Subsídio “pero no mucho” e impossibilidade de adequação temporária salarial

30/08/2019 às 09:34
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ADI 4941/AL e Inconstitucionalidade de dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal. Decisões judiciais que podem comprometer o saneamento do déficit público.

É sabido que o Estado Brasileiro, em diversos níveis, encontra-se em grave situação econômica com um grande déficit orçamentário. Ao menos isso é o que é noticiado diuturnamente na imprensa, inclusive, como alternativa para sanar o desequilíbrio financeiro, com possibilidade de ressuscitar o tributo, não existe outro nome, CPMF (um imposto que era cobrado sobre movimentações financeiras), e aumentar, ainda mais, a carga tributária da pessoa física através do incremento das alíquotas do imposto de renda.

Por isso, as decisões judiciais, principalmente do Supremo Tribunal Federal, podem auxiliar ou comprometer soluções para resolver o imbróglio da dívida pública. Tudo o que venha travar ou liberar gastos e despesas pode ser crucial para o salutar equilíbrio nas contas públicas.

Fora a necessidade premente de repensar o modelo de gastos públicos, principalmente sob o viés da moralidade, princípio tão esquecido quando convém, das despesas desnecessárias e nababescas do primeiro escalão, os custos com pessoal é um item orçamentário significativo.

Através da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, foi realizada a denominada reforma administrativa para, dentre outros motivos, regular gastos com pessoal. Neste ponto, foi incluído o art. 39, § 4º, que dispõe que determinados cargos “serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI”.

Como se observa, a redação é clara, indene de dúvidas. Aliás, nota-se que não existe lacuna a se colmatar com a interpretação judicial. A lei maior preceitua que o servidor público, em regra, de alto escalão, diga-se de passagem, percebe subsídio que se caracteriza como parcela única. Não deve existir outros incrementos salariais nestas hipóteses pelo comando constitucional.

Em outras palavras, esses servidores devem exercer todas as atividades compatíveis com o cargo recebendo apenas uma única parcela a título salarial, sem acréscimos remuneratórios. Não existe adicionais, gratificações ou outras verbas.

Além do problema das verbas indenizatórias, que oneram sobremaneira as despesas públicas (contam que existem, em alguns casos, até auxílio paletó), o STF proferiu decisão que pode servir de precedente para casos semelhantes, na ADI nº 4941/AL, julgada em 14.8.2019, para, em suma, admitir “Gratificação de Dedicação Excepcional” para servidores que percebem subsídio.

Ainda que seja justo remunerar “dedicação excepcional” e outras atividades dos servidores, da leitura da Constituição, a regra é clara, subsídio não tem gratificação. Mas não para o STF, que deveria guardar a Constituição. Foi dito que esse entendimento, de que o subsídio não pode sofrer acréscimos está equivocado, pois o art. 39, § 3º, admite o pagamento de outras verbas, tais como horas extraordinárias. Ou seja, foi utilizada verbas que possuem outra natureza jurídica na seara trabalhista, como férias, para justificar a aludida gratificação.

A melhor interpretação constitucional seria dizer que é possível parcelas de cunho trabalhista, como férias ou décimo terceiro, para servidores que recebem subsídio, contanto que compatíveis com a noção de parcela única e com a natureza e relevância do cargo, porquanto, não será surpresa que, no futuro, servidores de alto escalão, como secretários ou ministros de estado, queiram incluir “horas extras” nos seus contracheques ao argumento de que os trabalhos duraram mais do que o esperado. Esses cargos, políticos e de alta relevância, devem ser tratados como se gerentes fossem regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, indevidos pagamentos de horas adicionais ou controle de jornada.

Além dessa decisão, na sessão de 22/08/2019, o STF, em controle concentrado de constitucionalidade, já atingiu maioria de votos, salvo se houver ajustes e retratações, para declarar inconstitucional o artigo 23 da lei complementar 101/2000 que prevê, como medida para ajustes orçamentários, a possibilidade do estado reduzir temporariamente a jornada de trabalho e os salários de servidores para que adeque aos limites da lei de responsabilidade fiscal.

O artigo citado já estava suspenso por decisão liminar há dezessete anos. Ele é uma das medidas que poderiam ser tomadas para ajuste fiscal, antes de medidas mais drásticas, como demissão de servidores não estáveis e, até mesmo, estáveis.

Se existe permissivo legal, até o momento não declarado inconstitucional, para medidas mais duras de ajuste fiscal, não é razoável não permitir soluções mais brandas que podem contribuir para que seja alcançado o limite prudencial de gastos com pessoal.

Se essa decisão for confirmada e a crise aumentar, não restará outra alternativa para o gestor público senão utilizar remédios mais amargos do que a flexibilização temporária de jornada e salário. Como alertado pelo Ministro Alexandre de Moraes, “a discussão não se dá entre ter essa flexibilização e continuar como está, é entre ter a flexibilização temporária ou ser demitido”. Dentro desses termos, parece que a flexibilização é medida de menor impacto, além de poder contribuir, ainda que temporariamente para o ajuste das contas públicas.

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Enfim, foi exposto acima duas decisões judiciais que podem atrapalhar e ampliar a crise econômico-financeira dos entes públicos. Se a crise não for contornada e os gastos públicos não forem freados, já é de conhecimento público as medidas que o Estado costuma adotar: aumento de tributos, em desfavor, em regra, dos menos favorecidos, além de ações que acabam por atingir, invariavelmente, as classes menos abastadas. Nunca gastos luxuosos e desnecessários da alta cúpula pública, que se vale até de helicópteros para locomoção diária, ou que atinja os interesses das classes dominantes.

Sobre o autor
Alexandre Santos Sampaio

Advogado. Mestre em Direito pela Uniceub - Centro Universitário de Brasília. Especialista em Direito Público pela Associação Educacional Unyahna. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Bacharel em Administração pela Universidade do Estado da Bahia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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