Da (im)possibilidade de interceptação telefônica em ato infracional

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19/08/2019 às 18:30
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Das considerações finais

Por fim, - se a Lei da Interceptação Telefônica (Lei nº 9.296/1996) dispõe que a “interceptação de comunicações telefônicas [...] para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça” (art. 1º) e se de outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescenteconsidera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal” (art. 103, ECA)-, entendemos que se um adolescente em conflito com a lei, pratica um ato infracional, que se fosse praticado por adulto seria apenado com reclusão e haja indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal (ato infracional) e não exista outro meio disponível para produção de provas, não resta outro caminho, a não ser a implementação da interceptação telefônica[10].


Notas

[1]Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

[2] Ainda poderia se arvorar do argumento de que não existem palavras inúteis do texto da lei.

[3] Deveras, não existem palavras inúteis do texto da lei.

[4] O legislador não restringiu de forma expressa, não cabendo o intérprete limitar o alcance das previsões no campo probatório. O silêncio eloquente do legislador foi sagaz, pois quando silenciou quando poderia expressamente vedar o alcance em outros crimes, o legislador deixou a via aberta para se estender a interpretação e o alcance.

[5] Vigora no direito brasileiro a livre iniciativa probatória, assim, em tema de prova, se não houver vedação expressa, a prova é permitida.

[6] Apesar de o art. 226 do ECA, fazer alusão da aplicação do Código de Processo Penal apenas aos crimes previstos no ECA, não visualizamos problemas de sob o ponto de vista da hermenêutica envidar exegese para permitir a aplicação do Código de Processo Penal residualmente – no que for omisso o ECA procedimentalmente – e outros instrumentos compatíveis com o Estatuto da Criança e do Adolescente no que for possível. A propósito, confiramos a redação do dispositivo citado: “Art. 226. Aplicam-se aos crimes definidos nesta Lei as normas da Parte Geral do Código Penal e, quanto ao processo, as pertinentes ao Código de Processo Penal.”

[7] Proibição de proteção ineficiente ao aparelho estatal.

[8] “Direito Processual Penal. Nulidade insanável. Interceptação telefônica. Juiz absolutamente incompetente. Princípio do juiz natural. Prova ilícita por derivação. “(...) 1. Nos termos do artigo 1º da Lei 9.296/1996, a competência para deferir a interceptação telefônica no curso do inquérito policial é do juiz competente para a ação principal. 2. Prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento segundo o qual a competência para autorizar a interceptação telefônica no curso das investigações deve ser analisada com cautela, pois pode ser que, inicialmente, o magistrado seja aparentemente competente e apenas no curso das investigações se verifique a sua incompetência.(...) 4. De acordo com as regras de competência previstas no Código de Processo Penal e no Código Judiciário do Estado de São Paulo, competiria a uma das Varas Criminais de Ribeirão Preto - que teria atribuição para julgar um futuro processo criminal decorrente das investigações - a apreciação do requerimento de interceptação de determinadas linhas telefônicas formulado pelo órgão ministerial. 5. Havendo quatro Varas Criminais com igual competência para processar e julgar eventual ação penal contra o paciente, o requerimento de interceptação telefônica deveria, consoante o artigo 75 do Código de Processo Penal, ter sido objeto de distribuição entre uma delas, o que não ocorreu, já que o pleito foi encaminhado ao Juiz Corregedor, titular da Vara do Júri e Execuções Criminais, em violação ao princípio do juiz natural. 6. A garantia do juiz competente não se restringe ao direito de ser processado e julgado por órgão previamente conhecido, também se aplicando às hipóteses de restrição de direitos fundamentais no curso do processo, notadamente as que pressupõem permissão judicial, como a busca e apreensão e a interceptação das comunicações telefônicas. 7. Concessão da ordem para declarar a nulidade das interceptações telefônicas e de toda a prova dela decorrente, determinando-se o seu desentranhamento dos autos. (...)” (STJ - 5.ª T. - HC 83.632 - rel. Jorge Mussi - j. 19.08.2010 - public. 20.09.2010).

[9]“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES MILITARES. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DECRETADA PELA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. INCOMPETÊNCIA. NULIDADE DA PROVA COLHIDA. 1. Somente o juiz natural da causa, a teor do disposto no art. 1.º, Lei n.º 9.296/96, pode, sob segredo de justiça, decretar a interceptação de comunicações telefônicas 2. Na hipótese, a diligência foi deferida pela justiça comum estadual, durante a realização do inquérito policial militar, que apurava a prática de crime propriamente militar (subtração de armas e munições da corporação, conservadas em estabelecimento militar). Deve-se, portanto, em razão da incompetência do juízo, declarar a nulidade da prova ilicitamente colhida. 3. Ordem concedida” (STJ - HC: 49179 RS 2005/0177420-6, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 05/09/2006, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 30/10/2006 p. 341RSTJ vol. 206 p. 403).

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[10] Dentro de um interpretação sistemática e da máxima de que não existe palavras inúteis no texto da lei, não faria sentido algum, o Estatuto do Menor considerar o ato infracional como crime ou contravenção, e se criar entraves para incidência de importante instrumento na persecução penal – que não tem objeção para uso na situação envolvendo adultos –, e com maior razão também, na persecução socioeducativa não deveria ter, mormente sob a máxima de que onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito.

Sobre o autor
Joaquim Júnior Leitão

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Graduado pela Centro de Ensino Superior de Jataí-GO (CESUT). Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colaborador do site jurídico Justiça e Polícia.

Informações sobre o texto

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