Lei aplicável
Segundo o Princípio da Territorialidade previsto no artigo 5o do Código Penal, em sendo o crime cometido no Brasil, a lei aplicável é a brasileira. O artigo 7o do mesmo Codex dispõe que, uma vez cometido no estrangeiro e praticado por brasileiro, também está sujeito à sanção brasileira, observadas as condições do parágrafo 2o do mesmo artigo. Neste diapasão:
"Ao falarmos em Internet, três são as vias que nos vêm à cabeça: e-mails, chats e sites. Nos três casos, haveria possibilidade de aplicação da lei penal brasileira! Afinal, ainda que o "plano físico" da Internet (provedora, site, servidor, hospedeiro) seja de outro país, sendo o autor do delito pessoa brasileira, será punido pelo nosso Código Penal (Artigo 7º, II, "b") desde que se adeque nos requisitos previstos pelo § 2º do respectivo artigo.
Utilizando este raciocínio, percebemos que caso a ofensa à honra seja praticada por e-mail, verifica-se de onde foi enviada a comunicação eletrônica. Se for cometida durante um Chat, observa-se o local onde estão os interlocutores. Cometido através de sites, deve-se analisar onde se encontra o provedor/host. Em qualquer dos casos, ainda que tudo ocorra em outro país, é mister verificar se o autor/responsável por tais ofensas é ou não brasileiro, e se encontra nas hipóteses do Artigo 7º § 2º." 16
E qual o valor da prova obtida através do Orkut? O advogado paranaense André Luis Pontarolli assim entende:
"Pelo simples fato de que não se pode saber se uma pessoa que está se manifestando na rede é ela mesma, revela a fragilidade e insubsistência de uma prova extraída do Orkut. O mais sensato, a partir do momento em que se verifica que uma prova é incerta, é entender que ela não possui qualquer valor jurídico; pois aceitar uma prova duvidosa é ferir um dos princípios basilares do Processo Penal, qual seja o do in dubio pro reo.
"Imagine a possibilidade de alguém, utilizando todos os seus dados, bem como a sua imagem, criar uma conta no Orkut e passar a cometer atrocidades, criando comunidades racistas, proferindo injúrias, ameaçando os outros; e apenas com base nisso você fosse processado criminalmente. Como você se sentiria?" 17
A Justiça deve ser cautelosa ao analisar as provas, cuidando para que não haja impunidade ou condenação injusta. O advogado ainda sugere o estabelecimento de meios preventivos na rede como a melhor maneira de evitar a punição do inocente.
Civilmente, há uma polêmica. Na lei civil o critério não é mais a nacionalidade do autor, e sim o local de origem do fato. Ademais, ainda não há regulamentação para a hipótese de aplicação da lei brasileira fora do Brasil.
Crime organizado
O crime organizado também faz real festa nas communities. Tráfico de drogas, racismo, pedofilia, nazismo e xenofobia estão espalhados em comunidades sob os nomes "Eu Odeio Japonês", "Eu Odeio Preto", "Eu Odeio a Argentina", "Judeu — prefiro o meu ao ponto", "Odeio velhos na minha frente", "Sou contra as cotas para pretos" (criada por um aspirante à vaga de curso de Medicina, que escreveu: "Lugar de preto é na floresta, e não na faculdade. Volta pra África, bando de inútil!"), e por aí vai.
Incitação ao crime (incitar, publicamente, a prática de crime), apologia de crime ou criminoso (fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime) e formação de quadrilha ou bando (associação de mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes) são todos crimes contra a paz pública passíveis de punição.
Marília Alves, designer de multimídia, tentou defender a menina de quatro anos que participa de comercial da Embratel, na comunidade "Eu Tenho Medo da Anã (sic) Paula Arósio", e foi ameaçada de estupro. Há ainda a comunidade "Eu Odeio a Menininha do 21", em que um argentino diz querer dar "21 socos na cara dela". 18
O que também pode ser considerado assustador é que os participantes dessas comunidades não são poucos, ou ao menos têm medo de expor nome e sobrenome, amparando-se no direito constitucional de liberdade de expressão e esquecendo que há limites previstos no Código Penal. As pessoas pensam que o virtual não pode se tornar real, havendo uma falsa impressão de impunidade.
Por sua vez, o Ministério Público do Estado de São Paulo está de olhos bem abertos através do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado). O grupo chega às páginas por monitoramento ou comunicação do delito via e-mail ([email protected]), carta ou telefone.
Kenarik Boujikian Felippe, juíza da 16a Vara Criminal de São Paulo, capital, porém, entende que o Ministério Público não tem poderes de investigação criminal, cabendo esta somente à Polícia Civil. Assim, em decisão de 1o de julho de 2005, rejeitou denúncia de racismo no Orkut proposta pelo órgão contra Leonardo Viana da Silva, determinando remessa de cópias dos autos à Polícia Civil para instauração de inquérito policial. Outrossim, determinou à autoridade policial que tomasse providências para retirar do Orkut as comunidades "Racista Não, Higiênico", "Coisasqueodeio: preto e racista" e "Sou Racista". 19
Racismo é crime tipificado pela Lei 7.716/89, com alterações da Lei 9.459/97. A pena é de um a três anos, mas sobe para dois a cinco anos quando o delito é cometido por meio de órgãos de comunicação social, posição na qual se enquadra o Orkut. O texto dispõe sobre a proibição da discriminação de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional.
Em Campinas, no estado de São Paulo, o Ministério Público e a Polícia Civil investigam possíveis crimes de formação de quadrilha e ameaça na comunidade "Unidos para matar Dr. Hélio", referindo-se ao prefeito da cidade, Hélio de Oliveira Santos, do PDT. O moderador da página disse tê-la criado apenas como ação de protesto e não tencionava causar mal algum ao prefeito. O departamento jurídico da prefeitura teme que a comunidade estimule atos criminosos.
Anotações finais
Se o Orkut é apenas moda ou veio para ficar, a resposta não está a nosso alcance. A única certeza que temos é a urgência na criação de um diploma legal brasileiro adequado às mudanças que a tecnologia vem causando nas relações sociais, familiares, de trabalho e no comportamento do indivíduo consigo.
O que o Google faz com os dados dos membros do Orkut? Eis a incógnita. Ninguém se opõe ao fato de se tratar de um poderosíssimo banco de dados mundial, com informações valiosas e hábitos pessoais de seis milhões de pessoas: todos, de alguma forma, amigos de Orkut (Buyukkokten).
Privacidade? Palavra desconhecida. Por mais bem-intencionados e discretos que alguns tentem ser, a verdade é que todos vigiam a todos, como George Orwell contou em parábolas em 1949, sem que ao menos soubesse que tais previsões alcançariam a época de hoje.
Aos que ainda não fazem parte do website, recomenda-se séria reflexão sobre o assunto; aos que já estão familiarizados com os scraps, testimonials, e afins, leiam este artigo uma segunda vez e repensem sobre manter tamanha exposição no Orkut. Caso ainda decidam permanecer na rede, que seja respeitando o direito alheio.
"O problema do mal não é outra coisa, em grande parte, senão o problema da liberdade." (Nikolai Berdaiev)
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NOTAS
1 Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
2 Disponível em: <https://portalexame.abril.com.br/edicoes/855/tecnologia/conteudo_102030.shtml>. Acesso em: 18 nov. 2005.
0 Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
4 Disponível em: <https://conjur.estadao.com.br/static/text/34337,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.
5 Disponível em: <https://www.comunicacao.pro.br/setepontos/18/orkut.htm>. Acesso em: 07 nov. 2005.
6 Disponível em: <https://portalexame.abril.com.br/edicoes/855/tecnologia/conteudo_102030.shtml>. Acesso em: 18 nov. 2005.
7 Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0106200311.htm>. Acesso em: 18 nov. 2005.
8 "Ibidem".
9 Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
10 Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2005.
11 Disponível em: <https://conjur.estadao.com.br/static/text/36082,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.
12 Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2005.
13 Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2005.
14 Disponível em: <https://conjur.estadao.com.br/static/text/36326,1>. Acesso em 07 nov. 2005.
15 Disponível em: <https://conjur.estadao.com.br/static/text/30355,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.
16 Disponível em: <https://www.revistaautor.com.br/artigos/2004/40dnn.htm>. Acesso em 07 nov. 2005.
17 Disponível em: <https://www.oabpr.org.br/op20.asp>. Acesso em: 07 nov. 2005.
18 Disponível em: <https://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/09/290831.shtml>. Acesso em: 07 jul. 2005.
19 Disponível em: <https://conjur.estadao.com.br/static/text/36075,1>. Acesso em: 07 nov. 2005.