O PERONISMO SE REINVENTA E SE SUPERA

17/08/2019 às 11:37
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O ARTIGO DEBATE SOBRE O PERONISMO.

O PERONISMO SE REINVENTA E SE SUPERA
Rogério Tadeu Romano

A chapa de oposição liderada por Alberto Fernández, que tem a ex-mandatária Cristina Kirchner como vice, venceu com larga vantagem as primárias presidenciais argentinas realizadas neste domingo (11), apontam os resultados preliminares.

Com 58% das urnas apuradas, a dupla tinha 47% dos votos contra 32,6% da chapa do atual presidente, Mauricio Macri. A tendência, segundo o órgão eleitoral, é que a diferença continue assim até o final da apuração.

Caso os números se repitam na eleição de fato, no fim de outubro, Fernández seria eleito em primeiro turno —para isso, ele precisa ter mais de 45% dos votos ou mais de 40% e no mínimo 10 pontos percentuais de vantagem para o segundo colocado.

De acordo com os dados oficiais, o comparecimento foi alto, com a participação de 75% dos eleitores —o voto é obrigatório no país.  

As chamadas "paso" (primárias abertas, simultâneas e obrigatórias) foram criadas em 2009, com a intenção de diminuir o número de candidaturas que concorriam na eleição.

Trata-se de uma vitória de um movimento de origem peronista e que se constitui num bastião contra as chamadas ideias liberais e se acentua como uma ideologia de esquerda.

Cristina Kirchner e seu falecido marido vêm da ala esquerdista do peronismo e ambos começaram suas carreiras políticas como membros da Juventude Peronista (Juventud Peronista). Muitos dos aliados mais próximos do casal Kirchner pertencem à esquerda peronista.

• O kirchnerismo tem se mostrado preocupado com a defesa dos direitos humanos, particularmente ao processar aqueles que cometeram violações de direitos humanos durante a Guerra Suja e tornaram-se imunes à penalidades no governo de Carlos Menem (1989-1999). A disposição do governo Kirchner de revogar estas imunidades levou muitos organizações de direitos humanos argentinas, como as Mães da Praça de Maio e as Avós da Praça de Maio a tomar uma posição ativa entre os kirchneristas. Isso levou a muitas controvérsias, alegando que os Kirchner nunca foram totalmente comprometidos com os direitos humanos, especialmente durante a última ditadura militar, e só quando Néstor Kirchner se tornou presidente e começou a fazer alianças com os partidos de esquerda do congresso, e as Mães da Praça de Maio, que iniciou-se uma completa campanha sobre direitos humanos, para promover sua plataforma e ganhar a opinião pública.

• O kirchnerismo tem se mostrado expressamente oposto às políticas neoliberais.

• Economicamente, o kirchnerismo tem prosseguido com uma política econômica de desenvolvimentismo industrial.

• O kirchnerismo tem forte oposição aos acordos de livre comércio multilaterais e bilaterais prosseguidos pelos Estados Unidos. O clímax dessa política ocorreu com o confronto entre Kirchner e George W. Bush, durante a Cúpula das Américas de 2005 em Mar del Plata, que resultou na recusa da Argentina para assinar o acordo da ALCA.

Desde já vem uma pergunta que não quer calar: Se eleito Alberto Fernandez renunciaria para permitir o retorno de Cristina Kirchner à presidência da Argentina?

Sob o panorama político fica no ar a possiblidade de algo similar ao que ocorreu na Argentina, no início da década dos setenta, quando Héctor José Câmpora foi eleito presidente, mas, depois, abriu caminho para Perón retornar a presidir aquele país.

Héctor José Cámpora Demaestre (Buenos Aires, 26 de março de 1909 — Cuernavaca, 18 de dezembro de 1980) foi um político e odontologista argentino que presidiu o país desde 25 de Maio de 1973 até 13 de Julho do mesmo ano.

Cámpora venceu as eleições com 49,5% dos votos, visto que Juan Perón estava inapto a se candidatar por restrições do governo militar que presidia a Argentina. Na sua posse esteve presente o então presidente do Chile Salvador Allende.

Sua primeira medida foi, conforme havia prometido, anistia aos presos políticos. Em 28 de maio de 1973 a Argentina retomou as relações diplomáticas com Cuba, interrompidas durante o período militar. Em 27 de maio de 1973 a lei 20.508 foi promulgada a vangloriar-se a libertação de todos os presos políticos que haviam sido presos durante a ditadura antiperonista, foi estabelecido que ninguém poderia ser processado por suas crenças políticas ou pessoais.

Procurou estabelecer um pacto social entre a Confederação Geral do Trabalho, o empresariado nacional e do estado, que incluiu aumentos salariais e congelamento de preços. Ele voltou com as diretrizes econômicas do governo Perón anterior, com uma política nacionalista, distribucionista, e destina-se a atrair investimentos. Seus primeiros resultados foram bastante positivos: a inflação diminuiu (de 62% para 17% ao ano), os salários reais recuperado por 13,33%, invertendo a situação da balança de pagamentos, devido ao acúmulo de superávits comerciais fora. O aumento dos salários e do crescimento da despesa pública encorajou a atividade doméstica.

É bom lembrar que Perón, que governou a Argentina por vários anos, foi retirado do poder em 1955 e ficara proscrito da política argentina. 

Do peronismo tem-se:

• A verdadeira democracia é aquela onde o governo realiza o que o povo quer e defende o interesse do povo.

• O peronismo é essencialmente popular. Todo círculo político é antipopular, logo, não é peronista.

• O peronista trabalha para o movimento. Esse em seu nome serve a um círculo ou a um caudilho.

• Para o peronismo só existe uma classe de homens: os que trabalham.

• Para um peronista não há nada melhor que outro peronista.

• Os braços do peronismo são a justiça social e a ajuda social.

• Na Nova Argentina os únicos privilegiados são as crianças.

• O peronismo tem sua própria doutrina política, econômica e social: o justicialismo.

• O justicialismo é uma nova filosofia de vida, simples, prática, popular, profundamente cristã e profundamente humanista.

• O peronismo pretende constituir um governo centralizado, um estado organizado e um povo livre.
• A política não é para nós um fim, mas apenas um meio para o bem do país, que é a felicidade de seus filhos e grandeza nacional.

• Como doutrina política, justicialismo feito equilíbrio certo entre o indivíduo e a comunidade.

• Os dois braços do peronismo são a justiça social e bem-estar social. Com eles, dar um abraço ao povo de justiça e amor.

O peronismo na Argentina, para alguns odiado e para outros vangloriado, seja em suas vertentes de direita ou de esquerda, ou até mesmo radicais, como nos tristes tempos da ditadura militar de 1976 a 1983, permanece no horizonte político. Nesse aspecto Cristina Kirchner é um nome capaz de unir os peronistas e as tradições do velho justicialismo. Ser peronista não significa ser "petista argentino".

Inclusive, já houve peronista com agenda econômica que lembra a de Bolsonaro, além da paixão pelos EUA. Juan Domingo Perón morreu há 45 anos, mas seu legado continua dominando a política da Argentina. Neste ano eleitoral, o peronismo voltou a se tornar ubíquo, e vários de seus líderes disputarão a Casa Rosada, em diferentes posições, em 27 de outubro.

A onipresença do peronismo nas candidaturas se deve, em parte, à impopularidade das duas figuras que protagonizaram e polarizaram a política argentina na última década: o liberal Macri e a ex-presidente Cristina Kirchner, uma peronista de centro esquerda.

Cristina Kirchner é uma figura tão amada quanto odiada no país e manchada pelas acusações de corrupção.

Ela surpreendeu, porém, ao anunciar sua candidatura como vice-presidente em uma chapa liderada por Alberto Fernández, um moderado capaz de atrair um setor mais amplo do peronismo, que foi seu chefe de gabinete e, depois, um duro crítico.

Perón era e é o símbolo do justicialismo. Governou a Argentina até a sua morte, em 1974.

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O justicialismo, que foi a justificação da reforma constitucional à Constituição de 1853, em 1949, como proclamaram os argentinos, é uma solução intermediária, não extrema, do problema político da humanidade. Sem se definir pelo espiritualismo ou pelo materialismo, procurou harmonizar o espírito e a matéria na pessoa humana. Igualmente, se se definir pelo individualismo ou pelo coletivismo tende a conciliar a unidade e a totalidade no meio social. Adota o justicialismo uma terceira posição, variável, que “não está sempre a igual distância dos extremos”. Em cada caso, ao considerar o problema do homem ou da sociedade, elege um determinado ponto de equilíbrio.

Disse Raul A. Mende que o primeiro objetivo do justicialismo é a felicidade do homem na sociedade humana, pelo equilíbrio das forças materiais e espirituais, individuais e coletivas cristãmente valorizadas.

No justicialismo, o trabalho é considerado “meio indispensável para satisfazer as necessidades espirituais e materiais do indivíduo e da comunidade, a causa de todas as conquistas da civilização e o fundamento da prosperidade geral”.

Assim considerada a riqueza como fruto exclusivo do trabalho humano, compete ao Estado intervir nas fontes de produção para possibilitar e garantir ao trabalhador uma retribuição moral e material que satisfaça as suas necessidades vitais e corresponda ao rendimento obtido e ao esforço empregado. O trabalho é um direito, mas também tem uma função social, constituindo, portanto, um dever de cada membro da sociedade. Esse direito e esse dever recebem a mais ampla proteção do Estado. Os abusos que importem em exploração de homem, são punidos pelas leis.

A propriedade também tem, no justicialismo, uma função eminentemente social ou coletiva, pelo que está submetida às restrições legais em razão do interesse comum.

Assim, na forma do artigo 15 da Constituição argentina, sob o justicialismo, o Estado não reconhece liberdade para atentar contra a liberdade.

O Estado argentino sob Péron assumiu a roupagem de uma ditadura do tipo fascista.

Juan Perón voltou ao país em 20 de junho. Cámpora renunciou em 13 de julho de 1973 para abrir caminho para a eleição de Juan Domingo Perón e convocou novas eleições - nas quais Perón foi reeleito com mais de 62% dos votos. Depois tudo terminou em 1976 com o acesso ao poder de uma ditadura militar fratricida.

Nas eleições de 1958 houve transferência de Perón, impedido de participar nas eleições, para Arturo Frondizi, representante dos setores mais receptivos à possibilidade de acabar com a proscrição até então vigente ao peronismo. Os peronistas votaram em Frondizi com a esperança de que, uma vez no poder, legalizaria os sindicatos e acabaria com o veto à participação dos peronistas no jogo eleitoral. O triunfo de Frondizi surpreendeu os setores antiperonistas e mostrou que, apesar dos intentos do governo autoritário precedente, o peronismo continuava vivo.

Ele não passava de um “poste” de Perón, de alguém que daria continuidade ao chamado Justicialismo, na política em prol dos trabalhadores portenhos. 

O peronismo vem confirmando seu dom de sobrevivência ao longo do tempo. Resistiu a ditaduras, à morte de seu fundador, a derrotas eleitorais, e não implodiu, apesar da convivência de tendências opostas, como as de extrema esquerda e direita, que chegaram a se enfrentar com armas nos anos 1970.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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