Afeto: a base da família

A dupla paternidade em razão do afeto

Leia nesta página:

No início do mês de junho do ano corrente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), confirmou uma decisão que levantou muitas discussões acerca da dupla paternidade. De modo sucinto buscaremos entender o que motiva a dupla paternidade.

ABSTRACT: At the beginning of the month of June of the current year, the Superior Court of Justice (STJ) confirmed a decision that raised many discussions about double paternity.

PALAVRAS CHAVE: DIREITO CIVIL: DIREITO CONSTITUCIONAL; PATERNIDADE SOCIOAFETIVA; DUPLA PATERNIDADE; AFETO

KEY WORDS: CIVIL LAW: CONSTITUTIONAL LAW; SOCIOAFFECTIVE PATERNITY; DOUBLE PATERNITY; Affection

Com o advento da Carta Máxima de 1988 mudanças significativas aconteceram e ainda acontecem no ordenamento jurídico brasileiro.

Dentre referidas mudanças pode-se ressaltar aquelas ocorridas no âmbito familiar, dentre as quais: a ausência do patriarcado; a existência de igualdade entre mulheres e homens no controle do poder familiar; e/ou o abandono do critério biológico em detrimento do afetivo na relação de parentesco.

Neste breve texto, um tema relevantíssimo para toda a sociedade e, especialmente, no que toca a órbita jurídica será tratado, qual seja, a paternidade socioafetiva.

No início do mês de junho do ano corrente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), confirmou uma decisão que levantou muitas discussões acerca da dupla paternidade.

In casu, de acordo com o mecanismo de notícias do STJ, 

[…] o casal homoafetivo teve uma filha com a ajuda da irmã de um dos companheiros, que se submeteu a um processo de reprodução assistida. Após a renúncia do poder familiar por parte da genitora, o casal solicitou o registro em nome do pai biológico (doador do material genético) e do pai socioafetivo, mantendo em branco o campo relativo ao nome da mãe. O MPSC contestou a decisão que permitiu a dupla paternidade, alegando que a competência para o caso não seria da Vara da Família, mas da Vara de Infância e Juventude, pois a demanda deveria ser tratada como pedido de adoção unilateral. Em primeira instância, o pedido de registro da dupla paternidade foi julgado procedente. O MPSC apelou para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), que manteve a sentença. No recurso especial, o MPSC insistiu nas teses de adoção unilateral e de incompetência da Vara da Família. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2019, p. s/p).

Também nos moldes da fonte mencionada, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator na Terceira Turma, frisou haver diferentes efeitos do instituto da adoção e da reprodução assistida. Segundo suas palavras: “Deve ser estabelecida uma distinção entre os efeitos jurídicos da adoção e da reprodução assistida heteróloga, pois, enquanto na primeira há o desligamento dos vínculos de parentesco, na segunda sequer há esse vínculo” […]”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2019, p. s/p).

A propósito, no caso, a mãe biológica, irmã de um dos pais, não possui vínculo de parentesco com a criança, filha do pai biológico e filha socioafetiva do seu companheiro, sendo importante lembrar, nesse sentido, o Provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça, de novembro de 2017, que reconhece a possibilidade de casais homoafetivos registrarem filhos com dupla paternidade. Veja-se:

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.

§ 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.

§ 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.

§ 4º O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido.

Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.

§ 1º O registrador deverá proceder à minuciosa verificação da identidade do requerente, mediante coleta, em termo próprio, por escrito particular, conforme modelo constante do Anexo VI, de sua qualificação e assinatura, além de proceder à rigorosa conferência dos documentos pessoais.

§ 2º O registrador, ao conferir o original, manterá em arquivo cópia de documento de identificação do requerente, juntamente com o termo assinado.

§ 3º Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo FILIAÇÃO e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher a assinatura do pai e da mãe do reconhecido, caso este seja menor.

§ 4º Se o filho for maior de doze anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá seu consentimento.

§ 5º A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado.

§ 6º Na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local.

§ 7º Serão observadas as regras da tomada de decisão apoiada quando o procedimento envolver a participação de pessoa com deficiência (Capítulo III do Título IV do Livro IV do Código Civil).

§ 8º O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva poderá ocorrer por meio de documento público ou particular de disposição de última vontade, desde que seguidos os demais trâmites previstos neste provimento.

Art. 12. Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local.

Art. 13. A discussão judicial sobre o reconhecimento da paternidade ou de procedimento de adoção obstará o reconhecimento da filiação pela sistemática estabelecida neste provimento.Parágrafo único. O requerente deverá declarar o desconhecimento da existência de processo judicial em que se discuta a filiação do reconhecendo, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal.

Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.

Art. 15. O reconhecimento espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017, p. s/p).

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Assim sendo, nota-se que o critério biológico não mais é relevante para se caracterizar o parentesco. Sendo realmente importante o afeto, basilar não somente nos casos de paternidade dupla, mas também nos casos de paternidade socioafetiva.

Destacadamente, deve-se sempre levar em conta o princípio do melhor interesse da criança, detendo o afeto caráter alicerçante e possibilitador do desenvolvimento saudável. Ou seja, o critério afetivo tornou-se imprescindível nas relações familiares, sendo que sem o mesmo pode-se dizer não haver uma família, mas um amontoado de pessoas vivendo sob o mesmo teto, sem a menor solidariedade e cumplicidade. Seguindo a premissa, a Carta Mãe expressa que a família é a base da sociedade (art. 226, caput), já nós ousamos asseverar ser o afeto é a base da família.

REFERÊNCIAS

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento Nº 63 de 14/11/2017. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380>. Acesso em: 17. jul. 2019.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Notícias do STJ: Mantida decisão que permitiu registro de dupla paternidade sem inclusão do nome da mãe biológica. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Mantida-decisaoque-permitiu-registro-de-dupla-paternidade-sem-inclusao-do-nome-da-maebiologica.aspx> Acesso em: 17. jul. 2019.

Sobre os autores
Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito.

José Onofre de Oliveira Vieira

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas - Fadileste. Ex integrante do Programa de Iniciação Científica da Fadileste.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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