O art. 100 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) prevê a denominada “fluid recovery” (reparação fluída), ou execução coletiva residual, que consiste na atribuição ao legitimado ativo para a propositura da ação coletiva, da legitimidade ativa para promover a liquidação e o cumprimento da sentença, quando não tiverem sido promovidas execuções individuais suficientes para reparar o dano no prazo de um ano (a contar do trânsito em julgado): “Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida”.
Portanto, quando as execuções individuais não forem suficientes para a reparação integral do dano, o Ministério Público, a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, o órgão da Administração Pública destinado à defesa de interesses ou direitos coletivos, ou a associação legalmente constituída há pelo menos um ano (e que inclua entre seus fins a defesa de interesses ou direitos coletivos) pode promover a liquidação e o cumprimento da sentença transitada em julgado na ação coletiva.
Ressalta-se que qualquer um dos legitimados ativos para a ação coletiva também possui legitimidade ativa para a execução na “fluid recovery” (ainda que não seja o autor da demanda), o que consiste igualmente em uma legitimação concorrente.
Ressalta-se que, enquanto as sentenças relativas a interesses ou direitos difusos ou coletivos podem ser executadas pelos legitimados e interessados (Individualmente) ou pelos legitimados para a ação coletiva (arts. 97 e 98 do CDC), as sentenças relativas a interesses ou direitos individuais podem ser executadas:
(a) pelos legitimados e interessados, em regra;
(b) apenas pelos legitimados e interessados, quando a quantidade de execuções individuais for compatível com a gravidade do dano;
(c) e por qualquer um dos legitimados ativos para a propositura da ação coletiva, quando, após o decurso de um ano a partir do trânsito em julgado, não tiver ocorrido a habilitação de interessados na execução individual em número compatível com a gravidade do dano.
Nessa última situação, o exequente não é um substituto processual do legitimado ativo para promover a execução individual, mas sim um colegitimado. Como visto, trata-se de uma legitimidade concorrente, mas eventual e subsidiária, que surge apenas um não após o trânsito em julgado, quando o dano grave não tiver sido satisfatoriamente reparado.
Busca-se, com a “fluid recovery”, promover a reparação integral dos danos e, consequentemente, evitar o enriquecimento sem causa do causador do dano. Há, portanto, um caráter punitivo dessa espécie de liquidação e cumprimento de sentença, porque visa produzir consequências jurídicas contra o ato ilícito, inibir a sua continuidade ou reiteração e impedir a obtenção indevida de ganhos com a sua prática.
Essa situação pode ocorrer quando o valor a ser recebido pelos legitimados é muito reduzido (levando ao desinteresse na execução individual), ou em qualquer outra hipótese de inércia dos interessados na liquidação e execução individual da sentença.
Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça entende que “(...) a reparação fluida (fluid recovery), por outro lado, constitui específica e acidental hipótese de execução coletiva de danos causados a interesses individuais homogêneos, instrumentalizada pela atribuição de legitimidade subsidiária aos substitutos processuais do art. 82 do CDC para perseguirem a indenização de prejuízos causados individualmente aos consumidores, com o objetivo de preservar a vontade da Lei e impedir o enriquecimento sem causa do fornecedor” (REsp 1741681/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23/10/2018, DJe 26/10/2018).
No mesmo sentido: “(...) a reparação fluída (fluid recovery) é utilizada em situações nas quais os beneficiários do dano não são identificáveis, o prejuízo é individualmente irrelevante e globalmente relevante e, subsidiariamente, caso não haja habilitação dos beneficiário” (REsp 1187632/DF, 4ª Turma, rel. p/ acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 05/06/2012, DJe 06/06/2013).
A legitimidade do Ministério Público para a promoção da liquidação e cumprimento na “fluid recovery” deriva não apenas do art. 100 do CDC, mas também do art. 5º, § 3º, da Lei nº 7.347/85.
Nesse ponto, o STJ já decidiu que “(...) a legitimação concorrente conferida ao Ministério Público para a liquidação/execução da sentença coletiva é subsidiária, podendo ser exercida somente após o escoamento do prazo de 1 (um) ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, nos moldes do art. 100 do Código de Defesa do Consumidor (fluid recovery)” (REsp 1610932/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27/04/2017, DJe 22/06/2017).
Na “fluid recovery”, o valor obtido no cumprimento de sentença promovido pelo legitimado coletivo será destinado ao fundo de reconstituição dos bens lesados previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), conforme prevê o parágrafo único do art. 100 do Código de Defesa do Consumidor.
A destinação do valor da reparação dos danos para um fundo específico é a regra nas ações que buscam a tutela de direitos coletivos e difusos. Quanto o objeto da ação coletiva for um direito individual homogêneo, a regra é a execução individual, com a reparação do dano diretamente em favor de cada vítima. Logo, a execução coletiva residual – com a destinação parcial do valor da condenação para o fundo – é excepcional e só pode ocorrer nas hipóteses previstas no art. 100 do CPC e após o decurso do prazo de um ano da formação da coisa julgada material.
Por ser uma execução residual, que busca a recuperação integral reconhecida na sentença proferida em ação coletiva, o valor da indenização ou da compensação a ser fixado na “fluid recovery” deve levar em consideração: (a) a gravidade do dano; (b) e a quantidade de execuções individuais propostas e a quantia já paga pelo executado.