Receita Federal: não à intervenção política

20/08/2019 às 12:30
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A Receita Federal diz que não vai aceitar interferência política dentro do órgão. No Rio de Janeiro, a família Bolsonaro teria pedido para trocar os delegados chefes de duas unidades estratégicas de fiscalização alfandegária do Estado. Pelas alfândegas tramitam muitos produtos e interesses das milícias, do tráfico de entorpecentes assim como das castas privilegiadas.

O superintendente da Receita Federal no Rio, Mário Dehon, não concordou com as indicações. Bolsonaro está sugerindo a troca do superintendente. Em virtude disso e de outras interferências, auditores fiscais estão rebelados e subsecretários-chefes da Receita Federal ameaçam entregar seus cargos por não concordarem com a interferência do governo.

Evidentemente os auditores alegam prejuízos para as investigações e para a fiscalização exercida no Brasil pela Receita Federal. A Receita, dizem, é órgão de Estado, não de governo. Responsável por uma engrenagem sensível, incluindo a questão arrecadatória, fiscalizatória e, sobretudo, a descoberta de movimentações financeiras anormais, particularmente no imposto de renda.

Mais uma vez estamos diante de um conflito grave entre um órgão de Estado e o governo atual. Isso pode trazer sérios problemas para todos brasileiros. Se houver, por exemplo, greve dos auditores fiscais, significa que, em tempos de crise econômica, a fiscalização do país irá por água abaixo e o Brasil não terá as arrecadações normais que deveria ter.

Na Polícia Federal a situação também é grave. Vários delegados não concordam com o que está ocorrendo. Desde a redemocratização da República jamais um presidente trocou o superintendente da Polícia Federal. Conflitos de interesse da família Bolsonaro e do próprio presidente estão interferindo nas instituições que vinham tomando o rumo da estabilidade e pareciam longe da interferência política.

Aparentemente, nesse governo tudo parece estar caminhando no sentido do retrocesso das instituições. Muito ruim para o Brasil. Esperamos que nada disso se consume. Parte da população permanece atordoada com a polarização e não enxerga as cortinas de fumaça que cotidianamente têm impedido o país de discutir profundamente seus problemas.

Estamos atentos em defesa das instituições e do trabalho dos auditores da Receita Federal, que foram tolhidos na sua capacidade investigativa, inclusive por conta da decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que suspendeu investigações em relação a 133 altas autoridades, que querem ficar imunes à fiscalização.

Como sempre, pela tradição brasileira, aqueles que representam o 0,1% das castas privilegiadas não suportam nenhum tipo de limites (éticos ou impostos pelo Estado). Depois que se apropriaram do Estado-nação não toleram qualquer tipo de atividade fiscalizatória deste. Esse é um país de privilegiados que nunca permitiram que o Brasil ultrapassasse a barreira do subdesenvolvimento. É uma vergonha e ao mesmo tempo um grande desafio que temos que vencer, sem perda de tempo.


*Com a colaboração de Davi Paiva.

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

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