Fascismo

Antípoda da eticidade humana

24/08/2019 às 14:57
Leia nesta página:

Antítese dos Direitos Humanos.

Educar em Direitos Humanos, de forma aguda, também é educar para a sua negação. Se a afirmação histórica, ético-social, política, dos direitos humanos implica efetivamente na conquista do Direito que advém da luta política, isto implica, igualmente, no desalojamento e desconforto de estruturas e instâncias de poder que, anteriormente, eram assentadas e afirmativas do controle e do domínio. Então, se toda ação na Luta pelo Direito, afirmativa de “novos” Direitos Humanos, provoca a reação dos que antes só estabeleciam deveres, ação e reação caminham em paralelo com afirmação e negação de direitos e de deveres. Pode-se dizer, neste prisma, que a mais atentadora forma de combate aos direitos humanos deriva do fascismo, porque é um surto negativo de direitos construído silenciosamente, vagarosamente, até que se torne a fonte do poder opressor. Por isso, o fascismo tende a ser uma forma regulamentar (“normalizando-se” em violência) e regulamentadora, especialmente porque se ocupa do Poder Político para “normatizar” outras regras de direito e administração da vida social e política.
O fascismo, em forma populista e perversa, tende a colonizar a “mente” dos seguidores, notamente pela “exaltação da ignorância”, tem como suas principais vítimas iniciais, não por acaso, a educação, a ciência, a cultura, as artes, a comunicação, as formas de interatividade social desbloqueadas do medo, do controle antiético, agora por ação/inculcação do atavismo, do moralismo, pelas religiosidades controladoras, enfim, pelo poder central manipulador, regressivo e repressivo. Desde sua apresentação clássica, a partir da Itália de Mussolini, a ideia de caos, desordem, conturbação, tem sido a bomba operatriz da manipulação popular.
Neste caldo fascista, do passado e do presente (quer seja como proto-fascismo), o ativismo democrático, participativo, instaurador da Política (Polis) e da civilidade – pelo engajamento social e popular nas causas dos múltiplos Direitos Humanos –, subverte-se em atavismo, um tipo de eterno retorno da inconsciência, do misticismo, das crendices.
• Se o ativismo exige reconhecimento político da causa, o atavismo trabalha duro para que a Política seja desfeita;
• Se o ativismo eleva a desmagificação (como “desencantamento do mundo”) e a necessária racionalidade processual (a exemplo do próprio Direito), o atavismo é complacente com a subsunção dos anteriormente declarados, democraticamente, imaculados direitos humanos fundamentais, individuais e sociais;
• Se o ativismo faz da ação propositiva e não só reativa um elo fundante da consciência social e política, porque a práxis revê e revigora a concepção política original (teoria e tese), como parte sólida do mundo concreto em que se vive e atua, e a ser ele próprio repensado (antítese), o atavismo refuta qualquer perspectiva desse “mundo concreto-pensado”, porque não se pode, não se quer “pensar” para despossuir o domínio abusador;
• Se o ativismo traz a Ideia de Síntese (inclusiva de Direitos Humanos), o atavismo é a antítese, o antípoda, dos mesmos Direitos Humanos que deveriam ser a síntese social;
• Se o ativismo é projetivo, fertilizador do futuro (teleologia), a descortinar-se não-opressivo, o atavismo é arcaico, retrógrado, regressivo e repressivo.

Hoje, porém, o fascismo pode-se dar em formatos mais ou menos acentuados pelas características técnicas do século XXI, como é o caso da assim chamada “pós-verdade”, a partir do sobrepeso da mídias oficiais (tornadas reféns como Diário Oficial televisionado), das Fake News bijetoras das redes sociais de interação, das vontades e (in)determinações resultantes da consciência imagética – em que, efetivamente, uma imagem (manipulada ou não) vale muito mais do que mil reflexões –, do aceleramento das postagens do indivíduo/individualizado (que desconhece o Outro e a Outra) e do viral de si mesmo a ser compartilhado e dirigido pela inteligência artificial. Nesse caso, não deixa de ser profunda ironia a constatação de que a inteligência artificial, como quintessência da inteligência humana, seja utilizada exatamente para obnubilar qualquer criação inteligente e criativa.
A isto ainda podemos acrescer o fenômeno da Ditadura Civil e/ou militar – ou ditadura civil militarizada, em que os tanques de guerra não mais precisam ocupar a Avenida Paulista –, bem como a adesão carreirista do mundo jurídico, alguns porque veem somente a atividade economicista (advocacia) e outros (Magistratura e Ministério Público) porque se ocupam do poder para fazer carreira na administração pública abusadora da democracia, do Direito, da eticidade constitucional. Mas, é justamente desse lodo de distopia e negação da vida, do caos, que ressurge a luta e a transformação libertadora que impõe politicamente a inclusão dos Direitos Humanos, tanto na pauta do poder central quanto na vida comum do homem médio.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)
Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS

 

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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