A desjudicialização e o enfrentamento à cultura do judiciário estatal no Brasil

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RESUMO

É crescente a busca pelo socorro judiciário para asseguração de direitos violados entre as mais diversas causas, das mais diversas complexidades. A ineficiência das cortes brasileiras tem sido objeto de debates nos círculos acadêmicos e empresariais há muito tempo. Entretanto, não é possível dar um diagnóstico cirúrgico do problema enfrentado, principalmente quando se fala de um sistema de justiça extremamente congestionado, moroso e que demanda despesas orçamentárias correntes. Este impasse está diretamente ligado à superlotação do judiciário, que executa grande quantidade de tarefas com apenas esporádicas e incidentais autoanálises por gabinetes judiciais. Neste sentido, se faz necessário superar o dogma da inafastabilidade da jurisdição, do conceito de que a tutela do direito é uma exclusividade estatal. Na prática o que temos são partes insatisfeitas, não obstante, muito há ainda de ser feito. A abordagem da proposta de desjudicialização e o enfrentamento à cultura do Judiciário Estatal no Brasil, é um tema ainda sem solução aparente, e disso, surgiu grande motivação para realização deste estudo. Por fim, convém esclarecer que somente a desjudicialização e o enfrentamento à cultura do Judiciário Estatal no Brasil, é abordada como delimitação do trabalho. Desta forma, se propõe analisar a atual circunstância dos tribunais brasileiros, e compreender o atual modelo executivo utilizado no Brasil, e desmistificar o sedimentado conceito da inafastabilidade da jurisdição e sugerir a modificação do nosso modelo executivo arcaico para um modelo predominantemente desjudicialização, com a capacitação dos operadores de direito, e também do Judiciário Estatal, incluindo os Juizados Especiais, que já atuam com a conciliação, entretanto, sem um treinamento técnico de seus estagiários e seus servidores.

Palavras-chave: desjudicialização; acesso à justiça; métodos adequados. solução de conflitos.

ABSTRACT

There is a growing search for legal aid to ensure rights violated among the most diverse causes, of the most diverse complexities. The inefficiency of Brazilian courts has been the subject of debate in academic and business circles for a long time. However, it is not possible to give a surgical diagnosis of the problem faced, especially when talking about an extremely congested, time-consuming justice system that demands current budgetary expenses. This impasse is directly linked to the overcrowding of the judiciary, which perform the large amount of tasks with only sporadic and incidental self-analysis by judicial offices. In this sense, it is necessary to overcome the dogma of the exception of jurisdiction, of the concept that the protection of law is a state exclusivity. In practice what we have are dissatisfied parts, however, much remains to be done. The approach of the proposal of dejudicialization and the confrontation of the culture of the State Judiciary in Brazil, is a theme still without apparent solution, and from this, a great motivation emerged for this study. Finally, it should be clarified that only dejudicialization and confrontation with the culture of the State Judiciary in Brazil is addressed as a delimitation of work. Thus, it is proposed to analyze the current circumstance of the Brazilian courts, and understand the current executive model used in Brazil, and demystify the sedimented concept of the inexposition of jurisdiction and suggest the modification of our archaic executive model to a predominantly dejudicialization model, with the training of law operators, as well as the State Judiciary, including special courts, which already work with conciliation, however, without a technical training of their interns and their employees.

Key word: dejudicialization; access to justice; appropriate methods; conflict resolution.

INTRODUÇÃO

O Poder Judiciário vem sendo uma das únicas fontes de acesso à Justiça. Ressalta-se as dificuldades encontradas em sua aplicação prática, advinda da cultura do litígio, coloca em xeque a sua credibilidade, por acreditar que o resultado deste entendimento, culminou com a crise do Judiciário, estando ele abarrotado de processos, cada vez mais moroso e ineficiente, promovendo o caos judicial e certamente um maior obstáculo de cunho cultural.

Nossa sociedade está acostumada a levar seus conflitos para os tribunais em busca da prestação jurisdicional (judicialização); contudo, com a prática da oposição, perde-se em aceleração e efetividade processual, o que não viabiliza a melhoria da atual crise enfrentada pelos tribunais brasileiros.

A busca por alternativas e meios adequados de solução de conflitos que possam garantir o acesso à justiça é uma medida que deve ser tomada e a desjudicialização é uma forma importante de promover este acesso. A resolução de litígios já é realizada por terceiros no Brasil e em outros países europeus, a execução de títulos judiciais e extrajudiciais já é feita sem a intervenção do juiz. Os tribunais são totalmente separados do procedimento executivo vindo a intervir em situações excepcionais, quando são chamados a decidir em eventual oposição do devedor.

A sobrecarga do Poder Judiciário é um fator que prejudica a efetividade jurisdicional. Ano após ano, aumenta a quantidade de processos e ações ajuizadas por cidadãos que buscam a solução para os seus conflitos nas diversas áreas da sua vida. Baggio e Weimer ressaltam que, a partir da Constituição Federal de 1988, foi estabelecido em nosso país o Estado Democrático de Direito, consolidando o poder judiciário como aquele que cuida de tudo e de todos. A partir desse pressuposto, ocorreu uma hiper judicialização das relações sociais. Correlacionando os diferentes fatores que proporcionaram esses fenômenos. Um dos relatórios do "Justiça em Números", publicado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2020, indica que, em média, existem mais de 77,1 milhões de processos em tramitação em todo o poder judiciário até o ano de 2021, ou seja 90% dos conflitos utilizam como meio de resolução da demanda o judiciário tradicional.

Dessa forma, visando minimizar esses dados e proporcionar agilidade a cada caso concreto, os Poderes Legislativo e Judiciário estão buscando soluções alternativas para a solução dos conflitos entre particulares.

Com as dificuldades vistas, temos ainda, faculdades de Direito que ensinam a solucionar conflitos pela busca do consenso, pois pregam que conflito se resolve no Poder Judiciário, através de uma sentença judicial. Os alunos são treinados para litigar, a serem incisivos e a seguir até o fim, sem dar chances ao adversário, se possível.

A realidade é que os advogados não querem perder mercado de trabalho, as partes não querem ter maior custo ou tramitar suas demandas em terreno incerto e desconhecido, os Juízes não querem perder poder e o Judiciário não quer ter maior responsabilidade. Porém, essas falsas premissas não retratam a realidade jurídica e judiciária contemporânea. O próprio termo utilizado já mostra esse clima beligerante: as partes são adversárias no processo judicial.

Assim, como é possível aos operadores sanar esse anseio da sociedade, de um judiciário mais célere e menos burocrático e ainda dar segurança através dos métodos adequados de soluções de conflitos? Mais que isso: como capacitar os operadores de direito e os servidores do judiciário, que ainda relutam em litigar no judiciário estatal?

O método de pesquisa utilizado foi o dedutivo, em pesquisa teórica e qualitativa com emprego de material bibliográfico.

SISTEMA MULTIPORTAS

A adequação do sistema contencioso brasileiro aos princípios e garantias da Constituição Federal de 1988 é, sem dúvida, uma das mais relevantes inovações do Código de Processo Civil (CPC) 2015. Buscando ser compatível com os princípios do amplo acesso à justiça, o novo CPC está em alinhamento com o moderno conceito daJustiça Multiportas. O sistema multiportas, tem como inspiração o sistema norte-americano, contém como principais características a melhoria e o incentivo dos denominados métodos adequados de resolução de conflitos.

Em resumo, tais métodos se subdividem em autocompositivos e heterocompositivos, os quais se diferenciam na medida em que um terceiro imparcial interfere na resolução do conflito, seja ao facilitar a comunicação como no caso da mediação e da conciliação, seja no ato de proferir uma decisão no exercício da jurisdição privada, se tratando da arbitragem.

Este sistema tem como ideal a desjudicialização, a partir da incitação das partes a solucionar determinado conflito de forma mais autônoma, célere, equilibrada e participativa, haja vista que, em regra, constroem em conjunto a solução mais adequada para ambas. Por isso, a ideia central é fazer com que, diante da variedade de portas, o conflito possa ser solucionado naquela que mais se adeque ao caso concreto e não naquela mais usual, ou seja, a do poder judiciário.

Nesse sentido, na teoria das múltiplas portas de Frank Sander, a porta mais adequada deve ser escolhida a partir da avaliação de alguns critérios, tais como, a natureza do conflito, o relacionamento entre as partes e o valor na disputa. Isso porque deve ser avaliado se as partes podem chegar a um consenso através da negociação ou se há a necessidade da interferência de um terceiro imparcial. Além disso, há que se observar se as partes já possuíam algum tipo de relacionamento antes da controvérsia e, até mesmo, se aquele método seria o mais adequado financeiramente a ambos.

De modo geral, tanto a negociação quanto a conciliação e a mediação são mecanismos que utilizam técnicas que buscam a autocomposição em conflitos que envolvam tanto direito patrimonial disponível quanto indisponível.

Na negociação direta, as partes assumem um protagonismo ainda maior o qual dispensa, inclusive, a presença de um terceiro facilitador de diálogos. A escolha por esse método pode ocorrer antes mesmo de existir o conflito, por meio da cláusula arbitral, onde as partes se submetem a resolver possíveis e futuras controvérsias pela arbitragem ou por meio do compromisso arbitral, quando após o conflito as partes optam por este método hétero-compositivo.

Nesse sentido, percebe-se que tais métodos, inclusive com os incentivos trazidos pelo Novo Código de Processo Civil, asseguraram às partes a efetividade na solução da controvérsia, garantindo-lhes o direito fundamental ao acesso à justiça, vez que, tanto na arbitragem quanto nos outros métodos, os conflitos são solucionados de forma eficaz, célere e em observância à autonomia da vontade das partes.

Acesso à Justiça

Destarte, diante das informações iniciais supracitadas, compreender que o Poder Judiciário não pode ser considerado como único meio de acesso à Justiça. A questão que se traz, é a garantia a este acesso, ainda que por meio de outras vias não judiciais, em tempo razoável e de maneira efetiva.

Nesta esteira, Mauro Cappelletti e Bryant Garth, abordaram as dificuldades de acesso à Justiça e apresentaram as chamadas: ondas renovatórias de universalização do acesso a Justiça.

A primeira onda renovatória se referia à ampliação de acesso ao judiciário, concedendo a assistência judiciária aos pobres, por meio da remoção das barreiras econômicas. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXXIV, ao determinar que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, demonstra essa preocupação.

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Já a segunda onda objetivou a proteção dos interesses difusos (proteção ambiental, do consumidor, etc.). Por último, a terceira onda renovatória apresentou um novo enfoque de acesso à Justiça, uma vez englobou perspectivas das duas primeiras ondas e buscou aprimorá-las, trouxe uma concepção mais ampla, cujo ponto central era a utilização de técnicas alternativas de resolução de conflitos, tais como: conciliação, mediação e arbitragem que não serão objetos deste estudo, aumentando as opções de forma a tornar a justiça mais acessível e apropriada a cada situação fática apresentada.

As técnicas alternativas visam à resolução prévia dos conflitos que, uma vez solucionados, certamente contribuirão para o enxugamento da máquina do judiciário o que não representa sua substituição nem tampouco a redução de seu poder, mas a possibilidade de oferecer formas aliadas de solução de demandas. Nesse contexto, surge a desjudicialização como forma de assegurar o acesso à justiça.

Desjudicialização no Brasil

O termo "desjudicialização" refere-se ao direito das partes de resolver as suas disputas fora do sistema judicial, desde que sejam legalmente competentes e tenham por objeto direitos disponíveis e que busquem soluções sem recorrer, como de costume, à tramitação habitual dos tribunais, considerada morosa.

A busca de novas estruturas para a efetiva prestação jurisdicional é evidenciada por José Augusto Delgado:

[...] Há de se educar a população para o atual estágio da denominada entrega da prestação jurisdicional, quando não mais se constitui privilégio absoluto do Estado a responsabilidade pelo seu manejo. Há de se ter em consideração que os direitos e garantias fundamentais vistos na era contemporânea não podem receber interpretação idêntica à que se fazia em épocas passadas. Vivencia-se, na atualidade, uma transformação do modelo até então adotado para o Estado, buscando-se novas estruturas para o seu funcionamento. (DELGADO, 2000, p.28)

A discussão, no entanto, não se enquadra somente no quesito da celeridade. É necessário atentar-se aos custos incorridos, à incerteza gerada e às oportunidades perdidas enquanto se aguarda um posicionamento judicial para ter certeza do problema da falta de celeridade. Somados a esses elementos, há de se levar em conta que os custos envolvidos durante o processo não recaem somente às partes, mas também ao Estado, e no final das contas, aos contribuintes, que arcam com os custos do judiciário. (YEUNG, 2010, p. 51)

É necessário quebrar os paradigmas arcaicos e conservadores do sitema judiciário brasileiro, uma vez, que no âmbito institucional jurídico, não há espaço para dogmas. A realidade da prestação jurisdicional deve atender ás demandas a fim de garantir a efetividade na busca do direito e isso apenas pode ser construído pelo uso de novas ferramentas jurídicas, aproveitando-se o útil e ainda atual e substituindo o que é obsoleto. (MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 32)

Em conformidade com Araken de Assis, as prováveis causas da ineficiência judiciária se justificam em cima de três elementos: a oferta, a demanda e a ideologia. Sendo que a crise da oferta diz respeito ao desaparelhamento dos órgãos judiciais, a crise da demanda é relativa ao número excessivo de demandas, cada vez mais complexas, que aportam em uma estrutura já precária e já a crise ideológica, revela-se na mentalidade dos magistrados que estão alheios à realidade vivida, tanto no quesito social, quanto no jurídico. (ASSIS, 1994, p. 11).

Humberto Theodoro Júnior disserta sobre a crise vivida pelo poder judiciário e afirmar que:

(...) é necessária a adoção de métodos modernos de administração, capazes de racionalizar o fluxo dos papéis, de implantar técnicas de controle de qualidade, de planejamento e desenvolvimento dos serviços, bem como de preparo e aperfeiçoamento do pessoal em todos os níveis do judiciário. (THEODORO JÚNIOR, 2007, p. 20)

A rapidez nos julgamentos não é consequência de desafogamento das vias judiciais. Este mito é apontado por Moreira, o qual suscita que se uma justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. (MOREIRA, 2000, p. 39)

O Brasil já se vale de opções legislativas que delegam as atividades da praxe judicial a terceiros privados e imparciais como é o caso da arbitragem, por exemplo. Porém, atualmente, pelo total desconhecimento das partes envolvidas, ainda temos entraves neste e em outros métodos de soluções de conflitos, diferentemente dos países europeus, onde a competência executiva é centralizada na figura de um agente.

Ocorre que, no Brasil, ainda é pequena a exploração de todas as possibilidades existentes e já comprovadas de alternativas ao juízo convencional. Ainda centralizamos o interesse apenas em conciliação, mediação e arbitragem, não levando em consideração outros inúmeros métodos de composição consensual de controvérsias existentes, como por exemplo, a utilização de parcerias, assessorias de acordo, julgamentos privados, julgamento sumário de júri, mediação diretiva ou não diretiva, avaliativa ou facilitadora, entre outras; são diversas as possibilidades que poderiam ser exploradas na solução de conflitos. Entretanto, no meio jurídico brasileiro, são baixos os investimentos e o incentivo na divulgação desses meios alternativos, a fim de criar caminhos novos para resolver uma excessiva judicialização, que condiz com o descrédito do judiciário tradicional, quando os interessados não recebem oportunamente a resposta desejada, quebrando, de vez, o conservadorismo vigente que não enxerga outra solução que não o processo judicial.

De imediato, poderiam, por exemplo, dirimir essa morosidade começando pelas causas menos complexas, ou seja, aqueles casos de modesto valor econômico, hipóteses repetitivas, seriam remetidos diretamente para as vias alternativas, ou seja, os chamados, Métodos adequados de Resolução de Conflitos, evitando que essa demanda chegue ao judiciário, sendo esta, uma das últimas portas.

Métodos Adequados de Resolução de Conflitos

Os métodos (portas) adequados de solução de conflitos são formas pelas quais se busca resolver um determinado conflito fora do meio judicial. Os mais utilizados hoje no Brasil são: Conciliação, medicação, arbitragem, negociação, práticas colaborativas, autocomposição e justiça restaurativa. Essas alternativas para solução de conflitos visam ser imparciais quanto á lide em questão, devendo conduzir à solução viável e satisfatória para as partes envolvidas.

Em síntese, a conciliação e a mediação são métodos conduzidos por um terceiro neutro e imparcial ao conflito e diferenciam-se, principalmente, pelo fato de que, na mediação, presume-se a existência de relação interpessoal entre as partes anterior ao conflito, enquanto na conciliação não.

Outrossim, a arbitragem, método objeto do presente trabalho, é utilizada somente nos casos em que a controvérsia versar sobre direito patrimonial disponível. Conforme se demonstrará adiante, nesse mecanismo, as partes de comum acordo nomeiam um ou mais terceiros (árbitros), sempre em número ímpar, especialistas na matéria debatida para solucionar o conflito a partir de uma decisão denominada sentença arbitral.

O papel da negociação é restabelecer a comunicação entre as partes, a fim de que elas próprias cheguem a uma solução satisfatória. Já nas práticas colaborativas, a solução interdisciplinar é mais rápida e referente a jurisdição e pressupõe os profissionais do direito orientando seus clientes sobre outros meios de resolução de conflitos, tem-se, então, um trabalho conjunto, agregando todas as técnicas de mediação, conciliação, arbitragem e negociação, através de profissionais técnicos, especialistas em áreas específicas (finanças, psicólogos, sociólogos, engenheiros e etc), aptos a darem respostas precisas. Para que isto seja possível é importante os profissionais celebrarem um pacto de não litigância, ou seja, caso não haja acordo que os mesmos não ingressem ao judiciário.

Na modalidade de autocomposição, as próprias partes buscam restabelecer a comunicação, o que pode ser feito extra processualmente. Existindo ação judicial, o acordo vai para homologação pelo magistrado, colocando fim ao litígio.

Por fim, a justiça restaurativa que também é um método utilizado como meio de solução alternativa de conflitos, tem por objetivo apresentar uma resposta efetiva à prática de um delito, através de um foco restaurador e não apenas punitivo como ocorre com o Direito Penal atualmente vigente.

A escolha por esse método pode ocorrer antes mesmo de existir o conflito, por meio da cláusula arbitral, onde as partes se submetem a resolver possíveis e futuras controvérsias pela arbitragem, ou por meio do compromisso arbitral, quando após o conflito as partes optam por este método heterocompositivo.

Percebe-se que tais métodos, inclusive com os incentivos trazidos pelo Novo Código de Processo Civil asseguraram, às partes, a efetividade na solução da controvérsia, garantindo-as o direito fundamental ao acesso à justiça, vez que, tanto na arbitragem quanto nos outros métodos, os conflitos são solucionados de forma eficaz, célere e em observância à autonomia da vontade das partes.

  1. IMPLICAÇÕES JURÍDICAS

Conforme exposto, a proposta de uma jurisdição contemporânea, democrática e plural, em busca dos meios alternativos para possibilitar às pessoas o acesso aos direitos sem precisar passar pelas vias judiciais, contribui para a livre demanda que não podem ser resolvidas por este meio ou que possuem uma forma mais rápida, simples e consensual entre as partes. Mancuso ensina que:

O sentido contemporâneo da palavra jurisdição é desconectado ou ao menos não é acoplado necessariamente à noção de Estado, mas antes sinaliza para um plano mais largo e abrangente, onde se hão de desenvolver esforços para prevenir formação de lides, ou resolver em tempo razoável e com justiça aquelas já convertidas em processos judiciais. (MANCUSO, 2014, p. 60).

Em 2019 foi criado um programa para a prevenção e desjudicialização de conflitos, o Meta 9 do CNJ que tem por objetivo implantar ações de prevenção ou desjudicialização de litígios, voltadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ela surgiu através da Agenda 2030 que é um compromisso assumido por 193 países e que consiste na criação de 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas a serem atingidas até 2030, de maneira a consolidar a efetivação dos direitos humanos, dando continuidade aos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (Rio + 20). As metas e objetivos estabelecidos através do pacto internacional foram institucionalizados pelo Poder Judiciário brasileiro de forma pioneira e integrada ao Planejamento Estratégico da gestão atual e representam a tentativa dos tribunais brasileiros em prestar um serviço melhor à população, aperfeiçoando o sistema jurisdicional quanto a celeridade, a eficiência e a qualidade dos processos jurídicos.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) possui algumas metas, em esforço conjunto com outros órgãos, para a ampliação e efetivação da desjudicialização. A referida meta é denominada META 9, ressaltando que, atualmente, temos um cenário temeroso de diversas concausas a serem sanadas: os temidos cerca de 75 milhões de processos em trâmite, em um país com cerca 210 milhões de habitantes, ou seja, grave problema nacional.

A priori, a depender do caso conflituoso, deve ser realizada uma filtragem sobre qual o meio mais adequado para a solução do mesmo. O professor Frank Ernest Arnold Sander da Universidade de Harvard em abril de 1976, em uma palestra na Suécia do referido ano, mostra que criou-se o sistema multiportas, utilizando alguns desses métodos, quais sejam, a arbitragem, conciliação, negociação e mediação, utilizados em vários países e atingindo pontos positivos. Sendo assim, a ideia é que precisamos prevenir e evitar conflitos e desjudicializar processos em trâmite, através de iniciativas e convênios em busca de um cenário melhor. Nesse sentido é necessário que voltemos os nossos olhos para os métodos de solução de conflitos paralelos ao Judiciário; tais métodos não podem ser encarados como a única ou a mais eficaz possibilidade de resolução dos conflitos em trâmite no país.

A proposta inicial é realizar um projeto para contribuir no desenvolvimento da utilização dos meios adequados de solução de conflito, conjuntamente com a agenda de 2030 da Meta 9 do CNJ. O referido projeto contempla na capacitação de alunos do meio jurídico e social para a atuação como árbitros em causas de baixa complexidade e sem exigência de produção de provas para a utilização de algum dos meios de solução por meio de um precedente, como válvula de escape do Poder Judiciário.

Muitas são as soluções, mas nenhuma é mais abrangente do que a união do Poder Judiciário à Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas. Essa política judiciária tem o desafio de identificar, prever e mensurar as consequências das decisões judiciais no mundo real.

CURSO PROCESSUAL E O TEMPO MÉDIO DE TRAMITAÇÃO

Durante o ano de 2020, 62,4 milhões de processos tramitaram perante o judiciário, aguardando uma solução definitiva. Dessa quantia, aproximadamente 17,2% dos processos, estavam suspensos, sobrestados ou em arquivo provisório, totalizando 13 milhões de ações judiciais.

Mais da metade destes processos (52,3%) correspondem à fase de execução. Os dados apontam que, apesar de ingressar no Poder Judiciário duas vezes mais casos em conhecimento do que em execução, no acervo, a execução é 32,8% maior. Na execução, verifica-se que a taxa supera a do conhecimento na maioria dos casos, com congestionamento de 93,5% na execução e 70,6% no conhecimento, observa-se que quanto maior a taxa de congestionamento, menor o percentual de processos baixados em relação ao total tramitado no período. (CNJ - Justiça em Números, 2021, p. 169)

Em relação a 2019, houve a redução de cerca de dois milhões de processos, confirmando a tendência de baixa observada desde 2016. Em que pese a grande redução do número absoluto de acervo, o número absoluto de processos baixados foi 308 JUSTIÇA EM NÚMEROS 2021/ Considerações finais menor do que em 2019, tendo em vista que acompanhou de forma elástica a também redução do número de casos novos que ingressaram no Poder Judiciário

O tempo médio em cada fase do processo, nos tribunais da Justiça Estadual (ano de 2020), pode ser visualizado pelo seguinte gráfico:

Gráfico 1- 0 Tempo médio de tramitação processual

Fonte: CNJ (2021, p.202)

Conforme aponta o gráfico, as maiores faixas de duração estão concentradas no tempo do processo pendente e, conforme o relatório, na fase de execução da Justiça Federal (8 anos e 7 meses) e da Justiça Estadual (6 anos e 11 meses).

A taxa de congestionamento é o índice que mede o percentual de processos que ficam estagnados sem solução, comparativamente ao total tramitado por um ano. Na Justiça Estadual essa taxa foi de 70,6% em 2020, englobando todos os processos. Em relação aos processos de conhecimento não-criminal a taxa de congestionamento é de 64,4% em 2020. Já nas execuções, mais especificamente na extrajudicial não fiscal, a taxa de congestionamento é de 87,3%, isto é, de cada 100 processos executivos, apenas 9 obtiveram êxito em 2020. O relatório indica que, na fase executiva, a concretização do direito reconhecido em sentença/título extrajudicial, que não envolvem atividades cognitivas, leva mais tempo que a fase de conhecimento, que engloba a postulação das partes, a dilação probatória e a cognição exauriente do juízo.

CONCLUSÃO

Neste artigo, ressaltamos que, para alcançar a proposta de desjudicialização, deve-se superar o conceito de jurisdição obsoleto vigente, entendendo que a modernização do direito processual é necessária e inevitável, principalmente, por já existirem mecanismos extrajudiciais alternativos de solução de litígios.

Assim, propõe-se a desjudicialização, proveniente de outros ordenamentos, para a solução dos problemas enfrentados pelo judiciário brasileiro e afirma-se que o movimento de modernização processual no âmbito do Poder judiciário está cada vez se tornando mais ineficaz e, como resultado, tem-se a morosidade nas soluções dos conflitos, por esse motivo, cabe ampliar o estudo das alternativas viáveis.

Pelo exposto, a hipótese foi confirmada, pois há falta de modelos adequados que criem uma válvula de escape para uma desjudicialização gratuita ou com um custo menor, com resultados mais rápidos e assertivos. Diante disso, pode-se perceber que é preciso discutir os motivos que levam à lentidão do Poder Judiciário brasileiro e suas graves implicações para a sociedade.

Além disso, em resposta ao problema apresentado, esboçamos duas soluções, uma a longo prazo: a inclusão dos métodos adequados de conflitos figurando na grade da graduação de alunos da faculdade de Direito e outros cursos correlatos e, a médio prazo, temos a adoção dos compromissos firmados como soluções na Agenda 2030.

Portanto, conclui-se que é necessário o entendimento de quais alternativas podem ser utilizadas para reverter esse cenário além das citadas no trabalho, sendo que essas medidas não são suficientes para resolver os problemas existentes no Judiciário. Em resposta ao problema apresentado, ressalta-se como solução a possibilidade da resolução de conflitos por meio online e a inclusão de profissionais e estudantes do Direito para a sua ampliação e inclusão, com a criação de Mediação Acadêmica, Arbitragem Acadêmica e Conciliação Acadêmica.

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