2 O ENFRETAMENTO JURÍDICO DO CYBERBULLYING NO BRASIL, EM OPOSIÇÃO AO DIREITOS FUNDAMENTAIS
2.1 Aspecto Constitucional
A Constituição Federal Brasil assegura a proteção dos direitos fundamentais dentre eles, a dignidade da pessoa humana, da liberdade de expressão, garantindo inclusive o texto constitucional em seu artigo 5º, inciso X, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Dessa forma, a liberdade de expressão não pode atingir outros bens jurídicos, como aqueles descritos no artigo 5º, inciso X, a indicar que os autores de práticas cyberbullying não estão agindo em consonância com os princípios constitucionais. Poder Judiciário, presente às demandas, sempre que instado, que têm tratado do problema.
Dos direitos afrontados pelo Cyberbullying, há dois que estão intrinsecamente ligados ao fenômeno: direitos à honra e à imagem. O direito à honra é um direito de primeira dimensão, atributo de nossa personalidade, portanto é um direito personalíssimo e a imagem pode ser considerada um dos pressupostos da singularidade do ser humano, é um parâmetro de identificação do indivíduo na sociedade. A honra é gênero da qual a honra subjetiva e a honra objetiva são espécies, sendo a subjetiva como o indivíduo aprecia a sua própria dignidade e a objetiva sendo a valoração que a sociedade faz da dignidade do indivíduo. No Cyberbullying as duas formas de honra são atacadas ao mesmo tempo, a ofensa muitas vezes acarreta a exclusão da vítima do seu círculo de amizades e assim, ela também sente-se depreciada interiormente pelas acusações que recebera de seus pares.
Os direitos fundamentais à honra e à imagem estão arrolados entre os incisos do art. 5º da Magna Carta, cabendo aos incisos V e X a garantia da inviolabilidade desses direitos, bem como a da reparação do agravo contra eles cometido:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V – é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Assim, a lei, mesmo sem disciplinar taxativamente cada agir humano no meio digital, protege os direitos fundamentais afetados pelo cyberbullying, como é o caso da Constituição Federal ao prever direitos e garantias afetados pelo fenômeno.
Ainda nesse sentido, a Carta Magna em seu art. 1º disciplina os fundamentos da República Federativa do Brasil e um deles é a dignidade da pessoa humana, que devido à sua importância é alçado à categoria de princípio. A maneira como o indivíduo sente a dignidade, por sua vez, traduz a honra e a sua lesão causa uma afronta feroz à sua singularidade.
Portanto, como abordado nesse tópico, o cyberbullying fere direitos fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), como a honra e a imagem e também o direito personalíssimo ao nome, como também o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República Federativa do Brasil, atingindo assim, o ordenamento jurídico pátrio como um todo.
2.2 Código penal e o cyberbullying
Analisadas na esfera jurídica, as condutas de injuria, calunia e difamação, praticadas pelos autores de cyberbullying configuram como crime, especialmente, os previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, os quais tutelam a honra, punindo os delitos inclusive com pena de detenção, conforme a seguir referimos:
Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Art. 139. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.)
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (BRASIL, 1940. p.3).
Neste sentido Capez (2018) em síntese, caluniar é atribuir a outra pessoa a prática de um crime e os divulgadores da informação caluniosa também são responsabilizados, conforme o parágrafo 1º do art. 138. A difamação é menos grave, mas nem por isso é menos importante, é atribuir a alguém um fato que não é crime, mas é moralmente reprovável. E a injúria é atribuir a alguém um qualificativo desonroso, que pode tomar proporções enormes por ser em meio virtual, por conta de sua audiência infinita. Há também uma qualificadora no parágrafo 3º do art. 140.
Greco (2019) aborda a violência virtual tem crescido no Brasil e no mundo e apesar de ainda não existir muitas pesquisas referente ao Cyberbullying, o número de vítimas está cada vez maior, comprovando que esses comandos penais não tem sido eficientes e capazes de reprimir as condutas no ciberespaço. Um dos motivos da ineficácia dos tipos penais é que as ações de caluniar, injuriar e difamar são marcadas pelo imediatismo, diferente do Cyberbullying, onde a agressão é constante e quando combinada ao mobilebullying, chegam a acompanhar a vítima 24 horas por dia. E a audiência desse fenômeno, como foi visto, é infinita, com os espectadores sendo possíveis algozes do ofendido. Sem falar que as penas são pequenas, com um valor simbólico.
O cyberbullying utiliza-se da tecnologia para ameaçar, humilhar ou intimidar alguém por meio das ferramentas de comunicação, através de comunidades criadas com este objetivo ou da manipulação de imagens ou grupos ofensivos que invadem o espaço íntimo da vitima, e sendo o direito, uma ciência, a qual incumbe responder aos anseios sociais quando a comunidade, reclama pela punição de práticas consideradas criminosas, muitas vezes em ameaça aos direitos dos indivíduos.
Tudo é muito rápido no ambiente virtual, com mensagens, ideias, valores e conhecimento, tanto no âmbito profissional como no pessoal, sendo transmitidas instantaneamente, isso apressa também o julgamento e o senso crítico das pessoas. Essa repercussão tem seu lado saudável, desde aproximar parentes e amigos que estão longe, como a abertura das possibilidades de aprendizado e ensino, graças à inteligência coletiva e também seu lado negativo, que está ligado ao uso desvirtuado da internet, ao fenômeno cyberbullying, no estabelecimento de relações virtuais superficiais e fungíveis entre os indivíduos, na propagação de ideias ligadas a valores antiéticos e antissociais como o preconceito em todos os sentidos, a propagação da pornografia e pedofilia, dentre outros. (PACHECO, 2015, p.28).
Numa sociedade onde a mídia muitas vezes cultua a padronização dos indivíduos, agredir física ou virtualmente alguém por ela ser de algum grupo étnico, por ser negra, obesa, deficiente físico, homossexual, etc, é uma afronta aos valores humanos, que são tão discutidos na Era dos novos Direitos, onde com certeza a repercussão da agressão é maior virtualmente, porque novos indivíduos podem compartilhar e aderir àquela ideia. Antes a humilhação poderia se estender por um bairro, uma cidade, uma escola, atualmente ela tem proporções supranacionais.
O cyberbullying atinge diretamente duas instituições de grande importância para a sociedade como um todo: o direito e a moral. Na esfera jurídica, que é o objetivo dessa pesquisa, o Cyberbullying está intrinsicamente ligado ao Direito. Diante da afronta direta de direitos subjetivos causados pelos distúrbios cibernéticos, emerge a necessidade de reconhecimento pela comunidade jurídica desse fenômeno e consequentemente buscar soluções capazes de minimizar a dor e a vergonha das vítimas, propondo uma maneira segura de viver o ciberespaço e se posicionando em relação ao cyberbullying. Já se pode falar da ingerência de um novo ramo do Direito, o Direito Digital, que tem atraído a atenção da comunidade jurídica.
De acordo Greco (2019) vislumbra a seguinte diferença entre o ilícito penal e o cível: A diferença entre o ilícito penall, obviamente observada a gravidade de um e de outro, encontra-se também na sua consequência. Ao ilícito penal o legislador reservou uma pena, que pode até chegar ao extremo de privar o agente de sua liberdade.
Nesse sentido, o cyberbullying é um ato ilícito, tanto porque há a lesão à direitos subjetivos envolvidos, como também porque representa uma conduta que é contrária ao Direito, ao que está previsto em lei. Os efeitos desse fenômeno repercutem tanto na esfera na penal.
A repercussão do cyberbullying na esfera penal começa pela conceituação de crime. Como o legislador não conceituou tal elemento jurídico, a doutrina se encarregou de fazê-lo. Para o renomado penalista Rogério Greco, como para outros renomados doutos, o crime é conceituado segundo o conceito formal, material e analítico (PACHECO, 2015 apud GRECO, 2019).
Sob o aspecto formal, crime seria toda conduta em desconformidade com a lei penal editada pelo Estado, como uma prática contrária a lei. No aspecto material, crime é a conduta que viola os bens jurídicos mais importantes, que foram escolhidos pelo legislador para serem tutelados. Entretanto, os conceitos formal e material não traduzem o crime de uma maneira suficiente e precisa. Para conceituá-lo com mais precisão, analisando os elementos que compõem o delito penal, surge o conceito analítico de crime.
De acordo com Toledo (2014), substancialmente, o crime é um fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (jurídico-penais) protegidos. Essa definição é, porém, insuficiente para a dogmática penal, que necessita de outra mais analítica, apta a pôr à mostra os aspectos essenciais ou os elementos estruturais do conceito de crime. E dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato-crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável.
O elemento tipicidade corresponde, em síntese, à previsão da conduta pelo ordenamento jurídico. A ação ou omissão praticada pelo agente deve estar descrita em norma penal. Portanto, o cyberbullying é um fenômeno típico, com suas condutas perfeitamente previstas no ordenamento jurídico, configurando crimes, quais sejam: injúria, calúnia, difamação, ofensa, ameaça, falsa identidade, constrangimento ilegal, extorsão etc. No entanto, a falta de disciplina normativa sobre o uso do ciberespaço e por ser recente o uso do ambiente cibernético e ainda estranho ao Direito, afastaria, na opinião de alguns estudiosos, a tipicidade das condutas praticadas no fenômeno cyberbullying. Mas esse fato não pode ser um obstáculo à definição desses fatos como crimes, uma vez que a ação do agente está tipificada pelo Código Penal, vindo a ferir bens importantes tutelados pela lei. (GRECO, 2019, p. 149).
Conforme define Greco (2019) antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico. A conduta descrita em norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarada lícita. Assim, o conceito de ilicitude de um fato típico é encontrado por exclusão: é antijurídico quando não declarado lícito por causas de exclusão da antijuridicidade. (CP, art. 23, ou normas permissivas encontradas em sua parte especial ou em leis especiais).
Para Pacheco (2015, p.28) e como terceiro requisito da conceituação de crime está a culpabilidade, que é o juízo de valor, censura e reprovabilidade que recai sobre a conduta típica e ilícita do agente. É um elemento pessoal que caracteriza o crime, pois todo indivíduo tem sua história e todos os fatos, internos e externos, que o levaram a cometer o delito, devem ser levados em consideração a fim de se apurar se o agente, nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo. A culpabilidade pode se dar por dolo ou culpa propriamente dita, por dolo quando o agente voluntariamente praticou a ação, visando ao fim almejado, ou seja, quando ele pratica a conduta e quer o resultado e por culpa propriamente dita, quando o agente apesar de querer praticar o ato, não queria o resultado, agindo por descuido, recaindo sobre ele as três espécies de culpa stricto sensu reconhecidas por lei: negligência, imperícia e imprudência.
Nesse sentido, a culpabilidade é uma etapa posterior à configuração do delito, podendo ser afastada em certos casos e se destina mais à aplicação da pena do que à configuração do delito em si. Portanto, ela não integra a conceituação de crime, segundo a visão de Capez (2018, p.147), ela se presta ao exame da possibilidade de responsabilização do autor:
Para censurar quem cometeu um crime, a culpabilidade deve estar necessariamente fora dele. Há, portanto, etapas sucessivas de raciocínio, de maneira que, ao se chegar à culpabilidade, já se constatou ter ocorrido um crime. Verifica-se, em primeiro lugar, se o fato é típico ou não; em seguida, em caso afirmativo, a sua ilicitude; só a partir de então, constatada a prática de um delito (fato típico e ilícito), é que se passa ao exame da possibilidade de responsabilização do autor.
Por fim, o cyberbullying é ato criminoso, sendo uma conduta ilícita para o Direito Penal e que se sujeita as penas de vários núcleos definidos na lei. A ilicitude do fenômeno, além da natureza penal, tem natureza civil, com suas consequências e direito à reparação do dano. E por fim, o terceiro e último elemento é o nexo de causalidade, que é a correlação lógica entre a conduta, comissiva ou omissiva, praticada pelo agente e o dano.