TRANSAÇÃO PENAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS SOB A ÓPTICA CONSTITUCIONAL
Gabriel Botelho Corteletti[1]
RESUMO – A transação penal nada mais é do que um acordo feito pelo Ministério Público com o autor da contravenção penal ou crime com pena máxima não superior a 2 anos para a aplicação imediata de penas restritivas de direito ou multa, não constituindo reincidência e antecedentes criminais. A transação está prevista na Lei nº 9.099/95, editada com respaldo constitucional no art. 98, inciso I da CF/88 com a intenção de promover a conciliação e a celeridade processual nos julgamentos dos crimes de menor complexidade. Trata-se de um tema bastante discuti no cenário atual por ir de contra a alguns direitos e garantias fundamentais previstos na constituição federal de 1988. No que tange a transação penal nos Juizados Especiais Criminais sob a óptica Constitucional, ela é eivada de inconstitucionalidade, pois impossibilita o contraditório, ampla defesa, o devido processo legal e a ampla defesa, garantindo a aplicação de uma sanção penal antes de se analisar os fatos e o mérito da acusação. Sendo assim, o objetivo dessa pesquisa é discutir o problema de pesquisa e apontar a forma mais adequada de resolver o problema sempre se baseando em estudos bibliográficos e doutrinários, para que cada vez mais menos pessoas tenham seus direitos violados.
PALAVRAS-CHAVE: Transação. Inconstitucionalidade. Contraditório. Garantias.
1 - INTRODUÇÃO
A transação penal está prevista no art. 76 da lei 9099 de 26 de setembro de 1995, oportunizando o Ministério Público a propor aplicação imediata de penas restritivas de direito ou multa em processos relacionados a crimes de menor potencial ofensivo, entendendo-se aquelas contravenções e crimes com pena máxima não superior a dois anos.
A medida surgiu após o artigo 98, I da Constituição Federal, instituir os Juizados Especiais Criminais que se encarregariam de julgar crimes de menor potencial ofensivo, oportunizando a conciliação e celeridade nos julgamentos desses crimes. A lei assegura que a proposta de Transação Penal seja feita pelo Ministério Público em audiência preliminar antes do recebimento da inicial acusatória.
A transação vem sofrendo grandes questionamentos dos mais renomados juristas e da doutrina brasileira, pois, segundo eles, a transação não respeita algumas garantias fundamentais do cidadão consagrados na constituição, como o devido processo legal, a presunção de inocência, o contraditório e a ampla defesa, razão pela qual seria inconstitucional.
Com efeito, a inconstitucionalidade do art. 76 da lei nº 9.099/95 que trata da transação é evidente e merece ser objeto de discussão por meio de Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal, levantando questões importante e evitando condenações antecipadas em antes analisar o mérito das acusações.
Além disso, outro caminho importante a ser seguido para resolver a problemáticas é o que foi sugerido por Amorim (2007) e Piva (2016). Os Autores defendem que a transação poderia ser proposta no momento da apresentação das alegações finais feitas pelo Ministério Público que após a devida instrução processual estaria convencido da culpa do acusado e poderia oferecer a proposta, evitando-se a condenação do mesmo.
Sendo assim, o objetivo desse artigo é demonstrar a inconstitucionalidade da transação penal prevista no art. 76 da lei 9.099 de 1995, conceituando a medida despenalizadora, demonstrando a competência dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo e contravenções penais, bem como comprovar a inconstitucionalidade do instituto diante dos direitos e garantias fundamentais consagrados na constituição, além de indicar a alternativas para resolver o problema.
Para melhor alcançar o objetivo deste artigo que é a explanação do problema e a comprovação da hipótese formulada serão feitas pesquisas documentais bibliográficas para servirem de caminho para o melhor desenvolvimento do tema. Os instrumentos auxiliadores de estudo, extraídos de livros de grandes doutrinadores, vão proporcionar informações importantes e que se fazem pertinentes acerca da hipótese formulada para o problema encontrado. A classificação escolhida para esta pesquisa foi a exploratória, por ser melhor pesquisa para tratar assunto que envolve discussões jurídicas e doutrinárias.
Desta forma, a pesquisa bibliográfica extraída de grandes autores como Sanches (2015), Alves (2018), Azevedo e Salim (2018), Lima (2016), Távora e Alencar (2013), Novelino (2014) dentre outros doutrinadores. Além disso, se faz importante utilizar fontes secundárias por ser a fonte mais adequada para tratar do assunto, visando grande quantidade material e de informações encontradas em domínio público, bem como por agregar informações úteis e de grande valor para melhor explanação do tema em questão.
2 TRANSAÇÃO PENAL
2.1 Conceito
A transação penal está prevista no art. 76 da lei 9.099 de 26 de setembro de 1995, competindo o Ministério Público a incumbência de propor imediata aplicação de penas restritivas de direito ou multa em processos que envolvem crimes de menor complexidade possibilitando a conciliação e a celeridade nos julgamentos em processos de competência do Juizado Especial Criminal. “Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.” (BRASIL, 1995)[2]
A proposta foi criada após a instituição dos juizados especiais. Os juizados foram instituídos em 1995, 7 anos após a promulgação da Constituição de 1988 que em seu artigo 98, I, previu a criação do procedimento, visando a conciliação e a celeridade nos julgamentos de crimes de menor complexidade.
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (BRASIL, 1995)[3]
Com efeito, após a criação da proposta de transação penal pela lei dos Juizados Especiais (lei nº 9.099 de 1995), a doutrina passou a buscar formular conceitos mais técnicos, prevendo requisitos básicos para a formulação da proposta que deverá ser aceita pelo autor do delito no momento da propositura.
Seguindo essa linha, Alves (2018, p.264 e 265) certifica que:
A transação penal é a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa (não privativa de liberdade ou alternativa), a ser feita pelo Ministério Público e aceita pelo autor do delito. O Ministério Público somente poderá formular proposta de transação penal se presentes indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva. Além disso, no crime de ação penal pública condicionada à representação do ofendido, o Ministério Público apenas poderá apresentar proposta deste beneficio se houver oferecimento de tal representação.
Diferentemente, mas não fugindo da essencialidade da transação, Lima (2016) aduz que a transação consiste num acordo entre o Ministério Público e o autor do delito que manifestando seu interesse em fazer o acordo, evita a instauração do processo em desfavor dele.
A transação penal consiste em um acordo celebrado entre o Ministério Público (ou querelante, nos crimes de ação penal privada) e o autor do fato delituoso , por meio do qual é proposta a aplicação imediata de pena restritiva de direito ou multas, evitando-se, assim, a instauração do processo (LIMA, 2016, p. 1428)
Desta forma, tanto a lei quanto a doutrina afirmam que a transação penal é um acordo proposto pelo titular da Ação Penal ou queixa crime que sujeita o autor do delito a aplicação imediata de penas restritivas de direitos ou multando, evitando-se a instauração de um processo visando à conciliação e celeridade nos julgamentos dos processos perante os Juizados Especiais Criminais.
2.2 Competência dos Juizados Especiais Criminais
Como já dito, os Juizados Especiais Criminais criados pela Constituição Federal de 1988 (art. 98, I) e foi devidamente regulamento pela lei 9.099 de 26 de setembro de 1995, ora denominada Lei dos Juizados Especiais. A lei regula o Juizado Especial Cível do art. 1º ao art. 59, e os Juizados Especiais Criminais do art. 60 em diante, entretanto existem vários critérios básicos previstos na parte que trata dos Juizados Especiais aplicáveis aos Juizados Criminais como aqueles previstos no art. 2º da lei, como, por exemplo, “oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (BRASIL, 1995)[4]
Por seu turno, visando a conciliação e celeridade nos julgamentos a Constituição definiu que a competência dos Juizados Criminais se incumbiria de processar e julgar os crimes de menor potencial ofensivo (BRASIL, 1988). Seguindo esse mandamento Constitucional, a lei 9.099 de 1995, mais precisamente, em seu artigo 60 e 61 concretizaram esse mandamento e instituiu a competência dos juizados de forma mais precisa atribuindo a competência no julgamento das infrações de menor potencial ofensivo e definindo o que vem a ser infração de menor potencial ofensivo, veja:
Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
[...]
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (BRASIL, 1995)[5]
Ressalta-se que a lei fixa a competência dos Juizados Especiais criminais em apenas dois critérios. Primeiro, o Juizado tem a competência de julgar as contravenções penais e crimes, cujo, a pena máxima não seja superior a 2 anos, não fixando a competência com base na pena de multa. O segundo critério é que não exista vedação legal como ocorre em alguns delitos referentes a Lei Maria da Pena e do Código de Trânsito Brasileiro.
Seguindo essa linha de intelecção, complementa Alves ( 2018, p.259):
Com relação à competência em razão da matéria (art. 60 e 61 da lei nº 9.099/95), o Juizado Especial Criminal tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações de menor potencial ofensivo (art. 60, caput, da lei nº 9.099/95), as quais englobam as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa (art. 61 da lei nº 9.099/95). Nesse trilhar, frise-se que a pena de multa, por si só, não tem o condão de determinar a competência do Juizado Especial Criminal: se a pena máxima abstratamente cominada ao crime for superior a dois anos de pena privativa de liberdade, ainda que prevista alternativamente pena de multa, a infração não será de menor potencial ofensivo.
Conforme já dito, embora a lei tenha dado definição legal ao conceito de crime de menor potencial ofensivo, entende-se que o conceito não abrange toda e qualquer contravenção ou infração com pena máxima não superior a dois anos. O STJ por meio da súmula nº 536 pacificou o entendimento que a transação penal não se aplica aos delitos sujeitos a lei Maria da Penha. (Súmula 536, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJe 15/06/2015)[6]
Com efeito, o crime de “Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência” recém tipificado pela lei 13.641 de 2018, que prevê pena de máxima de detenção de até 2 anos, imposto aquele que descumprir decisão judicial que deferir medida protetiva de urgência, não pode ser julgado perante o Juizado Especial Criminal, tampouco realizar acordo de proposta de transação penal, conforme o entendimento da Súmula 536 do STJ. (BRASIL, 2018)[7]
Sendo assim, ao fazer uma interpretação literal da Lei 9.099/95, pode-se concluir que os Juizados não tem a competência de julgador todo e qualquer contravenção ou crime sujeito a pena máxima de 2 anos, tendo vista que há exceções quanto aos crime relacionados a Lei Maria da Penha e a alguns crimes referentes ao Código de Trânsito Brasileiro, como embriaguez ao volante, conforme já discutido.
Contudo, Távora e Alencar (2013, p. 796) ressaltam que:
O Estatuto do Idoso, em seu artigo 94, possibilita “o procedimento previsto na lei nº 9.099/1995” para o os crimes nele previstos, com o limite máximo de quatro anos. Porte ter objetivo de proteger mais eficazmente a pessoa idosa, entendemos que no caso oportuniza-se a aplicação do procedimento sumaríssimo, que é mais célere, objetivando uma resposta mais rápida em crime de tal natureza. Não obstante, as benesses da composição civil e da transação penal, caso o delito tenha pena máxima superior a dois anos, não poderão ser aplicadas.
Em pese a lei preveja que os crimes de menor potencial ofensivo são aqueles que a pena máxima cominada não seja superior a 2 anos e por essa razão teriam como competência para julgamento os Juizados Especiais Criminais, o Estatuto do Idoso prevê que os crime com pena máxima de 4 anos aplicasse o procedimento dos juizados, tendo vista a celeridade do procedimento e as condições físicas do autor do delito, contudo, a lei prevê apenas o procedimento aplicável ao caso, não fazendo menção quanto a aplicação das medidas despenalizadoras previstas neles.
2.3 Inconstitucionalidade da proposta de Transação penal antes de analisar o mérito
A transação penal é tratada pela doutrina como uma medida despenalizadora que surgiu da Lei 9.099 de 1995 para atender um mandamento Constitucional, previsto no art. 98, inciso I da Constituição Federal de 1988, não qual previa a criação de um procedimento capaz de incentivar a conciliação e a celeridade nos julgamentos. Seguindo esse pensamento, Távora e Alencar (2013, p. 793) afirmam que os juizados surgiram para ocorresse a “efetividade da punição dos delitos que antes eram alcançados pela prescrição”
Nesse diapasão, a lei prevê que a medida é um acordo selado entre o Ministério Público, pela aplicação imediata de uma multa ou pena restritiva de direito antes de ser iniciado o processo, sem inscrição de antecedentes criminais, desde que o autor se submeta a aceitação da proposta formulada pelo Ministério Pública.Ressalte-se que a transação penal só pode ser ofertada para os crimes e contravenções sujeitos ao procedimento dos Juizados Especiais Criminais, com pena máxima não superior a 2 anos.
Desta forma, o autor do delito estará sujeito a algumas das penas restritivas de direi previstas no art. 43 do Código Penal Brasileiro:
Destarte, a transação penal seja um acordo entre o Ministério e o autor do delito que precisa aceitar a proposta, ela vai contra alguns princípios constitucionais previstos entre os direitos e garantia fundamentais na Constituição Cidadã de 1988, como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal e, principalmente, o principio da presunção de inocência, pois submete o suposto autor do delito ao cumprimento de uma sanção penal sem antes analisar o mérito o processo, pautando-se apenas nos indícios de autoria e materialidade do crime.
Nos dizeres de Azevedo e Salim (2018, p. 45), “a pena é uma mal necessário, por isso busca-se a redução mínimo da solução dos conflitos sociais por meio do Direito Penal”.Os autores ainda complementam afirmando que “uma das características é aplicação de sanções alternativas ou substitutivas à pena de prisão, tais como: reparação do dano, penas restritivas de direitos; transação penal; suspensão condicional do processo (sursis processual).” (AZEVEDO; SALIM, 2018, p. 45)
Nota-se que para o caracterizam a transação penal como uma sanção alternativa ou substitutiva à pena de prisão, frisando o caráter sancionador da transação penal mesmo que menos grave que a prisão, portanto, não deixa de ser uma punição antes da análise do mérito com indevidas restrições as garantias fundamentais.
Analisando o contexto fático, é obvio que a transação penal força os supostosautores de delitos a aceitarem a proposta mesmo não havendo concorrido para o crime diante da ameaça de se instaurado um processo contra o mesmo. Diante da dúvida e insegurança jurídica que o país vem vivendo, como, por exemplo, a denúncia de conluio entre representantes da Lava-Jato feitas pelo site The Intercept pautadas em supostas conversas privadas entre os membros da maior operação de combate a corrupção no país, induzem a aceitação da transação penal para se verem livres das possíveis acusações e exposição midiática.
Antes de adentrar na Inconstitucionalidade da transação penal, se faz necessário entender quais princípios e garantias estão sendo violadas no momento da propositura da proposta de transação. O art. 5º da Constituição Federal elenca vários princípios garantidores do julgamento segura, conforme já explicitado acima. A principal violação é a garantia da presunção de inocência. Nessa linha, Lima (2016, p. 43) afirma que: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, quanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias a sua defesa.”
A presunção de inocência es prevista no art. 5º, inciso LVII da CF, que assim prevê “Ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença condenatória” (BRASIL, 1988)[9]. Nesse sentido, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos assegura em seu artigo 8, item 2: “[10]
Por seu turno, não diferentemente, Sanches (2015, p. 96) observa:
Na verdade, o principio insculpido na referida norma garantia é o da presunção de não culpa (ou de não culpabilidade). Uma situação é a de presumir alguém inocente; outra, sensivelmente distinta, é a de impedir a incidência dos efeitos da condenação até o trânsito em julgado da sentença, que é justamente o que a Constituição brasileira garante a todos.
Para o autor, o principio da presunção de inocência pode agir em duas situações, primeiro garantir o não tratamento de condenado pelo acusado, bem como garantir a não incidência dos efeitos da condenação antes do trânsito em julgado da sentença, ou seja, o não cumprimento da possível pena sem antes ser condenado para cumpri-la tendo em vista a possível absolvição do acusado.
Por outro lado, sob a óptica do contraditório e ampla defesa, a transação penal impede que o possível autor do delito possa exercer seu direito de defesa e se explicar, dando margem para o cumprimento de uma sanção penal podendo ser inocente das acusações, como, por exemplo, ocorreu na história Bíblica de José do Egito. A criminologia criou a “síndrome da mulher de Potifar”:
Segundo o texto da Bíblia (Gênesis, capítulos 37 e 39), José (do Egito, filho de Jacó) foi vendido como escravo a um oficial do exército egípcio, Potifar, cuja mulher, após ter tentado se, sucesso seduzi-lo, passou a imputar-lhe falsamente a prática do crime de estupro, o que culminou em sua prisão. (ALVES, 2018, p. 408)
O episódio ilustra à situação em que a mulher, rejeitada pelo José do Egito, oferece uma notícia falsa de um crime apenas para prejudicar a pessoa que a rejeitou. (ALVES, 2018). Por essa razão, Novelino (2014, p. 566) destaca: “O contraditório, entendendo como ciência bilateral dos atos do processo com a possibilidade de contraria-los, é composto por dois elementos: informação e reação, sendo esta meramente possibilitada em se tratando de direitos disponíveis”. Observa ainda o autor que “a ampla defesa é uma decorrência do contraditório (“reação”). É assegurada ao individuo a utilização, para a defesa de seus direitos, de todos os meios legais e moralmente admitidos.” (NOVELINO, 2014, 567).
Com efeito, a transação penal não proporciona o direito ao contraditório e a ampla defesa, pois no momento em que ela é proposta, só cabe o acusado ter duas reações, aceitar se sujeitando a uma a pena restritiva de direitos ou recusar e se sujeitar a instauração de um processo criminal em um sistema judiciário suspeito de varias irregularidades, conforme já fora exposta acima.
À vista disso, pode-se dizer que a transação penal restringe algumas garantias fundamentais inerentes ao cidadão. Embora a Transação tenha sido vista com bons olhos por parte dos legisladores, que se empenharam em buscar soluções eficazes de conciliação e celeridade nos julgamentos, ela confronta diversos princípios fazendo-a passível de discussão quanto a sua constitucionalidade sob o óptica dos direitos e garantias constitucionais previstas na Constituição Federal de 1988, comoviolação da presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa.
Seguindo essa linha, Amorim (AMORIM, 2007) destaca:
Outros problemas de constitucionalidade ainda poderiam ser apontados, na forma de transação penal apresentada pela lei n. 9.099/95, como, por exemplo, a existência de pena sem processo, pois a transação penal é homologada antes do oferecimento da denúncia. Podemos, no entanto englobar também esse problema na nítida violação ao devido processo legal, ampliando este conceito.[11]
Como já exposto, os princípios do contraditório e ampla defesa possibilita o acusado a ter conhecimento do processo e contraditar a acusação que lhe está sendo feita, contudo a transação impede que o acusado contradite as acusações, podendo apenas manifestar seu interesse em aceitar ou não a proposta, violando o princípio do contraditório, como aponta Piva (PIVA, 2016):
A transação penal acaba por violar o princípio do contraditório, pois, quando o membro do Ministério Público a oferece, o autor do fato não tem escolha: ou ele opta pela pena “sugerida”, diminuindo seus direitos, ou ele assume o risco de enfrentar o processo, sem que tenha feito qualquer prova a seu favor. (PIVA, 2016)[12]
Por seu turno, a transação penal em si tornou inconstitucional pelo momento em que é proposta, ou seja, na audiência preliminar antes do recebimento da peça acusatória, como aponta Lima (2016, p. 1433) “o momento procedimental correto para o oferecimento da proposta de transação penal é antes do recebimento da peça acusatória”, inviabilizando o contraditório e ampla defesa.
Sendo assim, diante da situação concreto a medida mais rápida e eficaz seria a propositura de uma ADI (ação direita de inconstitucionalidade) junto ao Supremo Tribunal Federal para que o Supremo possa analisar a questão e declarar a inconstitucionalidade doartigo 76 da lei nº 9.099 de 1995, uma vez que a medida despenalizadora vai de encontro com os princípios constitucionais da presunção de inocência, contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
Outra solução interessante seria uma alteração legislativa visando mudar o momento da propositura da proposta de transação penal. O mais correto seria que a transação fosse proposta depois de toda a instrução probatória, no momento da apresentação de alegações finais, pois oportunizaria o autor do delito a se defender esclarecendo os fatos da melhor forma possível, restando ao Ministério Público requer a absolvição, transação ou condenação.
Nesse diapasão, propõe Amorim (2007) :
Com a proposta de transação penal sendo feita ao final do procedimento previsto na lei n. 9.099/95, estar-se-ia garantindo o contraditório e a ampla defesa ao autor do fato. Nesse caso, após as alegações finais orais, o autor do fato poderia analisar o conjunto probatório produzido e, aí sim, verdadeiramente optar pela aceitação da proposta de transação penal, obtendo alguns efetivos benefícios (que acima chamamos de fogos de artifício). [13]
Seguindo essa linha, Piva (2016)
Uma solução conciliatória que poderia ser apontada é a transação penal ao final da instrução e julgamento, ocasião em que, após as alegações finais, o autor do fato poderia analisar a situação à fundo e, após ter certeza de qual seria a melhor escolha, poderia optar ou rejeitar a transação penal. Neste caso, não haveria violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da presunção de inocência.[14]
Portanto, o momento da propositura da transação penal a torna inconstitucional, pois confronta vários direitos e garantias fundamentais do cidadão consagrados na Constituição, devendo ser proposta no momento de apresentação das alegações finais, pois só assim oportunizaria o acusado de se defender de todas acusações, evitando-se condenações levianas.
3 CONCLUSÃO
Como visto, concluísse que a transação penal é uma medida sancionadora e inconstitucional devido ao momento em que ela proposta, pois confronta diversos direitos e garantias fundamentais do cidadão consagrados na constituição, como o devido processo legal, a presunção de inocência, contraditório e ampla defesa, devendo o art. 76 da lei nº 9.099/95 se objeto de Ação Direita de Inconstitucionalidade de imediato diante da grande quantidade de pessoas que são tidas como condenadas antes que seja analisado os fatos e o mérito da acusação. Além disso, a transação penal deve ser oportunizada ao ofendido por ser um direito subjetivo seu, mas desde seja feita no momento das alegações finais, momento em que já oportunizou a defesa do acusado.
4 REFERÊNCIAS
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AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Considerações sobre a (in)constitucionalidade da transação penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1280, 2 jan. 2007. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9341>. Acesso em: 25 jun. 2019.
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[3] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> acesso em: 25 de junho de 2019.
[4] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> acesso em: 25 de junho de 2019.
[5] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> acesso em: 25 de junho de 2019.
[6] Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre= (sumula%20adj1%20%27536-%27). sub.> acesso em: 25 de junho de 2019.
[7] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13641.htm> acesso em: 25 de junho de 2019.
[8] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm> acesso em: 26 de junho de 2019.
[9] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> acesso em: 25 de junho de 2019.
[10] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm> acesso em: 25 de junho de 2019.
[11] AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Considerações sobre a (in)constitucionalidade da transação penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1280, 2 jan. 2007. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9341>. Acesso em: 25 jun. 2019.
[12] PIVA, Ana Carolina Graciano. Transação penal nos Juizados Especiais Criminais sob a ótica constitucional. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 30 maio 2016. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55987&seo=1>. Acesso em: 26 jun. 2019.
[13] AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Considerações sobre a (in)constitucionalidade da transação penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1280, 2 jan. 2007. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9341>. Acesso em: 25 jun. 2019.
[14] PIVA, Ana Carolina Graciano. Transação penal nos Juizados Especiais Criminais sob a ótica constitucional. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 30 maio 2016. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55987&seo=1>. Acesso em: 26 jun. 2019.