A “Fluid Recovery” do Código de Defesa do Consumidor

19/08/2019 às 23:36
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O artigo analisa o art. 100 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), sobre a “fluid recovery” (reparação fluída), ou execução coletiva residual

O art. 100 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)  prevê a denominada “fluid recovery” (reparação fluída), ou execução coletiva residual, que consiste na atribuição ao legitimado ativo para a propositura da ação coletiva, da legitimidade ativa para promover a liquidação e o cumprimento da sentença, quando não tiverem sido promovidas execuções individuais suficientes para reparar o dano no prazo de um ano (a contar do trânsito em julgado): “Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida”.

Portanto, quando as execuções individuais não forem suficientes para a reparação integral do dano, o Ministério Público, a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, o órgão da Administração Pública destinado à defesa de interesses ou direitos coletivos, ou a associação legalmente constituída há pelo menos um ano (e que inclua entre seus fins a defesa de interesses ou direitos coletivos) pode promover a liquidação e o cumprimento da sentença transitada em julgado na ação coletiva.

Ressalta-se que qualquer um dos legitimados ativos para a ação coletiva também possui legitimidade ativa para a execução na “fluid recovery” (ainda que não seja o autor da demanda), o que consiste igualmente em uma legitimação concorrente.

Ressalta-se que, enquanto as sentenças relativas a interesses ou direitos difusos ou coletivos podem ser executadas pelos legitimados e interessados (Individualmente) ou pelos legitimados para a ação coletiva (arts. 97 e 98 do CDC), as sentenças relativas a interesses ou direitos individuais podem ser executadas:

(a) pelos legitimados e interessados, em regra;

(b) apenas pelos legitimados e interessados, quando a quantidade de execuções individuais for compatível com a gravidade do dano;

(c) e por qualquer um dos legitimados ativos para a propositura da ação coletiva, quando, após o decurso de um ano a partir do trânsito em julgado, não tiver ocorrido a habilitação de interessados na execução individual em número compatível com a gravidade do dano.

Nessa última situação, o exequente não é um substituto processual do legitimado ativo para promover a execução individual, mas sim um colegitimado. Como visto, trata-se de uma legitimidade concorrente, mas eventual e subsidiária, que surge apenas um não após o trânsito em julgado, quando o dano grave não tiver sido satisfatoriamente reparado.

Busca-se, com a “fluid recovery”, promover a reparação integral dos danos e, consequentemente, evitar o enriquecimento sem causa do causador do dano. Há, portanto, um caráter punitivo dessa espécie de liquidação e cumprimento de sentença, porque visa produzir consequências jurídicas contra o ato ilícito, inibir a sua continuidade ou reiteração e impedir a obtenção indevida de ganhos com a sua prática.

Essa situação pode ocorrer quando o valor a ser recebido pelos legitimados é muito reduzido (levando ao desinteresse na execução individual), ou em qualquer outra hipótese de inércia dos interessados na liquidação e execução individual da sentença.

Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça entende que “(...) a reparação fluida (fluid recovery), por outro lado, constitui específica e acidental hipótese de execução coletiva de danos causados a interesses individuais homogêneos, instrumentalizada pela atribuição de legitimidade subsidiária aos substitutos processuais do art.  82 do CDC para perseguirem a indenização de prejuízos causados individualmente aos consumidores, com o objetivo de preservar a vontade da Lei e impedir o enriquecimento sem causa do fornecedor” (REsp 1741681/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23/10/2018, DJe 26/10/2018).

No mesmo sentido: “(...) a reparação fluída (fluid recovery) é utilizada em situações nas quais os beneficiários do dano não são identificáveis, o prejuízo é individualmente    irrelevante    e    globalmente    relevante   e, subsidiariamente, caso não haja habilitação dos beneficiário” (REsp 1187632/DF, 4ª Turma, rel. p/ acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 05/06/2012, DJe 06/06/2013).

A legitimidade do Ministério Público para a promoção da liquidação e cumprimento na “fluid recovery” deriva não apenas do art. 100 do CDC, mas também do art. 5º, § 3º, da Lei nº 7.347/85.

Nesse ponto, o STJ já decidiu que “(...) a legitimação concorrente conferida ao Ministério Público para a liquidação/execução da sentença coletiva é subsidiária, podendo ser exercida  somente  após  o  escoamento  do  prazo  de 1 (um) ano sem habilitação  de interessados em número compatível com a gravidade do dano,  nos  moldes  do  art.  100  do Código de Defesa do Consumidor (fluid recovery)” (REsp 1610932/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27/04/2017, DJe 22/06/2017).

Na “fluid recovery”, o valor obtido no cumprimento de sentença promovido pelo legitimado coletivo será destinado ao fundo de reconstituição dos bens lesados previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), conforme prevê o parágrafo único do art. 100 do Código de Defesa do Consumidor.

A destinação do valor da reparação dos danos para um fundo específico é a regra nas ações que buscam a tutela de direitos coletivos e difusos. Quanto o objeto da ação coletiva for um direito individual homogêneo, a regra é a execução individual, com a reparação do dano diretamente em favor de cada vítima. Logo, a execução coletiva residual – com a destinação parcial do valor da condenação para o fundo – é excepcional e só pode ocorrer nas hipóteses previstas no art. 100 do CPC e após o decurso do prazo de um ano da formação da coisa julgada material.

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Por ser uma execução residual, que busca a recuperação integral reconhecida na sentença proferida em ação coletiva, o valor da indenização ou da compensação a ser fixado na “fluid recovery” deve levar em consideração: (a) a gravidade do dano; (b) e a quantidade de execuções individuais propostas e a quantia já paga pelo executado.

Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

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