ILEGITIMIDADE DE PARTIDO POLITICO EM MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

16/08/2019 às 11:53
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A QUESTÃO DA ILEGITIMIDADE DE PARTIDO POLITICO PARA AJUIZAR MANDADO DE SEGURANÇA EM CASO CONCRETO.

ILEGITIMIDADE DE PARTIDO POLITICO EM MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO
Rogério Tadeu Romano

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski negou seguimento a um mandado de segurança do partido Cidadania que visava suspender a possível indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

Na decisão desta quarta-feira, dia 14 de agosto do corrente ano, o ministro Lewandowski considerou que não cabia ao partido entrar com o mandado de segurança no STF e nem chegou a analisar os argumentos da agremiação.

O mandado de segurança coletivo tem por objeto a defesa dos mesmos direitos que podem ser objeto do mandado de segurança individual, porém direcionado à defesa dos interesses coletivos em sentido amplo, englobando os direitos coletivos em sentido estrito, os interesses individuais homogêneos e os interesses difusos, contra ato ou omissão ilegais ou com abuso de poder de autoridade, desde que presentes os atributos da liquidez e certeza.

Lembre-se que o direito líquido e certo é aquele que pode ser demonstrado de plano mediante prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória. Data vênia, o caso exige a necessária dilação probatória que extrapola a prova documental. Daí porque o mandado de segurança não se adequa à hipótese.

Quanto aos partidos políticos, razão assiste ainda a Calmon de Passos (Mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e habeas data, 1989, pág. 14), quando, em sede de análise da legitimação para o mandado de segurança, considera que essas entidades, que são instituições de âmbito nacional, desempenhando uma função supletiva de particular alcance, somente poderão agir em juízo na hipótese de inexistência ou falta de interesse das entidades representativas de indivíduos.

No julgamento do MS 197/DF, Relator para o acórdão Ministro Garcia Vieira, DJ de 20 de agosto de 1990, ficou consignado pelo Superior Tribunal de Justiça que, quando a Constituição autoriza um partido político a impetrar mandado de segurança coletivo, só pode ser no sentido de defender os seus filiados e em questões políticas, ainda assim, quando autorizado por Lei ou pelo Estatuto. Sendo assim, não está legitimado o partido político a ajuizar mandado de segurança coletivo com relação a pessoas a ele não filiadas.

Não foi outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, como bem salientado pela ministra Ellen Gracie, ao destacar que “se o legislador constitucional dividiu os legitimados para a impetração do mandado de segurança coletivo em duas alíneas, e empregou somente com relação à organização sindical, à entidade de classe e à associação legalmente constituída a expressão em defesa dos interesses de seus membros ou associados é porque não quis criar esta restrição aos partidos políticos. Isso significa dizer que está reconhecendo na Constituição o dever do partido político de zelar pelos interesses coletivos, independente de estarem relacionados a seus filiados”. Além disso, afirma “não haver limitações materiais ao uso deste instituto por agremiações partidárias, à semelhança do que ocorre na legitimação para propor ações declaratórias de inconstitucionalidade” e conclui que “tudo o que foi dito a respeito da legitimação dos partidos políticos na ação direta de inconstitucionalidade pode ser aplicado ao mandado de segurança coletivo” (2ª T, RE 196.184/AM; e ainda, Pleno, MS 24.394-5/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).
o Plenário do Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de negar legitimação universal ao partido político para impetrar mandado de segurança coletivo destinado à proteção jurisdicional de direitos ou de interesses difusos da sociedade civil,especialmente quando a pretendida tutela objetivar a defesa da ordem constitucional (MS 22.764- -QO/DF, Rel. Min. Néri da Silveira; RE196.184/AM, Rel. Min. Elle Graice).Nesse sentido, restou assentado no MS 22.800/DF, de relatoria doMinistro Carlos Velloso:“CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA.PARLAMENTAR FEDERAL. IMPETRAÇÃO CONTRA ATODO PRESIDENTE DA REPÚBLICA QUE EDITOU DECRETO. I. - Mandado de segurança impetrado por parlamentaresfederais contra ato do Presidente da República que editou o Decreto de 06.03.97, que autorizou a concessão de direito de uso resolúvel, de uma gleba de terras do domínio da União, a uma entidade de direito privado. Alegação de que teriam direito subjetivo à apreciação do ato administrativo na medida em que sua validade estaria condicionada à prévia aprovação do Congresso Nacional, na forma do disposto no art. 188, § 1º, daC.F.II. - Inocorrência de direito subjetivo individual a ser amparado, certo que a segurança individual visa a garantir direito subjetivo e não mero interesse legítimo. Ilegitimidade ativa para a causa.III. - Precedentes do S.T.F.IV. - Mandado de Segurança não conhecido.”

O Ministro Celso de Mello, aojulgar o MS 34.609-MC/DF: “Cabe ter presente, no ponto, que o Plenário da Suprema Corte (RE 196.184/AM, Rel. Min. ELLEN GRACIE), ao examinar a controvérsia constitucional pertinente à amplitude eaos limites da legitimação ativa dos partidos políticos para promoverem, em sede de mandado de segurança coletivo, a proteção de direitos e de interesses transindividuais, reconheceu que as instituições partidárias não dispõem de qualidade paraagir, em juízo ,na defesa de direitos difusos, pois,além de não existir autorização legal para tanto, o reconhecimento de tal prerrogativa em favor das agremiações partidárias,semquaisquer restrições, culminaria por conferir a essas entidades a possibilidade de impugnarem qualquer ato emanado do Poder Público, independentemente de seu conteúdo material, desvirtuando-se, dessa forma, a finalidade jurídica do remédio constitucional ora utilizado no presente caso:Constitucional. Processual Civil. Mandado de segurança coletivo. Legitimidade ativa AD CAUSAM departido político. (...).............................................................................................2. O partido político não está, pois, autorizado avaler-se do mandado de segurança coletivo para,substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses individuais, impugnar majoração de tributo.3. Recurso extraordinário conhecido e provido.(RE 196.184/AM, Rel. Min. ELLEN GRACIE
Outra decisão de relatoria do Ministro RobertoBarroso, que, ao negar seguimento ao MS 34.196/DF, assinalou:“6. É no mínimo discutível o cabimento de mandado de segurança coletivo para a proteção de direitos difusos. Isso porque o art. 21 da Lei nº 12.016/2009, em concretização MS 36620 / DF razoável do art. 5º, LXX, da Constituição, somente atribui a partido político a legitimidade para impetrar mandado de segurança coletivo para a proteção de direitos coletivos e individuais homogêneos. Confira-se:Constituição de 1988, art. 5º, LXX- o mandado desegurança coletivo pode ser impetrado por:a) partido político com representação no CongressoNacional;b) organização sindical, entidade de classe ouassociação legalmente constituída e em funcionamento h ápelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;Lei nº 12.016/2009, art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída eem funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatuto se desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.7. É certo que o art. 5º, LXX, da Constituição não limita a legitimidade dos partidos políticos, para fins de impetração demandado de segurança coletivo, à tutela de interesses ou direitos de seus filiados. Não há, todavia, impedimento constitucional a que a lei condicione o exercício desse direito de ação, impondo-lhe restrições. A disciplina legal do exercício de direitos fundamentais é, aliás, a regra quando se trata de direitos de natureza processual.8. A Lei nº 12.016/2009 parece ter adotado limites razoáveis, compatíveis com a Constituição, para o cabimento demandado de segurança coletivo. A restrição dessa modalidade de ação para a tutela de direitos coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos evita que o mandado de segurança seja instrumentalizado pelos partidos políticos, transformando-se em indesejável veículo de judicialização excessiva de questões governamentais e parlamentares, as quais poderiam ser facilmente enquadradas como direitos difusos da sociedade brasileira e atreladas às finalidades de qualquer agremiaçãopolítica.9. A interferência excessiva do direito e do Poder Judiciário na política, ainda que iniciada ou fomentada pela atuação dos próprios partidos políticos, pode acarretar prejuízo à separação dos poderes e, em última análise, ao próprio funcionamento da democracia. Agrega-se ao dia-a-dia político um elemento de insegurança, consistente em saber como o Judiciário se pronunciará sobre os mais variados atos praticados pelo Executivo e pelo Legislativo, inclusive aqueles eminentemente internos, como os atos de nomeação e exoneração de Ministro de Estado.10. Não por outra razão, antes mesmo do advento da Leinº 12.016/2009, que afastou, expressamente, o cabimento demandado de segurança coletivo para a tutela de direitos difusos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta própria Suprema Corte ainda que em precedentes menos numerosos já havia se firmado nesse sentido.”

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Em síntese, fica assentada a ilegitimidade ativa do partido político nessa hipótese de defesa de interesse coletivo.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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