INTRODUÇÃO
O Direito Penal, bem como sua legislação e jurisprudência referente, são constante alvo de atenção por parte da mídia e das massas. No caso brasileiro, em específico, jornalistas sensacionalistas berram por um sistema cada vez mais punitivista, que elimine os criminosos ou, ao menos, retenha-os perpetuamente.
Cresce numa velocidade surpreendente a crença de que aqueles que, com dolo, cometem especificamente os crimes que geram indignação popular são insuscetíveis de reintegração na sociedade, devendo ser extintos, por meio da execução, ou trancafiados sem expectativa de liberação.
A doutrina de Direito Penal, entretanto, embora relativamente acessível (embora a linguagem seja, por vezes, com em todos os ramos do Direito, excessivamente rebuscada, para além do rigor técnico necessário), permanece inacessada pelo povo, até mesmo pelos porta-vozes que se intitulam “especialistas em direito penal e penitenciário”.
São inseridos nessa discussão alguns temas de certa forma mais polêmicos, dentre os quais destaco: 1) a discussão a respeito da pena de morte e de tortura no ordenamento jurídico brasileiro; 2) o embate entre prisão perpétua e reintegração social do infrator; 3) por fim, o ideal de justiça que fundamenta a prescrição de crimes em correlação com a reprovabilidade social da conduta ilícita.
1. Sobre as penas de morte e de tortura
A pena de morte é pauta antiga na sociedade brasileira, recém-saída de um regime autoritário, parcial e significativamente legitimado por uma vontade popular. A falta de segurança que prosseguiu as décadas após a redemocratização do Estado provocou uma idealização e um saudosismo para com o Regime Civil-Militar (1964-1985), louvando práticas como a execução e a tortura por parte do Estado.
A tortura, prática sangrenta, marcada pela dor e essencialmente feia, não impregnou no ideário popular, embora constantemente aclamada por segmentos específicos de extrema-direita. A pena de morte, no entanto, é uma pauta fortalecida em diversos ambientes, desde conversas familiares ou de boteco, até os clamores desesperados de uma mídia sensacionalista.
O ódio e desprezo pelos direitos humanos, evidente no atual cenário político-social brasileiro, dá cada vez mais espaço para medidas extremas como a pena de morte – o cenário acaba até por possibilitar, ainda que minimamente, uma aceitação popular da tortura, acompanhada de uma face autoritária do Estado.
2. Sobre a prisão perpétua e a (im)possibilidade de reintegração social do crimonoso
Se há na sociedade, numa porção significativa de pessoas, a aceitação da pena de morte e a retomada da discussão a respeito da possibilidade de um regime político autoritário e torturador, menos impressiona a discussão, quase tão antiga quanto a referente à pena de morte, sobre a prisão perpétua.
Não obstante, os Estados Unidos da América, líderes não somente no âmbito econômico, mas, talvez em até maiores proporções, influenciadores culturais, são alvos de admiração por parcela bastante considerável da população brasileira. Como no ordenamento jurídico de alguns de seus Estados-membros estão previstas tanto a pena de morte como a prisão perpétua, mais forte é a legitimação desse discurso.
Todos os aspectos anteriormente destacados, especialmente o desprezo para com os direitos humanos, levam a uma perspectiva negativista do ser humano, dividido entre “cidadãos de bens” e os criminosos imperdoáveis. Como antes explicitado, os que dolosamente roubam, furtam, matam, estupram, etc, são tidos como imperdoáveis e, mais ainda, impossíveis de serem socializados, de abandonar uma suposta má índole, sempre propensa à prática de novos delitos.
A solução popularmente pensada para muitos desses casos, portanto, é que, se não for a morte, que seja a manutenção perpétua de seu cativeiro, para que nunca mais tenham contato com a sociedade, causando dano a ela e formando novas vítimas.
3. A imprescritibilidade de crime, baseada num ideal de justiça, em correlação com a reprovação social da conduta ilícita
Agora, especificamente a respeito da prescrição de crimes, ressalto que há, nela, uma interpretação de ideal de justiça, pois parte-se do pressuposto de que, após um determinado período de tempo, não é mais necessário punir determinado crime, já que se passou tempo para que o criminoso seja “suficientemente diferente”. Nas palavras de José Cirilo de Vargas, o efeito liberatório “renova a crença de que o tempo é o maior aliado do homem” (VARGAS, 1998, p. 222). Ou ainda: “A extinção da punibilidade não diz apenas com a pessoa e a família do acusado; respeita, igualmente, ao Estado, que tem interesse na pacificação de espíritos, quando já não pesa mais sobre o cidadão a ameaça de ser levado ao cárcere” (VARGAS, 1998, p. 222).
Além disso, alguns crimes são interpretados pelo legislador ou, no caso brasileiro, pelo Poder Constituinte Originário, como imprescritíveis, ou seja, entende-se que alguns atos são tão reprováveis e geram tão forte dano à sociedade e à vítima que sua punibilidade não poderá extinguir-se com o tempo. É o caso do racismo e da ação de grupos armados.
Algo bastante interessante é que, embora a Assembleia Constituinte represente o povo, não há neste, de forma geral, uma indignação tão forte para com o racismo e para com a ação de grupos armados como há para com os denominados crimes hediondos, por exemplo, o homicídio doloso e o estupro. Coube ao nosso constituinte, então, por motivos não explicitados, fazer uma seleção dos crimes a formar o “rol dos imprescritíveis”.
Relacionando a temática à atualidade, importante é decisão do STF que reconhece a imprescritibilidade da injúria racial, sob o argumento de que, se for a injúria racial prescritível, é desnaturada sua relação íntima e intrínseca com o próprio crime de racismo, sob a perspectiva de que a injúria racial é cometida enquanto baseada no preconceito e na discriminação racial.
Sobre o julgamento:
Em primeira instância, o juiz tipificou o crime como injúria racial e declarou extinta a punibilidade do crime, já que entendeu que a injúria racial era prescritível. O caso foi encaminhado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2015, o autor do fato foi condenado pela 6ª Turma que concluiu que injúrias raciais são imprescritíveis, por representarem mais um delito no cenário do racismo. O réu, por sua vez, apresentou recurso ao STF, que rejeitou os embargos, criando o seu primeiro precedente nesse sentido (STF admite a injúria racial como crime imprescritível, 25 jun. 2018).
CONCLUSÃO
Em conclusão, haja vista a repercussão midiática e popular do Direito Penal, é necessário estreitar diálogos entre os estudiosos desse ramo do direito público e os leigos, pois estes, embebidos num discurso atraente de punição dos injustos e proteção dos “cidadãos de bem”, tendem, cada vez mais, a uma visão extremada, autoritária e de necessidade de punições drásticas a todos que apresentarem comportamento gravemente desviante daquilo que se entende como necessário e desejável para a vida em sociedade.
Temas que surgem e ressurgem, como os supracitados, devem ser debatidos não unilateralmente, na perspectiva extrema facilmente encontrada nos diálogos populares. Faz-se necessária uma publicização do pensamento crítico em Direito Penal, da reflexão de suas problemáticas, já que, num Estado Democrático de Direito, o povo, bem ou mal informado, consciente ou não de suas opiniões, com ou sem noção das consequências de suas decisões, são a fonte definidora da manutenção ou alteração do ordenamento jurídico, assim como da organização do Estado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TAVAREZ, Juarez. Fundamentos de Teoria do Delito. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. Capítulo VIII, A culpabilidade dos delitos comissivos dolosos (pp. 453-511).
VARGAS, José Cirilo de. Instituições de Direito Penal, Parte Geral, vol. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pp. 221-242.
STF ADMITE A INJÚRIA RACIAL COMO CRIME IMPRESCRITÍVEL. MPPR: Ministério Público do Paraná. Disponível em: http://www.comunicacao.mppr.mp.br/2018/06/20604/STF-admite-a-injuria-racial-como-crime-imprescritivel.html. Acesso em 1 nov. 2018.