Excelentíssimo Senhor Juiz-Presidente deste Egrégio Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, Doutor Luiz Carlos Ribeiro dos Santos, varão a todas as luzes grande, em quem pedimos vênia para saudar os ilustres Magistrados aqui presentes;
Excelentíssimo Senhor Doutor Pedro Gagliardi, dignísssimo Vice-Presidente e pedra angular deste mesmo Tribunal, em cuja pessoa cumprimentamos todas as autoridades que nos honraram com suas presenças;
Excelentíssimo Senhor Doutor Guido Antonio Andrade, insigne Presidente da Secção Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, na pessoa de quem desejamos abraçar, efusivamente, todos os membros da ínclita profissão;
Excelentíssimo Senhor Doutor Ademar Gomes, dedicado e talentoso Presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, em quem homenageamos todos aqueles que, um dia, puderam sacudir, em prol dos acusados, o gládio inflamado da defesa;
Os mais, pedimos licença para saudá-los nestes três vultos eminentes: Napoleão Mendes de Almeida, João de Scantimburgo e Paulo Bomfim. Pelo Prof. Dr. Napoleão Mendes de Almeida, mestre da vernaculidade, e pelo Dr. João de Scantimburgo, membro da Academia Brasileira de Letras, chegarão até vós as palavras de nosso profundo reconhecimento; o outro, Paulo Bomfim, o Príncipe dos Poetas Brasileiros e, pois, o que melhor sabe interpretar os impulsos do coração humano, este será o depositário fiel de nossa gratidão sincera a todos quantos aqui vos achais.
Meus queridos Amigos:
Em primeiro lugar, satisfazendo ao natural escrúpulo de algum dos presentes, afiançamo-vos que seremos breve, não só porque a isto nos exorta o preceito horaciano (“esto brevis…”), senão ainda porque guardamos a lição de preclaro conselheiro da OAB, o qual não cessava de repetir que o advogado, como verdadeiro combatente, devia empunhar sua arma, que é a palavra, sempre em pé; mas, acertando de falar a pessoas graves e geralmente muito ocupadas, havia de fazê-lo como se estivesse apoiado numa perna só, à guisa de advertência que fosse breve. Procederemos na conformidade deste sapientíssimo ditame.
A incumbência de falar-vos foi-nos cometida por deliberação generosa dos dois notáveis juízes, com os quais temos hoje a honra de ser recebido, em cerimônia de inexcedível beleza, na Magistratura estadual de Segunda Instância: os Drs. Ricardo Santos Feitosa e José Orestes de Souza Nery. Agradecemos-lhes, por isso, a confiança com que nos distinguiram.
Havendo Deus dado ao homem um semblante voltado para as estrelas, como cantou o vate iluminado, não maravilha suspirássemos por estas altas esferas, onde a Justiça tem suas dominações.
Porém, só de imaginá-lo, penetramo-nos de justos e fundados temores. É que, a despeito de nossas fraquezas e misérias, fomos investidos daquela sublime função que, na frase de um engenho feliz, constitui atributo próprio da Divindade: julgar([1]).
Num arroubo de eloquência tribunícia, houve quem perguntasse: “Valerá o Sol mais do que a ideia de Justiça? E primeiro que alguém o fizesse, ele mesmo respondeu: Não”([2])!
Era este, por igual, o sentimento de nosso egrégio Rui: “Se alguma coisa divina existe entre os homens é a Justiça”([3]).
A consciência da grandeza e da gravidade do cargo de juiznão nos insinua no peito, entretanto, sombra de vaidade; ao revés, obriga-nos, humildes, a dar com a face em terra e confessar nossa muita indignidade para exercê-lo. Mas não parece de razão extinguir nos homens a chama azul desse ideal supremo de vida, de todos talvez o mais nobre, porque é essencialmente o ideal de bem servir!
Ruínas do Fórum Romano: padrão eterno do Direito e da Justiça
Sob essa divisa, cunhada na frágua do sacrifício, é que têm dedicado seus dias à causa da Justiça os novéis Magistrados deste Tribunal: os Drs. Ricardo Santos Feitosa e José Orestes de Souza Nery.
Se resistimos ao impulso de chamar-lhes varões de Plutarco, é por não incorrermos na ira de nosso conspícuo orador oficial o Dr. Volney Corrêa de Moraes que, com sua voz e autoridade de Júpiter Olímpico, ordenou tangessem os bronzes em dobres fúnebres pela morte da Arte Retórica. Não lhes daremos, pois, esse epíteto. De cada um será bastante se diga, com o polido Sá de Miranda, que é “homem dum só parecer, dum só rosto e duma só fé”([4]).
São os Drs. Ricardo e José Orestes sujeitos austeros, de conhecida retidão de caráter, de vastos cabedais de ciência do Direitoe “duma só fé”: fé inquebrantável na Justiça, como instrumento de redenção da ordem social. Este, aliás, é o alvo a que atiram seus ímprobos esforços todos os membros deste respeitabilíssimo colégio de juízes.
Aos que alegam que os juízes erramos, respondemos ser os primeiros a reconhecê-lo. O erro é contingência humana. Todos, involuntariamente, conjugamos o verbo errar. Só não erram os que cruzam os braços, e aqui estão homens de pensamento e ação. “Andar sem tropeçar é privilégio do Sol”([5])!
Da Justiça, representada pela divina Têmis, os olhos eternamente vendados, dizem que é cega. Alguns remetem o disco ainda mais longe: recitam, em tom escarninho, que, sobre cega, a Justiça é surda e coxa.
Dura crítica essa, com que a malícia pretende ferir em sua própria alma a Instituição, notando-a de inerte, que o não é!
Ouvi, meus amigos, um depoimento (e tomamos o Céu por testemunha de que falamos verdade): não existe, na República, Instituição cujos membros estejam tão expostos aos tiros da maledicência como o Judiciário.
Não argumentaremos, presumidamente, com o anexim de que só se atiram pedras a árvores que dão frutos… Apenas deploramos que a opinião pública sempre se haja mostrado tão inexorável em seus veredictos acerca desses homens que, arrebatados ao convívio social, entregam-se, com todas as potências de sua alma, ao árduo e terrível ofício de julgar! Essa dedicação, que não raro atinge o grau de virtude heroica, não lhes merece, àqueles que estão em condições de proferi‑la, uma palavra sequer, já não dizemos de louvor, mas de estímulo. Fora só o estudado silêncio, e bem se pudera sofrer. Há mais, porém: preconizam para os membros do Poder Judiciário uma como tutela disciplinar, o aguilhão do controle externo.
Encerra, “data venia”, esse alvitre mais injúria que utilidade, pois onde homem obra segundo os influxos de sua reta e esclarecida consciência, toda a crítica se haverá por despicienda e baldia.
O mesmo passa naquelas corporações que instituíram para seus membros Tribunais de Ética e Disciplina, como a veneranda Ordem dos Advogados do Brasil. Também na Magistratura e no glorioso Ministério Público é assim: apurada a falta de algum de seus integrantes, ele cai logo em séria desgraça e é relaxado ao braço disciplinar, onde até a perda do cargo figura entre as sanções.
É muito provável que a esta hora, em que os sonhos e as ilusões se trocam pela saudade, alguém desta luzida assembleia entre a excogitar que o obscuro advogado, que a Ordem emprestou à Magistratura, na carinhosa expressão do bastonário Guido Antonio Andrade, já se tenha passado com armas e bagagens para as hostes contrárias, esquecido de seus velhos companheiros e compromissos.
Oh! não! Tal não fora possível, porque nunca voltamos as costas para aqueles que são grande parte de nós mesmos.
E é este o espírito que preside à indicação de advogado para preencher um quinto dos lugares dos Tribunais de Justiça: ensejar que, na composição de suas câmaras, jamais esteja ausente a alma, a experiência dos que fizeram da Advocacia profissão, máxime da Advocacia Criminal (pois este é, por excelência, o Tribunal das causas criminais).
Muitos dos que se acham aqui presentes são advogados, e não poucos reputados e assaz conhecidos criminalistas.
Mas, quem é esse que a voz pública trata por advogado criminalista?
Interroguemos a História, que ela no-lo dirá!
Onde se levantou o primeiro homem em defesa daquele cujos direitos fundamentais eram violados, aí surgiu o criminalista, esse bravo paladino, que tem em mais a liberdade alheia que a própria vida.
É certo que alguns ainda hoje lhe desferem ásperos epigramas. Já em dias pretéritos dizia um que o advogado criminalista era aquele garboso tribuno “que vendia sua eloquência a quem melhor lhe pagasse”([6]).
Injusto libelo este; iníquo pregão de infâmia! Esse é o advogado que a fantasia destemperada de algum literato criou e descreveu, não o que nós conhecemos e respeitamos.
O criminalista, na definição de um alto espírito, “é a voz dos direitos legais do acusado”([7]).
Ser criminalista, em suma, é viver o ideal do grande Malesherbes, um dos três defensores de Luís XVI de França. Herói e mártir da profissão, teve o mesmo fim que o seu real constituinte: “pagou com a vida a honra de haver defendido seu rei”([8]).
Esta é a vera efígie do advogado criminalista!
Estes modelos acabados da augusta profissão, imagina o vulgo que já não existem, que já não respondem à voz da chamada. Engana‑se; ah! como se engana! Pedem-se provas? Ei-las: Waldir Troncoso Peres, J.B. Viana de Moraes, Raimundo Pascoal Barbosa, Márcio Thomaz Bastos, Paulo Sérgio Leite Fernandes, Paulo José da Costa Jr., José Carlos Dias, Zulaiê Cobra Ribeiro, Tales Castelo Branco, José Roberto Batochio, Antônio Carlos de Carvalho Pinto, Roberto Delmanto, Hélio Bialski, Francisco Lobo da Costa Ruiz, Mauro Otávio Nacif, Mário de Oliveira Filho, Laércio Laurelli… (só por citarmos os jovens de outrora!). Todos abalizados criminalistas!
O magistrado Eliézer Rosa, grande esplendor de sua Instituição, observou que não conhecia “nenhuma outra forma de advogar mais dolorosa e pungente que a advocacia criminal. Tudo nela é dor e desespero”([9]).
Daqui por que, ao aviso dos advogados, os juízes não deviam decidir apenas segundo as leis da razão e as regras do direito positivo; haviam de obedecer também aos movimentos do coração.
Esse teor de julgar não abate, antes sobe de ponto os créditos do magistrado.
De um juiz criminal italiano conta-se que, durante o julgamento, “chamou um guarda e disse-lhe a meia-voz: vá dizer àquela mulher que não chore mais, porque será absolvida”([10]).
Sim, porque é igualmente do ofício do juiz enxugar lágrimas!
Meus amigos, já vai longe nossa oração; é mister pôr-lhe fecho e cláusula.
Agradecemos, comovidos, as palavras de benevolência que tiveram para conosco o Dr. Volney Corrêa de Moraes, magistrado exemplar, e o querido amigo Dr. Guido Antonio Andrade, cuja feliz gestão na OAB assinalou para sempre entre nós o seu honrado nome; ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Djalma Rubens Lofrano, digníssimo Vice-Presidente do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral, jurista exímio e paradigma de todos nós, agradecemos-lhe a delicadeza do comparecimento; agradecemos também ao nosso dileto e esclarecido Presidente Doutor Luiz Carlos Ribeiro dos Santos;ao Doutor Pedro Gagliardi, a quem havíamos prometido falar só por dez minutos e, no entanto, verificamos, corrido de vergonha, ter excedido já o dobro do tempo; agradecemos ainda ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado Doutor Mário Covas e ao eminente Secretário de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania Doutor Belisário dos Santos Júnior; aos doutos Colegas e Funcionários do Tribunal; aos confrades da 15a. Câmara Criminal (os Doutores Décio Barretti, Geraldo Lucena, Fernando Matallo e Francisco Vidal de Castro); aos estremecidos amigos da Acrimesp; aos familiares; a todos, enfim, agradecemos penhoradamente.
Faça-nos Deus (aos três novos juízes) dignos sempre desta investidura, e não permita nos desviemos nunca, um ponto sequer, do caminho reto da Justiça!
Muito obrigado!
Notas
(*) Texto, com ligeiras modificações, da oração que, em 20.11.96, proferiu o autor, na cerimônia solene de sua posse como juiz do TACrimSP.
([1]) Ellero, apud Carlos de Araújo Lima, Os Grandes Processos do Júri, 1957, vol. III, p. 175.
([2]) Antônio Cândido, Discursos e Conferências, p. 27.
([3]) Apud Miguel Reale, Posição de Rui Barbosa no Mundo da Filosofia, 1949, p. 57.
([4]) Apud Arlindo Ribeiro da Cunha, A Língua e a Literatura Portuguesa, 1945, p. 203.
([5]) Bluteau, Vocabulário, 1712, t. I, Prólogo.
([6]) Cf. Romeiro Neto, Fora do Júri, 1970, p. 90.
([7]) Rui, Obras Completas, vol. XXXVIII, t. II, p. 10.
([8]) Cf. Romeiro Neto, op. cit., p. 98.
([9]) Romeiro Neto, o Último Romântico da Advocacia Criminal, 1984,p. 21.
([10]) Eliézer Rosa, op. cit., p. 23.