A Responsabilidade Civil do Incorporador pela Omissão de Informação ao Consumidor nos Contratos de Promessa de Compra e Venda de Bem Imóvel

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17/08/2019 às 20:31
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O artigo tem como objetivo destacar a importância dos dispositivos preconizados no Código de Defesa do Consumidor e a prevalência da responsabilidade civil objetiva nas relações de consumo como vetor de abrigo aos adquirentes de imóveis na planta.

Resumo – O presente trabalho tem como objetivo destacar a importância dos dispositivos preconizados no Código de Proteção e Defesa do Consumidor e a prevalência da responsabilidade civil objetiva nas relações de consumo como vetor de abrigo aos adquirentes de imóveis em construção. Para tanto, pretende abordar inicialmente a omissão de informações inerentes ao negócio no ato da contratação e a partir do prisma do respectivo diploma legal. Além disso, de modo a tornar cristalina a relevância da carga axiológica sob exame, o trabalho abordará algumas consequências fáticas e jurídicas da inobservância dos preceitos normativos aplicáveis. Por fim, o artigo almeja demonstrar que o ordenamento jurídico pátrio, em especial o Código de Defesa do Consumidor, abrigam um arcabouço de princípios capazes de agir com eficácia na proteção da sociedade consumidora, sem a pretensão de exaurir o tema.

 

Palavras-chave – Responsabilidade Civil. Código de Defesa do Consumidor. Contratos de Promessa de Compra e Venda de Imóveis.

 

Sumário – Introdução. 1. Omissão de Informação ao Consumidor nos Contratos de Promessa de Compra e Venda de Bem Imóvel na Planta. 2. Consequências Fáticas e Jurídicas da Omissão de Informação ao Consumidor nos Contratos de Incorporação. 3. A Capacidade da Carga Axiológica do Direito Consumerista de Proteção ao Consumidor de Imóvel na Planta. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

 

 

A presente pesquisa tem como escopo discorrer a respeito da responsabilidade civil dos construtores ou incorporadores, a partir da omissão de informação que venha a indicar ao consumidor os riscos, benefícios, obrigações e deveres das partes signatárias no contrato de promessa de compra e venda, uma vez que tal conduta cria deformações neste nicho de mercado.

Para a consecução de seu objetivo, procura-se abordar o entendimento da doutrina e da jurisprudência a respeito do tema, de modo a conseguir discorrer a respeito da importância do cumprimento do dever de informar, bem como indicar a possibilidade de reparação por danos eventualmente sofridos pelo consumidor em razão da omissão do fornecedor.

O número de ações judiciais sobre o tema têm crescido vertiginosamente, inclusive visando distratos. As referidas ações abarcam um grande número de consumidores que, por omissão de informações essenciais na assinatura dos contratos, deixaram de obter o crédito para financiamento do saldo residual após a obra, não tiveram acesso ao bem por atraso na condução da construção ou foram surpreendidos com cobranças não previstas ou informadas.

Assim, somos levados aos seguintes questionamentos: quais as informações omitidas pelos alienantes de imóveis na planta que tem lesado os consumidores, em especial entrando em conflito com os princípios basilares do direito Consumerista? Qual a consequência da omissão de informação pelo fornecedor e qual espécie de responsabilidade civil é aplicável na situação de enfoque? Os princípios norteadores do Direito Consumerista são suficientes para coibir práticas ilícitas na oferta e na contratação de venda e compra de bens imóveis na planta ou seriam necessárias disposições legais expressas que indicassem quais informações mínimas devessem ser disponibilizadas ao consumidor?

No primeiro capítulo, busca-se indicar as informações que têm sido objeto de maiores questionamentos judiciais por parte dos consumidores.

Em sequência, no segundo capítulo, almeja-se demonstrar as principais consequências fáticas e jurídicas da  referida omissão.

Segue-se ponderando, a partir do terceiro capítulo, a respeito da suficiência ou não da carga axiológica do Direito Consumerista como vetor de proteção ao consumidor que lhe garanta transparência e informação na aquisição de imóveis na planta.

A pesquisa será desenvolvida pelo método hipotético-dedutivo, uma vez que o

pesquisador pretende eleger um conjunto de proposições hipotéticas, as quais acredita serem viáveis e adequadas para analisar o objeto da pesquisa, com o fito de comprová-las ou rejeitá-las argumentativamente.

Para tanto, a abordagem do objeto desta pesquisa jurídica será necessariamente

qualitativa, porquanto o pesquisador pretende se valer da bibliografia pertinente à temática em foco – analisada e fichada na fase exploratória da pesquisa (legislação, doutrina e jurisprudência)– para sustentar a sua tese.

 

 

 

1. OMISSÃO DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL NA PLANTA

 

Cada vez mais comum no mercado imobiliário nacional, a compra e venda de imóveis em construção tem sido uma importante opção para brasileiros que buscam oportunidades de investimento ou para a parcela da população que visa a obtenção de uma moradia própria.

Com o crescimento deste tipo de contrato, surgiu também inúmeras demandas judiciais sobre mesmo, colocando em xeque diversos dispositivos e práticas comuns nestes contratos, mas pouco ou nada esclarecedores ao consumidor final. Isto porque, dada a complexidade destes negócios jurídicos e a repercussão fática dos mesmos, reputa-se ainda mais essencial que as empresas fornecedoras nesta área de negócio, possibilitem o pleno atendimento às normas do direito consumerista ao firmarem os instrumentos devidos, sobretudo por tratarem-se de contratos de adesão. A omissão de informações capazes de instruir o consumidor a agir conscientemente tem capacidade de gerar grandes prejuízos aos clientes e longas discussões judiciais.

Exemplo notório é a data de entrega do imóvel. Não é incomum que as empresas que operam neste nicho utilizem a publicidade e a propaganda para gerar expectativas para o consumidor final quanto à entrega do bem. Sendo uma aquisição para gozo futuro, os fornecedores muitas vezes divulgam prazos exíguos para entrega apesar de incluírem em seus contratos prazos de carência ou tolerância para a conclusão da obra, frustrando o consumidor e a legítima expectativa do mesmo, criada a partir da promoção daqueles.

Outro ponto de debate é a cobrança de comissão de corretagem nestes negócios. Na compra e venda de imóveis na planta, é rotineira a visita do consumidor diretamente à obra e à estrutura de venda da própria construtora ou incorporadora, descaracterizando qualquer função intermediadora de terceiros. Contudo, a imposição destes ônus ao consumidor é a regra, ainda que sem o consentimento e a ciência do mesmo.

Além dos pontos já citados, chama atenção também os encargos sobre o consumidor em caso de desistência do contrato, que por vezes incluem a perda do valor até então pago ou a retenção de parcela significativa do mesmo.

Ainda quanto às cláusulas que demandam esclarecimentos solares ao consumidor, encontram-se as que rezam penalidades em face deste, mas sem igual tratamento ao fornecedor, e as que estipulam a perda dos valores pagos com a rescisão do contrato nos casos em que o consumidor não obtiver financiamento bancário, o que resulta em demandas judiciais.

As referidas ações abarcam um grande número de consumidores que, por omissão de informações essenciais na assinatura dos contratos, deixaram de obter o crédito para financiamento do saldo residual após a obra, não tiveram acesso ao bem por atraso na condução da construção ou foram surpreendidos com cobranças não previstas ou informadas.

Não raro, temos o enfrentamento das questões supramencionadas por parte do Superior Tribunal de Justiça, que firma entendimento em decisões com repercussão geral, dada a quantidade de demandas versando sobre o mérito.

Desta forma, uma parcela das famílias brasileiras estão se endividando além do possível ou assumindo compromissos que não podem adimplir, enquanto firmam contratos com prestadores de serviço e fornecedores que omitem ou dificultam o amplo entendimento acerca do negócio jurídico pretendido, seus riscos e suas características.

Nas situações acima mencionadas, se infere de pronto a necessária hipossuficiência técnica do consumidor que, em regra, não deterá lastro informacional para promover seu aceite de forma consentida.

Segundo Cláudia Lima Marques[1]:

 

Na formação dos contratos entre consumidores e fornecedores o novo princípio básico norteador é aquele instituído pelo art. 4.º, caput, do CDC, o da Transparência. A ideia central é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo.

 

Daí a transparência ser um valor fundamental na defesa do consumidor e, em especial nos contratos de incorporação, onde por sua complexidade, torna-se ainda mais impositiva. Como leciona Flávio Tartuce[2]:

 

A concretizar tal proteção, repise-se que, entre os seus arts. 30 e 38, a Lei 8.078/1990 traz regulamentação própria quanto à matéria, relacionando regras aplicadas ao princípio da transparência ou da confiança. Como, muitas vezes, a intenção de formar um negócio tem sua base em uma publicidade, essas regras são muito importantes, inclusive porque denotam a responsabilidade pré-contratual prevista pelo Código de Defesa do Consumidor, (...).

 

Assim, sob a égide do Código de Defesa do Consumidor[3], a proteção ao consumidor – vulnerável – se faz presente também no âmbito pré-contratual e, por assim ser, está presente em toda forma de publicidade. Em virtude deste escudo, o fornecedor que leva a efeito as práticas mencionadas, seja incorporador ou construtor, infringe dispositivos expressos do Código, como assegurar informações claras, corretas e precisas sobre suas características, qualidade e preço.

 

2. CONSEQUÊNCIAS FÁTICAS E JURÍDICAS DA OMISSÃO DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE INCORPORAÇÃO

 

Na celebração do contrato de compra e venda de bem imóvel na planta, o consumidor que o faz sem a correta e isenta orientação, tende a fazê-lo à revelia das informações sobre direitos e deveres que compõem o respectivo instrumento em sua plenitude.

Diante de tamanha inconsciência da complexidade do negócio, não raro ocorrem problemas futuros que distorcem o mercado, com o condão de trazer danos aos consumidores. Tais fatos culminam em distratos, maioria dos quais judicial, dada as condições contratuais avessas aos interesses consumeristas e à equidade contratual.

Essa hipótese cresceu de tal maneira nos últimos anos, que o Governo Federal movimentou para a criação de uma Medida Provisória[4] que viesse a regulamentar os distratos e proteger as empresas do setor, em que pese haver amplo arcabouço axiológico no próprio Código de Defesa do Consumidor para a análise do mérito, inclusive já acolhido pela jurisprudência. Como exemplo, temos a vedação à devolução de valores somente após a obra em caso de distratos:

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.300.418 - SC (2012/0000392-9) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (...)

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. DEVOLUÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO. MOMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. 2. Recurso especial não provido.[5]

 

Em uma escolha viciada pela falta de transparência, o consumidor não consegue prever as consequências práticas de contratos de médio e longo prazo, incorrendo muitas vezes em inadimplências que só favorecem ao próprio incorporador, que retoma o bem para si para o vender pela totalidade do preço, retendo, contudo, a totalidade ou parcela significativa do que fora desembolsado pelo adquirente até ali.

A aprovação do perfil de crédito do pretenso adquirente, gera para o consumidor a expectativa de que detém condições de realizar a compra, bem como que a instituição financeira – muitas vezes parceira de negócio e financiadora do empreendimento – também está de acordo com os termos ali propostos.

Não obstante, a recusa do crédito no momento de se adquirir as chaves, em alguns casos após anos de ininterrupto pagamento tempestivo de todas as parcelas de obra, frustra o consumidor e o prejudica efetivamente, uma vez que já terá desembolsado grandes quantias de dinheiro em proveito da Incorporadora, que detinha desde o início as informações financeiras do mesmo e, portanto, já deveria ter previsto inicialmente a incompatibilidade de perfil para a liberação do crédito.

Ocorre que, uma vez recusado o financiamento, por força de cláusulas contratuais já insertas no contrato de adesão, configura-se o inadimplemento da parcela de chaves por parte do consumidor, com a consequente retomada do imóvel para a construtora e a retenção do valor até ali desembolsado. Há, verdadeiramente, uma vantagem no comportamento contraditório[6] por parte do fornecedor neste caso.

No entanto, o Código de Proteção do Consumidor abarca tambéme esta hipótese, aplicando-se como regra a perspectiva objetiva na análise da responsabilidade da construtora. Em havendo relação de consumo, nos termos preconizados pela referida legislação, aplicar-se-á a responsabilidade civil objetiva, ou, como define Cavalieri Filho[7]:

 

Aplica-se o CDC sempre que estivermos em face de uma relação de consumo, qualquer que seja a área do Direito onde ela vier a ocorrer. E relação de consumo é a relação jurídica contratual ou extracontratual, que tem num polo o fornecedor de produtos e serviços e no outro o consumidor; é aquela realizada entre o fornecedor e o consumidor, tendo por objeto a circulação de produtos e serviços. Havendo circulação de produtos e serviços entre o consumidor e o fornecedor, teremos relação de consumo regulada pelo Código de Defesa do Consumidor

 

Vale dizer que mesmo a devolução de um pequeno valor das parcelas pagas encontra óbice no Diplome de Defesa do Consumidor[8] e na Jurisprudência, como por exemplo no Agravo em Recurso Especial de Relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, onde foi determinada a devolução ao consumidor até mesmo das arras confirmatórias, com base no princípio que veda o enriquecimento sem causa.

 

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 997.956 - SC (2007/0243759-4) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO AGRAVANTE : APL INCORPORAÇÕES E CONSTRUÇÕES LTDA ADVOGADOS : ALTAMIR JORGE BRESSIANI E OUTRO(S) HERCÍLIO EMERICH LENTZ E OUTRO(S) AGRAVADO : MARCIO LUIZ AMARO ADVOGADO : FERNANDO LISBOA E OUTRO(S)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. CLÁUSULA QUE CONDICIONA A RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS AO TÉRMINO DA OBRA. ABUSIVIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. ARRAS CONFIRMATÓRIAS. VENDEDOR QUE DEU CAUSA AO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE RETENÇÃO. DEVOLUÇÃO DO VALOR DO SINAL, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. 1. Revela-se abusiva, por ofensa ao art. 51, incisos II e IV, do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das parcelas pagas somente ao término da obra, haja vista que poderá o promitente vendedor, uma vez mais, revender o imóvel a terceiros e, a um só tempo, auferir vantagem com os valores retidos, além do que a conclusão da obra atrasada, por óbvio, pode não ocorrer. Precedentes. 2. As arras confirmatórias constituem um pacto anexo cuja finalidade é a entrega de algum bem, para assegurar ou confirmar a obrigação principal assumida. Por ocasião da rescisão contratual, o valor dado a título de sinal (arras) deve ser restituído ao reus debendi, sob pena de enriquecimento sem causa. 3. Agravo regimental não provido.[9]

 

Em havendo prejuízo ao Consumidor em razão das práticas anteriormente citadas, estar-se-á diante de um fato produto, ou acidente de consumo, diferenciando-se por consistir em danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Tal diferenciação é importante porque possui repercussão em âmbito processual, ampliando ainda mais a facilitação da reparação em favor do consumidor, já fortalecidade pela ausência de conduta culposa. Isto porque o Código positivou possibilidades para a inversão do ônus da prova e uma delas é exatamente na incidência de fato do produto ou do serviço, consagrada no art. 12 e 14, do mesmo Diploma Legal.[10]

Vale ressaltar que o microssistema de proteção e defesa do consumidor, no ordenamento jurídico pátrio, denota a evolução da responsabilidade civil, que passa também pela filosofia que a sustenta, com a superação, em muitos casos, de uma axiologia liberal, contratualista e individualista, tornando o enfoque comunitário e voltado ao dano, preservando o coletivo. Este sentimento de solidariedade social privilegia igualmente a dignidade da pessoa humana. Para Anderson Schreiber[11]:

 

Hoje, a ótica é inteiramente diversa: a despersonalização das relações sociais, a perda generalizada de identidade, as graves desigualdades decorrentes da atuação individualista, a expansão dos riscos sociais levam a um sentimento geral de solidariedade, a uma necessidade de pensar no outro. Há uma conscientização crescente e generalizada de que os indivíduos têm o dever de serem solidários, protegendo-se mutuamente.

 

Neste diapasão, verifica-se das referidas relações contratuais, que embora o arcabouço axiológico do mencionado microssistema possua repertório para balizar, orientar e lançar as diretrizes para uma relação jurídica mais harmônica, solidária e justa, isto não se reflete no campo prático, sobretudo a partir da análise das múltiplas teses divulgadas pelo Superior Tribunal de Justiça, a seguir mencionadas, que visam pacificar temas recorrentes neste mérito, muitos deles frutos da ausência de diligência no atendimento das práticas recomendadas a partir da boa-fé objetiva e outros valores cultivados pela legislação consumerista.

Para citar algumas das mais recentes: na hipótese de descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de contrato de compromisso de compra e venda ou de compra e venda, é possível cumular a cláusula penal decorrente da mora com a indenização por lucros cessantes pela não fruição do imóvel, pois aquela tem natureza moratória, enquanto esta tem natureza compensatória; a inexecução do contrato de promessa de compra e venda ou de compra e venda, consubstanciada na ausência de entrega do imóvel na data acordada, acarreta, além da indenização correspondente à cláusula penal moratória, o pagamento de indenização por lucros cessantes; é possível a inversão da cláusula penal moratória em favor do consumidor, na hipótese de inadimplemento do promitente vendedor, consubstanciado na ausência de entrega do imóvel no prazo pactuado; há presunção de prejuízo do promitente comprador a viabilizar a condenação por lucros cessantes pelo descumprimento do prazo para entrega de imóvel objeto de contrato de compromisso de compra e venda ou de compra e venda; havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto[12].

 

 

 

 

 

3. A CAPACIDADE DA CARGA AXIOLÓGICA DO DIREITO CONSUMERISTA DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR DE IMÓVEL NA PLANTA

 

É certo que os contratos de compra e venda de imóveis na planta configuram-se em contratos de adesão, nos termos do Código de Defesa e Proteção do Consumidor[13]. Igualmente, é reconhecida a condição de consumidor do adquirente de imóveis na planta e a consequente posição de fornecedor da construtora e/ou incorporadora.

Leciona Sérgio Cavalieri Filho[14], quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de incorporação:

 

Aplica-se o CDC sempre que estivermos em face de uma relação de consumo, qualquer que seja a área do Direito onde ela vier a ocorrer. E relação de consumo é a relação jurídica contratual ou extracontratual, que tem num polo o fornecedor de produtos e serviços e no outro o consumidor; é aquela realizada entre o fornecedor e o consumidor, tendo por objeto a circulação de produtos e serviços. Havendo circulação de produtos e serviços entre o consumidor e o fornecedor, teremos relação de consumo regulada pelo Código de Defesa do Consumidor. Para que não pairasse qualquer dúvida sobre os elementos da relação de consumo – sujeito e objeto –, o próprio Código se encarregou de defini-los. Em um dos polos da relação de consumo estará o fornecedor, definido no art. 3º do CDC como sendo ‘toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvam atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços’. (...) No outro polo da relação de consumo estará o consumidor, definido mo art. 2º do CDC, como sendo ‘toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto como destinatário final (...) o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor refere-se expressamente ao construtor, e o art. 53, ao vedar cláusula de decaimento – perda total das prestações –, menciona os contratos de compra e venda de imóveis, tudo a revelar o claro propósito do legislador de submeter a incorporação/construção à disciplina do Código do Consumidor, por se tratar de um dos segmentos mais estratégicos e nevrálgicos do mercado de consumo.

 

 Destarte, ao analisarmos as práticas corriqueiras retro elencadas à luz dos axiomas do Direito Consumerista Pátrio, verifica-se a flagrante colisão destes com aquelas.

O Diploma de Defesa do Consumidor consagrou no ordenamento jurídico pátrio os princípios da transparência e da boa-fé objetiva na formulação de contratos de consumo. Neste diapasão, o fornecedor encontra-se obrigado a contribuir de forma objetiva na tomada de decisão do consumidor, para que esta seja encaminhada de forma consciente e subsidiada por informações corretas e claras, sem prejuízo da indicação precisa dos riscos inerentes ao negócio e aos ônus porventura decorrentes do mesmo.

A Lei 8.078/1990[15], inclusive, dedicou uma seção para tratar de cláusulas abusivas, dentre as quais estão aquelas que distorçam o equilíbrio contratual necessário para um ambiente salutar para consumo. Sua contribuição é decisiva para o alcance de justiça contratual, equidade entre os contratantes, equivalência das obrigações e para a análise objetiva da boa-fé das partes.

O Código de Defesa do Consumidor é tido por parte da doutrina como norma principiológica, forjada a partir do mandamento constitucional expresso previsto entre as cláusulas pétreas da Carta Maior[16]:

 

A Lei nº 8.078 é norma de ordem pública e de interesse social, geral e principiológica, o que significa dizer que é prevalente sobre todas as demais normas especiais anteriores que com ela colidirem. As normas gerais principiológicas, pelos motivos que apresentamos no início deste trabalho ao demonstrar o valor superior dos princípios, têm prevalência sobre as normas gerais e especiais anteriores.[17]

 

Tendo como pontos cardeais a transparência e a boa-fé, o referido Diploma veda por completo a publicidade enganosa e abusiva, sendo medida que se impõe aos fornecedores de imóveis na planta.

            As informações claras e precisas abarcam também a análise atuarial dos consumidores. Isto porque muitos são levados ao fechamento do negócio com a incorporadora e posterior pagamento de parcelas mensais e periódicas ao longo da obra, sem contudo possuir capacidade econômica e lastro financeiro para a aprovação de crédito com quaisquer instituições financeiras.

Neste caso, o consumidor está protegido pela vedação à cláusula do decaimento[18], mas também pela responsabilidade civil do incorporador a partir da inobservância dos deveres anexos à boa-fé, quando na análise de crédito viciada, ensejou o prejuízo ao consumidor.

A evolução do instituto da responsabilidade civil estabeleceu um conjunto de princípios gerais pré-normativos que foram positivados em nosso ordenamento jurídico, a fim de lançarmos as bases para uma sociedade harmônica, que não se constrói de outra forma, senão pela isonomia e pela justiça, o que denota a importância do Direito e de seus operadores nesta contrução social.

A própria superação da perspectiva subjetiva em favor da consagração da responsabilidade objetiva nas relações de consumo favorece a criação de um ambiente facilitador na defesa dos interesses do consumidor, enquanto vunerável. Quanto à prevalência da responsabilidade objetiva, pontua Flávio Tartuce[19]:

 

(...) o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor consagra como regra a responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços, frente aos consumidores. Tal opção visa a facilitar a tutela dos direitos do consumidor, em prol da reparação integral dos danos, constituindo um aspecto material do acesso à justiça. Desse modo, não tem o consumidor o ônus de comprovar a culpa dos réus nas hipóteses de vícios ou defeitos dos produtos ou serviços. Trata-se de hipótese de responsabilidade independente de culpa, prevista expressamente em lei, nos moldes do que preceitua a primeira parte do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

 

            O amparo ao consumidor na aquisição de imóvel na planta está preconizado nos dispositivos do Código de Defesa e Proteção ao Consumidor e em seus respectivos princípios norteadores da conduta dos contratantes, embora perceba-se no campo prático e, sobretudo a partir da verificação dos litígios levados ao crivo do Poder Judiciário, que o agir dos fornecedores neste nicho reflete a ausência de atenção aos princípios basilares postos no ordenamento jurídico brasileiro.

 

CONCLUSÃO

 

A partir da análise do crescente número de demandas versando sobre contratos de promessa de compra e venda de bens imóveis na planta, resta evidente que a relação jurídica por ele estabelecida está longe da pacificação e tem sido nascedouro de inúmeras ações judiciais que questionam dispositivos contratuais e práticas empresariais com alto poder lesivo ao consumidor final.

            O mérito destes processos judiciais está justamente na ausência de conhecimento pleno por parte dos consumidores de todos os riscos e detalhes que envolvem o negócio como um todo, consubstanciando-se em ausência de informações claras e precisas. Por tratar-se, efetivamente, de negócio que produz efeitos e se concretiza ao longo do período de obra, estendendo-se no tempo, portanto, a falta de esclarecimentos ao adquirente destes imóveis tem o condão de trazer obstáculos inesperados para o adimplemento do contrato pela parte mais vulnerável – o consumidor –, sobretudo quando trata-se de má-fé empresarial ou conduta ilícita proposital por parte do fornecedor.  

Para ilidir tais práticas e favorecer à harmonização e pacificação neste nicho de mercado, o ordenamento jurídico possui os mecanismos e carga axiológica necessários ao norteamento das relações jurídicas em questão, não só pelo condão de balizar e traçar diretrizes para a conduta objetiva dos atuantes na área, mas também por trazer dispositivos viabilizadores da reparação do dano sempre que os princípios e normas forem violados.

A construção do sistema protetivo ao consumidor contribui diretamente para a criação de um ambiente de negócios qualificado e responsável por suas práticas, garantindo à sociedade de consumo a plena e integral reparação de danos eventualmente sofridos, sobretudo pela ampliação do dever de indenizar.

Assim, o ordenamento vigente dispõe de elementos orientadores desde o início do estabelecimento da relação jurídica até sua plena resolução, passando por mecanismos de reparação do dano e facilitação da defesa dos interesses do consumidor nas relações jurídicas estabelecidas a partir da venda e compra de imóveis na planta.

 

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TARTUCE, Flávio. NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2012.

 

Sobre o autor
Raphael Ferreira S Duarte

Advogado. Perito Avaliador Imobiliário. Professor de Direito Civil. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro - UNESA. Pós-Graduado em Responsabilidade Civil e Direito Consumerista pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ. Pós-Graduando em Direito Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio. Possui Graduação em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Inscrito no Cadastro Nacional de Avaliadores Imobiliários-CNAI. Delegado-Adjunto do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Rio de Janeiro - CRECI-RJ. Membro da Comissão de Assuntos Fundiários e Habitacional da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro. Membro Associação dos Peritos Judiciais do Estado do Rio de Janeiro - APJERJ. Membro Associado do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário- IBRADIM, Membro da Comissão de REURB, Habitação e Moradia Social e Membro da Comissão de Locações e Compartilhamento de Espaços do respectivo Instituto. Sócio de Ferreira & Pastore Sociedade de Advogados. Filiado à Associação Brasileira de Advogados - ABA. Membro da Comissão de Direito Imobiliário da Associação Brasileira de Advogados - ABA no Rio de Janeiro.

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