvessem previsto a possibilidade da suspensão de direitos políticos, a Carta em tela optou por atrelar a situação daqueles que se veem privados do ramo jurídico à impossibilidade do exercício da capacidade eleitoral ativa.

Traz-se, também, a flexibilização quanto à obrigatoriedade do voto, por meio do artigo 109, o qual determina: “O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar”.

2.4 Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937

A quarta Constituição definiam como eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de dezoito anos, que se alistarem na forma da lei, segundo o artigo 117. Posteriormente, a Lei Constitucional nº 9, datada de 1945, acrescentou à norma a expressão “e estiverem no gozo dos direitos políticos”.

Não houveram, como se percebe, alterações significativas quanto aos critérios de alistabilidade. Por sua vez, o parágrafo único de tal artigo traduzia a vedação ao alistamento, sendo esta estendida aos:

a) os analfabetos;

b) os militares em serviço ativo;

c) os mendigos;

d) os que estiverem privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.

A mesma Lei que altera o caput, acaba por manter apenas a determinação de que “os militares em serviço ativo, salvo os oficiais, não podem ser eleitores”; mantidos, como visto, os critérios anteriores a fim do exercício da capacidade eleitoral ativa.

2.5 Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946

O artigo 131 da mencionada Lei Maior reproduz integralmente o entendimento de que são eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos que se alistarem na forma da lei.

O seguinte dispositivo constitucional, todavia, inova as causas impeditivas ao voto, uma vez que, além de prever a vedação aos analfabetos e aos privados de direitos políticos, reza não poderem ser eleitores os que não saibam exprimir-se na língua nacional.

Interessante o paralelo com a atual situação jurídico-eleitoral, na qual a Constituição de 1988 determina, no bojo de seu artigo 15, a suspensão dos direitos políticos do absolutamente incapaz. Com a nova sistemática advinda do Estatuto da Pessoa com Deficiência, tem-se o absolutamente incapaz apenas o menor de 16 anos.

Assim, aquele que, por consequência de deficiência, se vê incapaz de exprimir sua própria vontade, apesar de ser tido atualmente como (apenas) relativamente incapaz, não pode, na prática, exercer a capacidade eleitoral, visto não ser possível, nem mesmo com o auxílio de terceiro, externar seu voto. Porém, pelo regramento constitucional, este continuaria exercendo tal ramo jurídico. Tal situação é manifesta incongruência de nosso atual sistema eleitoral.

Por sua vez, a disposição da Constituição de 1946 veda o voto àquele que não capaz de se exprimir na língua nacional, o que pode ser tido como, atualmente, completamente inconvencional aos tratados internacionais, já que diversas as possibilidades de inclusão daqueles relativamente incapazes.

Tal Carta reproduz o entendimento mitigado em relação à eleição direta do poder executivo, prevista pela Constituição de 1891, nos termos:

Art. 81. O Presidente da República será eleito, em todo o País, cento e vinte dias antes do têrmo do período presidencial, por maioria absoluta de votos, excluídos, para a apuração desta, os em branco e os nulos.

§ 1º Não se verificando a maioria absoluta, o Congresso Nacional, dentro de quinze dias após haver recebido a respectiva comunicação do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, reunir-se-á em sessão pública para se manifestar sôbre o candidato mais votado, que será considerado eleito se, em escrutínio secreto, obtiver metade mais um dos votos dos seus membros.

§ 2º Se não ocorrer a maioria absoluta referida no parágrafo anterior renovar-se-á até 30 (trinta) dias depois, a eleição em todo o País, à qual concorrerão os dois candidatos mais votados, cujos registros estarão automàticamente revalidados.

Pontue-se, ademais, que a princípio o caput do artigo 81 não previa a necessidade da maioria absoluta para a eleição do Presidente, a qual somente se institui por meio da Emenda Constitucional nº 9, datada de 1964. Tal situação, a priori, não possui incompatibilidade com a sistemática internacional no que diz respeito aos direitos políticos. Todavia, com a evolução histórica do ramo, entende-se, como um melhor modo de atender ao princípio da autenticidade do voto, a eleição pela maioria absoluta, que contribui a uma mais fidedigna tradução da vontade popular.

2.6 Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967

Constituição do período de Ditadura Civil-Militar mantém, na redação do artigo 142, como eleitores os maiores de dezoito anos, alistados na forma da lei. Também resguarda analiticamente a previsão da alistabilidade dos militares desde que “oficiais, aspirantesaoficiais, guardas-marinha, subtenentes, ou suboficlais, sargentos ou alunos das escolas militares de ensino superior para formação de oficiais”.

Por sua vez, o § 3º do artigo em tela reproduz integralmente as vedações ao exercício da capacidade eleitoral ativa dispensada aos analfabetos; aqueles que não sabem se exprimir em língua nacional e aos privados de direitos políticos.

Retrocede-se, como esperado em um Estado de Exceção, em relação a já mencionada tradução da vontade popular, no que diz respeito ao voto indireto. Determina o artigo 76 da Carta ser o Presidente eleito pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral, composto pelos membros do Congresso Nacional e de Delegados indicados pelas Assembleias Legislativas dos Estados, em sessão, pública e mediante votação nominal.

2.7 Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988

Constituição Cidadã, quanto ao tema, inova desde a exteriorização expressa no texto de outras formas de exercício dos direitos políticos ativos, quais sejam o plebiscito; referendo e a iniciativa popular, previstos pelo artigo 14.

Para o § 1º do dispositivo, o alistamento eleitoral e o voto são:

I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II - facultativos para:

a) os analfabetos;

b) os maiores de setenta anos;

c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

Desse modo, os critérios dispensados à caracterização de eleitores em nossa atual sistemática são bastante mais favoráveis aos direitos fundamentais, em conformidade maior com os instrumentos internacionais. Em relação ao critério etário, o mesmo passa por redução, a fim de que se inclua a concessão da capacidade eleitoral aos maiores de dezesseis anos.

Já no que diz respeito aos impedimentos à aquisição de tal capacidade, determina a Carta, em seu § 2º, que não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.

Assim, mantém-se a vedação ao voto dos militares não ocupantes de funções de comando, ou seja, aqueles sujeitos à hierarquia de comando, como já anteriormente adiantado. Por outro lado, a vedação ao alistamento do estrangeiro é compatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Inovação extremamente sadia, para não dizer atrasada, vem com o silêncio eloquente concedente de capacidade eleitoral aos analfabetos e aqueles incapazes de exprimir-se em língua nacional. Ou seja, em atendimento ainda mais benéfico aos mandamentos da Convenção Americana autorizadores de regulação dos direitos políticos proveniente de instrução e capacidade civil (o que, como se viu, deve atender à limitação menos abrangente, já que relacionada a direito fundamental).

Outra diligência atinente a matéria é a proteção cuidadosa estendida ao tema quando da previsão no artigo 60§ 4º, da Constituição, o qual trata de cláusulas pétreas, ou seja, não passíveis de deliberação por emenda tendente a abolir o voto direto, secreto, universal e periódico. Como já visto, tais mandamento encontram-se alinhados com as disposições internacionais do ramo.

III CONCLUSÕES

Pode-se perceber, ao passear pela história jurídico-constitucional pátria, a relevância conferida ao ramo dos direitos políticos, bem como a evolução dos critérios utilizados pelo Constituinte como condicionantes ao alistamento e ao exercício do voto. Pode-se também verificar a transposição dos valores momentâneos de cada era político-social aos respectivos textos de nossas Leis Maiores.

A restrição ao exercício eleitoral ativo, quase total no início de nossa trajetória constituinte, abrange hoje uma parcela efetivamente minoritária da população a qual é negado o direito político ao sufrágio. A paulatina concessão da universalidade do voto, bem como a erradicação de causas impeditivas totalmente descabidas fundadas em critérios incompatíveis com os Direitos Humanos traduzem uma inegável evolução do tratamento e importância dispensada ao exercício da soberania popular.

Quanto ao Sistema Eleitoral Internacional, pela própria natureza de construto do ramo dos Direitos Humanos, o qual, segundo Bobbio, é fruto do processo de evolução histórica, o mesmo sem dúvida influencia, com o decorrer do tempo as disposições pátrias.

Os princípios internacionais atinentes ao exercício da capacidade eleitoral ativa encontram-se muito mais adimplidos segundo nossa atual sistemática do que se encontravam quando da vigência das Cartas anteriores. Tal evolução inclusive remonta a incidência de um poder constituinte supranacional, influenciando a materialização de normas constitucionais compatíveis com os tratados internacionais, inclusive no que dizem, estes, respeito aos direitos políticos.

Todavia, não se deve afastar os olhos também dos momentos de retrocesso, como abordado no texto. A vedação ao retrocesso, a compatibilidade das disposições normativas internas com a avançada sistemática internacional e a manutenção da maior abrangência possível quanto ao exercício do voto como um instrumento de sufrágio autêntico são constantes garantidoras do Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Editora Campus. Rio de Janeiro, 1992.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.

REZEK, José Rubens. A proibição de alistamento eleitoral dos conscritos e o princípio da plenitude do gozo dos direitos políticosRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15n. 248420 abr. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14720>. Acesso em: 5 fev. 2019.

Sobre o autor
Gabriel Terenzi

Graduando do nono semestre da Faculdade Direito do Centro de Ensino UniToledo Araçatuba. Membro do Grupo de Pesquisa do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. Apaixonado por Direito Eleitoral.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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