O que é built to suit ?

19/08/2019 às 16:05
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Busca a análise do conceito (fattispecie) do instituto e a discussão de algumas situações práticas de sua incidência no dia a dia forense.

 A economia global em constante mutação pode, por vezes, tornar compensatória a não mobilização de capitais em determinado da exploração da atividade, tornando compensador para que, outra empresa ou outro investidor coloque à disposição desse empresário um imóvel com adaptações específicas ao ramo de atividade dessa pretendente à locação.

Isso porque, como já conhecido os agentes econômicos, por maior que seja a regulamentação ou o plano central que se pretenda impor numa atividade econômica (o que acontece em regimes que sejam mais ou menos socialistas dentro de sua grande gama classificatória tal como proposto por Kevin Williamson em O Livro Politicamente Incorreto da Esquerda e do Socialismo), inexoravelmente a “mão invisível” de Adam Smith intervirá para a fixação de preços e comportamentos.

E tal situação já vem acontecendo, por exemplo, com a locação de frotas de veículos, eis que parece ser menos oneroso pagar aluguel do que ser proprietário do veículo sujeito a constante desgaste e oneração. A violenta carga tributária incidente sobre propriedade parece também, ser dado desestimulante para que pessoas ou empresas se tornem senhoras de algum bem.

Nessa conjuntura se concebe o contrato de built to suit que, em tradução literal indica a ideia de construído para servir que, até o ano de 2012 poderia ser considerado um contrato atípico ou inominado no direito brasileiro – no entanto, a partir do advento da Lei nº 12.744 daquele ano que expressamente inseriu tal figura contratual no âmbito da Lei de Locações de Imóveis Urbanos – Lei nº 8.245/91 com um artigo 54 A.

Dúvida não há, portanto, no sentido de que essa figura de locação seja de tipo interempresarial, o que, nos termos da MP 881 de 2019 implica numa relação que se presume simétrica (artigo 480 A do Código Civil com redação por esta MP), dentro dos escopos da declaração de liberdade econômica, o que implica numa situação de interpretação menos protetiva e mais igualitária da própria Lei de Locações normalmente mais proativa em relação à figura do locatário, visto como hipossuficiente. Aliás, parece não ser o caso, de se aplicar os termos do CDC em relação a esses contratos.

Sobre a questão, inclusive:

TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 00703537020178190000 RIO DE JANEIRO SUMIDOURO VARA UNICA (TJ-RJ) Data de publicação: 13/12/2017 EMENTA AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO PRELIMINAR DE LOCAÇÃO, NA MODALIDADE BUILT TOSUIT. ALEGAÇÃO AUTORAL DE DEMORA NA FORMALIZAÇÃO DO CONTRATO PRINCIPAL, ACARRETANDO DANOS MATERIAIS E MORAIS. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA PARA DETERMINAR O BLOQUEIO DA QUANTIA DE R$ 24.263,58 NAS CONTAS DA AGRAVANTE, CORRESPONDENTE A TRÊS MESES DE ALUGUEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMÓVEL QUE SE DESTINA A INVESTIMENTO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA PARA UMA DAS CÂMARAS NÃO ESPECIALIZADAS DESTE TRIBUNAL. 1. O contrato celebrado entre as partes visava a construção de imóvel a ser utilizado pelo agravante como agência bancária, servindo como fonte de renda aos agravados, mediante pagamento de aluguel. 2. Neste tipo de relação não há a incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor , afastando-se a competência deste Órgão Julgador. Precedentes: 0004298-73.2013.8.19.0002 -Apelação. Des (A). Maria Luiza de Freitas Carvalho - Julgamento: 03/05/2017 - 27ª Câmara Cível Consumidor. 0005631-92.2015.8.19.0001 - Apelação. Des (A). Werson Franco Pereira Rêgo - Julgamento: 19/04/2017 - Vigésima Quinta Câmara Cível Consumidor. 3. Declínio de competência.

No caso do built to suit, no entanto, esse viés específico que permite que se construa e empreenda em imóvel a troco de garantia de locação, para empresa idônea, em sistema de justas expectativas, por certo período de tempo que possibilite obter o retorno do investimento, o que pressupõe um sistema de garantias, de modo a tornar o negócio vantajoso tanto para o inquilino que ficará com o capital desmobilizado para ser utilizado em estoques ou inovações tecnológicas, como para o empreendedor que ficará com a renda locatícia para remuneração de seu capital, quiçá em bases mais vantajosas que nas aplicações tradicionais.

Não obstante se cuide de instituto muito próximo de uma locação, não se pode perder de vistas sua natureza híbrida, eis que, além da disponibilidade da coisa, por certo espaço de tempo, como numa locação comum, tem-se que no built to suit, há um componente adicional, eis que o locador irá realizar obras pertinentes e compatíveis com as necessidades específicas do contratante. Nesse sentido, a jurisprudência tem entendido que a remuneração teria natureza diferenciada da de um simples aluguel.

Sobre a questão (e exemplificando o que se quis dizer acima no que tange à necessidade de observância de justas expectativas, em torno do grande volume muitas vezes investido na adaptação e disponibilização de um imóvel):

TJ-DF - Apelação Cível APC 20130110597287 (TJ-DF) Data de publicação: 23/05/2016 EMENTA CONTRATO DE LOCAÇÃO “BUILT TO SUIT”. REVISÃO DO VALOR DO ALUGUEL ANTERIORMENTE AO TERMO FIXADO PELAS PARTES CONTRATANTES. SUPERVENIÊNCIA DE DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANUTENÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO. 1.Pelo contrato de locação “built to suit”, a locadora se compromete a edificar o imóvel locado segundo os interesses do locatário, de modo que a composição da contraprestação não leva em consideração apenas o valor referente ao aluguel. 2.Tratando-se de contrato de locação “built to suit” firmado anteriormente à edição da Lei nº 12.744 /2012, a revisão do valor da locação somente é cabível quando houver efetiva comprovação do superveniente desequilíbrio entre as partes contratantes. 3.Não estando evidenciado fato extraordinário posterior à celebração do negócio jurídico, apto a caracterizar o desequilíbrio entre as partes contratantes, deve ser mantida cláusula contratual que autoriza a rediscussão do valor da locação somente após o término do prazo inicial de locação. 4.Tratando-se de sentença na qual não houve condenação, os honorários advocatícios devem ser fixados nos termos do § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil , não havendo justificativa para a modificação da aludida verba de sucumbência quando observados os parâmetros expostos nas alíneas “a”, “b” e “c” do § 3º do mesmo dispositivo legal. 5.Recursos de Apelação conhecidos e não providos.

No mesmo sentido, dando conta do componente investimento nesse tipo de contrato:

TJ-SP - 10013153220178260008 SP 1001315-32.2017.8.26.0008 (TJ-SP) Data de publicação: 13/07/2018 EMENTA LOCAÇÃO – Ação revisional de aluguel de imóvel não residencial proposta por locadores – Previsão contratual de compensação dos valores dos aluguéis com benfeitorias introduzidas pelos locatários – Discrepância entre o atual valor e o pretendido pelos locadores – Sentença de improcedência – Contrato celebrado na modalidade "built to suit" – Viabilidade da manutenção do valor do aluguel fundada na alegação de existir expresso consentimento dos locadores – Impossibilidade de revisão sob pena de afronta ao princípio pacta sunt servanda – Livre estipulação das partes que ensejou não apenas a finalidade de servir de contraprestação pelo uso do imóvel, mas, sobretudo, o retorno do investimento realizado pelos locatários – Rescisão contratual que não se discute, mas apenas pedido de majoração do aluguel – Sentença mantida – Sucumbência a cargo dos autores – Apelação desprovida

Vale dizer, igualmente, que estas especificidades impedem que, por exemplo, em situações de revisionais de aluguéis se adote, apenas e tão somente o critério do valor de mercado, eis que este não seria o único critério a ser observado (não se confunde o instituto com uma locação comum). Sobre a questão, o quanto decidido em:

TJ-SP - Agravo de Instrumento AI 20968147920198260000 SP 2096814-79.2019.8.26.0000 (TJ-SP) Data de publicação: 18/06/2019 EMENTA CONTRATAÇÃO "BUILT TO SUIT". LOCADORA QUE REALIZOU A CONSTRUÇÃO EM SEU IMÓVEL, SEGUNDO AS ESPECIFICAÇÕES DA LOCATÁRIA. PLEITO DE FIXAÇAO DE ALUGUEL PROVISÓRIO, VISANDO DETERMINAR O VALOR DE MERCADO. INADMISSIBILIDADE. PROVIDÊNCIA NÃO COMPATÍVEL COM A PECULIARIDADE DA CONTRATAÇÃO. CONTRAPRESTAÇÃO QUE NÃO LEVA EM CONTA APENAS A REMUNERAÇÃO PELO USO DA COISA, MAS DEVE COMPREENDER O RETORNO DO INVESTIMENTO REALIZADO, ENQUANTO NÃO SE ESGOTAR O PRAZO DESTINADO À AMORTIZAÇÃO DO CAPITAL INVESTIDO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. As partes realizaram a contratação da locação, tendo a locadora promovido a construção no imóvel, segundo as especificações da parte locatária. 2. A fixação do aluguel, segundo a livre estipulação das partes, levou em conta, não apenas a finalidade de servir de contraprestação pelo uso do bem, mas, sobretudo, o retorno do investimento realizado no local. 3. Embora se trate de contrato estabelecido antes da entrada em vigor da Lei 12.744 /2012, que inseriu o artigo 54-A na Lei 8.245 /1991, a matéria não comporta tratamento diferenciado, pois incompatível a aplicação pura e simples da Lei 8.245 /1991, em sua primitiva redação a essa modalidade contratual. 4. Não há como cogitar, ao menos neste momento, da existência de direito à revisão contratual, pois não se trata de simples adequação de valor à realidade de mercado, diante da constatação de que ainda não se esgotou o prazo previsto para que se complete a amortização do investimento, segundo a contratação das partes. 5. Não se deparando, em princípio, com a identificação da probabilidade do direito afirmado, não há fundamento para deferir a tutela antecipada para fixar novo valor locatício.

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A respeito da necessidade de se manter o equilíbrio entre os parâmetros para a remuneração como locação e recuperação do investimento, mantendo-se um certo sinalagma em relação ao ajustado pelas partes, interessante destacar:

TJ-SP - Apelação APL 10012140920158260220 SP 1001214-09.2015.8.26.0220 (TJ-SP) Data de publicação: 05/11/2018 EMENTA INSTRUMENTO PARTICULAR ATÍPICO SIMILAR A MODALIDADE "BUILT TO SUIT". MULTA COMPENSATÓRIA DEVIDA. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. EXEGESE DO ART. 413 DO CC . OBSERVÂNCIA A PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. EQUILÍBRIO ENTRE A REMUNERAÇÃO PELO USO DO IMÓVEL E A AMORTIZAÇÃO DOS INVESTIMENTOS EFETUADOS PELOS LOCADORES PARA A CONCRETIZAÇÃO DO NEGÓCIO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO INDEVIDO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Ainda sobre a manutenção do sinalagma no quanto couber, e sobre a necessidade de observância de limites de boa-fé objetiva nesses contratos, contendo-se atos de abuso de direito (atos próprios, que são atos ilícitos nos termos do artigo 187 CC), de se destacar:

TJ-DF - 07053133620178070000 DF 0705313-36.2017.8.07.0000 (TJ-DF) Data de publicação: 23/11/2017 EMENTA Conquanto concertado contrato de locação de imóvel com consttrução e outras avenças (built to suit), a incontroversa ausência de início das obras por parte da locadora, a despeito de firmado o negócio há mais de 02 anos, com o conseqüente dispêndio mensal da prestação locatícia convencionada, irradia os pressupostos aptos a legitimarem que a locatária seja agraciada com tutela provisória sob a forma de antecipação de tutela em caráter antecedente volvida a autorizá-la a suspender o pagamento da prestação sem que incorra nos efeitos da mora, porquanto verossímil a argumentação que alinhara quanto à imputação de inadimplência à contraparte, revestindo de plausibilidade o direito que invocara, e o risco de experimentar dano de difícil reparação proveniente da continuidade dos desembolsos sem qualquer contrapartida efetiva. 4. Estabelecida crise na relação negocial proveniente da não realização da prestação reservada à locadora, deve ser obstada de exigir da locatária a satisfação das obrigações convencionadas, pois condicionada e dependente a contraprestação do cumprimento da sua obrigação na forma contratada, derivando dessa constatação que, plausível a mora imprecada, a locatária deve ser autorizada a suspender o pagamento das parcelas da contraprestação da locação diante da natureza comutativa e bilateral do negócio sem que experimente os efeitos inerentes à inadimplência ( CC , art. 476 ) e como forma, inclusive, de minimizar ou pelo menos não aumentar, tanto quanto possível, injustificadamente, seu próprio dano (duty to mitigate the loss , ou dever de mitigar o próprio prejuízo). 5. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Preliminar rejeitada. Unânime

Entendendo possível a cumulação, nesses contratos, de pedidos de despejo com cobrança de encargos da locação, de se destacar:

TJ-SP - Apelação APL 10629607820148260100 SP 1062960-78.2014.8.26.0100 (TJ-SP) Data de publicação: 24/10/2016 EMENTA LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL - DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO - COBRANÇA DE ALUGUÉIS E ENCARGOS LOCATÍCIOS - Caracterizada a inadimplência – Contrato de locação na modalidade built to suit que não visa apenas remunerar o uso do imóvel, mas também amortizar os investimentos efetuados para a concretização do negócio (nos termos do artigo 54-A da Lei número 8.245 /91)- Possível a cobrança de encargos locatícios (contraprestação pela reforma do imóvel) nas ações de despejo - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, para declarar rescindido o contrato e condenar ao pagamento do valor de R$ 263.785,48 - Cabível a condenação ao pagamento das parcelas vincendas de obrigação de prestação periódica (artigo 290 do antigo Código de Processo Civil )– Persiste a obrigação ao pagamento dos aluguéis e encargos da locação vencidos até a desocupação do imóvel (03 de novembro de 2014) -RECURSO DE APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO E AGRAVO RETIDO E RECURSO DE APELAÇÃO DA REQUERIDA IMPROVIDOS, PARA CONDENAR AO PAGAMENTO DOS ALUGUÉIS E ENCARGOS DA LOCAÇÃO VENCIDOS ATÉ 03 DE NOVEMBRO DE 2014 (INCLUSIVE), COM CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS DE 1% AO MÊS, AMBOS CONTADOS DESDE OS VENCIMENTOS, E MULTA DE 10% DO VALOR DO DÉBITO.

Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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