A constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha

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A Lei Maria da Penha em seu artigo 41 vedou a aplicação da Lei 9.099/95 nas situações previstas na lei para endurecer sua aplicação aos agressores de mulher em situação doméstica e familiar, sendo declarado constitucional pelo STF e STJ.

Estabelece o artigo 41 da Lei 11.34/06 que: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

O Artigo 61 da Lei 9.099/95 considera infrações penais de menor potencial ofensivo, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Os crimes de ameaça, injúria e difamação que são praticados frequentemente em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecem pena que são albergados pelo artigo 61 da Lei dos Juizados Especiais.

Para endurecer ainda mais os crimes praticados contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar, a Lei Maria da Penha criou este dispositivo para impedir que se aplique aos autores as benesses da Lei 9.099/95.

Os institutos da composição civil dos danos, da representação da vítima, a transação penal e a suspensão condicional do processo do mesmo modo não se aplica, os chamados institutos despenalizadores.

O Artigo 44 da Lei 11.340/06 ao aumentar a pena máxima do crime de lesão corporal leve de um para três anos, praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, já afastou a aplicação da lei 9.099/95 para este tipo de crime.

Uma pequena parte da doutrina, apontou a inconstitucionalidade deste dispositivo por ir de encontro ao Artigo 98, I da Constituição Federal, o qual dispõe que:

A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça julgaram constitucional a norma insculpida no Art. 41. da Lei 11.340/06.

STF: “(...) AÇÃO PENAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER – LESÃO CORPORAL – NATUREZA. A ação penal relativa à lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada – considerações”. (STF, Pleno, ADI 4.424/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09/02/2012)1.

“O Min. Marco Aurélio acrescenta: diante da expressa previsão contida no artigo 41 da Lei em comento, infere-se que não podem ser aplicados os institutos inerentes à Lei 9.099/95. Tal proibição foi bastante questionada, alegando-se, inclusive, a sua inconstitucionalidade. Contudo, o STF entendeu legítima a opção do legislador de exclusão dos delitos do âmbito de incidência da Lei dos Juizados Especiais”.

No julgamento desta ADI, a Min. Rosa Weber asseverou que “ a Lei Maria da Penha abriu uma nova fase no iter das ações afirmativas em favor da mulher brasileira, consistindo em verdadeiro microssistema de proteção à família e à mulher, bem como traduz a luta das mulheres por reconhecimento, constituindo marco histórico com peso efetivo, mas também com dimensão simbólica, e que não pode ser amesquinhada, ensombrecida ou desfigurada. No mais, obtemperou que o homem também pode ser vítima de violência, entretanto, por se tratar de exceção, e não de regra, a legislação não lhe teria dado ampla cobertura. Nestes casos, os arts. 44, inciso II, alínea g, e 61, inciso II, alínea f, ambos do Código Penal, já seriam suficientes para oferecer proteção. e, no que se refere ao art. 41, da Lei n.º 11.340/06, consignou a ministra que o legislador, após verificar a ineficácia dos instrumentos despenalizadores previstos na Lei n.º 9.099/95 em combater a violência praticada em âmbito familiar, decidiu afastar a aplicação do aludido diploma legal aos crimes cometidos contra a mulher. Assim, segundo o entendimento da ministra, a insuficiência na prestação estatal protetiva configura, em si mesma, uma afronta à garantia inscrita no texto constitucional. Dessa forma, a ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator”.

Súmula n. 536. do STJ: “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”.

Súmula n. 542. do STJ: “A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada”.

Guilherme de Souza Nucci nos ensina que:

“Embora severa, a disposição do art. 41, em comento, é constitucional. Em primeiro plano, porque o art. 98, I, da Constituição Federal, delegou à lei a conceituação de infração de menor potencial ofensivo e as hipóteses em que se admite a transação”.

“Em segundo lugar, pelo fato de se valer do princípio da isonomia e não da igualdade literal, ou seja, deve-se tratar desigualmente os desiguais. Em terceiro prisma, esse é o resultado, em nosso ponto de vista, da má utilização pelo Judiciário, ao longo do tempo, de benefício criado pelo legislador. Em outros termos, tantas foram as transações feitas, fixando, como obrigação para os maridos ou companheiros agressores de mulheres no lar, a doação de cestas básicas (pena inexistente na legislação brasileira), que a edição da Lei 11.340/2006 tentou, por todas as formas, coibir tal abuso de brandura, vedando a “pena de cesta básica”, além de outros benefícios (art. 17. desta Lei), bem como impondo a inaplicabilidade da Lei 9.099/95. Tudo isso poderia ter sido evitado se cada magistrado, verificada a gravidade do caso de agressão à mulher, em situação de violência doméstica e familiar, não permitisse a banalização da transação, homologando acordos de incentivo à maior dose de violência, fundado no princípio de que, para bater na esposa ou companheira, basta pagar. Sob outro aspecto, devemos levar em conta que, havendo agressão contra a mulher, parte mais frágil fisicamente, como regra, na relação conjugal ou união estável, incide uma agravante à pena imposta ao marido ou companheiro agressor (art. 61, II, f, CP). É, mais uma vez, a aplicação da isonomia: tratar diferentemente os desiguais. Portanto, é justa a aplicação de maior pena ao mais forte e, muitas vezes, covarde. Levemos em consideração, ainda, que, quanto à lesão corporal – crime que compõe o maior número de casos de violência doméstica ou familiar – já não se trata de infração de menor potencial ofensivo, pois sua pena máxima está fixada, a partir da Lei 11.340/2006, que modificou o art. 129, § 9.º, do Código Penal, em três anos de detenção. Afasta-se, com isso, a possibilidade de transação. Entretanto, nesse caso, tendo em vista que a pena mínima é de três meses de detenção, o benefício da suspensão condicional do processo (art. 89, Lei 9.099/95) também não será aplicado em face do disposto no art. 41. desta Lei”2.

No mesmo sentido, leciona Renato Brasileiro Lima:

“O fato de o legislador ter vedado a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei dos Juizados às infrações penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher não atenta contra os princípios da isonomia e da proporcionalidade, vez que o objetivo da Lei Maria da Penha foi exatamente o de adequar a sanção penal às necessidades e circunstâncias especiais em torno dessa especial forma de violência, muito mais gravosa que aquela praticada contra vítimas do sexo masculino, porquanto, nesse caso, nem sempre está presente uma situação de vulnerabilidade capaz de justificar um maior rigor na persecução penal”.

“Na verdade, se, em momento anterior à entrada em vigor da Lei n° 11.340/06, a Lei dos Juizados não estava tutelando adequadamente a incolumidade física, moral e psicológica da mulher, nem tampouco reprimindo o alto índice de violência doméstica que assolava nosso país, era necessário que o legislador suprimisse a possibilidade de aplicação de seus institutos despenalizadores às infrações penais praticadas no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, sobretudo se levarmos em consideração o mandamento constitucional do art. 226, §8°, que prevê que o Estado tem a obrigação de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares”.

“De mais a mais, não se pode objetar que ao legislador ordinário da Lei Maria da Penha não seria conferido o poder de suprimir a aplicação da Lei dos Juizados aos crimes de menor potencial ofensivo praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Ora, ao determinar a criação dos Juizados Especiais Criminais para o processo e julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, é a própria Constituição Federal (art. 98, I) que delega ao legislador ordinário a tarefa de definir o que seria uma infração de menor potencial ofensivo, de modo a não engessar o referido conceito. Logo, se o legislador ordinário responsável pela elaboração da Lei Maria da Penha resolveu fazer uso dessa incumbência que lhe foi atribuída pela própria Constituição, afastando a possibilidade de aplicação da Lei n° 9.099/95 às infrações penais praticadas no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher, nos mesmos moldes, aliás, do que já havia sido feito pela Lei n° 9.839/99 em relação aos crimes militares (Lei n° 9.099/95, art. 90-A), não há qualquer inconstitucionalidade em seu art. 41”3.

Há de que ressaltar que às contravenções penais perpetradas nas situações previstas na Lei 11.340/06, como as vias de fato, não se aplicam a Lei 9.099/05.

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No entendimento do STJ:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. INAPLICABILIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL ÀS CONTRAVENÇÕES PENAIS PRATICADAS CONTRA MULHER NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SEXTA TURMA 19 A transação penal não é aplicável na hipótese de contravenção penal praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher. De fato, a interpretação literal do art. 41. da Lei Maria da Penha ("Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.") viabilizaria, em apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher. Entretanto, o legislador, ao editar a Lei 11.340/2006, conferiu concretude ao texto constitucional (art. 226, § 8°, da CF) e aos tratados e as convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, a fim de mitigar, tanto quanto possível, qualquer tipo de violência doméstica e familiar contra a mulher, abrangendo não só a violência física, mas, também, a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social e a moral. Desse modo, à luz da finalidade última da norma (Lei 11.340/2006) e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, considerando, ainda, os fins sociais a que a lei se destina, a aplicação da Lei 9.099/1995 é afastada pelo art. 41. da Lei 11.340/2006, tanto em relação aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar. Ademais, o STJ e o STF já se posicionaram no sentido de que os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, entre eles a transação penal, não se aplicam a nenhuma prática delituosa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, ainda que configure contravenção penal. Precedente citado do STJ: HC 196.253-MS, Sexta Turma, DJe 31/5/2013. Precedente citado do STF: HC 106.212-MS, Tribunal Pleno, DJe 13/6/2011.

HC 280.788-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3/4/2014).

Ante o exposto, o Artigo 41 da Lei 11.340/06 ao afastar a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes praticados em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher é constitucional, aplicando-se inclusive nos casos das contravenções penais, pois visou o legislador tentar inibir as práticas dos crimes desta espécie tornando mais severa a aplicação da lei aos agressores, em casos de transgressões dar normas da Lei Maria da Penha.


Referências bibliográficas

Nucci, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. – 3. ed. rev. atual. e ampl. - - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. pág. 1147. e 1148.

Lima, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada 2014. 2ª. ed. rev.atual. e ampl.-Salvador: JusPODIVM, 2014. pág 945).

STF.08/08/2016. Disponível em <https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=%20322468> Acesso em 12/05/2019.


Notas

1 STF.08/08/2016. Disponível em <https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=%20322468> Acesso em 12/05/2019.

2 Nucci, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. – 3. ed. rev. atual. e ampl. - - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. pág. 1147. e 1148.

3 Lima, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada 2014. 2ª. ed. rev.atual. e ampl.-Salvador: JusPODIVM, 2016. pág 945).

Sobre o autor
Paulo Gustavo Gondim Borba Correia de Souza

Delegado de Polícia do Estado de Pernambuco desde 2008.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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