CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

04/09/2019 às 10:31
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A APLICAÇÃO DO CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR NAS OBRIGAÇÕES CIVIS.

CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

Rogério Tadeu Romano

Determina o Código Civil de 2002:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

A matéria foi objeto de previsão no artigo 1.058 do Código Civil de 1916 e ainda do Anteprojeto do Código das Obrigações, artigo 921, e Projeto no artigo 860.

Ali se dizia no Código Civil de 1916:

Art. 1.058. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito, ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado, exceto nos casos dos arts. 955, 956 e 957.

Consagrando o direito civil brasileiro o princípio da exoneração pela inimputabilidade, enunciou-se a tese da responsabilidade civil do devedor pelos prejuízos, quando resultem de caso fortuito ou força maior. Já não distinguia a lei a vis maior do casus.

No ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume II, 1976, pág. 299), costuma-se dizer que o caso fortuito é o acontecimento natural, ou o evento derivado da força na natureza, ou o fato das coisas, como o raio do céu, a inundação, o terremoto. Por sua vez, conceitua-se a força maior como o damnu fatale originado do fato de outrem, como a invasão de território, a guerra ou a revolução, o ato emanado da autoridade, chamado de factum principis, a desapropriação, o furto etc.

Por sua vez, Roberto de Ruggiero(Instituições de direito civil, volume III, 3ª edição, tradução Dr. Ary dos Santos, pág. 99), aduziu que “quando a imputabilidade cessa, por não ser o fato danoso dependente da vontade do agente, estamos em frente do que se chama o caso fortuito e, por consequência, da exoneração de qualquer responsabilidade. É, pois, “caso”(fortuito) qualquer evento não imputável, isto é, qualquer fato independente da vontade humana e mais precisamente – quando o caso se considera em relação com o não cumprimento da obrigação – qualquer fato que a torne impossível sem culpa do obrigado”. Esse o pensamento trazido na doutrina: Exner, Gert, Biermann, Baron, dentre outros, na Alemanha, e na Itália com Coviello, De Medio(Caso fortito e forza maggiore in dir. romano), dentre outros.

Assim como no artigo 1058 do Código Civil de 1916 e o artigo 393 do Código Civil de 2002, houve-se por bem reunir como uma causa idêntica de exoneração do devedor e a resolução absoluta da obrigação.

Ainda Caio Mário da Silva Pereira(obra citada, pág. 300) conceituou-os em conjunto como o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, conceito que se ajusta à noção doutrinária abrangente de todo evento não imputável, que obsta no cumprimento da obrigação, sem culpa do devedor, como revelou Aurelio Candian(Nuovo digesto italiano, Caso fortuito). A doutrina, por outro lado, sustentou que o legislador filiou-se ao conceito objetivista. São esses os requisitos genéricos para tal: a) necessariedade, pois não e qualquer acontecimento grave e ponderável, bastante para liberar o devedor, porém aquele que impossibilita o cumprimento da obrigação. Se o devedor não pode prestar por uma razão pessoal, ainda que relevante, nem por isso fica exonerado, de vez que estava adstrito ao cumprimento e tinha de tudo prever e a tudo prover, para realizar a prestação. Se esta se dificulta ou se torna expressamente onerosa, não há força maior ou caso fortuito; b) inevitabilidade, que requer ainda que não haja meios de evitar ou de impedir os seus efeitos, e estes interfiram com a execução do obrigado.

Na lição de Arnoldo Medeiros da Fonseca(Caso fortuito e teoria da imprevisão, ns. 69 e seguintes), às vezes, a imprevisibilidade determina a inevitabilidade, e, então, compõe a etiologia desta.

De toda sorte, trata-se de um conceito meramente negativo, pois que como ele exprime apenas uma negação da culpa, se afirma que o campo próprio do caso fortuito começa onde a culpa acaba. Mas isso, como explicou Ruggiero, é também a única coisa possível e adequada, visto que uma determinação positiva do caso supõe que o evento tenha caracteres intrínsecos e objetivos, reconhecíveis e absolutos, quando um tal evento pode considerar-se fortuito com respeito a uma dada relação jurídica e não fortuito com relação a outra. Quando, na verdade, se recorre, para determinação positiva do conceito, à ideia da imprevisibilidade e da inevitabilidade do evento, não se enuncia uma qualidade intrínseca e objetiva do mesmo; a imprevisibilidade e a inevitabilidade são em si essencialmente relativas e apenas se podem avaliar quando se considerem em face de dada relação, do dever da previsão que nela tinha o obrigado, da possibilidade que este tinha de evitar a eventualidade. Disse ainda Ruggiero que há caso fortuito, quando, em dada relação concreta, cessa a necessidade da previsão e a obrigação de um cuidado especial para o evitar, donde resulta que a sua determinação apenas pode ser negativa.

E concluiu Ruggiero(obra citada, pág. 161):

“Ora, porque no caso fortuito(como na força maior) não há imputabilidade, o devedor que não cumpre a obrigação por ter sido causa de não cumprimento o caso fortuito, fica desde logo liberto. Dispõe, finalmente, o art. 1.226 do Código Italiano de 1865: “O devedor não é obrigado a qualquer indenização por danos, quando por virtude de uma força maior ou de um caso fortuito foi impedido de dar ou de fazer aquilo a que se obrigou, ou fez aquilo que lhe era proibido”(ver art. 1218 do Código Civil Italiano de 1942). A obrigação também se dissolve e o devedor se liberta todas as vezes que uma causa estranha o impediu de prestar, ou porque a coisa devida se destruiu ou deixou de ser comerciável, ou porque a pessoa do devedor não pode já dispender a atividade necessária para produzir o resultado esperado, ou porque já não está na sua mão aquela omissão que constituía o interesse do credor etc, mas deve tratar-se de não cumprimento absoluto, que origine uma impossibilidade objetiva de prestar; uma impossibilidade meramente relativa e subjetiva, uma simples dificuldade, posto que grave, de prestar e que seja particular do devedor, não poderia nem liberá-lo, nem exonera-lo da responsabilidade pelos danos, em virtude do princípio fundamental, que exige que a todo custo se cumpra a obrigação e se satisfaça o interesse do credor”.

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A doutrina alerta que cada hipótese deve ser ponderada segundo as circunstâncias que lhe são peculiares, e em cada uma ter-se-á de examinar a ocorrência do obstáculo necessário e inevitável à execução do devido. Disse Caio Mário da Silva Pereira(obra citada, pág. 301) que “pode acontecer que o mesmo evento, que facultou a um devedor o cumprimento, para outro já se erija com aquelas características de impedir a prestação. Não vemos aí a instituição de um novo requisito na etiologia da vis maior, senão a determinação de que os seus elementos sejam apurados sem subordinação a um critério inflexível. Ao revés, elástico deve ser. Se a inevitabilidade fosse absoluta, então o fortuito não precisaria de apuração. Por ser relativa, e por admitir que o que um devedor tem força para vencer outro não domina, é que o critério da apuração dos requisitos obedece a um confronto com as circunstâncias especiais de cada caso”.

Mas permite-se que as partes possam ajustar que o devedor responda pelo cumprimento, ainda no caso de força maior ou caso fortuito, que prevalecerá em face da declaração expressa, já que não é de se presumir um agravamento da responsabilidade. Mas estando o devedor em mora, cujo efeito é perpetuar a obrigação e sujeitar o devedor às consequências do inadimplemento, ocorre a responsabilidade pelo casus ou vis maior, salvo se demonstrar que não teve culpa no atraso ou que o dano sobreviria, mesmo se a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

Anote-se que, no caso de ter o mandatário, contra a proibição formal do mandante, substabelecido os poderes em um terceiro, responde pelo dano causado sob a gerência deste, mesmo decorrente de fortuito, salvo provando que o dano teria sobrevindo ainda que não tivesse realizado a substituição do representante, como já registrava o artigo 1300 do Código Civil de 1916.

Observo, outrossim, o mesmo entendimento, na gestão de negócios, quando o gestor fizer operações arriscadas, ainda que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesses deste por amor aos seus. Observe-se ainda, no caso da tradição de coisas que se vendem, contando, marcando ou assinalando, quando já postas à disposição do comprador.

Mas se o acontecimento extraordinário não trouxer a impossibilidade total da prestação, eximir-se-á o devedor da parte atingida ou se forrará da mora, se apenas tiver como consequência o atraso na sua execução. Mas não poderá invocar o prejuízo para exoneração absoluta, beneficiando-se fora das marcas.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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