No decorrer dos anos na advocacia, várias vezes nos deparamos com negativas de acesso a tratamentos, terapias e medicamentos pelas operadoras de saúde aos pacientes.
Na maioria dos casos, a negativa ocorre porque o tratamento não consta no rol da ANS ou porque possui natureza experimental.
Nessa situação, a liberação do tratamento ou entrega do medicamento somente ocorre com ordem judicial, ou seja, o interessado precisa iniciar uma ação judicial obter seu direito.
As crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), dependendo do grau que possuírem (leve, moderado e grave), podem apresentar “dificuldades acentuadas no comportamento, interação social, comunicação e sensibilidades sensoriais (...) Interesses intensos ou híper foco; Movimentos corporais estereotipados e repetitivos, tais como agitar as mãos; Manipulação repetitiva de objetos, tais como ligar e desligar ou alinhar brinquedos; Insistência em aderir a rotinas, tais passar sempre pelo mesmo lugar e fazer as coisas exatamente na mesma ordem a cada vez; Interesses sensoriais incomuns, como cheirar objetos ou olhar atentamente para objetos em movimento; Sensibilidades sensoriais, incluindo a evitação de sons do cotidiano e texturas, como secadores de cabelo, aspiradores de pó e areia; Deficiência intelectual ou dificuldades de aprendizagem”[1]
A lei n. 12.764/12, que instituiu a POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA, prevê em seus artigos 2°, III e 3°, III, “b” a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo.
Em geral, o tratamento multidisciplinar (Terapia ABA) é a recomendação mais frequente para crianças autistas e, embora costumeiramente negada pelas operadoras de saúde, sob o argumento de que a terapia não consta do rol de procedimentos da ANS, os juízes têm comumente afastado o argumento e garantido o tratamento aos pacientes, como se observa dos julgados abaixo:
PLANO DE SAÚDE – AUTOR PORTADOR DE AUTISMO – NECESSIDADE DE TRATAMENTO COM TERAPIA DENOMINADA "ABA" – NEGATIVA SOB A ALEGAÇÃO DE QUE O TRATAMENTO NÃO POSSUI COBERTURA CONTRATUAL – ABUSIVIDADE – CABE AO MÉDICO ESPECIALISTA ELEGER O TRATAMENTO MAIS CONVENIENTE AO PACIENTE E NÃO AO PLANO DE SAÚDE – SESSÕES DE TERAPIAS ILIMITADAS, ATÉ DISPENSA MÉDICA – REEMBOLSO INTEGRAL, ANTE A IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DO TRATAMENTO PRESCRITO DENTRO DA REDE REFERENCIADA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP - ACÓRDÃO APELAÇÃO 1022340-19.2017.8.26.0100, RELATOR(A): DES. LUIS MARIO GALBETTI, DATA DE JULGAMENTO: 14/08/2018, DATA DE PUBLICAÇÃO: 14/08/2018, 7ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. DIREITO DO CONSUMIDOR. TUTELA ANTECIPADA INDEFERIDA. RECUSA EM AUTORIZAR O TRATAMENTO MÉDICO. PACIENTE COM 11 ANOS DE IDADE E DIAGNÓSTICO DE MÁ-FORMAÇÃO CONGÊNITA QUE CAUSA ATRASO GLOBAL NO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR. INDICAÇÃO DE FISIOTERAPIA COM O MÉTODO BOBATH, TERAPIA OCUPACIONAL, PSICOMOTRICIDADE, HIDROTERAPIA, MUSICOTERAPIA, EQUOTERAPIA, TERAPIA ABA E PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL ABA. RECUSA FUNDADA NA AUSÊNCIA DE COBERTURA ILIMITADA PARA TODAS AS TERAPIAS E AUSÊNCIA DE COBERTURA DOS MÉTODOS INDICADOS QUE NÃO CONSTAM NO ROL DE PROCEDIMENTOS DA ANS. LAUDO MÉDICO QUE ATESTA A NECESSIDADE DA TERAPIA MULTIDISCIPLINAR. PREVALÊNCIA DA INDICAÇÃO MÉDICA ESPECÍFICA. INTELIGÊNCIA DOS ENUNCIADOS SUMULARES Nº 211 E 340 DO TJRJ. PRESENTES OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. PROVIMENTO DO RECURSO. (TJRJ - ACÓRDÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO 0011169-52.2018.8.19.0000, RELATOR(A): DES. CLÁUDIA TELLES DE MENEZES, DATA DE JULGAMENTO: 11/09/2018, DATA DE PUBLICAÇÃO: 11/09/2018, 5ª CÂMARA CÍVEL)
As súmulas expedidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo podem servir como fundamento para cobertura de procedimentos a pacientes de todo o país:
Súmula 96: “Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento.”
Súmula 102: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”
Ao contrário do que se pensa, a determinação do Juiz, obrigando a operadora a conceder o tratamento, pode vir em poucos dias, desde que o advogado escolhido pelo paciente (preferencialmente um especialista) elabore um pedido liminar na ação.
[1] FONTES, Maria Alice. Disponível em http://plenamente.com.br/artigo.php?FhIdArtigo=207 .