O presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso, em 19 de fevereiro, três anteprojetos, propondo mudanças na legislação penal, na processual penal e, também, na execução penal, elaborados no Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
O documento compreende 19 (dezenove) medidas, estabelecendo procedimentos contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa. Já recebeu a denominação, indevida, de pacote anticrime e anticorrupção.
As propostas visam a assegurar a execução provisória da condenação criminal após julgamento em segunda instância; aumentar a efetividade do Tribunal do Júri, alterar regras do julgamento dos embargos infringentes; as relacionadas à legítima defesa; endurecer o cumprimento das penas; alterar conceito de organização criminosa; elevar penas em crimes relativos a armas de fogo; aprimorar o perdimento de produto do crime; permitir o uso do bem apreendido pelos órgãos de segurança pública; evitar a prescrição; reformar o crime de resistência; introduzir soluções negociadas no Código de Processo Penal e na Lei de Improbidade; alteração da competência para facilitar o julgamento de crimes complexos com reflexos eleitorais; melhor criminalizar o uso de caixa dois em eleições; alterar o regime de interrogatório por videoconferência; dificultar a soltura de criminosos habituais; alterar o regime jurídico dos presídios federais; aprimorar a investigação de crimes; introdução do “informante do bem” e do “whistleblower”.
No início de julho, começou a transitar, na Câmara dos Deputados e no Senado, após ter ficado em banho-maria, porque o governo, estrategicamente, priorizou e jogou suas fichas na aprovação da reforma da Previdência. Esse fato, inclusive, adiou a campanha publicitária, de esclarecimentos e divulgação, para o mês de agosto.
No Senado, os relatores dos três anteprojetos, em comum acordo com o Ministério da Justiça, já fizeram algumas modificações formais, sem alterar, substancialmente, o núcleo da proposta. Contudo, pelas reações, de desacordo e de aprovação ao documento, é provável que tenhamos discussões acaloradas na tramitação das propostas. Em relação às discordâncias, citam-se manifestações de o pacote estar embasado em punitivismo puro, que provocaria aumento, ainda mais preocupante, da população carcerária, pois, estatística específica indicaria que esse suporte não é a resposta adequada à violência que aflige a sociedade brasileira. Vale dizer, sustentam que punir e encarcerar não seriam medidas suficientes para conter e reduzir a espiral da violência criminal, porque as medidas exaltariam, apenas, o caráter retributivo da pena, não concorrendo para a prevenção e nem para a ressocialização de apenados. A argumentação está correta, em parte, visto que não invalida a proposta elaborada no MJSP, cujo objetivo é apresentar procedimentos para minorar uma parte de um problema muito maior. Afinal, qualquer caminhada começa com o primeiro passo! E, conhecendo posicionamentos de endosso, destacam-se aplausos a melhores condições para realização da persecução penal, ao endurecimento das penas e ao maior rigor na execução penal, o que vem corrigir parte do problema. Certamente, são procedimentos que interessam ao Judiciário, ao Ministério Público e às Polícias, em geral, mas, paradoxalmente, são do desagrado da OAB, que, lamentavelmente, mistura preciosas, relevantes e incisivas citações da mais pura doutrina jurídica com sofismas, profetizações e achismos, tipo “ ... vai aumentar as ações policiais com morte. É um cheque em branco para ações letais sem paralelo no Estado brasileiro”, ou, ainda, não podia faltar, o manjadíssimo estereótipo populista“... vai recrudescer a matança em massa de jovens negros e pobres por policiais e agentes de segurança do Estado”.
Ora, qual o embasamento científico para colocações tão afirmativas? Nenhum! Além do mais, as expressões “vai aumentar, vai recrudescer” têm forte cheiro classista. E, mais ainda, se a intenção fosse, de fato, apresentar propostas, sugestões – visto que aquela instituição não é a dona da razão – visando ao bem-estar da população, através contribuição para o debate, conviria ter sido usado o verbo “poder” em lugar de “ir”.
Voltando à motivação dessas observações, ao núcleo da questão, entende-se que a discussão está desfocada, pelo fato de estar havendo entendimento equivocado em relação aos projetos apresentados, basicamente a partir do momento em que o conjunto passou a ser chamado, erroneamente, de “pacote anticrime”. Ora, para sê-lo, deveria ser a resultante de um trabalho multidisciplinar, envolvendo outros ministérios, visto que necessitaria conter medidas de prevenção criminal (eliminar e/ou reduzir causas) e de maior efetividade na execução penal (redução de efeitos), somadas às medidas de repressão (caráter punitivista), essência do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que não se ocupa (e nem deve) em apresentar medidas para as áreas de assistência social, de educação, de cidadania e afins, fundamentais para que, de fato, o pacote seja “anticrime”.
Enfim, os projetos apresentados, no geral, cumprem o objetivo de contribuir para o aprimoramento de investigações e processos contra criminosos contumazes ou organizações criminosas, endurecendo a repressão, que, aos olhos da população, se apresenta como muito frouxa. Ratificando, são medidas fortes para corrigir uma parte de um grande problema: a criminalidade. Residualmente, deve despertar o desejo, o anseio popular de o governo apresentar um verdadeiro “pacote anticrime”, com projetos para redução de causas e de efeitos, que se somariam às medidas punitivas, oriundas do ministério próprio, o da Justiça.