A palavra ius, no sentido que os modernos denominam de subjetivo, era compreendida ao mesmo tempo como interesse ou poder. O direito subjetivo é um interesse juridicamente protegido, mas tal proteção consiste justamente em conceder ao seu titular um poder. Esse poder, que assegura a realização do interesse, torna o titular devedor da proteção judiciária do Estado, que genericamente se chama de ação. É através da ação que entendia-se que se manifesta um dos elementos diferenciais da norma jurídica, que é a sanção. Ao desenvolvimento da atividade do titular do direito fazendo desenvolvimento da atividade do titular do direito fazendo valer a sanção da norma jurídica por meio de ação, o direito canônico chamou, como os modernos, de processo, na verdade, um instrumento.
Para os romanos, os conceitos de ius e actio eram inseparáveis, uma vez que só se pode ter um ius enquanto se tem um actio e só existe actio quando há um ius. A evolução do direito romano não se caracteriza pela atribuição de direitos subjetivos, mas pela concessão de actiones. Os juristas e o pretor não determinavam as hipóteses em que um direito existia, mas os casos em que havia actiones; sobretudo a atividade do pretor, que não podia criar direitos nem impor obrigações, limitou-se a engendrar meios processuais novos ou mais completos dos quais surgem muitos institutos. Aliás, essa relação entre ius e actio era tão estreita no direito romano que o direito romano, posterior à lei Aebutia, se apresentava, de forma diferente dos direitos modernos, não como um sistema de direitos subjetivos, mas pela concessão de actiones.
O direito clássico não chegou a formular um conceito geral de actio. Apenas no direito pós-clássico é que a ação é o meio geral de proteção jurídica, valendo para qualquer direito reconhecido pelo direito objetivo.
O direito romano distinguia várias espécies de actiones. Actiones in rem eram as ações com as quais se protegiam direitos absolutos, isto é, direitos que qualquer pessoa podia lesar, como os direitos reais, os direitos de estado, de capacidade e de família; quando versavam sobre direitos reais afirmavam a senhoria sobre uma coisa, tornando-a livre da interferência de outra qualquer pessoa. Eram ações in rem, a ação de reivindicação de uma coisa ou de uma servidão e a ação negatória correspondente, a petição de herança, a reivindicação da potestas paterna marital ou tutelar e a proclamação do estado de liberdade. As actiones in rem chamavam-se vindicationes ou petitiones, e praeiudiciales aquelas com as quais se pretende o reconhecimento de um estado ou direito de capacidade, os quais são o pressuposto de outros direitos e de outros processos, provavelmente.
Ensinou Max Kaser (Direito privado romano, 1999, tradução para o português, Calouste Gulbenkian, pág. 57) que a actio era o meio que estava à disposição do titular de um direito subjetivo para conseguir a efetivação do mesmo. Este conceito tem a sua origem no direito processual civil. Literalmente significava ação jurídica, a atuação do autor através da qual este faz do seu direito o objeto de uma controvérsia judicial. Deste ato de demandar (que é muito diferente da moderna concepção de ação) deriva a equivalência “ter uma actio = ter um direito” que se pode executar com previsão do êxito como autor no processo. O significado de actio, por conseguinte, oscila entre o conceito jurídico processual de ação e o conceito jurídico privado de pretensão, isto é, do direito privado que se podia fazer valer por via processual.
É ainda Max Kaser que nos traz a lição de que este conceito de “pretensão”, que corresponde ao aspecto jurídico-privado da actio, é algo mais amplo do que o mencionado acima, na classificação dos direitos subjetivos. Tanto como a ação moderna, também a actio romana podia ter por objeto não só a prestação, mas também a constituição ou a declaração do direito. De quem se diz que “tem actio”, seja actio in rem ou in personam, diz-se que tem um direito privado, que pode efetivar através do seu pedido de sentença judicial condenatória, constitutiva ou declarativa ou ainda mandamental ou executiva.
Ainda segundo a concepção romana, a pretensão jurídico-privada, que está na base da actio, não passou de um puro reflexo do fato de a ordem jurídica, sob certas condições, prometer a outorga de uma proteção jurídica num processo a iniciar-se com a actio (como ato da demanda). Pelo fato de este conceito central de actio pertencer, como dizia Max Kaser, simultaneamente ao direito privado e ao direito processual e o direito “material” (direito privado) constituíam, para os romanos, em todas as etapas de sua evolução jurídica, uma unidade mais forte do que constituíam hoje em dia.
Sabe-se que há nítida separação conceitual entre direito privado e direito
processual em qualquer país que não tenha sido colonizado por Roma. Ao revés, a tradição do direito romano, especialmente através do direito comum, que já começou a ser formado na fase do direito vulgar, e mais ainda do direito de procissão e do direito canônico, durante muitos séculos mais distante do direito comum, que o direito vulgar.
Em resumo, a relação entre ius e actio no direito romano é intrincada e mostra que os romanos não concebiam os direitos subjetivos de maneira isolada, como costumamos fazer hoje. Para eles, o direito subjetivo era inseparável da ação, do processo, e a existência de um direito dependia da existência de uma ação para fazê-lo valer.