Revisão de decisões do STF sob a complexidade da noção de povo

21/08/2019 às 22:16

Resumo:


  • A ADI n. 4.307 questionou a Emenda Constitucional n. 58, que alterava a composição das Câmaras Municipais e foi julgada inconstitucional pelo STF por violar o princípio da anterioridade eleitoral (artigo 16 da CF).

  • O princípio da anualidade eleitoral é considerado uma garantia de segurança jurídica para o processo eleitoral, impedindo alterações casuísticas nas regras legais que possam afetar a representatividade e a legitimidade do poder que emana do povo.

  • O julgamento da ADI pelo STF reflete a tensão entre a independência dos poderes e a harmonia exigida pela Constituição, levantando questões sobre os limites do poder constituinte derivado e a aplicação dos princípios fundamentais sob a complexa noção de povo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este artigo foi desenvolvido na Graduação em Direito da UnB e objetiva revisar decisões do STF sob a complexidade da noção de povo, principalmente a partir de conceitos como identidade constitucional, constitucionalismo, democracia e Estado de Direito.

INTRODUÇÃO

Primeiramente, este relatório se contextualiza com a apresentação oral, referente à “Unidade II: Princípios fundamentais vistos sob a complexidade da noção de povo”, a sua respectiva bibliografia e ao precedente do STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.307, bem como, em linhas gerais, ao próprio conteúdo ministrado no decorrer da disciplina.  

Tratando inicialmente do precedente, a ADI n. 4.307, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, apresenta-se com pedido de medida cautelar, ajuizada em 29.9.2009, pelo Procurador-Geral da República contra o inc. I do art. 3º da Emenda Constitucional n. 58, de 23 de setembro de 2009, que alterou o inciso IV do caput do art. 29 e do art. 29-A da Constituição brasileira, disposições relativas à recomposição das Câmaras Municipais, conforme registrado no acórdão. 

A discussão que se passa sobre essa ADI (e que não está restrita ao seu julgamento) está profundamente arraigada na arguição do significado do artigo 16, da Constituição Federal – que se entende jurisprudencial e doutrinariamente por princípio da anualidade ou anterioridade eleitoral –, na autonomia e independência entre os Poderes da República e na delimitação dos checks and balances, entre outras discussões que estarão presentes neste relatório.  

Resumidamente: 

Publicada em 29 de setembro de 2009, a EC 58/2009 alterou os limites máximos de vereadores dos municípios, instituindo no inciso I do art. 3º a retroatividade da norma, segundo o qual as regras valeriam para o processo eleitoral de 2008. A regra foi suspensa por liminar concedida pela relatora, ministra Cármen Lúcia, em 2 de outubro de 2009, e referendada pelo plenário em 11 de novembro do mesmo ano (STF – NOTÍFICAS STF, 2013). 

Assim se posicionou a relatora a respeito da ADI n. 4.307: 

De acordo com a ministra, a regra fere o artigo 16 da Constituição Federal, segundo o qual a lei que alterar o processo eleitoral não se aplicará a nenhuma eleição que ocorrer dentro do prazo de um ano de sua publicação. “A alteração da composição dos limites máximos das câmaras municipais, com efeitos de retroação à eleição de 2008, era frontalmente, modelarmente, exemplarmente contrária ao artigo 16 da Constituição Federal”, afirmou. Para a ministra, se a legislação não pode vir a alterar o processo eleitoral nem mesmo com um ano de antecedência, “imagine uma que venha, um ano depois, aumentar o número de vereadores e dar efeitos retroativos”, disse.  

A ministra Cármen Lúcia lembrou que a legislatura iniciada pela eleição de 2008 já se extinguiu, contudo ela votou no sentido de julgar procedente a ADI para confirmar a cautelar, declarando a inconstitucionalidade do dispositivo questionado. A relatora ressaltou que “não caberia o prejuízo [da ação] porque a Corte já tinha afirmado a suspensão dos efeitos do inciso I do artigo 3º da Emenda Constitucional 58” (ibid.). 

1. O precedente e o princípio da anterioridade eleitoral 

O principal argumento para o reconhecimento da inconstitucionalidade é, basicamente, a afronta ao artigo 16, CF: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”, conforme a redação dada pela EC nº 4, de 1993. A redação dada pelo poder constituinte originário assim determinava: “A lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação”.  

Ambas as redações ressaltam a sensibilidade de leis de matéria eleitoral quanto à sua vigência. Conforme o ditado popular, “não se pode mudar as regras do jogo durante o jogo”.  

A redação dada pela EC nº 04/1993, por sua vez, aponta especificamente para um princípio amplamente reconhecido tanto na doutrina quanto na jurisprudência: a anualidade ou anterioridade eleitoral. “O objetivo da emenda foi garantir que mudanças na legislação eleitoral somente entrem em vigor se aprovadas até um ano antes do pleito, impedindo alterações casuísticas nas regras legais” (TSE – Comunicação, 2015).  

A partir deste princípio, por exemplo, a famigerada Lei da Ficha Limpa (LC n. 135/2010) apenas passou a ser aplicável um ano após sua publicação, gerando, no mesmo ano de publicação, a necessidade de pacificação doutrinária a seu respeito de sua aplicabilidade: 

Em agosto de 2010, ao julgar o primeiro caso concreto que discutiu o indeferimento de um registro de candidatura por inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegou a entender que a lei seria aplicável às eleições gerais daquele ano, mesmo tendo sido publicada há menos de um ano da data das eleições. No entanto, prevaleceu entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a norma não deveria ser aplicada ao pleito de 2010, em respeito ao artigo 16 da Constituição. 

[...] 

Diante dessa compreensão, a Justiça Eleitoral começou a julgar, a partir das eleições municipais de 2012, milhares de processos envolvendo casos de candidatos considerados inelegíveis com base na norma (TSE – Comunicação, 2015). 

Segundo o ex-ministro do TSE e especialista em direito eleitoral Walter Costa Porto, “uma infinidade de leis eram sancionadas para regular um pleito no mesmo ano ou até mesmo dias antes da eleição”, tratando-se de um “mau costume brasileiro o de editar normas bem próximas aos pleitos, alterando a cena eleitoral” (TSE – Comunicação, 2015). 

Dessa forma, pode-se compreender a necessidade do princípio da anterioridade eleitoral, sobretudo para a garantia da segurança jurídica no processo eleitoral. Foi baseado neste entendimento que o STF julgou procedente, por unanimidade, a ADI 4.307. 

2. Os limites do poder constituinte derivado reformador 

Como não convém à finalidade deste relatório, não se fará pormenorizadamente a conceituação de poder constituinte e suas bifurcações em originário e derivado, bem como na divisão deste em revisor e reformador. Basta, seguindo seu objetivo, afirmar que o princípio da anterioridade eleitoral estabelece um limite ao poder constituinte derivado reformador, o que fundamentalmente significa, a partir da edição da EC nº 04/1993, que não se pode editar nova emenda constitucional que desnature o princípio em questão. 

Isso acontece porque o princípio da anterioridade eleitoral é tido como cláusula pétrea implícita, devido à sua importância para a observância de outros princípios-matrizes, como a legalidade, a impessoalidade e a moralidade, bem como à manutenção da segurança jurídica, com um devido processo eleitoral. 

Dessa forma, o argumento aceito pelo Supremo Tribunal Federal é que a EC nº 58/2009 fere diretamente o art. 16 da CF, e, por isso, é evidenciada, para este Tribunal, flagrante inconstitucionalidade. 

3. A independência e a harmonia dos Poderes da República e o real objetivo dos freios e contrapesos. 

Conforme o art. 2º da Constituição Federal, “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Este artigo está pautado na divisão de Poderes, característica do Estado Democrático de Direito, que confere competências típicas a diferentes centros de poder. 

Os Poderes, conforme o artigo, possuem a característica de independência entre si. Para tanto, cada Poder é competente para sua própria organização e, em processo legislativo, possui competência para propor lei que verse sobre matéria de seu essencial interesse, como remuneração de seus servidores, estrutura administrativa, dentre outros aspectos. 

Para controlar o exercício das funções típicas de cada poder, há concomitantemente funções atípicas e, mais importante para este relatório, os freios e contrapesos em si, denominados na doutrina norte-americana como checks and balances

Embora seja afirmado na ADI que o julgamento do STF se tratava meramente de análise constitucional do caso, e não de uma intromissão na organização do Poder Legislativo, é possível a compreensão de que o art. 3º da EC n. 58/2009 versa tão-somente à organização do quantitativo concernente às Casas Legislativas municipais, reorganizada conforme autonomia da União e independência do Poder Legislativo federal, sem prejuízo aos mandatários já investidos, apenas incluindo candidatos ao cargo de vereador que haviam ficado fora das vagas antes da ampliação do limite máximo pela EC n. 58. 

Nessa esteira, portanto, é possível afirmar que a decisão do STF se espraia na organização do próprio Poder Legislativo, longe de ser, contrariamente ao afirmado, uma questão restritamente de constitucionalidade frente ao art. 16. Mais gravemente, poder-se-ia dizer que o STF ultrapassou o objetivo dos freios e contrapesos, que confere ao Judiciário a capacidade de analisar questões de constitucionalidade, convencionalidade (na hierarquia supralegal) e legalidade, ainda que a norma se refira essencialmente a outro Poder, pois a decisão afetou diretamente a autonomia e independência do Legislativo para organizar-se. 

Por fim, a harmonia, que aparece ao lado da independência no art. 2º, também se pode ver ferida, no profundo conflito de interesses entre os Poderes Legislativo e Judiciário neste caso (não somente nesta ADI, mas em todos os instrumentos legislativos e decisões judiciais que englobaram a tentativa de investidura de vereadores referente às eleições de 2008.).  

4.  Os princípios fundamentais vistos sob a complexidade da noção de povo 

Entretanto, ao contrário do que se observa no julgamento da referida ADI e conforme o objetivo da Unidade II desta disciplina, os princípios fundamentais (inclusive o princípio da anterioridade eleitoral), devem ser vistos sob a complexidade da noção de povo – e não sob uma ótica meramente formal do texto constitucional. Assim, a anterioridade eleitoral e o devido processo legal em matéria eleitoral são, antes de tudo, um direito do povo. 

Quanto à tensão e à convergência entre princípios fundamentais e à noção de povo, é imprescindível a compreensão acerca de quatro conceitos: identidade constitucional, constitucionalismo, democracia e Estado de Direito.  

Dr. Michel Rosenfeld, jurista integrante do quadro docente da Universidade Yeshiva, de Nova Iorque, explica que “seja qual for a identidade de uma sociedade particular, ela tem uma influência sobre como o problema da relação entre Constituição ou constitucionalismo, democracia e Estado de Direito é percebido ou tratado” (ROSENFELD, 2004, p. 15). Dessa forma, governantes de povos diferentes representam identidades constitucionais diferentes – para exemplificar, Rosenfeld afirma que o Presidente dos EUA não poderia ser Presidente da França, e vice-versa, pois povos diferentes carregam percepções e tratamentos diferentes de constitucionalismo, democracia e Estado de Direito (ibid., p. 15). 

4.1 A identidade constitucional 

Assim, a identidade, seja constitucional ou política, de uma determinada sociedade é algo que terá obviamente um efeito em todas essas questões. Há leis com as quais uma determinada sociedade se identifica tão fortemente que são menos impositivas, ou menos percebidas como tal, em relação a outras leis que são particularmente antipopulares nessa sociedade (ROSENFELD, 2004, p. 14).  

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Dessarte, franceses, de acordo com sua identidade, são propensos a aceitar a figura de um Estado interventor, por meio, por exemplo, da cobrança de impostos, desde que para assegurar direitos dos cidadãos, garantindo o bem-estar da sociedade. Estadunidenses, por seu turno, possuem a tendência de rechaçar a ideia de um Estado interventor, pois faz parte de sua identidade o apego a um Estado mínimo; por isso, veem o aumento na cobrança de impostos como uma fonte de problemas, até mesmo uma ofensa ao princípio da liberdade do cidadão americano (ibid., p. 15). 

4.2 O constitucionalismo 

Sobre o constitucionalismo, Rosenfeld afirma ter identificado quatro concepções, porém se atém a três: a alemã, a francesa e a americana (em seus períodos tradicionais), as quais serão explicadas resumidamente. 

A noção constitucional alemã consiste num constitucionalismo efetivamente auxiliado pelas instituições e governos, na institucionalização do espírito do povo germânico. Seguindo Carl Schmitt, há contentamento com a ideia de um ditador, desde que este soubesse o que era o espírito do povo alemão – quem são os amigos e quem são os inimigos; o ditador poderia até mesmo ser um instrumento para a implementação dessa visão de constitucionalismo. Há, portanto, uma correlação fraca entre constitucionalismo e democracia (ROSENFELD, 2004, p. 15-16). 

A noção constitucional francesa, por sua vez, é de que constitucionalismo é democracia. A Revolução Francesa amarrou o constitucionalismo ao povo e definiu o povo francês como o povo democrático por excelência. A visão é de um Parlamento representando o povo, servindo como instrumento para levar adiante o projeto constitucional. Os franceses, seguindo Rousseau, tinham confiança em que o Parlamento, por sua própria natureza, fosse uma instituição democrática e protegeria os direitos por efeito de uma democracia em funcionamento. A democracia é tida como, talvez, o aspecto mais importante da regra constitucional (ibid., p. 16). 

Por último, o modelo americano está a meio caminho entre as concepções francesa e alemã, contemplando vários séculos de democracia. O conceito principal é a noção de checks and balances. A democracia é necessária e boa, porém perigosa. A maior preocupação de Madison era o medo da tirania da maioria. A maneira de lidar com isso é por meio de um governo central e vários governos estaduais concorrentes, de forma que o poder democrático não esteja concentrado numa única esfera. Há uma limitação da democracia por meios não democráticos, e vários séculos de democracia concorrente para assegurar que o eleitor individual não seja engolido pela maioria sobre a qual ele não tenha o menor controle (ibid., p. 17). 

4.3 A democracia 

Concernente ao conceito de democracia, este pode ser compreendida como “a regra da maioria, a regra majoritária [...] uma forma política de organização, um sistema político em que as decisões que são contestadas resultam do voto da maioria” (ROSENFELD, 2004p. 12). Nesse sentido, constitucionalismo e democracia estão em lados opostos, pois numa democracia os direitos constitucionais vão diretamente contra a vontade democrática.  

Assim: 

A liberdade de pensamento ou de expressão [...] realmente significa proteger os pontos de vista com os quais a maioria não está de acordo, porque os pontos de vista com os quais a maioria concorda não precisam de proteção constitucional. A maioria tomará conta de si mesma, por meio do processo legislativo e do devido governo (ibid., p. 12). 

Ainda sobre a democracia, Rosenfeld faz uma observação: 

Estou assumindo que nós temos uma democracia em funcionamento. Muitas coisas que são chamadas de democracias não são realmente democracias que funcionam, e as maiorias de fato não têm o poder. No entanto, nas democracias que funcionam, os direitos constitucionais devem ser, em certa medida, antidemocráticos. [...] O direito constitucional é antidemocrático, antimajoritário (ibid, p. 12-13). 

A respeito da correlação entre a democracia e o povo: 

O termo “democracia” não deriva apenas etimologicamente de “povo” [...]. Estados democráticos chamam-se governos “do povo”; eles se justificam afirmando que em última instância o povo estaria “governando” [...]. 

Todas as razões do exercício democrático do poder e da violência, todas as razões da crítica da democracia dependem desse ponto de partida. 

A explanação, bem como a justificação, movem-se habitualmente no campo das técnicas de representação, de instituições e procedimentos. Só assim o “povo” entra no campo visual; ou ainda nos momentos nos quais a delimitação (da “nação”, da “sociedade”), está em jogo (MÜLLER, 2003, p. 47). 

4.4 O Estado de Direito 

Para concluir a apresentação dos quatro conceitos elencados, Rosenfeld afirma que o Estado de Direito “é difícil de se medir em termos de democracia e constitucionalismo” (ROSENFELD, 2004, p. 13). Estado de Direito é uma ordem política, em que o governo é feito por meio de leis e não de acordo com a vontade do soberano ou de decretos. Uma democracia é, por um lado, a expressão da vontade da maioria e, por outro lado, uma coerção, porque o direito aplicado sobre uma minoria legislativa é o poder do Estado sobre ela (ibid., p. 13-14).  

As leis, num sentido perfeito, seriam aprovadas e rejeitadas de acordo com mudanças no sentimento majoritário, o que não acontece de forma imediata na prática, pois a flutuação do sentimento majoritário não possui acompanhamento hábil do Parlamento (ibid., p. 14). 

5. A implicação dos conceitos de identidade constitucional, constitucionalismo, democracia e Estado de Direito para o precedente 

Partindo de uma visão crítica do precedente proposto para a Unidade II, o principal equívoco do Supremo Tribunal Federal à época foi ignorar que direitos fundamentais são referentes e relativos ao povo e, sem este, não fazem sentido. 

Não se ignora, aqui, no entanto, a complexidade de povo, o qual pode ser compreendido, segundo o jurista alemão Friedrich Müller (MÜLLER, 2003) sob diversos referenciais (que não serão aprofundadas para manter o foco deste artigo): como povo ativo (ibid., p. 55-58), como instância global de atribuição de legitimidade (ibid., p. 59-64), como ícone (ibid., p. 65-73), como destinatário de prestações civilizatórias do Estado (ibid., p. 75-77) e como conceito de combate (ibid., p. 83-90). 

A identidade constitucional faz com que os cidadãos se identifiquem com a visão de que o Estado deve agir por vias constitucionais e nos limites da lei (vide Art. 5º, inciso II, CF), seguindo o constitucionalismo próprio de determinado povo. 

O princípio da anterioridade eleitoral busca assegurar segurança jurídica a esse referido povo, pois a violação do devido processo legal em matéria eleitoral não apenas ofende os membros e os candidatos a mandatos do Poder Legislativo. Este Poder, em sua essência, num Estado Democrático de Direito, consiste na representação dos cidadãos, para agir por meio de regras e princípios preestabelecidos e publicizados, o que é essencial no fenômeno do neoconstitucionalismo e na noção de um regime político genuinamente democrático. 

 Ferir, inconstitucionalmente, pessoalmente e imoralmente o processo eleitoral é uma ofensa ao direito do povo, a saber, o de ser devida, constitucional e legitimamente representado em todas as esferas de poder, o qual pertence ao povo, o que é reconhecido expressamente em nossa Carta Magna (vide Art. 1º, parágrafo único) e no constitucionalismo internacional: 

Similarmente a Lei Fundamental alemã [...] invoca no seu preâmbulo o fato de que “o Povo Alemão, por força do seu poder constituinte” teria outorgado esse texto; a República Federal da Alemanha seria “um Estado federativo democrático e de bem-estar social”, no qual “todo o poder de Estado” emanaria “do povo” e deveria ser exercido “pelo povo em eleições e votações”, bem como “por meio” da atividade dos clássicos órgãos públicos divisores dos poderes” (MULLER, 2003, p. 48). 

CONCLUSÃO 

Dessa forma, estribando-se no entendimento de que o princípio da anualidade eleitoral pertence ao povo, a decisão do STF (dada por unanimidade), em suas atribuições como Tribunal Constitucional, não deveria se ater à afirmada flagrante inconstitucionalidade frente ao texto do art. 16.  

Dever-se-ia observar, portanto: a) A independência e a harmonia dos Poderes da República e a autonomia do Poder Legislativo para a sua própria organização, compreendendo o real objetivo dos freios e contrapesos; b) O entendimento do princípio da anualidade ou anterioridade eleitoral, bem como os princípios fundamentais em geral, vistos na complexidade da noção de povo e como direito do povo, para o povo, especialmente a partir dos conceitos de identidade constitucional, constitucionalismo, democracia e Estado de Direito. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.307. Inteiro Teor do Acórdão. Relatora: Min. Cármen Lúcia. Nov., 2009. Disponível em: <http://redir.stj.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=493068&prcID=3766452#>. Acesso em: 1 abr. 2019. 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Confirmada liminar em ADI sobre emenda dos vereadores. Brasília, 11 abr. de 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=235715>.  Acesso em: 4 jul. de 2019. 

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Princípio da anualidade eleitoral é garantia de segurança jurídica. Brasília, 20 jul. de 2015. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2015/Julho/principio-da-anualidade-eleitoral-e-garantia-de-seguranca-juridica>. Acesso em: 4 jul. de 2019. 

MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Trad. Peter Naumann. Rev. Paulo Bonavides. São Paulo: Max Limonad, 3ª ed. 2003. 

ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional e o Estado Democrático de Direito. Trad. Fernando Gomes; Paulo Roberto Magalhães. Cadernos da Escola Legislativa, Belo Horizonte, v. 7, n. 12, jan./jun. 2004. 

Sobre o autor
Gabriel Teles Pontes

Bacharel em Direito e Técnico-Administrativo em Educação na Universidade de Brasília (UnB).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este artigo foi desenvolvido como requisito parcial para aprovação na disciplina Direito Constitucional 1, da Universidade de Brasília (UnB), ministrada pelo prof. dr. Paulo Henrique Blair de Oliveira, e foi elaborada conforme conteúdo programático e bibliografia básica da disciplina, especialmente a partir da reflexão sobre ensinamentos e discussões propostas pelo docente em sala de aula.

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