Releitura sobre o princípio da impessoalidade na administração pública

18/08/2019 às 20:58
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O culto ao personalismo na seara pública pode ser a forma mais grave de ofensa aos cidadãos brasileiros. Sem que haja observância à impessoalidade, tem-se a negação do caráter de equipe; sem ela, continuarão frequentes as atitudes anti-republicanas.

O princípio da impessoalidade guarda enorme envergadura no Direito Administrativo e Constitucional. Algo impessoal, como se pode intuir,  é desprovido de qualquer traço pessoal, com vistas a maior objetividade. A feição objetiva perfaz o modo de pensar e de fazer as coisas de forma livre de interesses, de gostos pessoais. É fornecer uma opinião ou atividade imparcial, isenta. Conferir julgamentos que não são influenciados por sentimentos ou traços pessoais.

A impessoalidade absoluta é impossível. Não há como o gestor ser totalmente frio, calculista, a todo momento. O ser humano tem sentimentos, tem humores e necessidades diferentes, pessoais. Porém, o que é possível é buscar, ao menos na administração pública, ser o mais isento e imparcial possível enquanto gestores/administradores públicos, servidores ou ocupantes de mandatos eletivos. Em cidades pequenas a situação ainda é mais difícil, sendo preciso um grande esforço para atender o princípio constitucional, pois, por meio da sua observância irrestrita, as portas do fisiologismo, assistencialismo, nepotismo e da corrupção se fecham.

O professor Tarcísio Vieira de Carvalho Neto descreve:

O princípio da impessoalidade está no cerne da ideologia que levou à consolidação das agências reguladoras no ordenamento jurídico pátrio. A busca em estabelecer uma atuação administrativa impessoal e imparcial – desvinculada de interesses momentâneos político-partidários – constitui o norte e o objetivo destas instituições. O princípio da impessoalidade, aqui, concretiza-se na esfera da organização administrativa”.

O brasileiro tem excesso de sentimentalismo, subjetivismo e personalismo, e isso está ligado a dois pontos: primeiro à nossa cultura (do império, tradições do homem cordial, citado por Sérgio Buarque de Holanda); depois à falta de informação do brasileiro. A falta de informação, de educação, gera o culto ao personalismo.

O princípio administrativo da impessoalidade  traduz a ideia de que toda atuação da administração deve visar ao interesse público; deve ter como finalidade a satisfação do interesse público. A impessoalidade impede, portanto, que o ato administrativo seja praticado visando a interesses do agente ou de terceiros, devendo ater-se à vontade da lei, comando geral e abstrato em essência. Dessa forma, ele impede perseguições ou favorecimentos, discriminações benéficas ou prejudiciais aos administrados.

Qualquer ato praticado com objetivo diverso da satisfação do interesse público será nulo por desvio de finalidade. Exemplo: é a prática do nepotismo – nomeação de parentes para cargos cujo provimento não exija concurso público. Infelizmente, ainda é prática corriqueira em nossos meios políticos. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a impessoalidade decorre da isonomia  e tem desdobramentos explícitos em dispositivos constitucionais como o art. 37, inciso II, que impõe o concurso público como condição para ingresso em cargo efetivo ou emprego público (oportunidades iguais para todos), e o art. 37, inciso XXI, que exige que as licitações públicas assegurem igualdade de condições a todos os concorrentes. A finalidade da atuação da administração pode estar expressa ou implícita na lei. Há sempre uma finalidade geral, que é a satisfação do interesse público, e uma finalidade específica, que é o fim direto ou imediato que a lei pretende atingir.

Por exemplo: o ato de remoção tem a finalidade específica de adequar o número de servidores lotados nas diversas unidades administrativas de um órgão ou entidade às necessidades e mão de obra de cada unidade, conforme a disponibilidade total de servidores no órgão ou entidade. Se um ato de remoção é praticado com a finalidade de punir um servidor o ato será nulo por desvio de finalidade, mesmo que existisse a efetiva necessidade de pessoal no local para onde o servidor foi removido.

Observe-se que, no exemplo, a remoção não seria frontalmente contrária ao interesse público; não desatenderia abertamente a finalidade geral, porque realmente havia necessidade de pessoal na unidade para a qual o servidor foi deslocado. Todavia, o ato é nulo pelo desvio de finalidade, já que o objetivo subjacente era, na verdade, punir o servidor. Normalmente isso ocorre por alguma desavença política.

Outro exemplo: imagine-se que um servidor, um auditor-fiscal da receita federal do Brasil, peça licença para capacitação, prevista no art. 87 da Lei 8.112/90, a fim de participar de um curso de pintura em porcelana. São os seguintes os termos do citado dispositivo legal: “Após cada quinquênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração, por até três meses, para participar de curso de capacitação profissional”. Suponhamos que a licença seja concedida. Nesse caso, temos desvio da finalidade geral e finalidade específica, pois o ato é contrário ao interesse público (o servidor ficará remuneradamente sem trabalhar para fazer um curso que não interessa a suas atribuições) e é contrário à finalidade específica da lei ( pintura em porcelana não é , para esse servidor, “capacitação profissional”).

A segunda acepção do princípio da impessoalidade está ligada à ideia de vedação à pessoalização das realizações da Administração pública, à promoção pessoal do agente público. Está consagrada no §1º do art. 37 da Constituição. Observa-se que esse segundo desdobramento do princípio da impessoalidade tem por escopo proibir a vinculação de atividades da administração à pessoa dos administradores, evitando que eles utilizem a propaganda oficial para sua promoção pessoal. Assim, uma obra pública realizada, por exemplo, pelo Estado do Rio de Janeiro, nunca poderá ser anunciada como realização de “José da Silva”, Governador, ou de Maria das Graças, Secretária Estadual de Obras, pela propaganda oficial. Será sempre “O Governo do Estado do Rio de Janeiro”, o Município de Belo Horizonte, etc, como realizadores das obras, vedada a alusão a qualquer característica do governante, inclusive a símbolos relacionados a seu nome.

O Supremo Tribunal Federal costuma ser bastante rigoroso na interpretação dessa vedação explicitada no §1º do art. 37 da Constituição Federal. Com efeito, entende a Corte Suprema que nenhuma espécie de vinculação entre propaganda oficial e a pessoa do titular do cargo público pode ser tolerada, nem mesmo quando se trata de utilização , na publicidade do governo, de elementos que permitam relacionar a mensagem veiculada com o partido político do administrador público ou de detentor de mandato eletivo. Ilustra enfaticamente tal posição do partido político do administrador público ou ocupante de cargos eletivos. Também não pode haver alusão ao partido político na publicidade sobre obras, serviços, feitos da administração pública.

“Quanto ao processo seletivo PÚBLICO”, a que se refere o acima aludido artigo 198, §4º da Constituição, a Lei nº 11.350/2006 apenas explicita que 'a contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate a endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Como se pode constatar, pelo menos em sua definição legal, esses 'processos seletivos públicos' não diferem substancialmente dos concursos públicos.

A preocupação que justificou a criação do instituto da estabilidade e sua elevação a patamar constitucional foi possibilitar que os servidores públicos resistam a ingerências de natureza política, ou pressões de grupos econômicos, visando à obtenção de privilégios e favorecimentos de toda ordem, em síntese, evitar que os servidores públicos, no exercício de suas atribuições, sejam coagidos, de qualquer forma, a atuar em desacordo com o princípio da impessoalidade, em evidente detrimento do interesse público.

Sérgio Buarque de Holanda, no livro “Raízes do Brasil”2, tratou muito bem do que ele chama de “desventura da sociedade pensante” no Brasil, que é a omissão de muito de nós em face de temas como a impessoalidade, que soa um dos princípios mais atuais do nosso dia a dia e nos coloca, cada vez mais a pensar sobre sua incidência. No Brasil, temos uma imensa ineficiência em relação ao compromisso com a sociedade e da sociedade. Profissionais do direito, principalmente, calam-se diante de desmandos, de franca violação a esse importante princípio.

No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal” 

Conforme relaciona Fábio Lessa, no seu livro “O princípio da impessoalidade nas licitações”, a administração pública personalista é a forma mais grave de ofensa, prejuízo e negação, porque retira o caráter instrumental (de equipe, de organização) de uma administração pública. Para ele, uma forma do administrador favorecer grupos pessoais ou pessoas próximas é pela fixação do edital da licitação:

Não obstante possua natureza nitidamente instrumental, do Edital é o local onde, não raramente, são consignados os mais diversos artifícios que visam burlar a exigência constitucional da ampla e isonômica participação dos concorrentes e o do julgamento objetivo das propostas. (…) será pessoal ou viciada pela falta de impessoalidade a licitação que, por exemplo, exigir dos licitantes capital registrado vinte vezes superior ao valor estimado do objeto (uma obra, por exemplo), sabendo que apenas uma empresa, ou duas, o tem; a Administração não precisa dessa garantia, nesse montante, para o negócio que pretende”. 

Mas o que esse importante princípio da impessoalidade quer evitar é a busca da concessão de privilégios escusos, dirigir aos que fazem parte do grupo que ocupa o poder, e as perseguições aos que não comungam de seu espírito. Ou seja, não se pode utilizar o poder para punir aqueles que não são seus bajuladores, não são seus seguidores. Aliás, o bom gestor público não precisa de bajuladores, ele precisa, sim, de uma equipe forte, que lhe saiba avisar dos perigos na hora certa, que saiba fazer uma análise objetiva e sustentável sobre uma agenda política eficiente.

O principal problema do princípio da impessoalidade reside na sua aplicação em administrações de municípios pequenos. Noutro ponto, a tendência é o gestor municipal utilizar recursos públicos, por exemplo, a publicidade paga pelo Município em um jornal, para se autopromover (exemplos em que prefeitos publicam texto de dois parágrafos, mas que, no entanto, seus nomes aparecem por cinco vezes a dez vezes no mesmo texto).

A impessoalidade visa a evitar alguns vícios na administração, mas por vezes se apresenta como um princípio pouco compreendido. Problemas como o clientelismo (prática eleitoreira de certos políticos que consiste em privilegiar uma clientela ('conjunto de indivíduos dependentes') em troca de seus votos; troca de favores entre quem detém o poder e quem vota); fisiologismo (conduta ou prática de certos representantes e servidores públicos que visa à satisfação de interesses ou vantagens pessoais ou partidários, em detrimento do bem comum) e nepotismo (favoritismo para com parentes).

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Onde podemos verificar problemas na impessoalidade? Qual sua importância? Quando violado o princípio, quais os danos pode provocar? A profusão desses atos atinge frontalmente primeiro a ética. Concursos públicos fraudados; formação de “cabide de empregos nas prefeituras”; a utilização de desapropriação de imóveis como perseguições e publicidade de atos administrativos como forma de promoção pessoal. Problemas: gestão ineficiente. A não observância à impessoalidade gera danos sérios à qualidade dos serviços prestados. A impossibilidade de formatar equipes de servidores qualificados pela seriedade, competência e qualidade do serviço; induz o mal emprego de verbas públicas em obras de péssima qualidade, perpetuação de equipe ineficiente e até criminosa; personalismo e, por fim, o populismo.

Não obstante a impessoalidade da administração pública brasileira vista pelo Direito Constitucional e o Direito Administrativo, as condições socioculturais para manutenção das práticas personalistas ainda são muito fortes. É preciso resgatar valores de cidadania. Antes, ainda no império, tivemos a administração totalmente personalista, baseada na figura do rei. Após, com o Estado de Direito, estado sujeito às leis, tivemos uma soberania transferida ao povo. É o que está atualmente no artigo 1º da Constituição Federal. Assim, a partir disso, a lei deveria ser genérica, o julgamento do juiz imparcial e administração impessoal, ou seja, não pode funcionar a partir dos humores do gestor (o prefeito, o governador e o presidente), mas sim de diretrizes traçadas objetivamente em lei.

Essa é, na verdade, uma constante luta. Uma luta que não deve ser apenas dos profissionais que atuam no direito, mas sim profissionais que atuam nas mais diversas áreas, ou o cidadão em geral.   O professor exerce papel fundamental em sua profissão, transmitindo aos alunos não os feitos que o partido “A” ou partido “B” fez; a ideologia "C" ou "D" como a melhor, mas fazer nossos alunos raciocinar pela cultura do objetivismo e da impessoalidade.

Tristes exemplos de pessoalidade na publicidade e também nas repartições. A teoria do órgão – vertente que advém da impessoalidade – impede que os bens e serviços sejam imputados ao gestor público, e sim ao órgão. O servidor quando pratica um ato, não pratica o ato em nome próprio, mas é a própria administração praticando o ato jurídico. Não é o prefeito que libera as verbas para pagar os funcionários, é o Município; não é o presidente quem libera recursos para manter uma instituição federal, é a União.

O princípio da impessoalidade quer evitar que ocorra propagandas de cunho pessoal (do gestor, administrador, servidor ) com emprego de dinheiro público. Ainda persistem práticas reprováveis de manter imagens e fotografias de gestores nas repartições públicas. A dificuldade no Brasil é muito grande nesse ponto, uma luta constante, pois o personalismo é de natureza cultural. O permissionismo e a tolerância da sociedade brasileira em relação aos que gerem a coisa pública como se estivessem administrando seus próprios negócios, sua casa, sua fazenda, é gritante. Pode parecer pouca coisa, porém, o desleixo com esse princípio, como já dito, favorece práticas como a corrupção, nepotismo, fisiologismo, clientelismo e assistencialimso.

Por que mudar essa realidade? Não só porque o princípio da impessoalidade, ao lado da legalidade, moralidade, eficiência e publicidade, é um princípio constitucional, mas porque o personalismo é a porta de entrada da corrupção.  Fábio Lins de Lessa Carvalho ensina: 

A licitação é considerada pela maioria dos administradores públicos, mesmo para os que agem de boa-fé , um verdadeiro obstáculo à atuação estatal, um mecanismo jurídico que entrava e embaraça os negócios públicos, não sendo vislumbrado o sentido de controle que desempenha na atuação administrativa. Alerte-se, todavia, que a licitação não é um mal, não é um procedimento necessariamente lento, complicado, burocratizado, puramente formal e sem resultados práticos. Não se pode confundir a licitação com a patologia da licitação. Nâo se pode confundir a licitação com o mau uso que dela se tem feito”.  

Além da corrupção, o personalismo facilita o voto com base em paixões. É o mal do populismo, que é uma prática política em que se arroga a defesa dos interesses das classes de menor poder econômico, a fim de conquistar a simpatia e a aprovação popular. A impessoalidade serve para que não mais coloquemos aquele velho ditado em prática: “aos inimigos, a lei; aos amigos, tudo”. Isso é reprovável, possui uma carga de alta censurabilidade, apesar de ser algo arraigado em nossa cultura. A expressão no Brasil “você sabe com quem está falando?”, aquela simples carteirada, tem um ranço personalista muito grande. Só para termos uma comparação: no Brasil, utilizamos “você sabe com quem está falando?” como um meio de impor o poder; colocar-se acima de qualquer erro ou suspeita e inferiorizar o interlocutor. Já nos EUA, essa expressão sequer é utilizada. Como a cultura patriota e impessoal deles é diferente, perguntam: “who do you think you are?”. Ou seja, quem você pensa que é, não como forma de intimidar, menosprezar, inferiorizar o interlocutor, e sim para mostrar que todos são iguais.

Aliás, no Brasil, nós utilizamos muitas situações que violam o princípio da impessoalidade: i. aplicar as “brechas da lei: exemplo típico: querer “alargar” as hipóteses de contratação direta  (sem licitação); ii. Troca de favores: "toma-lá-dá-cá", principalmente nas eleições para cargos eletivos; iii. o jeitinho brasileiro de abandonar a verdade e acreditar no melhor orador; iv. corrupção: intercâmbio de favores entre a administração pública e particulares; v. clientelismo: distribuição de recursos em troca de apoio político; vi. Fisiologismo: tipo especial de clientelismo com distribuição de cargos para membros do próprio grupo ou partido.

Mas qual o perfil do administrador, gestor personalista? Para podermos combater tais práticas é preciso conhecê-las. Infelizmente, para boa parcela da população, mesmo que intuitivamente, há a concepção e expectativa de que um bom governo depende apenas de uma pessoa popular, um heroi. Nossa cultura é individualista, pouco focada na garantia de direitos e deveres para a coletividade. Lida-se com pouca seriedade em relação a pontos muito caros à direitos difusos, coletivos lato sensu e individuais homogêneos.   A carga de sentimentalismo do povo brasileiro leva a essa ausência, bem assim pela má escolha política durante as eleições. 

E porque esse administrador/político ainda consegue se perpetuar no poder? Porque ele distribui favores para seus protegidos e para aqueles que o ajudaram nas eleições (clientelismo), realizando barganhas inconfessáveis (fisiologismo) com o dinheiro público. A população, até pouco tempo, apoiava ou se portava com indiferença ante a tais graves medidas, acreditando que essas atitudes são necessárias para garantir a governabilidade.

Esse agente público personalista (incluído os agentes políticos)  persegue os que possuem ideias diferentes.  Só pelo fato de um servidor, um jornalista - ou até mesmo aqueles que exercem a função de controle -, terem ideias divergentes, passam a ser tidos como inimigos, ainda que estiverem agindo conforme seu papel constitucional. É possível identificá-lo por meio de seus próprios discursos. Quando você ouve em entrevistas, em comícios, em locais públicos, ele comendando e utilizando o verbo na primeira pessoa, pode desconfiar que esse é um gestor personalista. “Eu fiz”, “eu farei”, em vez de “nós”, “a minha equipe de governo”; “nós, com o apoio do cidadão e até da oposição”. Não é surpresa ver essas publicidades com dinheiro público utilizando seu próprio nome.

Além de tudo isso, o político personalista faz publicidades pessoais excessivas e acredita que é esperto. Apesar de estar cercado de pessoas técnicas que possam dizer a ele que ele está em um caminho errado, normalmente não gosta de suas opiniões e dicas. Ele não gosta de pessoas que confrontam na ideia ou passam algumas informações. Prefere, por outro lado,  bajuladores.  Isso, por óbvio, prejudica o trabalho em equipe; fulmina o princípio da impessoalidade que se deve presar na administração pública.

Finalmente, o gestor personalista se aproveita da máquina pública para se reeleger. Talvez há um problema no nosso sistema de reeleições. Como reagir a tudo isso?

O movimento de reação ao personalismo é crescente e está cada vez mais presente, conforme se pode observar das últimas eleições, em 2018. Manifestações da sociedade, o povo nas ruas, demonstra muito isso. As mudanças devem agir por meio de quatro grandes pilares: i. popular; ii. jurídico; iii. jornalístico; iv. institucional. É possível constatar que as duas primeiras estão bem adiantadas. Expressões populares e reuniões são muito praticadas hoje em dia. No best seller Como as Democracias Morrem?, Levitsky e Ziblatt oportunamente destacam:

"O igualitarismo, a civilidade, o sentido de liberdade e o propósito compartilhado retratados por EB White eram a essência da democracia americana em meados do século XX. Hoje, essa visão está sob ataque. Para salvar a democracia, os norte-americanos precisam restaurar as normas básicas que a protegiam no passado. Entretanto, é preciso fazer mais do que isso. Nós temos que estender essas normas por toda uma sociedade diversificada. Temos que torná-las realmente inclusivas. Em seu âmago, as normas democráticas dos Estados Unidos sempre foram saudáveis. Porém, por grande parte da nossa história, elas foram acompanhadas- com efeito, sustentadas - por exclusão racial. Hoje, é preciso fazer essas normas funcionarem numa era de igualdade racial e de diversidade étnica sem precedentes. Poucas sociedades conseguiram ser multirraciais e genuinamente democráticas. Esse é o nosso desafio. Se o respondermos de maneira satisfatória, a América será sem dúvida excepcional". - Levitsky, Steven; Ziblatt, Daniel. Como as Democracias morrem. 1a. Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. p. 218.

Em conclusão, é preciso lembrar que o princípio da impessoalidade tem duas vertentes: 1. aquela que impõe a situação da imputação ao órgão, segundo a qual a ação do servidor, do agente, não é dele, e sim do órgão ou da entidade. Assim, não é o diretor que faz, é o instituto; não é o prefeito quem contrata, é o município; 2. a outra vertente é atribuída à situação do cumprimento da finalidade da lei. E qual a finalidade da lei? Atingir e melhorar o bem comum, como já alertava Rousseau, em seu contrato social. Então, como explicar, à luz do princípio da impessoalidade, a situação em que o gestor vá beneficiar apenas aqueles que comprou votos ou que ajudou nas eleições?

Logo, esse último aspecto da impessoalidade deve ser muito bem trabalhado e cuidadosamente exigido pelos cidadãos, pois, do princípio da impessoalidade advém uma regra de outo para valorizarmos a meritocracia, como os concursos públicos. O subprincípio do concurso público advém da impessoalidade. Salvo algumas situações dispostas na constituição (funções de confiança, contratos temporários), o gestor público não pode sair por aí contratando quem ele quiser. O sistema exige o concurso, como etapa para o ingresso no serviço público com estabilidade. Além de sedimentar a igualdade de oportunidade, o concurso permite trazer pessoas que melhor podem desempenhar o serviço, de acordo com seu mérito e por meio de critérios objetivos. Pelo concurso público afasta-se apaniguados, parentes, pessoas inaptas. Pela impessoalidade, busca-se atingimento aos demais princípios genuinamente constitucionais, em destaque à eficiência.

CARVALHO. Fábio Lins de Lessa. O princípio da impessoalidade nas licitações. Maceió: Edufal, 2005. 

Carvalho Neto, Tarcísio Vieira de. O princípio da impessoalidade nas decisões administrativas. 1a. Ed. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2015. 

Congresso em foco. Disponível em  https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/quem-sao-e-o-que-dizem-os-238-deputados-e-senadores-investigados-no-stf/ Acesso em 14 de agosto de 2019.

BRASIL.  CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 Disponível em:   http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em  10 de agosto de 2019. 

BRASIL. Congresso. Senado. PL 7596/2017. Brasília, DF,  Disponível em : https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4667B8EB8EDB9CE60F072EF6781ADCEF.proposicoesWebExterno2?codteor=1791091&filename=Tramitacao-PL+7596/2017. Acesso em 17 de agosto de 2019.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil – 26. ed – São Paulo : Compahia das Letras, 1995.

 Levitsky, Steven; Ziblatt, Daniel. Como as Democracias morrem. 1a. Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

ROUSSEAUDo contrato social. São Paulo: Martin Claret, 2003.

 

 

Sobre o autor
Rafael Lopes Lorenzoni

Juiz de Direito e Professor Universitário. Especialista em Direito Penal e Processual Penal; Direito Empresarial; Direito Eleitoral.

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