ENSAIO FILOSÓFICO DO TEXTO MEMÓRIAS DO SUBSOLO DE ACORDO COM O REFERENCIAL DE SARTRE
*Cátia de Castro Dias
RESUMO
O presente artigo busca contribuir para uma reflexão do existencialismo, sobre a questão da angústia nas obras de Jean Paul Sartre e na literatura existencialista. O homem quando se conscientiza como autor de sua própria vida, de suas escolhas, e que ele é o único responsável por ele mesmo, ocorre a nadificação do sujeito. O que Sartre chama de nadificação é justamente a percepção do Nada, do homem frente a ele mesmo, sendo o único responsável por suas escolhas. E ser livre é se angustiar. O trabalho discute sobre a questão da existência, da dor, da culpa e da angústia que emergem na discussão sobre o ser enquanto sujeito. Contribuindo para uma reflexão do pensamento existencialista presente no trabalho de Sartre e no texto de Dostoievski em Memórias do Subsolo. O trabalho tem o objetivo de refletir sobre a angústia do homem dentro da análise de Sartre, O Ser e o Nada, e O Existencialismo é um Humanismo, demonstrando junto ao personagem de Dostoievski, o homem do subsolo e sua angústia frente a sua existência. O método utilizado foi uma releitura da literatura existencialista e do trabalho filosófico dos autores Sartre e Dostoievski, refletindo sobre o homem e sua existência. O resultado da reflexão do ser enquanto responsável por sua existência, mostrou a angústia presente tanto nas obras clássicas quanto na teoria existencialista.
Palavras chave: Homem, angústia, existencialismo.
*Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia-UFU (2005) e docente do curso de Psicologia da Faculdade de Patos de Minas- FPM.
INTRODUÇÃO
1“ O homem nada mais é o que ele faz de si mesmo”
Jean Paul Sartre (1905-1980), foi um importante filósofo, escritor, contribui para a compreensão do existencialismo, e seu trabalho incessante ajudou a divulgar essa filosofia. Na sua obra mais famosa O Ser e O Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica, Sartre trabalha o conceito de consciência cuja análise será fundamental para a compreensão do pensamento existencialista. Nesse trabalho Sartre discute o conceito de angústia, quando o homem consciente de sua existência e autor de sua própria vida se vê angustiado, condenado a liberdade. Contribuindo para a compreensão do homem enquanto sujeito de sua própria existência. Primeiro a existência precede a essência, e então, só depois que o homem vai se fazer enquanto projeto. O homem é projeto dele mesmo, fazendo sua essência, mas para isso primeiro ele precisa existir. Para Sartre o fenômeno é o que se manifesta, existe, aparece e temos compreensão. Esse é um dos princípios fundamentais do existencialismo. A existência precede a essência. Primeiro o homem existe depois ele se forma quando projeto dele mesmo. (1,3)
No livro O Ser e o Nada, a discussão do fenômeno ocorre na forma como ele se apresente, ou seja, naquilo que se revela. E que todo mundo percebe sendo então, perceptível a todos de alguma forma. E é justamente essa “aparição”, esse fenômeno que se apresenta sendo o ser revelado por algum meio de acesso imediato, o tédio, a náusea. Dessa forma o estudo do ser será a descrição do fenômeno, e da forma como ele aparece, se inscreve, sem interlocutores, apenas se apresentando. (1)
Além do fenômeno apresentado temos também aquele que se ausenta, e nessa ausência não nega a sua existência, pois o simples fato de não estar presente não descaracteriza seu existir. Aquilo que por hora não está presente. O ser não se esconde atrás do fenômeno, ambos não podem mascarar um ao outro, “o fenômeno é enquanto aparência, quer dizer, indica a si mesmo sobre o fundamento do ser”. (1)
O que é o fenômeno? De que forma ele apresenta-se? O que é o ser e sua angústia? Dostoievski descortina o ser, em sua obra Memórias do Subsolo. A obra considerada um romance, porém, muito além disso, pois, as indagações do ser, do sujeito que se apresenta e que tão bem Nietzsche a proferiu como: “um achado fortuito numa livraria (...) A voz do sangue (como denomina-lo de outro modo?) fez-se ouvir de imediato e minha alegria não teve limites”.(2)
Citação presente no prefácio do livro, do tradutor Boris Schnaiderman, esmiuçando a grandiosidade de uns dos mais reverenciados autores se não do século XIX, ou mesmo do século XX. Uma “voz do sangue”, do ser e sua existência, na sua angústia frente ao mundo, frente a ele mesmo. Quando o ser humano se dá conta de sua existência, sendo ele mesmo frente a si mesmo e ao mundo, sem subterfúgios, ou um paraíso a lhe amortecer a sua angústia, ocorre então, o desamparo ou mesmo a passividade, cujos conceitos foram muito bem trabalhos na obra sartriana em O ser e o Nada. (2)
A passividade seria uma característica do fenômeno enquanto si, sujeito de sua existência. Mas o que é a passividade? Sou passivo quando recebo uma modificação da qual não sou a origem - quer dizer, não sou nem o fundamento nem o criador. Assim, meu ser sustenta uma maneira de ser da qual não é a fonte. Só que, para sustentá-la, é necessário que eu exista, e, por isso, minha existência se situa sempre para além da passividade. "Suportar passivamente", por exemplo, é uma conduta que tenho e compromete minha liberdade tanto quanto o "rejeitar resolutamente". Se hei de ser para sempre "aquele-que-foi-ofendido", é preciso que eu persevere em meu ser, quer dizer, assuma eu mesma minha existência. Mas, por isso, retomo de certo modo, por minha conta, e assumo minha ofensa, deixando de ser passivo com relação a ela. Daí a alternativa: ou bem não sou passivo em meu ser, e então me converto em fundamento das minhas afecções, mesmo que não tenham se originado em mim - ou sou afetado de passividade até em minha existência mesmo, meu ser é um ser recebido, e então tudo desaba no nada. (2)
O ser que se apresenta em Memórias do Subsolo, seria esse sujeito que suporta passivamente sua existência? Nas primeiras linhas da obra de Dostoievski seu sujeito se mostra, aparece, citamos o próprio autor, ou deixamos seu personagem dizer:
Sou um homem doente...Um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo níquel da minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo. (2)
De que forma um ser se apresenta em sua existência? Na angústia de ser, sabendo que estamos desamparados, percebendo nossa passividade? Sofrendo do fígado? Do destino? Da vida nessa existência solitária e indócil. O ser enquanto fenômeno que se apresenta, em sua angústia, sua passividade, característica do sujeito que se dá conta de sua existência. Estamos só frente a nós mesmo, tendo apenas essa existência, somos responsáveis por nós mesmo. Aceitamos a passividade, ou transcorremos nas ações de nós mesmos. Daí a angústia quando o homem percebe que ele está só, e acima dele apenas estrelas, sem Deus ou deuses para nortear sua existência.
Dostoievski continua a transcrever o seu ser sujeito dele mesmo. Vamos ouvi-lo em sua angústia, em seu desalento:
Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos. Ademais, sou supersticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para respeitar a medicina. (Sou suficientemente instruído para não ter nenhuma superstição, mas sou supersticioso. (2)
Instruído suficiente para não ter superstição, para respeitar a medicina, mas não se trata, perdido no seu ser, sem intermediário, sem um Deus para lhe alentar, perdido em sua existência. Quando o homem percebe sua responsabilidade, sua consciência frente a si mesmo, ele se angustia. O homem é angústia de si mesmo.
Poderíamos dizer que Dostoievski explora o seu Ser, esmiúça a existência, os sentimentos perante a vida, em saber que somos apenas nós, enfrentando as nossas angústias, quando percebemos que estamos sozinhos.
Não temos intermediários, nenhuma mágica que nos transforme, nenhum consolo que nos acalente. Apenas nossa existência sem maquiagem, videntes, ou falsas esperanças. Existimos! Sofremos! E quando refletimos sobre nossa existência, angustiamos. Sartre discuti essa angústia quando nos damos conta que estamos sozinhos. Sendo responsável por nossas próprias escolhas, somos livres, e assim percebemos nossas angústias, pois, o homem está sozinho, ele se encontra jogado nesse mundo, apenas ele mesmo.
Dostoievski apresenta seu personagem em sua angústia, em sua náusea diante da existência; ele mesmo diz que: Não consegui chegar a nada, nem mesmo tornar-me mau: nem bom nem canalha nem honrado nem herói nem inseto. Se tornou nada, a negação dele mesmo, ou como Sartre diria; se a negação não existisse, nenhuma pergunta poderia ser formulada, sequer, em particular, a do ser. Mas essa negação, vista mais de perto, remeteu-nos ao Nada como sua origem e fundamento: para que haja negação no mundo e, por conseguinte, possamos interrogar sobre o Ser, é necessário que o Nada se dê de alguma maneira. Compreendemos que não se podia conceber o Nada fora do ser, nem como noção complementar e abstrata, nem como meio infinito onde o ser estivesse em suspenso. É preciso que o Nada seja dado no miolo do Ser para que possamos captar esse tipo particular de realidades que denominamos Negatividades. (1,2)
Mesmo que para o Ser a vida seja uma “nadificação” do nada, tal essência ainda está contido em sua existência, em seu Ser. É a partir da negação que a vida começa a ser pensada, formulada. Ou seja, no interior do sujeito é necessário desvelar o Nada para que o Ser possa em sua existência compreendermos sua negatividade.
O Ser de Dostoievski contém em si um universo de angústia, negatividade, um homem moderno que tem consciência de si e sua limitada existência.
Agora, vou vivendo os meus dias em meu canto, incitando-me a mim mesmo com o consolo raivoso – que para nada serve – de que um homem inteligente não pode, a sério, tornar-se algo, e de que somente os imbecis o conseguem. Sim, um homem inteligente do século dezenove precisa e está moralmente obrigado a ser uma criatura eminentemente sem caráter; e uma pessoa de caráter, de ação, deve ser sobretudo limitada. Esta é a convicção dos meus quarentas anos. (2)
De que forma o Nada se apresenta no mundo, na medida em que este afasta de seu ser. Assim, com a interrogação, certa dose de negatividade é introduzida no mundo: vemos o Nada irisar o mundo, cintilar sobre as coisas. Mas, ao mesmo tempo, a interrogação emana de um interrogador que se motiva em seu ser como aquele que pergunta, desgarrando-se do ser. A interrogação é, portanto, por definição, um processo humano. Logo, o homem apresenta- se, ao menos neste caso, como um ser que faz surgir o Nada no mundo, na medida em que, com esse fim, afeta-se a si mesmo de não ser. (1)
O Ser de Memórias do Subsolo, este anti-herói, um homem moderno preso no seu vazio, sofrendo a angústia de suas próprias escolhas, preso em sua solidão, no limite da sua existência. Nada além dele mesmo “aquele que se pergunta”, o homem e sua consciência, mesmo o Nada que emerge do Ser, enquanto sujeito existente. Esse ser que se angustia, resta a pergunta dele mesmo:
Talvez penseis, senhores, que estou louco? Permiti-me emendar o que disse. Concordo: o homem é um animal por excelência, condenado a tender conscientemente para um objetivo e a ocupar-se da arte da engenharia, isto é, abrir para si mesmo um caminho, eterna e incessantemente, para onde quer que seja. Mas talvez precisamente por isto lhe venha as vezes uma vontade de desviar, justamente por estar condenado a abrir esse caminho, e talvez ainda porque, por mais estupido que seja um homem direto e de ação, ocorre-lhe as vezes que o caminho vai quase sempre para alguma parte, e que o principal não este em saber para onde se dirige, e em que a criança comportada, desprezando a arte da engenharia, não se entregue a ociosidade destruído, que, como se sabe, é a mãe de todos os vícios. (2)
É somente no nada que pode ser transcendido o ser. Ao mesmo tempo, o ser se organiza em mundo do ponto de vista do trans-mundano, o que significa que a realidade humana surge como emergência do ser no não-ser e, por outro lado, que o mundo se acha "em suspenso" no nada. A angústia é a descoberta desta dupla e perpétua nadificação. (2).
Estamos perdidos em nós mesmo, a “descoberta” da nossa existência, sem um mundo além, leva o homem a angústia, mas, não há inércia, justamente nessa perpétua “nadificação”, que os sujeitos se estabelecem em suas ações. A partir do momento que o ser se organiza, percebe “suspenso” no nada, e esse nada é a consciência de algo.
O homem do subsolo está cercado em sua angústia, porém, não está inerte.
O homem gosta de criar e abrir estradas, isto é indiscutível. Mas por que ama também, até a paixão, a destruição e o caos? Dizei-me? Mas eu mesmo quero dizer separadamente duas palavras sobre o assunto. Não amará ele a tal ponto a destruição e o caos(...) talvez ele ame o edifício apenas a distância e nunca de perto; talvez ele goste apenas de cria-lo, e não viver nele, deixando-o depois para os animaux domestiques, isto é, formigas, carneiros, etc, etc. Já as formigas tem um gosto de todo diferente. Elas possuem um edifício surpreendente no gênero, indestrutível para os séculos: o formigueiro. (2)
Talvez o ser do Subsolo aceite apenas a vida, crie edifícios que nem ele mesmo irá desfrutar. Um ser em angústia, consciente de sua existência, perdido nas suas estradas que ele mesmo cria e abre. O amor ao caos e a destruição, ele realmente as amas, mas devido ao temor em atingir seu objeto e concluir a vida vivida em sua intensidade, em sua única existência, sem bilhete premiados, sem paraísos ilusórios. O homem se angustia. É o fenômeno que se apresenta, o ser que revela como é, nas palavras de Sartre, indicativo de si mesmo.
O fenômeno não indica, como se apontasse por trás de seu ombro, um ser verdadeiro que fosse, ele sim, o absoluto. O que o fenômeno é, é absolutamente, pois se revela como é. Pode ser estudado e descrito como tal, porque é absolutamente indicativo de si mesmo. Em princípio, assim parece. O fenômeno é o que se manifesta, e o ser manifesta-se a todos de algum modo, pois dele podemos falar e dele temos certa compreensão. Assim, deve haver um
fenômeno de ser, uma aparição do ser, descritível como tal. O ser nos será revelado por algum meio de acesso imediato, o tédio, a náusea, etc., e a ontologia será a descrição do fenômeno de ser tal como se manifesta, quer dizer, sem intermediário.(1)
2“O ser é o que é” - a angústia consciência de ser
O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. O homem é tão-somente não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo. (3)
O homem, às vezes, ama terrivelmente o sofrimento, ama-o até a paixão, isto é um fato. No caso, é inútil recorrer a história universal; interrogai a vós a minha opinião pessoal, creio que amar apenas a prosperidade é, de certo modo, até indecente. Bem ou mal, quebrar as vezes algo é também muito agradável. No caso não estou propriamente defendendo o sofrimento, por exemplo, não admitido nos vandevilles, eu sei. No palácio de cristal, ele é simplesmente inconcebível: o sofrimento é dúvida, é negação e o que vale um palácio de cristal do qual se possa duvidar? E, no entanto, estou certo de que o homem nunca se recusará ao sofrimento... mas isto constitui a causa única da consciência. (2)
O homem ao recuar de si mesmo, ao nadificar acaba desgarrando do Ser, e interrogando-se, mesmo na negatividade ele mesmo se introduz ao mundo se defini. Ao indagar o homem se reconhece em sua existência, se apresenta, fazendo-se a si mesmo.
Na medida em que o interrogador deve poder operar, com relação ao interrogado, uma espécie de recuo nadificador, escapa à ordem causal do mundo e desgarra-se do Ser. Significa que, por duplo movimento de nadificação, o interrogador nadifica com relação a si o interrogado, colocando-o em estado neutro, entre ser e não-ser, e ele próprio nadifica-se com relação ao interrogado, descolando-se do ser para poder extrair de si a possibilidade de um não-ser. Assim, com a interrogação, certa dose de negatividade é introduzida no mundo: vemos o Nada irisar o mundo, cintilar sobre as coisas. Mas, ao mesmo tempo, a interrogação emana de um interrogador que se motiva em seu ser como aquele que pergunta, desgarrando-se do ser. A interrogação é, portanto, por definição, um processo humano. Logo, o homem apresenta- se, ao menos neste caso, como um ser que faz surgir o Nada no mundo, na medida em que, com esse fim, afeta-se a si mesmo de não ser. (1)
O homem está só no mundo, e a consciência de sua condição emerge com surgimento do Nada. A partir do seu ser, sozinho no mundo o homem está condenado ao Nada, ou seja, ao seu ser, a sua existência, daí a nadificação, o reconhecimento do vazio, da nadificaçao do ser. O vazio existencial próprio do homem do qual ele não pode fugir. E a consciência de ser no mundo e do qual o homem não pode fugir a partir dessa, o homem se angustia.
O existencialismo não é tanto um ateísmo no sentido em que se esforçaria por demonstrar que Deus não existe. Ele declara, mais exatamente: mesmo que Deus existisse, nada mudaria; eis nosso ponto de vista. Não que acreditemos que deus exista, mas pensamos que o problema não é o de sua existência; é preciso que o homem se reencontre e se convença de que nada pode salvar-dele próprio, nem mesmo uma prova válida da existência de Deus. (...) a angústia é a ausência total de justificativas e simultaneamente, a responsabilidade perante todos. (3)
O homem quando se percebe sozinho, no Nada, ele se angustia, sendo Ser no mundo, o ser-aí humano. O Ser está frente ao nada, sozinho, consciente de sua vida, suas escolhas, posto em sua angústia. E essa angústia é o reflexo de sua liberdade, de sua responsabilidade, de sua consciência.
Quando o homem nadifica em seu próprio ser ele se angustia. O homem está jogado no mundo, ele mesmo é responsável por ele mesmo, ele se nadifica. O vazio, angústia de somente ele mesmo se suportar, então o homem se vê obrigado a conviver com sua solidão. A angústia o acompanha no momento que ele percebe que está sozinho no mundo, jogado.
O homem do Subsolo de Dostoievski se torna incapaz de conviver com ele mesmo em meio a sua solidão, entregue a si mesmo, na sua nadificação. O homem é angústia. O homem do Subsolo é angústia, arrependimento, escolhas. Angústia devido as suas próprias escolhas, a sua liberdade.
Por enquanto, ainda vivo, ainda sinto desejos e quero que os meus braços sequem se eu carregar um tijolinho, o que seja, para uma casa de renda desse tipo! Não ligueis ao fato de que, ainda há pouco, eu mesmo tenha recusado o edifício de cristal unicamente porque não se poderá zombar dele mostrando-lhe a língua.(...) Porque fui feito com tais desejos? Será possível que tenha sido unicamente para concluir que toda a minha conformação é puro logro? Será possível que consista nisso todo o objetivo? Não acredito? (2)
O conflito, a dor, a náusea, fardos tão pesados a nossa existência. Na fuga da angústia, o ser entregue a si mesmo o homem vai formando sua essência. O homem existe, depois ele torna a sua essência na sua existência.
A essência do homem existente, do Subsolo é angústia. O ser que se nadifica.
Este “belo e sublime” apertou-me com força a base do crânio aos quarentas anos. A dor, a angústia que acompanha o homem que se vê perante ele mesmo. O belo que nos acompanha e com força nos aperta o crânio. (2)
E assim, imediatamente eu encontraria também o setor correspondente de atividade, ou, para ser mais exato:beber a saúde de tudo o que é belo e sublime. Eu me agarraria a toda oportunidade para, em primeiro lugar, verter uma lágria na minha taça e, a seguir esvazia-la em intenção de tudo o que fosse belo e sublime; haveria de encontrar este belo e sublime até na mais ignóbil, na mais indiscutível das porcarias, e trasnformaria em belo e sublime tudo o que existisse no mundo.(2)
Dostoeviski narra um existência que se agarraria ao belo e sublime, devido a sua consciencia de ser, sozinho no mundo, sem nenhuma força cosmica a lhe acalentar.
Tornar-me-ia lacrimejante como uma esponja molhada. O ser vazio, solitário diante dele mesmo, da angústia. O ser humano sartreano é ele mesmo sua própria angústia. Para Sartre o vazio de ser é que os homens se angustiam, se nadificam. Em Dostoevieski a angústia do homem instruído e superticioso, arrogante e ignóbil. E que ao mesmo tempo quer se tornar um insento.(2)
Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. O homem é resultado de suas escolhas, pode se tornar insento do subsolo. Inseto herói. Inseto instruído e ignóbil, que vai chegar a lhe doer a bílis, no dizer de Dostoievski. O homem é escolha dele mesmo. Por isso o homem é angustia. E porque condenado? (3)
Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado ao mundo, é responsavel por tudo o que faz. O existencialismo não acredita no poder da paixão. Ele jamais admitirá que uma bela paixão é uma corrente devastadora que conduz o homem, considera que o homem é responsavel por sua paixão. O existencialista não pensará nunca, também, que o homem pode conseguir o auxilio de um sinal qualquer que o oriente no mundo, pois considera que é o proprio homem quem sem ajuda, está condenado a inventar o homem a cada instante. O homem do subsolo é um existencialista, preso nas suas escolhas, na sua angústia, na sua nadificação.(3)
Quanto mais consciência eu tinha do bem e de tudo o que é “belo e sublime”, tanto mais me afundava em meu lodo, e tanto mais capaz me tornava de imergir nele por completo. Porém o traço principal estava em que tudo isso parecia ocorrer-me não como que por acaso, mas como algo que tinha de ser. Dir-se-ia que este era o meu estado normal e que não se trataa de doença, de um defeito, de modo que, por fim, perdi até a vontade de lutar como este defeito.(2)
O homem de Dostoiévski é um ser angustiado, arrependido devido a responsabilidades de suas escolhas. Ele não tem uma filosofia de um céu intelegível a sustentar suas escolhas. Suas escolhas são suas angústias. Ele mesmo se angustia, sendo únicamente o responsável por si e por suas ações. Sua consciência o determina. O homem é escolha dele mesmo. Ele existe e se refaz e a cada escolha o peso de sua responsabilidade.
Conclusão
O artigo procurou demostrar o vazio existencial percorrido nas páginas de Memórias do Subsolo, tendo como paralelo o existencialismo sartriano envolvendo a análise do homem que acaba se angustiando frente as suas escolhas.O homem se torna o que dele ele se faz. Para o homem não existe um determinismo, uma outra escolha, ele é livre, sua vida é feita de escolhas. O ser existe depois ele se torna, cria sua essência diante de sua existência, o homem é livre. Na liberdade de suas escolhas sendo somente ele mesmo o homem se torna angústia. O homem do Subsolo é angústia, arrependimento. Fardo dele mesmo. No pensamento de Sartre o homem é um ser-no-mundo, procurando sentido, um Nada que quando se afasta, recua-se dele mesmo, se nadifica, é o vazio, percebendo a ele mesmo. Sozinho no mundo. Angustiado em sua liberdade. Arrependimento em suas escolhas.
Referências
1-SARTRE, Jean Paul. O Ser e o Nada – Ensaio de ontologia fenomenológica. 15 edição, tradução de Paulo Perdigão, Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes,2007.
2-DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do Subsolo. Tradução Boris Schnaiderman- São Paulo:Ed.34, 2000.
3-SARTRE, Jean Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Tradução Rita Guedes, Paris, 1970.
4-________________. A Náusea. Tradução Rita Braga. Ed. Saraiva De Bolso, Brasil,2011.
5-CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Editora Record. Brasil, 2005
6-_________________. A Peste. Editora BestBolso, Brasil, 2008.
7- DOSTOIÉVSKI, Fiódor. O Jogador. Editora Martin Claret, Brasil, 2013.
8- __________________. Crime e Castigo. Tadução Oleg Almeida . Editora Martin Claret. Brasil, 2013.