A ética argumentativa e a sua aplicação no Direito

31/08/2019 às 22:21
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O artigo aborda uma maneira objetiva de se analisar o direito, de modo que a sociedade não se renda à subjetividade e arbitrariedade do legislador assim como as aplicações e consequências da interpretação da lei através desse método.

A ORIGEM DOS CONFLITOS

    Vivemos em um mundo onde os recursos que aqui encontramos são escassos.[1] Um universo livre de escassez deveria ser ele próprio infinito e recursos infinitos deveriam ocupar todo o seu espaço-tempo, a ação humana, descrita pela praxeologia,[2] seria impossível nesse universo, uma vez que ela não consumiria tempo, oportunidade, meios, não poderia sequer gerar fins, já que todos os fins possíveis já existiriam infinitamente nesse universo sem escassez.

    Para a Ética Argumentativa, pouco importa o que é suficiente ou não em um universo. É importante então para a compreensão dela, entendermos que nosso corpo também é escasso, uma vez que ele não pode ser usado, ao mesmo tempo para atingir dois fins excludentes. É impossível, por exemplo, abaixar e levantar meu braço ao mesmo tempo, pois existe um limite físico.[3]

    Quando dois indivíduos resolvem usar o mesmo recurso escasso ao mesmo tempo, surge um conflito, aqui temos um exemplo simples: imagine que Pedro pega uma maçã de uma árvore e Paulo toma essa maçã dele, surge então um conflito nesse processo, ambos querem usar o mesmo meio para fins excludentes e ambos não podem comer a mesma maçã inteira. Dessa forma, também há conflito caso alguém resolva utilizar o corpo de outro indivíduo para seu próprio fim sem a aprovação dele, se Ana agride Tobias, Ana utilizou do corpo de Tobias (através da agressão) para seu próprio fim (machucá-lo) em detrimento do controle de Tobias sobre seu corpo, gerando um conflito.

    Como então todos os conflitos emergem do fato de dois indivíduos utilizarem o mesmo recurso ao mesmo tempo para fins excludentes, cabe à ética dizer o que é certo, apontando quais ações são válidas ou inválidas para evitar gerar um conflito.

[1]: Limitação que tange os recursos materiais, tornando-os fiunitos.

[2]: Segundo Mises, é o estudo dos fatores que levam as pessoas a atingirem seus propósitos. Para a praxeologoia, a ação humana é todo comportamento propositado que busca atingir um dado fim.

[3]: Existem ainda ações que são contraditórias em sua essência, como: estupro consensual, roubo voluntário, falar a verdade mentindo, ficar calado enquanto fala, etc.

 

 A ÉTICA

    A ética deve ser capaz de ser aplicada a todos os indivíduos, de modo que se ela for seguida por todos eles, não deve gerar conflitos, assim como também não podem existir conflitos internos nessa ética se aplicada indefinidamente.[4] Caso a ética venha a gerar algum conflito interno, ela não é uma ética pela sua própria definição. A ética é normativa dizendo o que deve ser feito, ou, como no caso da Ética Argumentativa que veremos logo mais, ela diz especificamente o que não deve ser feito, gerando um direito negativo. Uma ética normativa pode vir a ser violada, caso os indivíduos escolham não segui-la, se a ética fosse descritiva seria impossível quebrá-la, é o exemplo da lei da gravidade, uma vez que não podemos simplesmente escolher sair voando por aí, mas podemos escolher agredir ou não outra pessoa. A Ética Argumentativa proposta por Hoppe está implícita a priori[5] da argumentação, mas antes de entrarmos de vez na Ética Argumentativa, ainda nos resta estabelecer o conceito de argumentação.

[4]: A partir do momento em que há uma agressão, essa não é mais solucionada pela ética, porém pelo Princípio de Estoppel

[5]: Portanto, independe de experiência para que seja demonstrada

 

A ARGUMENTAÇÃO

    Podemos definir a argumentação como uma interação que busca a concordância entre os indivíduos argumentadores a respeito do valor-verdade de duas proposições no argumento. Ela é necessariamente uma ação humana, uma vez que usa do seu corpo inteiro como recurso escasso (meio), para se atingir um fim específico: a busca da verdade através de preposições justificadas e válidas. Os indivíduos que argumentam buscam a concordância entre si, pois mesmo que eles não concordem em nada, eles concordam que discordam em tudo, dessa forma, a argumentação é livre de conflitos.

O que faz a argumentação ser possível é o reconhecimento que cada indivíduo deve ter sobre o controle exclusivo sobre seu próprio corpo e do outro indivíduo argumentador, podendo assim agir de maneira independente em relação a outros indivíduos para expressar seus argumentos e chegar a uma conclusão por si só. Esse reconhecimento ocorre de maneira automática, pois não faria sentido argumentar com alguém que não é dono de si próprio, uma vez que a concordância com essa pessoa não produziria efeito real.

    Vemos então que a argumentação possui a condição formal a priori do reconhecimento da autopropriedade, sendo então condição transcendental.[6] Sem esse reconhecimento, é impossível a argumentação.

[6]: Que não pode ser provado errado, pois iria contra a própria definição

 

A ÉTICA ARGUMENTATIVA

    Todas as tentativas de afirmar uma proposição que é verdadeira, falsa, indeterminada ou se o argumento é válido ou não, ocorrem através de ações justificadas (portanto, racionais) durante uma argumentação, é impossível provar o contrário sobre isso porque a tentativa de refutá-la aconteceria justamente através de uma argumentação.

    Para justificar uma proposição é necessária uma argumentação, disso podemos concluir que toda e qualquer tentativa de justificar a ética é necessariamente através da argumentação, onde está reconhecida implicitamente o direito de autopropriedade, se uma pessoa argumentasse contra esse direito, ela cairia numa contradição performativa[7] visto que no ato de argumentar ela iria reconhecer esse direito, logo a única ética que pode ser justificada é a Ética Argumentativa.

    De outra maneira talvez mais fácil, uma vez que a única forma de se justificar uma proposição é através de uma argumentação, tentar refutar a Ética Argumentativa só seria possível através de uma argumentação, porém a utilização desse meio já corrobora a existência e a validade dela.

    Observe que todas essas afirmações feitas aqui como justificativa para a Ética Argumentativa são juízos de fato, verdadeiros e a priori, portanto, a ética pode ser derivada a partir da lógica. Temos então que a Ética Argumentativa é a norma de autopropriedade e todos os seus corolários.[8] Toda e qualquer norma que venha a surgir em uma sociedade deve então ser derivada da norma primeira, ou entraria em contradição.

[7]: Quando o conteúdo de uma proposição está em conflito com um de seus pressupostos

[8]: Afirmações decorrentes de um princípio

 

O PROCESSO DE PRIMEIRA APROPRIAÇÃO

    Uma vez que é reconhecida em todo o ser humano a autopropriedade, surge a questão sobre o que aconteceria com os bens que não são ainda propriedade de alguém, para tal, existem três possíveis interpretações a serem elaboradas e mostraremos aqui porque apenas uma delas está correta.

    A primeira interpretação diria que objetos que não possuem dono nunca possuirão. Bom, sabemos que tal interpretação é refutada pela própria história da humanidade que mostra a necessidade de que algo se torne seu para que possa ser utilizado e daí proporcione a sobrevivência da espécie, por exemplo, se uma melancia não pode ser minha, eu não tenho o direito de usá-la para me alimentar, se nenhum alimento pode ser meu, como decorrência dessa interpretação, a minha subsistência não seria possível.

    A segunda “solução” diria que os bens não podem ser apropriados pois eles são propriedade de todos, de modo que qualquer um possa usá-lo. O problema dessa interpretação é que para utilizar de um bem, eu deveria obter a permissão de todos os outros que também são donos do mesmo bem, o que é impossível na prática, uma vez que levaria um tempo imensurável para obter a permissão de todas as pessoas na terra para usar um objeto, fazendo com que a subsistência da espécie humana também seja impossível dentro desse sistema.

    Sobra então a última interpretação possível, a de que objetos que não possuem dono, podem ser apropriados por alguém, que terá seu direito de propriedade assegurado, tal processo se dá através da chamada Apropriação Primeira ou Homestead proposta por John Locke.

O processo de primeira apropriação se dá então pela mistura do seu trabalho[9] com determinado recurso, estendendo a sua personalidade àquele recurso, de forma que ninguém tenha feito isso antes, e delimitando de forma que outros indivíduos possam perceber que esse recurso já foi apropriado, ao fim desse processo, o produto resultante será a sua propriedade privada. Em um exemplo prático, se eu quero consolidar minha propriedade sobre um terreno nunca antes clamado, eu devo construir uma casa ali, ou plantar algo, de modo que outros percebem que aquela terra foi apropriada.

A apropriação acontece então quando estabelece-se uma ligação indireta entre o indivíduo e o recurso escasso. Essa ligação só acontece de forma indireta porque o indivíduo precisa usar seu corpo para se apropriar do recurso, ou seja, ele utiliza de um recurso para se apropriar de outro. Portanto, qualquer indivíduo que não o primeiro que tente, sem o consentimento dele, estabelecer propriedade onde já existe uma, estaria ferindo a própria Ética Argumentativa.[10]

Tal interpretação é tida como a correta pela eliminação das demais, uma vez que elas são incapazes de promover a subsistência da espécie humana. Isso não quer dizer necessariamente que ela é a única opção correta, podendo outras soluções serem propostas, desde que elas atendam esse requisito.

[9]: Aqui se fala de trabalho puro, não do valor-trabalho proposto por Adam Smith

[10]: Caso esse indivíduo queira adquirir a propriedade de outro indivíduo, deve ocorrer um acordo (contrato) proveniente da vontade autônoma de ambos

 

A APLICAÇÃO DA ÉTICA ARGUMENTATIVA NUMA SOCIEDADE

    É muito comum haver dúvida entre os recém-apresentados à Ética Argumentativa como seria uma sociedade sob a aplicação dela e isso acontece em parte, acredito eu, porque a maioria das discussões ou debates, sejam eles sobre leis, política, sociedade, etc, se dão numa visão utilitarista[11], e não num escopo ético. Bom, o que importa sabermos é que a ética não nos apresenta um modelo único que seria a resposta para tudo, ela apenas diz como não poderia ser esse sistema, ou seja, não pode haver violação de propriedade privada pois ela é soberana.

    O que sabemos é que se todos os indivíduos seguissem essa ética, nunca ocorreria um conflito. Toda e qualquer iniciativa livre, privada e voluntária teria como consequência uma sociedade que seria o ápice do que temos de melhor na humanidade, a nossa própria racionalidade e sua manifestação aplicada de forma soberana.

    As leis de uma sociedade vinculada à Ética Hoppeana deveriam surgir como forma de proteção aos direitos derivados de tal ética, enquanto que o dono de certa propriedade pode criar regras às quais aqueles que usufruem de sua propriedade estariam vinculados. Tudo isso pode parecer complexo, mas na verdade não é, porém antes de explicarmos como poderia funcionar esse sistema, iremos ressaltar os motivos que o sistema atual não funciona e porque ele nunca funcionaria.

    Para isso, vamos contar com exemplos que já acontecem até mesmo no Brasil através do sistema de arbitragem, que embora eficaz ainda é algo muito novo e em desenvolvimento, estando limitado a ações sobre os chamados “direitos disponíveis”; o segundo caso que trarei é mais antigo, porém famoso, o Velho Oeste, que embora possua uma certa fama criada pelos filhos de ser uma terra onde tudo se resolvia na base de quem tinha o melhor gatilho, apresentava na verdade um sistema bem eficaz de solução de conflitos, e por fim irei introduzir o sistema de justiça da Islândia medieval, que embora não fosse uma sociedade anarcocapitalista de verdade, possui diversos pontos em comum com ela que mostram como tal sistema é sustentável.

[11]: A discussão sobre o que seria bom para a sociedade, através de uma coletivização do pensamento e baseando-se em estatísticas ou ainda na moral predominante na sociedade, ou até mesmo na sua moral pessoal

 

O PROBLEMA DO JUSPOSITIVISMO

    O juspositivismo é uma corrente ideológica do direito que defende que a lei deve ser aquilo que está posto em um papel, tal qual a constituição, após a determinação disso por um grupo de pessoas a quem chamamos de representantes do povo. Esse modelo teve início em 1804, na França, com a Escola da Exegese. Esse é o modelo adotado em todos os países que possuem uma constituição ou código de leis escritas. No entanto, há que se falar de dois principais problemas decorrentes de tal sistema.

    O primeiro deles é que apesar de todas as belezas ilustradas por teorias como a Tripartição dos Poderes de Montesquieu, aquilo que estará escrito e deverá ser seguido por todos é a vontade de um grupo de pressão e isso abre espaço para que grandes atrocidades sejam cometidas. Há pouco mais de 130 anos, a escravidão ainda era permitida no país, simplesmente porque havia o interesse dos governantes para que a situação se mantivesse assim. Já em âmbito internacional, um dos maiores genocídios do mundo, o Holocausto estava literalmente previsto em lei. Mas isso não acaba por aí, mesmo que você acredite que a constituição é capaz de proteger os direitos, a ditadura militar brasileira prova o contrário, o mesmo com a ditadura de Maduro, na Venezuela, assim como em tantos outros exemplos da história que nos mostram que não será esse pedaço de papel que impedirá que tais barbáries aconteçam. Há ainda exemplos não tão grandes que mostram como simples atitudes arbitrárias podem colocar pessoas na cadeia, até pouco tempo atrás, o adultério era crime passível de cadeia, contratar um professor particular para o seu filho estudar em casa ainda é crime. Podemos portanto, afirmar categoricamente que esse pedaço de papel que chamamos de Constituição Federal e os pedaços menores que derivam dele, os quais chamamos de Códigos, não são uma definição objetiva ou sequer defensável do ponto de vista ético do que é certo ou errado, mas sim uma visão estatal disso.

    Mesmo assim, esse argumento não é suficiente para neutralizar uma possível defesa do juspositivismo, uma vez que é possível que hajam contratos com efeitos diferentes dos pretendidos inicialmente, há porém ainda um segundo problema: de onde vem o poder estatal de criar leis? O parágrafo único do Art. 1º da Constituição Federal de 1988 diz que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Mas se eu não tenho o poder de agredir[14] meu vizinho porque ele decidiu que seus filhos deveriam estudar em casa, por que o Estado tem esse poder? A resposta certa é que não há como explicar isso. Nós não temos o poder de agredir ninguém, portanto, não podemos delegar esse poder para outro ente. O que nós temos, no entanto, é a faculdade de nos defendermos de uma agressão ou de sermos restituídos por uma agressão sofrida, e isso pode ser delegado a um terceiro.

    Portanto, a única forma de haver uma possível defesa do juspositivismo que prevaleça mesmo perante a existência de problemas de eficiência é caso o problema da legitimidade do Estado seja solucionado, o que só pode ocorrer caso 100% da população concorde com a constituição. Não é possível ainda fazer um argumento em favor da aceitação tácita pelo simples fato de residir no país, pois não houve apropriação primeira do Estado de todo o território sob o qual as leis se aplicam para que ele seja capaz de ditar regras sobre tal.

[14]: Considera-se agressão como princípio de violência, ou seja, se exclui hipóteses como a legítima defesa, que se trata não de uma agressão, mas de uma defesa própria com utilização ou não de métodos violentos

 

O CASO BRASILEIRO

No Brasil, o sistema de justiça privada surgiu apenas em 1996 com a lei de arbitragem (Lei n. 9.307/96) e portanto, ainda é muito limitado. Embora alguns ainda sejam relutantes em aceitar a arbitragem como uma alternativa à justiça estatal, sem dúvida seus resultados já podem ser vistos, processos que antes duravam vários anos, agora se resolvem em poucos meses, além de uma vitória para a celeridade processual, a economia monetária proporcionada pela arbitragem torna-a mais acessível para a população mais pobre que não precisa desembolsar rios de dinheiro com um processo que se arrasta por anos e pode ainda não lhe dar uma decisão favorável, mesmo que o direito em litígio lhe seja de direito.

Vale frisar o grande perigo de se ter em um único ente, o Estado, as figuras de legislativo, executivo e judiciário. Basta lembrarmos, por exemplo que a indicação para o Supremo Tribunal Federal é de competência do Presidente da República, devendo ser aprovado pelo Senado, este, por sua vez, nunca vetou uma nomeação desde a redemocratização. Até o próprio sistema percebeu o quão quebrado ele é quando, no ano de 2015, foi aprovada a chamada PEC da Bengala (atual EC 88/2015), para que a então presidente, Dilma Rousseff não nomeasse mais quatro ministros para a corte, sob a ideia de que o STF estaria sendo “aparelhado”, pela presidente. Estaria então o legislativo admitindo que a tripartição de poderes não é um sistema infalível?

Também houveram casos que nos levaram a questionar “quem pode controlar o poder do STF?”, esse que deveria ser o “guardião da constituição” nos provou que pode fazer o que bem entender com ela. Temos, por exemplo, o caso do impeachment da própria Dilma Rousseff, em que o então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, decidiu separar as votações de impeachment e perda de direitos políticos da presidente, sendo que o entendimento da própria constituição aponta que ambos são vinculados.

No fim de 2018, tivemos ainda outro episódio envolvendo tal ministro, dessa vez já fora da presidência do cargo, quando ele deu voz de prisão para um advogado que o encontrou em um vôo e teria dito “o STF é uma vergonha”. Temos então que a simples indignação de um povo com um órgão público seria, para esse ministro, caso de prisão, mesmo que não previsto em lei.

Já no início de 2019, o atual presidente do STF, ministro Dias Toffoli, abriu um inquérito contra “fake news”, a primeira vista pode até parecer algo inofensivo que visa proteger a população das tais notícias falsas, mas como podemos ter certeza de que essas notícias são mesmo falsas? O ministro Alexandre de Moraes utilizou de tal inquérito para censurar a revista Crusoé que denunciou Toffoli por envolvimento com corrupção na Operação Lava-Jato, sob o pretexto de que se trataria de uma “fake news”, mas não há como provar que realmente se trata de uma se a investigação não se seguir e quantas investigações não tiveram origem com notícias que antes podiam-se presumir serem falsas? Agora há uma briga entre o STF e a PGR, onde eles discutem se tal inquérito é ou não constitucional, e não se sabe o que acontecerá. Além disso, o que talvez seja o maior problema desse inquérito mesmo sob a ótica da tripartição dos poderes é a concentração da figura do acusador e do juiz na mesma pessoa.

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Tivemos ainda diversos casos em que o STF supostamente teria tomado decisões que estariam além da sua alçada e nada pode ser feito contra isso. Mas esse não é um problema exclusivo do STF, acontecendo também em outros órgãos inferiores. 

Em novembro de 2015 tivemos a tragédia de Mariana, na qual o rompimento de uma barragem causou enormes danos à região além de 19 mortes, o caso foi julgado pela justiça e os responsáveis nunca foram condenados, acontece que a Vale do Rio Doce, empresa responsável por tal barragem, embora privada, trata de um monopólio concedido pelo Estado no qual ele mesmo é acionista de 36,7% dela, estaria então o mesmo órgão que domina grande parte daquela empresa e obtém lucros através dela disposto a condená-la a ressarcir devidamente e punir criminalmente os responsáveis pela tragédia? Mais recentemente, outro exemplo protagonizado pela própria Vale foi o desastre de Brumadinho, onde tivemos a mesma situação de rompimento de barragem se repetindo, causando a morte de 210 pessoas enquanto 96 continuam desaparecidas; e embora algumas pessoas tenham sido presas, ainda não se chegou aos verdadeiros responsáveis, o alto escalão da empresa, mesmo sabendo-se que os documentos que atestavam a segurança da barragem foram forjados.

Ainda existem casos menores de corrupção que atingem o setor público, como a venda de sentenças, prisões arbitrárias e outros problemas inerentes ao funcionalismo público, como demora nos processos, juízes desincentivados, defensores públicos desqualificados ou também sem incentivo para a realização de um bom trabalho, dentre outras questões que não acontecem apenas no Brasil, mas no mundo inteiro.[15]

Um último ponto que quero fazer ainda dentro da perspectiva brasileira e que vai servir para contrastar com os casos que contarei a seguir é o da eficácia das cadeias em qualquer papel que você possa induzir que caiba a elas. A primeira corrente, predominantemente de esquerda, defende que a função da cadeia é a de ressocialização, para que o indivíduo reflita sobre a moralidade da sua conduta e seja reinserido na sociedade após o que seria aceito como “um tempo razoável para que este chegue a essa conclusão”, agora pronto para voltar e viver em paz. Ora, a quantidade de erros dessa teoria, especialmente se levada até o fim, é tamanha que não vale nem a pena discutirmos todos, mas só para não passar batido, não existe situação em que você pode esperar que um criminoso seja isolado da sociedade com outras pessoas que cometeram outras condutas criminosas e que quando ele volte, ele esteja melhor, é óbvio que para toda regra, há exceções e pessoas que realmente conseguiram passar pelo processo de ressocialização, mas essas são uma minoria, na maioria das vezes, o que acontece é que a pessoa volta para a sociedade com raiva dela, culpando-a pelos seus erros, pela falta de oportunidade, pela situação que “não lhe deu outra escolha” a não ser cometer o crime, há ainda situações em que o contato com outros que cometeram crimes piores que os daquela pessoa fazem com que ela se contamine e acabe piorando, tornando-se ainda mais violento. A segunda corrente é predominantemente de direita, de que o bandido deve ir para a cadeia como forma de punição e para que o potencial risco de que ele cometa novos crimes seja afastado. Aqui há dois grandes furos: o primeiro é que se o objetivo é fazer com que o indivíduo seja afastado da sociedade, então o método mais prático seria matá-lo ou, caso isso seja considerado radical demais, jogá-lo numa ilha isolada (como a Inglaterra fez com a Austrália); segundo que o “medo de ir pra cadeia” no qual essas pessoas defendem como desincentivo para que outros não se insiram na vida criminosa pressupõe que os criminosos são devidamente punidos, o que não acontece na prática.

A terceira e última crítica que eu tenho a fazer ao atual sistema é: o que ganha a vítima com tudo isso? Aquela que deveria ter o dano sofrido reparado é muitas vezes esquecida por um sistema que pensa apenas em “punir” e nunca em “reparar o dano”. A pessoa é assaltada, o criminoso é preso e agora eu devo trabalhar para pagar imposto que vai sustentar aquele mesmo criminoso na prisão, simplesmente não faz sentido, a vítima é que deveria ser restituída e não pagar uma “bolsa” para o criminoso.

[15]: Tais comportamentos ocorrem principalmente porque a manutenção de seus cargos não depende da sua efetividade, a qual não pode sequer ser medida de maneira confiável sem um sistema de preços atrelado à livre concorrência

 

 

O CASO DO VELHO OESTE

    Certamente a primeira imagem que vem à sua cabeça quando pensa no Velho Oeste americano são aquelas trazidas pelos filmes: uma sociedade pacata, onde as principais interações eram feitas em um bar e onde todo conflito era resolvido na base de quem atira mais rápido, em duelos. Se essa é a imagem que você tem, então apague-a, pois você não poderia estar mais errado.

    Mas antes de tudo, um pouco de contexto: a exploração do território a Oeste das 13 colônias originais, tendo início entre 1840 e se alongando até o século seguinte, o principal objetivo era a obtenção de novas riquezas como a mineração de pedras preciosas.

Quando tais territórios começaram a fazer sucesso, surgiram diversas necessidades que, devido à ausência de um Estado centralizado nessas zonas, tiveram que ser supridas pela iniciativa privada. É sobre algumas dessas necessidades, especialmente aquelas de alguma maneira relacionadas com o direito que eu quero tratar neste capítulo.

Uma das principais necessidades que surgiu para a exploração do longo território que estava disponível foi, obviamente, o transporte das pessoas que estavam dispostas a imigrar. Nos primeiros anos, a viagem inteira durava uma média de 160 dias, sendo que com o avanço do tempo e consequentemente, das técnicas e dos conhecimentos de rota, etc. esse tempo decaiu para uns 110 dias. A viagem era feita em caravanas de vagões, mas era necessário também todo um arranjo com pessoas preparadas, além de alguém para comandar cada vagão também haviam os guias, que eram responsáveis por determinar o melhor trajeto, essas pessoas realizavam várias viagens, adquirindo assim muita experiência e foram um dos motivos da redução do tempo de viagem após um tempo, também haviam aqueles que cuidariam da comida e, por fim, aqueles responsáveis pela segurança.

Mas também nem toda a viagem era perfeita e imprevistos poderiam surgir, por isso eram feitas verdadeiras constituições (denominadas como “constituições de vagão”) que serviriam para resolver conflitos internos ou entre caravanas ou ainda para determinar o procedimento para acolhimento de novas pessoas ou saída delas. Os guias também foram parte extremamente importante na criação dessas constituições porque suas experiências contraídas em outras viagens permitia que eles soubessem o que valia ou não a pena ser incluído. O resultado disso era uma verdadeira governança privada e aqueles que não concordassem com as regras podiam procurar outra caravana com regras que fossem do seu agrado ou ainda criar sua própria caravana. Não havia portanto, uma coerção para a aceitação daquelas regras.

Algo que se tornou comum foi que pessoas com determinada cultura procuravam se juntar a caravanas que compartilhavam de seus mesmos ideais, assim, era comum vermos, por exemplo, mórmons se juntarem e fazerem sua própria caravana, isso facilitava o convívio durante a longa viagem e tornava conflitos ainda mais raros.

E por falar em conflitos, a resolução de qualquer problema que surgisse era feita sempre o mais rápido possível, porque ninguém queria ficar parado no meio do nada esperando para seguir viagem, mas isso não impedia que todo um procedimento fosse arranjado. À luz de crimes mais complexos, como homicídio, por exemplo, outras caravanas eram convidadas a participar do julgamento que incluía acusação, defesa, juiz, testemunhas, era um verdadeiro devido processo legal mesmo sem a presença do Estado. O objetivo era garantir que ao chegar na região pretendida, a caravana não ficasse conhecida por ter abandonado um dos seus no meio do caminho sem motivo.

O medo das punições também era um grande incentivo para que crimes não fossem cometidos em larga escala, a maioria dos casos que demandava uma punição mais severa era resolvida com o abandono do criminoso no meio do deserto, sendo que houveram casos inclusive de execução.

A taxa de mortalidade nessas viagens era apenas pouco mais alta que a taxa nas 13 colônias na mesma época (4% nas viagens contra 2,5% nas colônias), o que, tendo em vista todas as dificuldades encontradas e possibilidades com que se lidava, atrelado ainda à falta de tecnologia para o transporte, era considerada normal.

A próxima história que eu quero contar agora se passa após a Guerra Civil americana. Uma das atividades que foi bastante desenvolvida no Velho-Oeste foi a criação de gado, em especial aquele destinado às cidades mineradoras. Diferente do que se vê hoje em dia, não eram usadas cercas para delimitar o terreno, apenas uma pessoa ficava encarregada de cuidar para que o gado não fosse muito pra longe da propriedade, também surgiram marcações próprias de cada criador, para o caso de um deles fugir.

No entanto, durante a Guerra Civil, muitos desses criadores foram recrutados e quando voltaram, o gado estava todo misturado, a solução encontrada por eles era o seguinte: quem estivesse interessado em comprar gado contrataria alguém que iria reunir a quantidade pedida de animais e anotava a marcação de quantas cabeças de cada criador ele havia recolhido, dessa forma, o coletor sabia que havia pego, por exemplo, 10 cabeças com marcação A, 13 com marcação B e 20 com C. Uma vez por ano havia uma reunião entre os criadores e os coletores e era realizado um acordo entre eles para o repasse do valor.

Esse sistema era muito mais econômico, tanto monetariamente quanto em questão de tempo, do que recolher todo o gado e separá-lo de uma vez. Também era bastante incomum haver fraudes porque a reputação era tudo que aquelas pessoas tinham e perdê-la seria o fim do seu negócio, portanto, era mais lucrativo ser honesto.

Assim como na história anterior, o sistema funcionava porque era bastante dinâmico, podendo sofrer alterações a qualquer momento e desde que ninguém saísse prejudicado, não havia problema.

Quando o Estado intervém e decide codificar um sistema, o que aconteceu foi o engessamento dele, dessa forma, qualquer potencial de evolução foi drasticamente reduzido, pois fazer algo diferente do que estava proposto pela lei seria crime e mudar o sistema previsto levaria muito mais tempo, além de que a mudança poderia ser maléfica para todos, e voltar ao sistema anterior levaria o mesmo tempo, ocasionando grandes tragédias no setor.

O que temos então nesses dois exemplos são casos em que a iniciativa privada desenvolveu sistemas de regras que funcionavam muito bem, proporcionando a todos os envolvidos a satisfação pretendida, ocasionada especialmente pela mutabilidade do processo, podendo assim se adequar a qualquer situação. A adição do Estado na equação acaba com essa possibilidade, fazendo com que qualquer avanço na técnica venha a se tornar impossível.

 

O CASO DA ISLÂNDIA MEDIEVAL

    Apesar do título deste capítulo, a Islândia Medieval não foi a única sociedade a aplicar o modelo que eu comentarei aqui, mas é sim um dos exemplos mais importantes, outros lugares em que tal sistema foi implantado foram a Irlanda, a Inglaterra antes do common law e pelos povos celta e viking, apresentando sucesso em todos eles.

    É importante avisar que essas sociedades não são tão complexas quanto as atuais, portanto, existem muitas críticas sobre o funcionamento desse sistema no mundo atual. As sociedades deveriam ser altamente descentralizadas, de modo que o poder de punição do criminoso recaia nas mãos dela.

    Na Islândia haviam pessoas determinadas escolhidas para a solução dos conflitos, eram os Brehons, essas pessoas eram os líderes dos templos, pois, se tratando de uma sociedade muito religiosa, os Brehons eram considerados grandes sábios que conciliavam a sabedoria divina com os valores da sociedade. A lei, portanto, não era imposta por um centro de poder, como o Estado, mas era aceita socialmente.

    Não querendo entrar no mérito de que muitas situações terríveis, como a escravidão, já foram um dia aceitas socialmente, tal sistema se mostrava muito eficaz. E caso as decisões de um Brehon não agradassem a sociedade, ela simplesmente deixava de ouvi-lo, recorrendo a outro que oferecesse uma solução melhor.

    Dependendo da sociedade, havia a substituição do Brehon por figura equiparável. Na Somália e Etiópia vigora até hoje um sistema em que o responsável pela decisão é o chefe da família. Assim, se um crime é cometido dentro de uma família, por exemplo, um irmão mata uma irmã, cabe ao chefe da família resolver aquela situação. Já se o crime for cometido entre famílias, ou seja, se alguém da família Oliveira mata alguém da família Silva, os chefes de cada família procuram alguém que possua relação com ambas as famílias (e seja considerado justo e inteligente o suficiente para tomar uma boa decisão) como julgador. Nesses países, as pessoas que não possuem família (no sentido genético), não possuem direito a defesa, dessa forma, eles procuram se juntar a alguma outra família ou grupo, formando um clã, tais organizações possuem alguém que será escolhido como o líder deles e deverá atuar assim como o chefe de família.

Há nessas sociedades, como dissemos, um forte aspecto cultural e até mesmo religioso no equivalente deles ao nosso judiciário, isso, é claro, abre portas, assim como no juspositivismo, para que grandes males sejam cometidos, mas isso não quer dizer que eles estão de todo errados. O sistema deles provou que não é necessário a imposição por um poder superior, como o Estado, de um órgão jurisdicional, todo o procedimento pode ser feito de maneira privada sem que haja prejuízo para as partes, e com uma taxa maior de eficácia do que a dos magistrados brasileiros, uma vez que decisões consideradas pela sociedade como não sendo boas o suficiente provocam a substituição dele.

 

O JUSRACIONALISMO COMO SOLUÇÃO

    Apresentamos então todos os problemas de juspositivismo e sistemas de justiça privados que demonstram que não há a necessidade da imposição por parte do Estado da formação de um sistema de solução de conflitos, mas como fazer então um sistema que seria justo para todos? Isso começaria pelo abandono do juspositivismo e a adoção de um sistema objetivo, o qual não refletiria a vontade de um grupo, mas uma concepção ética do que é certo ou errado. Essa concepção, diferentemente da moral, não pode ser relativizada, pois isso implicaria no não reconhecimento dela própria.

    O jusracionalismo prevê então a ética como fundamento único para a criação de normas universais, isso é possível porque, como dito anteriormente, a ética não faz distinção entre os indivíduos, ela é sim o único meio possível de tratarmos todas as atitudes humanas pela mesma régua.

    Dessa forma, a lei não é uma interpretação humana do que é certo ou errado perante a ótica de um grupo de pessoas, como no positivismo, mas algo justificado em uma norma primeira provada como verdadeira.

    Isso, no entanto, não implica no total abandono da moral, como veremos mais adiante, você ainda pode conter sua própria moral interna, desde que essa não entre em conflito com a ética, e ela lhe permite julgar as ações de outras pessoas e mesmo que elas não sejam eticamente puníveis, você pode puni-los através do seu direito de livre associação.

 

A APLICAÇÃO DA ÉTICA ARGUMENTATIVA NA JUSTIÇA

    Chegamos enfim ao grande objetivo desse texto. Sei que demorou bastante, mas o assunto aqui abordado raramente é tratado em livros e faculdades, por isso a longa explicação é necessária para preparar o terreno da sua mente para esse momento, então vamos lá.

    O primeiro ponto que eu quero tratar aqui é como definir um crime. Crime é toda a ação agressiva da qual decorre um dano ao patrimônio de outra pessoa. Dessa forma, para haver um crime, são necessários esses elementos:

  1. Agressão
  2. Vítima
  3. Propriedade ferida

    E embora isso pareça simples, devemos lembrar que o direito atual, juspositivista, reconhece como sendo crime apenas aquilo que está posto em lei. Assim, é importante ressaltar que não há crime sem que haja uma vítima em que se possa reconhecer o direito de autopropriedade.

    Como dissemos anteriormente, a aplicação plena da Ética Hoppeana geraria uma sociedade sem conflitos, porém não podemos esperar que todos os indivíduos sigam a ética incondicionalmente, nessa sociedade ainda existiriam problemas como assassinatos, roubos, estupros… sendo que tais condutas seriam crimes por se encaixar na descrição acima.    A solução do conflito se dá então pela total reparação de danos causados, na medida do possível.

    Há que se mencionar que diante da Ética Argumentativa, não existem direitos indisponíveis, visto que a indisponibilidade de um direito pressupõe a violação da autonomia pessoal inerente à autopropriedade. Isso traz consequências bastante interessantes para o direito processual, uma delas sendo a possibilidade da disponibilidade de causa em favor de terceiro, através disso, se alguém possui uma causa avaliada no valor de 100 mil reais, porém ela não dispõe dos recursos financeiros necessários para levar essa causa adiante, ela pode vendê-la para um terceiro que se interesse, por um preço menor, tornando-se o novo proprietário da causa.[16] O dinheiro estaria garantido ao vendedor da causa desde o início, sem que ele tivesse que desembolsar qualquer custa processual ou passar meses até ter a decisão do juiz que poderia nem mesmo ser favorável. Óbvio que essa possibilidade de receber uma decisão desfavorável poderia afastar algumas pessoas dessa ideia, porém, assim como qualquer empreendimento, esse também apresenta riscos do ofício, mas para reduzir a possibilidade de perda de capital, essas empresas utilizariam a probabilidade de ganho da causa para justificar a porcentagem oferecida por ela, assim, se a causa de 100 mil citada anteriormente fosse fácil, ela poderia valer uns 70 mil, enquanto que se fosse mais difícil, valeria uns 40 mil. Isso interessaria principalmente aos mais pobres, atualmente ficando reféns de servidores públicos que, muitas vezes, pouco se interessam em ter um bom desempenho. Essa pessoa que hoje só tem acesso a eles, agora teria acesso aos melhores advogados do país, sem que para isso tivesse que tirar um centavo do seu bolso.

    A utilização de tribunais privados é algo bastante questionado pela comunidade acadêmica, devido à clássica ideia de que empresas privadas, por visarem o lucro, ficam suscetíveis à corrupção, assim, seguindo essa linha de raciocínio, se uma empresa muito grande é processada por alguém que claramente não possui o mesmo nível de influência, essa empresa pode oferecer ao tribunal privado dinheiro para que a decisão do juiz seja manipulada

Quanto a isso, temos três argumentos a serem feitos: o primeiro deles é que esse tipo de coisa já acontece atualmente com tribunais públicos; as pessoas possuem a ilusão de que quando você propõe uma solução para um problema X, essa proposta será imune a todos os problemas que você inventar em sua mente, o que não é verdade e essa é a grande beleza da iniciativa privada, ela nunca se contenta com o que já está feito, sempre há potencial para se alcançar mais resultados com o emprego de menos recursos, assim como a necessidade de que haja uma relação de confiança entre o empreendimento e o cliente. Como já dizia Ludwig Von Mises em seu livro, As Seis Lições, ao traçar um paralelo entre empreendedores e reis: “Esse ‘rei’ precisa se conservar nas boas graças dos seus súditos, os consumidores: perderá seu ‘reino’ assim que já não tiver condições de prestar aos seus clientes um serviço melhor e de mais baixo custo que o oferecido por seus concorrentes”. Portanto, se você descobre que uma empresa privada é corrupta, você não irá levar suas questões a ela porque você teme que o outro lado tenha pago mais que você, você as levará para algum tribunal de boa reputação. Já com o Estado, não pode-se fazer isso, você só tem uma única opção, que você sabe que é corrupta, mas não tem para onde correr.

O segundo ponto que deve-se levantar é que tais atos de corrupção poderiam constituir quebra do contrato estabelecido entre o cliente e o tribunal, conduta passível de reparação.

Pode haver ainda aqueles que questionem a dúvida que ainda restaria na cabeça das pessoas sobre a idoneidade do tribunal, para isso, a iniciativa privada já possui uma solução, e essa é o meu terceiro ponto. É normal você encontrar produtos que dizem “qualidade garantida ou seu dinheiro de volta”, o mesmo pode acontecer nesses tribunais que podem disponibilizar de garantias como a aprovação da decisão por um segundo juiz (similar ao sistema de dupla jurisdição adotado atualmente) ou ainda a criação de selos de qualidade, empresas que possuírem os requisitos para aderir àquele selo serão classificadas como de confiança e caso elas saíam da linha ou deixem de cumprir algum requisito, serão retiradas da lista de empresas confiáveis. Há ainda mais uma saída que seria a mencionada anteriormente, se você tem dúvidas quanto à imparcialidade do tribunal ou não quer esquentar a cabeça com isso, terceirize a sua defesa.

[16]: Seria possível até mesmo a criação de empresas especializadas em comprar essas causas, ou ainda, poderia ser interessante para um advogado ou escritório que comprasse tais processos, já que ele seria capaz de defendê-la sem necessidade de grandes gastos e teria um excelente retorno

 

ESTOPPEL

    Aqueles ainda não iniciados na Ética Argumentativa e que estão tendo seu primeiro contato com ela a partir desse texto ou até mesmo alguns que a conheciam, porém não profundamente, devem estar se questionando como é possível, se a propriedade privada é inviolável, a punição de alguém que, pelo simples fato de ser contra ela, se caracterizaria como uma violação da autopropriedade. É para solucionar esse problema então que surge Estoppel.

Estoppel é um princípio do direito americano (no brasileiro, o instrumento mais próximo seria a preclusão), assim como a Ética Hoppeana, Estoppel encontra suas justificativas na argumentação, no sentido que a pessoa está impossibilitada de fazer um argumento que a coloque em contradição. Assim, a pessoa não pode afirmar que “A” e “não-A” são verdadeiros ao mesmo tempo, da mesma forma, é impossível afirmar “não-B” se “B” é uma verdade incontestável.

Um exemplo clássico trazido no artigo original do Stephan Kinsella é o caso do pintor contratado para pintar certa casa, porém que, por engano, começa a pintar a casa do vizinho, este, uma vez que tenha percebido o que está acontecendo, confirma para o pintor que a sua é a casa correta, induzindo-o a erro. O pintor, quando descobre o erro, pede pagamento pelo serviço prestado. O vizinho afirma então que não houve contrato entre ele e o pintor, não tendo ele sido responsável de qualquer maneira pelo engano do pintor e não tendo que pagá-lo pela pintura. Tal afirmação, no entanto, entra em contradição com o fato ocorrido anteriormente, no qual o vizinho de fato confirmou ao pintor que a sua era a casaa correta, com fim de ganhar uma pintura de graça e do qual o pintor se apoiou para realizar a sua ação. O vizinho estará então estopped de continuar a sua afirmação, uma vez que ela é uma contradição de uma verdade constatada por quaisquer meios, de que ele confirmou a casa ao pintor.

    Quando um indivíduo pratica um ato agressivo contra outro, o direito de punição daquele que sofreu a agressão é assegurado por Estoppel, isso acontece porque o agressor não consegue argumentar contra a imposição de uma sanção. Tenha a seguinte situação em mente: Adriano assalto o celular de Cristiane e é posteriormente pego pela polícia com provas suficientes para condená-lo, para Adriano se defender da punição, ele pode seguir dois caminhos. No primeiro deles, Adriano admite que "agressão é válida", portanto, não deve ser punida, porém, se agressão é válida, então a punição, que se daria através de uma agressão ao seu corpo, também é legítima. A segunda alternativa seria afirmar que "agressão é inválida", sendo que ao fazer essa afirmação, Adriano estaria entrando em contradição com a sua conduta anterior de agredir alguém, estando estopped de prosseguir nessa linha de argumentação. Não há meio termo aqui e nem se pode fazer argumentos em sentidos contrários, como a agressão ser válida e inválida ao mesmo tempo, ou ele estaria entrando em contradição novamente. Também não é aceitável que Adriano afirme que mudou de ideia, no caso, que considerava a agressão como válida no momento de sua conduta, porém agora a considera inválida, pois ainda assim o seu ponto de vista atual, de agressão ser errado, justifica punição atribuída à sua conduta anterior. Por fim, também não é possível que Adriano argumente contra a legitimidade de determinada pessoa (ou empresa) agredi-lo, ou seja, não é possível que ele diga "a minha agressão é válida, a sua não", pois os argumentos trazidos careceriam do caráter universal necessário para a configuração de uma argumentação (e a justificativa para fugir de uma punição só pode se dar através de uma). Não há então hipótese pela qual o indivíduo pode utilizar para negar punição de sua conduta, pois ele sempre estará estopped de fazer alegações nesse sentido.

    Estoppel também pode ser utilizado para justificar a invalidade de normas que proíbam condutas não agressivas, seria o caso, por exemplo, do adultério, uma vez já caracterizado como crime pelo código penal. Por mais imoral que seja, tal ato de trair seu companheiro não é antiético, pois não viola a propriedade privada de ninguém, dessa forma, é também um comportamento não agressivo, portanto, quando surge uma norma que viole a autopropriedade da pessoa que cometeu adultério, colocando-o na cadeia, há sim uma agressão injustificada e, portanto, impossibilitada por Estoppel, dessa forma, quando o Estado julga uma pessoa por adultério e a considera culpada, enviando-a para a cadeia, há uma agressão, o Estado estaria então estopped de prosseguir com a pena imposta. Não cabe aqui o argumento de que o Estado é um órgão legítimo para iniciar a agressão, porém não o adúltero, pois, novamente, cairia-se na questão da universalização do argumento. O mesmo argumento pode ser usado para invalidar normas anti-drogas ou anti-pornografia, por exemplo.

 

A PROPORCIONALIDADE NAS PUNIÇÕES

    Um último questionamento a ser respondido antes de entrarmos na última parte desse texto, onde tratarei de questões mais específicas, é quanto à proporcionalidade das punições sob a luz de Estoppel. Bom, aqui devemos dividir dois pontos de vista, o qualitativo e o quantitativo da punição. A punição, quantitativamente falando, não deve ultrapassar o dano causado, enquanto que qualitativamente, ela pode se dar de qualquer maneira. Dessa forma, se alguém assassina outra pessoa, o que seria a maior agressão possível à propriedade de alguém, poderia-se aplicar ao outro indivíduo a pena de morte, é justificável que ao cometer o assassinato, o indivíduo deixou de reconhecer o direito à vida daquela pessoa, portanto, não é capaz de argumentar sobre o seu direito à vida, no entanto, uma pessoa condenada por um crime menor, como um simples furto não deve estar sujeita a punição tão grande quanto a pena de morte, nesse caso, a punição pode se constituir da restituição da coisa ou de quantia monetária equivalente ao valor do objeto.

    É importante mencionar que Estoppel não é aplicado apenas a eventos passados, no caso de um crime já ter ocorrido, mas pode também justificar a legítima defesa de um indivíduo que esteja prestes a sofrer uma agressão. Vejamos, por exemplo, o caso de um bandido que levanta uma arma contra um grupo de pessoas, uma delas, sem que ele saiba, um policial portando sua própria pistola, o policial então saca sua pistola e dispara contra o bandido, matando-o, sob uma análise exclusivamente ética do fato, o policial estaria eticamente errado, pois teria agredido alguém sem que a outra pessoa tivesse iniciado violência contra ele. Já quando tomamos a conduta do policial por Estoppel, ela estaria amparada como legítima defesa, uma vez que o policial pode justificar sua conduta, enquanto que o bandido, mesmo que estivesse vivo, não poderia sem que fosse estopped.

    Quero reservar um último espaço nesse capítulo para falar da punição de condutas não agressivas, como já dito anteriormente, punições coercitivas acerca de comportamentos que não causem dano a patrimônio não são aceitas perante a ética ou Estoppel, o que é possível no entanto, é usar o seu direito à livre associação, assim como o de outros indivíduos, para organizar um boicote, por exemplo, dessa forma, se for o caso de um viciado em drogas, seus familiares podem se reunir e decidir por parar de sustentar aquela pessoa até que ela entre numa clínica de reabilitação. Como sabemos, a conduta de se drogar não é agressiva e, portanto, não pode ser proibida através de coerção, mas isso não quer dizer que ela deve ser aceita por todos e, portanto, tal atitude poderia servir para fazer com que aquela pessoa comece a se tratar, sem que haja uma violação da autopropriedade dela.

    Existe, é claro, um grande ceticismo quanto à efetividade real de um boicote, e eu admito que a resistência dessas pessoas é justificada, não é sempre que vemos casos assim serem noticiados, mas existem sim exemplos bem famosos, talvez o mais famoso dele seja o que aconteceu com o ator Kevin Spacey, que após sofrer uma série de denúncias de assédio através da campanha “Me Too” (e não entro aqui no mérito de tais denúncias serem ou não verdadeiras, pois, mesmo que não fossem, uma vez que não houve agressão contra ele por parte daqueles que o boicotaram, não há problema ético), foi totalmente desligado da série House of Cards, onde era protagonista. Os boicotes são ainda dificultados, em muitos casos, pela grande presença estatal. Por exemplo, é de conhecimento de todos que a Anatel praticamente bloqueia a chegada de novas empresas no ramo da telefonia no país, o que resulta numa quantidade muito pequena de “players” no mercado, fazendo com que os consumidores fiquem reféns dos serviços já existentes e um boicote a uma dessas empresas acaba ficando bastante limitado. Já por outro lado, a iniciativa privada vem criando métodos que facilitam a “punição” de condutas não criminosas, o principal exemplo disso é a invenção do século, a Internet, que surgiu possibilitando que casos dignos de boicote se tornassem mais visíveis e em poucos segundos, podem ser compartilhados por qualquer um.

    Os resultados de um boicote bem sucedido podem, muitas vezes, ser piores que os de uma condenação, voltando ao caso do Kevin Spacey, resultou no fim de sua carreira, o único filme que ele foi chamado para fazer após a campanha de boicote teve baixíssima audiência e certamente não era correspondente ao calibre do ator. Já quando acontece contra uma empresa, no mínimo isso resultará em uma queda do lucro dela, como aconteceu no caso do segurança do Carrefour que matou um cachorro a pauladas, em outros casos, é possível até mesmo causar o fechamento da empresa.

 

CRIMES CONTRA A HONRA

    Agora vou me dedicar a esclarecer pontos específicos que podem ser um pouco difíceis de ser visualizados para aqueles “não iniciados”, a começar com os crimes contra a honra. No código penal, temos três crimes contra a honra: difamação, calúnia e injúria. Tais crimes ocorrem, de maneira geral, quando alguém atribui a você um fato que lhe ofenda a sua honra, o que chamamos de “objeto jurídico” no direito, ou seja, aquilo que se pretende proteger através da norma, é algo imaterial, portanto, não é uma propriedade e dessa forma, não é protegida pela ética. Assim, chamar alguém de “burro”, “feio” ou “gordo” não é um crime.

    Você pode ter uma visão contrária a isso, é comum argumentar que tais ações podem acabar causando danos maiores ao psicológico de uma pessoa, mas aqui pode-se aplicar a regra da universalidade que eu expliquei quando falei de Estoppel, e seu argumento seria invalidado. Mas para tentar convencer aqueles com a mente mais fechada, aqui vai uma explicação mais utilitarista do porquê não se punir ideias.

Digamos que Bruno chame Irene de gorda, isso certamente não irá agradá-la, portanto, ela resolve ir na delegacia denunciar Bruno, há agora a necessidade de determinar, assim como em qualquer outro crime, se houve ou não dano efetivo (e para continuar com essa linha de raciocínio, vou deixar de lado a ideia de que a honra não é uma propriedade para ser danificada), há então três possibilidades sobre quem irá definir isso ou não: o ofensor, o ofendido ou um terceiro. No primeiro caso, o do ofensor, nada nunca será crime; No segundo caso, o do ofendido, tudo sempre será crime; Sobra então o terceiro método, aplicado atualmente no direito brasileiro, onde um juiz determina se houve ou não dano, o que acontece no entanto, é que esse juiz será uma pessoa com pensamentos e ideologias próprios, e devido à grande quantidade de juízes, a insegurança jurídica seria tamanha, pois seria impossível prever o que pode ou não ser considerado como um dano por essas pessoas.

Há também a possibilidade de que a pessoa que receber tais poderes use-os para repressão de oposição ou de críticas, ou ainda para a obtenção de vantagem. E para aqueles que duvidam que isso venha a acontecer, a questão é que já aconteceu, seja na ditadura militar ou em outras épocas pelo mundo, mas esse é o resultado claro de dar poder a alguém sobre o que outras pessoas podem ou não falar.

Por último, isso também abre espaço para o argumento de que se algo está na lei, então tá certo, e isso já foi refutado antes nesse artigo, mas vale a pena repetir que foi essa mesma lei que legitimou as maiores atrocidades do planeta, e não é porque você concorda com o que está escrito agora que isso deixa de ser errado, ou então você estaria dizendo que a sua opinião está acima da opinião de todos aqueles que discordam.

 

CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL

    Esse foi um assunto mencionado logo no início do texto, quando eu ainda explicava sobre a Ética Argumentativa, mas para não forçar você a procurar tudo de novo, eu posso me repetir: propriedade é um conceito sobre coisas escassas (o uso exclusivo dessa coisa), ou seja, que são numericamente limitadas, não importando para tal se essas coisas são encontradas em pouca ou em muita quantidade, assim, não há distinção entre um diamante e uma quantidade de água em um copo, ambos são escassos, no entanto, ideias não são, duas pessoas totalmente desconexas podem ter a mesma ideia no mesmo momento e não haverá prejuízo de nenhuma delas, uma piada pode ser recontada diversas vezes por pessoas diferentes sem que a pessoa anterior seja impedida de repeti-la. Dessa forma, a “propriedade intelectual” não passa de uma ideia forjada e injustificável.

    A partir desse ponto de vista, podemos concluir então que certos atos como a "pirataria" não são, por sua natureza, crimes, pois não há, assim como no caso dos “crimes contra a honra”, explicados no tópico anterior, um dano a uma propriedade.


 

ABORTO PELA VISÃO DA ÉTICA

    Como vimos, todo ser humano tem direito à autopropriedade. A proximidade dessa premissa com a famosa frase feminista em favor do aborto “meu corpo, minhas regras” leva alguns a acreditar que a mulher grávida teria sim o direito de abortar, afinal, se o corpo é minha propriedade, poderia fazer o que quiser com ela. Ainda assim, é importante lembrarmos que o direito à autopropriedade é garantido a todo o indivíduo, classificação na qual o feto se inclui por ontologia.[18]

    Mesmo assim, é possível tentar argumentar através de Estoppel que o feto está agredindo a mãe uma vez que ele está tomando parte de seus nutrientes contra a vontade dela, e assim ela poderia dizer que o feto está estopped de continuar vivendo se apropriando do corpo de outro, mas não há uma vontade manifestada na ação, portanto não se configura como agressão, além de que haveria uma desproporção muito grande entre a “agressão” (se houvesse) e a punição. O aborto então, pela visão da ética, deve ser considerado como qualquer outro assassinato.

[18]: Considera-se indivíduo como o ser concreto, detentor de uma unidade de características e formas reconhecíveis, assim, um feto, ainda que no útero, já é um indivíduo desde a sua concepção

 

A ÉTICA ANIMAL

    Por fim, o último ponto a se discutir nesse trabalho é sobre a aplicação da ética sobre os animais, o que resultaria nos tão aclamados atualmente “direitos dos animais”, devemos, entretanto, lembrar que a ética se resume a seres que possuam a capacidade de argumentar, pois é condição transcendental da argumentação o reconhecimento da autopropriedade, nesse caso, como animais não possuem tal capacidade, a ética argumentativa não os abrange.

    É possível que os defensores dos animais discordem dessa parte, mas é importante lembrar que o propósito aqui é a explicação de um método objetivo de criação de leis e isso não é possível para os animais, pois o cachorro que é tão defendido na cultura brasileira, não passa de comida na cultura chinesa, por exemplo, o mesmo acontece quando comparamos a situação da vaca que na Índia é vista como uma figura sagrada enquanto que na grande maioria dos demais países, o que ocorre é o extremo contrário.

    Métodos para a defesa de animais que sigam a ética podem ser propostos, como o boicote a pessoas que tenham praticado algum ato de maldade contra eles ou a criação de contratos em pet shops que proíbam a violência contra aqueles animais adotados sob pena alguma pena prevista.

 

Referências

HANS-HERMANN, Hoppe. The Ultimate Justification of Private Property Ethic.

SPOONER, Lysander. No Treason; The Constitution of no Authority.

ANDERSON, Terry L. The Not So Wild Wild West: Property Rights on The Frontier.

FRIEDMANN, David. Private Creation and Enforcement of Law: A Historical Case.

KINSELLA, Stephan N. Estoppel: A New Justification For Individual Rights.

KINSELLA, Stephan N. Against Intellectual Property.

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