1. Introdução
Estudar a educação implica obrigatoriamente na verificação do que se defende a esse respeito em nível mundial. É impossível e desaconselhável refletir sobre o destino particular de cada Estado-Nação na área da educação ignorando o mesmo fenômeno objeto do estudo em escala global.
Nesta linha de pensamento, antes de analisar os objetivos da educação na Constituição Federal do Brasil de 1988, é imprescindível o estudo dos sete saberes necessários à educação do futuro segundo Morin, impondo-se a análise de suas considerações e conclusões no intuito de levá-las em conta em todos os processos de ensino-aprendizagem. É o que se propõe através do presente trabalho.
2. Morin e os saberes necessários à educação do futuro
Da UNESCO partiu a ideia, em 1999, de encomendar ao filósofo francês Edgar Morin a exposição das suas idéias sobre a educação do amanhã, com o objetivo, dentre outros, de aprofundar a visão transdisciplinar da educação, trabalho que teve como resultado a obra denominada Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro.
Informa Morin que seu texto não é um tratado sobre o conjunto das disciplinas que são ou deveriam ser ensinadas. Sua intenção foi, única e essencialmente, expor problemas centrais ou fundamentais que permanecem totalmente ignorados ou esquecidos e que são necessários para se ensinar no próximo século.
Para o filósofo, há sete saberes fundamentais que a educação do futuro deveria tratar em toda sociedade e em toda cultura, sem exclusividade nem rejeição, segundo modelos e regras próprias a cada sociedade e a cada cultura. Eis os sete saberes necessários à educação do futuro, segundo Morin:
1°) As cegueiras do conhecimento (o erro e a ilusão): é impressionante que a educação que visa a transmitir conhecimentos seja cega quanto ao que é o conhecimento humano, seus dispositivos, enfermidades, dificuldades, tendências ao erro e à ilusão, e não se preocupe em fazer conhecer o que é conhecer. Assim, mister o estudo das características cerebrais, mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais que o conduzem ao erro ou à ilusão (Morin, 2000, pp. 13-14, 19-33).
2°) Os princípios do conhecimento pertinente: a supremacia do conhecimento fragmentado de acordo com as disciplinas impede freqüentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade, e deve ser substituída por um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto. Deste modo, é necessário desenvolver a aptidão natural do espírito humano para situar todas essas informações em um contexto e um conjunto. É preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo (Morin, 2000, pp. 14-15, 35-46).
3°) Ensinar a condição humana: o ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível aprender o que significa ser humano. É preciso restaurá-la, de modo que cada um, onde quer que se encontre, tome conhecimento e consciência, ao mesmo tempo, de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos. Desse modo, a condição humana deveria ser o objeto essencial de todo o ensino (Morin, 2000, pp. 15, 47-61).
4°) Ensinar a identidade terrena: o destino planetário do gênero humano é outra realidade chave até agora ignorada pela educação. O conhecimento dos desenvolvimentos da era planetária, que tendem a crescer no século XXI, e o reconhecimento da identidade terrena, que se tornará cada vez mais indispensável a cada um e a todos, devem converter-se em um dos principais objetos da educação. Convém ensinar a história da era planetária, que se inicia com o estabelecimento da comunicação entre todos os continentes no século XVI, e mostrar como todas as partes do mundo se tornaram solidárias, sem, contudo, ocultar as opressões e a dominação que devastaram a humanidade e que ainda não desapareceram. Será preciso indicar o complexo de crise planetária que marca o século XX, mostrando que todos os seres humanos, confrontados de agora em diante aos mesmos problemas de vida e de morte, partilham um destino comum (Morin, 2000, pp. 15-16, 63-78).
5°) Enfrentar as incertezas: as ciências permitiram a aquisição de muitas certezas, mas igualmente revelaram, ao longo do século XX, inúmeras zonas de incerteza. A educação deveria incluir o ensino das incertezas que surgiram nas ciências físicas (microfísicas, termodinâmica, cosmologia), nas ciências da evolução biológica e nas ciências históricas. Seria preciso ensinar princípios de estratégia que permitiriam enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza, e modificar seu desenvolvimento, em virtude das informações adquiridas ao longo do tempo. É preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certeza. O abandono das concepções deterministas da história humana que acreditavam poder predizer nosso futuro, o estudo dos grandes acontecimentos e desastres de nosso século, todos inesperados, o caráter doravante desconhecido da aventura humana devem-nos incitar a preparar as mentes para esperar o inesperado, para enfrentá-lo. É necessário que todos os que se ocupam da educação constituam a vanguarda ante a incerteza de nossos tempos (Morin, 2000, pp. 16, 79-92).
6°) Ensinar a compreensão: a compreensão é a um só tempo meio e fim da comunicação humana. Entretanto, a educação para a compreensão está ausente do ensino. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensão mútua. Considerando a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão pede a reforma das mentalidades. Esta deve ser a obra para a educação do futuro. A compreensão mútua entre os seres humanos, quer próximos, quer estranhos, é daqui para a frente vital para que as relações humanas saiam de seu estado bárbaro de incompreensão. Daí decorre a necessidade de estudar a incompreensão a partir de suas raízes, suas modalidades e seus efeitos. Este estudo é tanto mais necessário porque enfocaria não os sintomas, mas as causas do racismo, da xenofobia, do desprezo. Constituiria, ao mesmo tempo, uma das bases mais seguras da educação para a paz, à qual estamos ligados por essência e vocação (Morin, 2000, pp. 16-17, 93-104).
7°) A ética do gênero humano: a educação deve conduzir à “antropo-ética”, levando em conta o caráter ternário da condição humana, que é ser ao mesmo tempo indivíduo/sociedade/espécie. Nesse sentido, a ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo e do indivíduo pela sociedade, ou seja, a democracia; a ética indivíduo/espécie convoca, ao século XXI, a cidadania terrestre. A ética não poderia ser ensinada por meio de lições de moral. Deve formar-se nas mentes com base na consciência de que o humano é, ao mesmo tempo, indivíduo, parte da sociedade, parte da espécie. Carregamos em nós esta tripla realidade. Desse modo, todo desenvolvimento verdadeiramente humano deve compreender o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana. Partindo disso, esboçam-se duas grandes finalidades ético-políticas do novo milênio: estabelecer uma relação de controle mútuo entre a sociedade e os indivíduos pela democracia e conceber a Humanidade como comunidade planetária. A educação deve contribuir não somente para a tomada de consciência de nossa Terra-Pátria, mas também permitir que esta consciência se traduza em vontade de realizar a cidadania terrena (Morin, 2000, pp. 17-18, 105-115).
As considerações de Morin consistem certamente numa provocação a todos os educadores interessados em estudar e repensar os objetivos das instituições de ensino de todos os níveis e modalidades de educação. Do mesmo modo, suas reflexões se contrapõem indiretamente aos que defendem que o ensino se destina exclusivamente à formação de pessoal para o mercado de trabalho e se esquecem que influi expressivamente na vida dos indivíduos e nos destinos da sociedade.
Em outras palavras,
a educação serve à sociedade de diversas maneiras e sua meta é formar pessoas mais sábias, possuidoras de mais conhecimentos, bem informadas, éticas, responsáveis, críticas e capazes de continuar aprendendo. Se todos os seres humanos tivessem essas aptidões e qualidades, os problemas do mundo não se resolveriam automaticamente, porém os meios e a vontade de fazê-lo estariam ao alcance das mãos. A educação também serve à sociedade, oferecendo uma visão crítica do mundo, especialmente de suas deficiências e injustiças e promovendo maior grau de consciência e sensibilidade, explorando novas visões e conceitos e inventando novas técnicas e instrumentos. A educação é, também, o meio de divulgar o conhecimento e desenvolver talentos para introduzir as mudanças desejadas nas condutas, valores e estilos de vida e para suscitar o apoio público às mudanças contínuas e fundamentais que serão imprescindíveis para que a humanidade possa modificar sua trajetória, abandonando a via mais comum que leva a dificuldades cada vez maiores e a uma possível catástrofe, para iniciar seu caminho a um futuro sustentável. A educação é, em síntese, a melhor esperança e o meio mais eficaz que a humanidade tem para alcançar o desenvolvimento sustentável. (UNESCO, 1999, p. 35)
Observa-se, assim, que a educação não pode ficar restrita ao ensino das disciplinas e seus conteúdos, quase sempre “despejados” nos alunos de maneira estanque, isolados e afastados da realidade sócio-cultural e de outros conhecimentos.
Segundo Morin (2001a, p. 135), é sabido
cada vez mais que as disciplinas se fecham e não se comunicam umas com as outras. Os fenômenos são cada vez mais fragmentados, e não se consegue conceber a sua unidade. É por isso que se diz cada vez mais: ‘Façamos interdisciplinaridade.’ Mas a interdisciplinaridade controla tanto as disciplinas como a ONU controla as nações. Cada disciplina pretende fazer reconhecer sua soberania territorial, e, à custa de algumas magras trocas, as fronteiras confirmam-se em vez de se desmoronar.
Em razão disso, defende o mesmo autor que “é preciso ir além” e impõe o aparecimento do termo “transdisciplinaridade” (Morin, 2001a, p. 135), tornando-se necessário “complexificar o modo de conhecimento” (Morin, 2001b, p. 31).
Morin (2003, pp. 114-115) reconhece que os termos interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade são difíceis de definir, pois são polissêmicos e imprecisos. Por outro lado, também reconhece que foram os “complexos de inter-multi-trans-disciplinaridade que realizaram e desempenharam um fecundo papel na história das ciências”, advertindo que “é preciso conservar as noções chave que estão implicadas nisso, ou seja, cooperação; melhor, objeto comum; e, melhor ainda, projeto comum”. Todavia, ressalta que o importante não é apenas a ideia de interi-trans-disciplinaridade, mas sim “ecologizar” as disciplinas, isto é, “levar em conta tudo que lhes é contextual, inclusive as condições culturais e sociais, ou seja, ver em que meio elas nascem, levantam problemas, ficam esclerosadas e transformam-se”. Segundo o autor, é necessário também o “metadisciplinar”, com o termo “meta” significando ultrapassar e conservar. Para ele, não se pode demolir o que as disciplinas criaram e nem romper todo o fechamento: “há o problema da disciplina, o problema da ciência, bem como o problema da vida; é preciso que uma disciplina seja, ao mesmo tempo, aberta e fechada”; além disso, “deve-se pensar também que o que está além da disciplina é necessário à disciplina para que não seja automatizada e esterilizada”.
3. A Constituição Federal do Brasil de 1988
Alterando o eixo de análise para a legislação brasileira, salienta-se que a Constituição Federal de 1988, embora trate de educação, não dispõe expressamente sobre a função específica que a mesma deva desempenhar.
Necessário, então, fazer referência aos objetivos do País e da educação como um todo, estabelecidos pela Carta Magna nos artigos 3° e 205, respectivamente.
O artigo 3° prescreve que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Salta aos olhos que os objetivos da República Federativa do Brasil, dispostos no artigo 3° da Constituição Federal, estão ligados à ideia de Justiça.
Levando-se em conta os propósitos deste estudo, vale lembrar que Montoro (2000, p. 138) afirma que a justiça não é uma simples técnica da igualdade, da utilidade ou da ordem social. Mais que tudo isso, a justiça é a virtude da convivência humana. É base da justiça o respeito à dignidade fundamental da pessoa humana, que não pode ser considerado apenas abstratamente. Explica Montoro que é “na realidade histórica, concreta e variável, em que as relações sociais se desenvolvem, que a justiça e suas exigências devem ser atendidas”. Para Reale (2003, pp. 375-377), justiça é a “tentativa renovada e incessante de harmonia entre as experiências axiológicas necessariamente plurais, distintas e complementares, sendo, ao mesmo tempo, a harmonia assim atingida”, podendo ser “compreendida plenamente como concreta experiência histórica” e impondo reconhecer que “funda-se no valor da pessoa humana, valor-fonte de todos os valores”.
Há inúmeras opiniões sobre o conceito de justiça e também a respeito das suas espécies. As discussões são intermináveis e devem ser deixadas de lado, eis que não constituem o objetivo central deste trabalho. O que importa aqui é ressaltar que o termo social se refere ao “que pertence à sociedade ou tem em vista suas estruturas ou condições” (Abbagnano, 2000, p. 912), sendo esta a justiça que mais tem relação com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: a justiça social.
Afirma Herkenhoff (2001, pp. 107-108 e 113), com propriedade, que a justiça social é a realização do valor “justiça” no âmbito das relações sociais. É a justiça no seu sentido macro, em oposição às explicitações da justiça no plano das relações interindividuais. Alerta que “as reflexões dos filósofos clássicos devem ser adequadas à realidade contemporânea e à realidade de cada situação específica para terem valia”. No caso do Brasil, pondera a necessidade de se ter presente “a realidade de país de Terceiro Mundo, com uma economia dependente”. Explica, assim, que justiça social no Brasil “é vencer a fome, as brutais desigualdades, é impedir que a infância seja destruída antes mesmo que a vida alvoreça, é reconhecer às multidões oprimidas o direito de partilhar os dons e as grandezas da Criação”. Continua Herkenhoff dizendo que “não há Justiça Social onde a sociedade, como um todo, não proporciona a satisfação dos direitos das pessoas em particular e sobretudo das pessoas mais credoras de proteção como a criança, o velho, o doente”, assim como “não há Justiça Social se a sociedade global não dá condições de existência às microssociedades como a família e os diversos pequenos grupos sociais”. Conclui, enfim, que a justiça social poderá criar um clima social gerador de comportamentos positivos e construtivos, poderá contribuir para criar uma maior coesão social, certamente aumentará a solidariedade e reduzirá os atritos e conflitos.
Betioli (1995, p. 389) enfatiza que os desníveis entre nações, entre regiões de um mesmo país, entre classes sociais, revelam a gravidade e importância das exigências da justiça social no mundo contemporâneo.
A justiça social assemelha-se à “justiça prática” estudada por Kolm (2000, pp. 198-199), segundo o qual referida justiça consiste em “cuidar primeiro das pessoas mais miseráveis”. Para ele, “o princípio da Justiça Prática deve ser examinado com referência a seu significado nas aplicações práticas” e tem relação direta com a “questão das necessidades”. Explana que “em uma sociedade na qual as necessidades básicas não são satisfeitas, a Justiça Prática equivale a dar prioridade à sua satisfação”.
Talvez entender a justiça social fique mais fácil ao se analisar a injustiça social, que se encontra atrelada à ideia de exclusão, a qual, segundo Müller (1998, pp. 91-94), trata-se de discriminação parcial de parcelas consideráveis da população, vinculada preponderantemente a determinadas áreas, permitindo-se a essas parcelas da população a presença física no território nacional, embora elas sejam excluídas tendencial e difusamente dos sistemas prestacionais econômicos, jurídicos, políticos, médicos e dos sistemas de treinamento e educação. Impõe-se, para Müller, a igualdade de todos no tocante à sua qualidade de seres humanos, à dignidade humana, aos direitos fundamentais e às restantes garantias legalmente vigentes de proteção.
Considerando o sentido de justiça aferido neste estudo, importa evidenciar, utilizando-se da expressão de Warat (1994, p. 23), a possibilidade e até mesmo necessidade de “utopias eficientes”, assim definidas porque convocam esperanças e esforços de transformação, estimulam os que foram socialmente excluídos da vida para reivindicar, por eles mesmos, os caminhos da autonomia e porque podem servir, para estes excluídos, a descobrir o que neles foi silenciado pelas repressões máximas da cultura.
A prática da justiça tratada nesta especulação e que é objetivo da República Federativa do Brasil é aquela para a qual uma sociedade é tanto mais justa quanto mais igualitária, notadamente em termos de oportunidades, pois a justiça social suprime todas as formas de privilégios.
Estes objetivos do Estado, estabelecidos pela Lei Maior brasileira, se constituem também em metas a serem alcançadas pela educação, inclusive pelas instituições que a oferecem. Destarte, uma instituição no Brasil, ao oferecer um ensino que observe os objetivos propostos por Morin, possibilitando que pessoas cumpram as etapas e os níveis de educação, está certamente contribuindo para uma sociedade mais livre, justa e solidária, está ajudando no desenvolvimento do País, está contribuindo para a erradicação da pobreza e da marginalização, está diminuindo as desigualdades sociais e, ainda, está promovendo o bem-estar de todos.
Já o artigo 205 da Constituição Federal do Brasil atesta que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Constata-se, assim, que são objetivos da educação nacional contribuir para o pleno desenvolvimento da pessoa, prepará-la para o exercício da cidadania e qualificá-la para o trabalho.
Vê-se que cidadania, desenvolvimento e trabalho são fatores primordiais que devem ser lembrados e almejados pela educação no Brasil. Em outras palavras, a educação nacional, segundo a Constituição Federal de 1988, deve buscar incutir na pessoa: a) o aprender a conhecer (desenvolvimento humano), pois cada vez é mais inútil tentar conhecer tudo e o processo de aprendizagem jamais se acaba; b) o aprender a viver juntos (exercício da cidadania), para participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências; e c) o aprender a fazer (qualificação para o trabalho), para assim poder agir sobre o meio envolvente, objetivando adquirir não somente uma qualificação profissional mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. A soma destes três pilares da educação, nas palavras do Relatório Delors (Delors, 1998, passim), implica no aprender a ser, para melhor desenvolver a personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal.
Impõe salientar, outrossim, ainda no patamar constitucional, que a atual Carta Magna brasileira elevou a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1°, III).
Evidente, pois, que o princípio da dignidade da pessoa humana deve nortear a leitura e interpretação de toda e qualquer norma, inclusive aquelas relacionadas à educação nacional, até mesmo as próprias disposições constitucionais. Assim, se a dignidade da pessoa humana é fundamento da República brasileira, deve esta dignidade ser buscada incessantemente por todos (Estado, sociedade, família, instituições, organizações etc.) e um dos modos de se alcançá-la é através da educação.
4. Considerações finais
As colocações de Edgar Morin consistem certamente numa provocação a todos os educadores interessados em estudar e repensar os objetivos das instituições de ensino de todos os níveis e modalidades. Do mesmo modo, suas reflexões se contrapõem indiretamente aos que defendem que a educação escolar se destina exclusivamente à formação de pessoal para o mercado de trabalho e se esquecem que ela influi expressivamente na vida dos indivíduos e nos destinos da sociedade.
Aos estabelecimentos de ensino, à família, ao Estado e à sociedade, todos responsáveis pela educação, conforme artigo 205 da Constituição Federal, não cabe apenas a missão de formar pessoas aptas para o trabalho qualificado, incumbindo-lhes também e principalmente a tarefa de servir de fonte de desenvolvimento individual, permitindo e facilitando o acesso ao saber desinteressado, nas mais diversas áreas do conhecimento e da cultura humana. Mais que isso, compete a todos os envolvidos lutar contra a desigualdade social e contribuir para a erradicação da pobreza e da exclusão, sendo de rigor proporcionar a inclusão dos grupos social e economicamente marginalizados.
É preciso lembrar, deste modo, que uma instituição de ensino no Brasil, ao possibilitar que o aluno recebam uma educação que contribua para seu desenvolvimento integral, está certamente contribuindo para uma sociedade mais livre, justa e solidária, está ajudando no desenvolvimento do país, está contribuindo para a erradicação da pobreza e da marginalização, está diminuindo as desigualdades sociais e, ainda, está promovendo o bem estar de todos, ou seja, está favorecendo o cumprimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, estabelecidos no artigo 3° da Carta Magna, que também se constituem em metas da educação.
Deflui-se também da Constituição Federal (artigo 205) que a educação nacional não tem como objetivo apenas qualificar a pessoa para o trabalho, mas também contribuir para o seu pleno desenvolvimento e prepará-la para o exercício da cidadania
Ainda no patamar constitucional, a atual Carta Magna brasileira elevou a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 1°, III), o qual deve nortear a leitura e interpretação de toda e qualquer norma, inclusive daquelas relacionadas à educação nacional. Assim, se a dignidade da pessoa humana é fundamento da República brasileira, deve esta dignidade ser buscada incessantemente por todos (Estado, sociedade, família, instituições, organizações etc.) e um dos modos de se alcançá-la é através da educação. Em outras palavras, a educação nacional também tem como meta contribuir para a preservação e, em alguns casos, recuperação da dignidade da pessoa humana.
Referências
Abbagnano, N. (2000). Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes.
Betioli, A. B. (1995). Introdução ao Direito: lições de propedêutica jurídica (5a ed.). São Paulo: Letras & Letras.
Delors, J. (coord.) (1998). Educação: um tesouro a descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Tradução de José Carlos Eufrázio. São Paulo: Cortez Editora. Brasília: Unesco.
Herkenhoff, J. B. (2001). Para onde vai o Direito? Reflexões sobre o papel do Direito e do jurista (3ª ed.). Porto Alegre: Livraria do Advogado.
Kolm, S. C. (2000). Teorias modernas da justiça. Tradução de Jefferson Luiz Camargo e Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes.
Montoro, A. F. (2000). Introdução à ciência do Direito (25a ed.). São Paulo: RT.
Morin, E. (2000). Os sete saberes necessários à educação do futuro (2ª ed.). Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez Editora. Brasília: UNESCO, 2000.
Morin, E. (2001a). Ciência com consciência (5ª ed). Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
Morin, E. (2001b). Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar. Tradução de Paula Yone Stroh. Rio de Janeiro: Garamond.
Morin, E. (2003). A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento (8ª ed.). Tradução de Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
Müller, F. (1998). Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad.
Reale, M. (2003). Lições preliminares de Direito (27a ed.). São Paulo: Saraiva.
UNESCO (1999). Educação para um futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para ações compartilhadas. Brasília: Ed. IBAMA.
Warat, L. A. (1994). Introdução Geral ao Direito: interpretação da lei – temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor.