NÃO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE GESTÃO COMERCIAL PRATICADO POR DIRIGENTE DE CONCESSIONÁRIA

05/09/2019 às 09:31
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A QUESTÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA E OS ATOS DE GESTÃO COMERCIAL PRATICADOS POR EMPRESAS PÚBLICAS, SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA E CONCESSIONÁRIAS.

NÃO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE GESTÃO COMERCIAL PRATICADO POR DIRIGENTE DE CONCESSIONÁRIA

Rogério Tadeu Romano

I – A DICOTOMIA ATOS DE GESTÃO E ATOS DE IMPÉRIO

Observe-se a redação do artigo 1º, § 2º, da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, que rege o mandado de segurança.

Art. 1o  Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

.......

§ 2o  Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.

Antes da edição da nova lei do mandado de segurança foi editada a Súmula 333 do STJ:

SÚMULA N. 333

Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública.Referências:CF/1988, arts. 37, XXI, e 173, § 1º, III.Lei n. 1.533/1951, arts. 1º e 2º.Lei n. 8.666/1993, arts. 1º, parágrafo único, e 4º, parágrafo único.
Precedentes:AgRg no Ag 246.834-SP (1ª T, 09.11.1999 – DJ 17.12.1999);REsp 84.082-RS (1ª T, 23.05.1996 – DJ 1º.07.1996);REsp 122.762-RS (2ª T, 04.08.2005 – DJ 12.09.2005);REsp 299.834-RJ (1ª T, 06.11.2001 – DJ 25.02.2002);REsp 533.613-RS (2ª T, 04.09.2003 – DJ 03.11.2003);REsp 598.534-RS (2ª T, 1º.09.2005 – DJ 19.09.2005);REsp 639.239-DF (1ª T, 16.11.2004 – DJ 06.12.2004);REsp 683.668-RS (1ª T, 04.05.2006 – DJ 25.05.2006.

Nessa linha de entendimento veja-se o que foi decidido no EDcl no AgRg no CC 112642 / ES EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA 2010/0108993-6

Relator
Ministro BENEDITO GONÇALVES

Órgão Julgador

S1 – PRIMEIRA SEÇÃO

Data do Julgamento

14/03/2011

Data da Publicação/Fonte

DJe 18/03/2011

Ementa
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE DIRIGENTE DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PETROBRAS. CONCURSO PÚBLICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ.
1. Os embargos de declaração são cabíveis quando o provimento jurisdicional padece de omissão, contradição ou obscuridade, consoante dispõe o art. 535, I e II, do CPC, bem como para sanar a ocorrência de erro material.
2. No caso dos autos, não se mostra evidenciada a ocorrência de nenhum dos vícios previstos no dispositivo em tela, máxime porque o decisum embargado, de forma clara, coerente e fundamentada, reconheceu que: i) a competência para julgamento de mandado de segurança é estabelecida em razão da função ou da categoria funcional da autoridade apontada como coatora; ii) o STJ firmou o entendimento de que o dirigente de sociedade de economia mista, como a Petrobras, ao praticar atos em certame público, para ingresso de empregados públicos nos quadros da estatal, está a desempenhar ato típico de direito público, vinculando-se ao regime jurídico administrativo. Em razão disso, deve observar os princípios que vinculam toda a Administração, como a supremacia do interesse público, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e todos os demais. Portanto, tais atos são revestidos de caráter público, não podendo ser classificados como “de mera gestão”, configurando, verdadeiramente, atos de autoridade. Precedente: AgRg no REsp 921.429/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 16/4/10; e iii) é pacífico o entendimento desta Corte de que compete à Justiça Federal julgar mandado de segurança no qual se impugna ato de dirigente de sociedade de economia mista federal, como é o caso da Petrobras.
Precedentes: AgRg no REsp 921.429/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 16/4/2010 e AgRg no CC 106.692/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe 1º/10/2009.
3. Embargos de declaração rejeitados.

Tem-se ainda:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC - INEXISTÊNCIA - CONCURSO PÚBLICO - PETROBRÁS - ATO DE AUTORIDADE - DELEGAÇÃO - CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA - PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - SÚMULA 7/STJ.
1. Não há falar em violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem analisa adequadamente as questões postas para sua apreciação.
2. No tocante ao pólo passivo do mandado de segurança, é pacífico nesta Corte o entendimento de que pessoa jurídica com funções delegadas do poder público incluem-se no conceito de autoridade conforme previsto no art. 1º da Lei 1.533/51.
3. Inviável análise de pretensão que demanda revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos. Aplicável a Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido."
(AgRg no Ag 942772/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 20.05.2008, DJe 11.06.2008)


"PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - APROVADO PRETERIDO EM SUA NOMEAÇÃO E POSSE E, POSTERIORMENTE, ANISTIADO - OMISSÃO NO CUMPRIMENTO PELO DIRIGENTE DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - BANCO DE BRASÍLIA - BRB - ATO DE AUTORIDADE E NÃO DE GESTÃO - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA - PREJUDICIAL AFASTADA.
1 - O dirigente da Sociedade de Economia Mista submete-se, quando pratica atos típicos do Direito Público, aos princípios que vinculam toda a Administração, como a moralidade, legalidade, impessoalidade, etc. Logo, tais atos não podem ser classificados como meros atos de gestão, o que descaracterizaria a simbiose de sua personalidade jurídica. Sendo o Banco de Brasília - BRB um ente paraestatal e seu administrador nomeado, inclusive, pelo Poder Público, a impugnação do ato omissivo que não acatou a anistia homologada, a qual determinou a nomeação e posse do recorrente, aprovado em concurso público para o cargo de Economista, é passível de impugnação através do remédio constitucional do mandado de segurança. Inteligência do art. 1º, da Lei nº 1.533/51."
2 - Recurso conhecido e provido para, reformando in totum o v. acórdão de origem, rejeitar a preliminar que declarou incabível o mandado de segurança e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de a quo, para que julgue o mérito da impetração."
(REsp 413818/DF, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 27.05.2003, DJ 23.06.2003 p. 409).

De início, cabe lembrar que as empresas públicas, de sociedade de economia mista e as concessionárias de serviço público, são pessoas jurídicas dotadas de personalidade jurídica de direito privado.

Praticam essas entidades o que se chama de atos de gestão, que, de forma alguma, podem ser confundidos com os chamados “atos de império”, pois que praticados por entidades dotados de personalidade jurídica de direito público.

Essa dicotomia está bem assentada no artigo 1º, do parágrafo segundo da nova lei do mandado de segurança.

Os atos de império são aqueles que a Administração impõe coercitivamente aos administrados. Tais atos não são de obediência facultativa pelo particular. São praticados pela Administração ex officio, ou seja, sem que hajam sido requeridos ou solicitados pelo administrado.

São exemplos de atos de império os procedimentos de desapropriação, de interdição de atividade, de apreensão de mercadorias, etc. Aqui se impõe o princípio da supremacia do interesse público.

Os atos de gestão são praticados sem que a Administração utilize sua supremacia sobre os particulares. São atos típicos de administração, assemelhando-se aos atos praticados pelas pessoas privadas. São exemplos de gestão a alienação ou aquisição de bens pela Administração, o aluguel de imóvel de propriedade de uma autarquia.

Celso Antônio Bandeira de Mello(Curso de direito administrativo, 26ª edição, pág. 245) aduziu que “o dirigente de empresa pública ou sociedade de economia mista(pessoas qualificadas como de Direito Privado), ainda quando sejam elas meramente exploradoras de atividade econômica, também podem ser enquadrados como “autoridade” no que concerne a atos expedidos para cumprimento de normas de Direito Público a que tais entidades vinculadas estejam obrigadas, como, exempli gratia, os relativos às licitações públicas que promovam”.

Ensinou, em síntese, Hely Lopes Meirelles(Direito administrativo brasileiro, 31 ª edição, pág. 166) que atos de gestão são os que a Administração pratica sem usar de sua supremacia sobre os destinatários. Tal ocorre nos atos puramente de administração dos bens e serviços públicos e nos negociais com os particulares, que não exigem coerção sobre os interessados.

Na matéria, trago o REsp 1078342 / PR - Data do Julgamento - 09/02/2010:
 Ementa. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. EMPRESA PÚBLICA. CONTRATO FIRMADO A PARTIR DE PRÉVIO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO PARA ADEQUAÇÃO DE REDE ELÉTRICA DE AGÊNCIA BANCÁRIA. APLICAÇÃO DE MULTA CONTRATUAL. ATO DE GESTÃO. DESCABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA.
 1. A imposição de multa decorrente de contrato ainda que de cunho administrativo não é ato de autoridade, posto inegável ato de gestão contratual. Precedentes jurisprudenciais: AGRG RESP 1107565, RESP 420.914, RESP 577.396
 2. Os atos de gestão não possuem o requisito da supremacia, por isso são meros atos da administração e não atos administrativos, sendo que a Administração e o Particular encontram-se em igualdade de condições, em que o ato praticado não se submete aos princípios da atividade administrativa, tampouco exercido no exercício de função pública, não se vislumbrando ato de autoridade.
 3. Sob este enfoque preconiza a doutrina que: Atos de gestão são os que a Administração pratica sem usar de sua supremacia sobre os destinatários. Tal ocorre nos atos puramente de administração dos bens e serviços públicos e nos negociais com os particulares, que não exigem coerção sobre os interessados. (in Direito Administrativo Brasileiro, 31ª Edição, pág. 166, Hely Lopes Meirelles).
 4. In casu, versa mandado de segurança impetrado por empresa privada em face da Caixa Econômica Federal visando anular ato do Presidente da Comissão de Licitação que, nos autos do contrato para prestação de serviços de adequação da rede elétrica de agência bancária aplicou a penalidade de multa por atraso da obra.
 5. Deveras, apurar infração contratual e sua extensão é incabível em sede de writ, via na qual se exige prova prima facie evidente.
 6. A novel Lei do Mando de Segurança n 12.026/2009 sedimentou o entendimento jurisprudencial do descabimento do mandado de segurança contra ato de gestão, em seu art. 1 , par. 2 , in verbis: "Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionária de serviço público."

 Veja-se nessa linha de entendimento:
REsp 1778579 / SP
RECURSO ESPECIAL
2011/0281460-6
Relator(a)
Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA (1146)
Órgão Julgador
T4 - QUARTA TURMA
Data do Julgamento
20/08/2019
Data da Publicação/Fonte
DJe 26/08/2019
Ementa
RECURSO   ESPECIAL.  PROCESSUAL  CIVIL.  CONCESSIONÁRIA  DE  SERVIÇO
PÚBLICO   DE  TELEFONIA.  TRANSFERÊNCIA  DE  AÇÕES.  ATO  DE  GESTÃO
COMERCIAL.  MANDADO  DE SEGURANÇA. NÃO CABIMENTO. INADEQUAÇÃO DA VIA
ELEITA. RECURSO PROVIDO.
1.  Segundo dispõe o art. 1º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009, "não cabe
mandado  de  segurança contra os atos de gestão comercial praticados
pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia
mista e de concessionárias de serviço público".
2.  "Os  atos  de  gestão não possuem o requisito da supremacia, por
isso  são  meros  atos  da administração e não atos administrativos,
sendo  que  a Administração e o Particular encontram-se em igualdade
de  condições,  em que o ato praticado não se submete aos princípios
da  atividade  administrativa,  tampouco  exercido  no  exercício de
função  pública,  não  se  vislumbrando  ato  de  autoridade"  (REsp
1078342/PR,  Rel.  Ministro  LUIZ  FUX,  PRIMEIRA  TURMA, julgado em
09/02/2010, DJe 15/03/2010).
3.  No  caso, a transferência de ações, da empresa concessionária de
serviço  público  de  telefonia para o acionista, caracteriza ato de
gestão  de  natureza empresarial, sem relação alguma com a atividade
fim de prestação de serviço de telecomunicação.
4. Recurso especial provido para extinguir o processo sem julgamento
do mérito.
7. Consectariamente, a Caixa Econômica Federal mesmo com natureza jurídica de empresa pública que, integrante da Administração Indireta do Estado, ao fixar multa em contrato administrativo pratica ato de gestão não passível de impugnação via mandado de segurança, mercê de não se caracterizar ato de autoridade.
 8. Recurso Especial desprovido. (Grifamos)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. EMPRESA PÚBLICA. CONTRATO FIRMADO A PARTIR DE PRÉVIO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO PARA ADEQUAÇÃO DE REDE ELÉTRICA DE AGÊNCIA BANCÁRIA. APLICAÇÃO DE MULTA CONTRATUAL. ATO DE GESTÃO. DESCABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA.1. A imposição de multa decorrente de contrato ainda que de cunho administrativo não é ato de autoridade, posto inegável ato de gestão contratual. Precedentes jurisprudenciais: AGRG RESP 1107565, RESP 420.914, RESP 577.396 2. Os atos de gestão não possuem o requisito da supremacia, por isso são meros atos da administração e não atos administrativos, sendo que a Administração e o Particular encontram-se em igualdade de condições, em que o ato praticado não se submete aos princípios da atividade administrativa, tampouco exercido no exercício de função pública, não se vislumbrando ato de autoridade.3. Sob este enfoque preconiza a doutrina que: Atos de gestão são os que a Administração pratica sem usar de sua supremacia sobre os destinatários. Tal ocorre nos atos puramente de administração dos bens e serviços públicos e nos negociais com os particulares, que não exigem coerção sobre os interessados. (in Direito Administrativo Brasileiro, 31ª Edição, pág. 166, Hely Lopes Meirelles).4. In casu, versa mandado de segurança impetrado por empresa privada em face da Caixa Econômica Federal visando anular ato do Presidente da Comissão de Licitação que, nos autos do contrato para prestação de serviços de adequação da rede elétrica de agência bancária aplicou a penalidade de multa por atraso da obra.5. Deveras, apurar infração contratual e sua extensão é incabível em sede de writ, via na qual se exige prova prima facie evidente.6. A novel Lei do Mando de Segurança nº 12.026/2009 sedimentou o entendimento jurisprudencial do descabimento do mandado de segurança contra ato de gestão, em seu art. 1º, par. 2º, in verbis: "Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionária de serviço público." 7. Consectariamente, a Caixa Econômica Federal mesmo com natureza jurídica de empresa pública que, integrante da Administração Indireta do Estado, ao fixar multa em contrato administrativo pratica ato de gestão não passível de impugnação via mandado de segurança, mercê de não se caracterizar ato de autoridade.8. Recurso Especial desprovido.(REsp 1078342/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/02/2010, DJe 15/03/2010.)

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RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. EMPRESA PÚBLICA. APURAÇÃO NO TRANSPORTE DE MÁQUINA. ATO DE GESTÃO. EXTINÇÃO DO FEITO.O ato atacado pela via mandamental se caracteriza como ato de gestão, não estando, assim, a autoridade apontada como coatora legitimada para fins mandamentais. Precedentes análogos.Recurso provido com o restabelecimento da decisão singular.(REsp 420.914/PR, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 24/06/2003, DJ 25/08/2003, p. 350.)

No caso específico, recentemente, o STJ voltou a se defrontar na matéria, no RESp 1.778.579.

 Como se lê do site do STJ, em 4 de setembro do corrente ano, a Quarta Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para considerar incabível mandado de segurança impetrado contra ato do presidente da Telecomunicações de São Paulo S/A (Telesp), que impôs a um particular exigências para o reconhecimento de cessão de direitos sobre ações.

De acordo com o mandado de segurança, o autor adquiriu, por cessão, direitos relativos às ações da Telesp, mas a concessionária se recusou a transferir-lhe as ações. Segundo o particular, por esse motivo, ele não conseguia negociar os papéis no mercado.

A Telesp questionou o cabimento do mandado de segurança em recurso ao STJ.

Já, no passado, Celso Agrícola Barbi(Mandado de segurança, quinta edição, pág. 120) lecionou que “entende-se, pacificamente, na doutrina brasileira, que o mandado de segurança só será remédio adequado, se o ato lesivo ou ameaçador tiver sido praticado pelo Estado como Poder Público, excluídos, assim, os atos em que ele tenha agido como pessoa privada, pois nestes casos está sujeito apenas aos remédios comuns das leis processuais”.

Será caso, então, de inadequação da via eleita, por falta de interesse de agir, diante de evidente carência de ação, com o indeferimento da inicial do writ ajuizado.

II – ATO DE CONCESSIONÁRIA QUE IMPÕE CORTE DE SERVIÇOS

Mas que dizer de atos de concessionária que impõe o corte de fornecimento de serviços?

Já se entendeu por dar curso a mandado de segurança por conta de recusa de fornecimento de água potável, pela 34ª Câmara de Direito Privado no Tribunal de Justiça de São Paulo. Tal se configura em ato de autoridade.

Esse ato acima mencionado é enquadrado como ato de autoridade, como se tem da leitura do REsp 994.779/SP. Ali entendeu-se que o corte de fornecimento de água traduz-se em ato estritamente ligado à concessão. É ato de autoridade no exercício de função delegada, cabível de mandado de segurança, quando praticado de forma ilegal e abusiva.  Tem-se nesse sentido o que foi disposto no REsp 84.082, Relator ministro Demócrito Reinaldo.  Nesse último julgamento, ficou assentado que “tem-se atualmente procurado emprestar ao vocábulo autoridade, o conceito mais amplo possível para justificar a impetração do mandado de segurança, tendo-lhe a lei adicionado o expletivo “seja de que natureza for”.

Listo aqui os posicionamentos do STJ na matéria, na linha traçada por Lucas Gandolfe(A interrupção no fornecimento de serviços públicos essenciais por inadimplemento do consumidor à luz do STJ):

EMENTA: CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDORE. ILEGALIDADE.
1. É ilegal a interrupção no fornecimento de energia elétrica, mesmo que inadimplente o consumidor, à vista das disposições do Código de Defesa do Consumidor que impedem seja o usuário exposto ao ridículo.
2. Deve a concessionária de serviço público utilizar-se dos meios próprios para receber os pagamentos em atrasos.
3. Recurso não conhecido.
(REsp 122.812/ES, rel. ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/12/2000, DJ 26/03/2001, p. 369)
EMENTA: FORNECIMENTO DE ÁGUA - SUSPENSÃO - INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO - ATO REPROVÁVEL, DESUMANO E ILEGAL - EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO E AO CONSTRANGIMENTO.
A Companhia Catarinense de Água e Saneamento negou-se a parcelar o débito do usuário e cortou-lhe o fornecimento de água, cometendo ato reprovável, desumano e ilegal. Ela é obrigada a fornecer água à população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua, não expondo o consumidor ao rídiculo e ao constrangimento.
Recurso improvido.
(REsp 201.112/SC, rel. ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/04/1999, DJ 10/05/1999, p. 124)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA. CORTE. IMPOSSIBILIDADE.
1. É condenável o ato praticado pelo usuário que desvia energia elétrica, sujeitando-se até a responder penalmente.
2. Essa violação, contudo, não resulta em reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção do fornecimento da mesma.
3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção.
4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público.
5. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade.
6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa.
7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.
8. Recurso improvido”.
(RMS 8915/MA RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA Relator Ministro JOSÉ DELGADO Publicado no DJ 17.08,1998, p. 23)

EMENTA: FORNECIMENTO DE ÁGUA - SUSPENSÃO - INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO - ATO REPROVÁVEL, DESUMANO E ILEGAL - EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO E AO CONSTRANGIMENTO.
 (REsp 201112 /SC RECURSO ESPECIAL Relator Ministro GARCIA VIEIRA  PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 20.04.1999 Data da Publicação DJ 10.05.1999, p. 124).
Após diversas oscilações, em entendimento contrário ao adotado, a jurisprudência do Tribunal da Cidadania pacificou a questão pela admissibilidade de suspensão do fornecimento de serviços públicos essenciais por inadimplemento do consumidor. O acórdão abaixo assim sintetiza:
“RECURSO ESPECIAL. CORTE DO FORNECIMENTO DE LUZ. INADIMPLEMENTO DO CONSUMIDOR. LEGALIDADE. FATURA EMITIDA EM FACE DO CONSUMIDOR. SÚMULA 7/STJ.
1. É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (lei 8.987/95, art. 6.º, § 3.º, II). Precedente da 1.ª Seção: REsp 363.943/MG,  DJ 01.03.2004
2. Ademais, a 2.ª Turma desta Corte, no julgamento do REsp 337.965/MG entendeu que o corte no fornecimento de água, em decorrência de mora, além de não malferir o Código do Consumidor, é permitido pela lei 8.987/95.
3. Ressalva do entendimento do relator, no sentido de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica - como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos, posto essenciais para a sua vida. Curvo-me, todavia, ao posicionamento majoritário da Seção.
4. A aplicação da legislação infraconstitucional deve subsumir-se aos princípios constitucionais, dentre os quais sobressai o da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República e um dos primeiros que vem prestigiado na Constituição Federal.
5. A Lei de Concessões estabelece que é possível o corte, considerado o interesse da coletividade, que significa não empreender o corte de utilidades básicas de um hospital ou de uma universidade, tampouco o de uma pessoa que não possui módica quantia para pagar sua conta, quando a empresa tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança.
6. Ressalvadas, data maxima venia, opiniões cultíssimas em contrário e sensibilíssimas sob o ângulo humano, entendo que o 'interesse da coletividade', a que se refere a lei, pertine aos municípios, às universidades, aos hospitais, onde se atingem interesses plurissubjetivos.
7. Por outro lado, é mister considerar que essas empresas consagram um percentual de inadimplemento na sua avaliação de perdas, por isso que é notório que essas pessoas jurídicas recebem mais do que experimentam inadimplementos.
8. Destacada minha indignação contra o corte do fornecimento de serviços essenciais a municípios, universidades, hospitais, onde se atingem interesses plurissubjetivos, submeto-me à jurisprudência da Seção.
9. In casu, a conclusão do Tribunal de origem acerca da liquidez e certeza da fatura emitida pela concessionária em face do consumidor, resultou do exame de todo o conjunto probatório carreado nos presentes autos. Consectariamente, infirmar referida conclusão implicaria sindicar matéria fática, interditada ao E. STJ em face do enunciado sumular n.º 07 desta Corte
10.  É inviável a apreciação, em sede de Recurso Especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o tribunal de origem, porquanto indispensável o requisito do prequestionamento. Ademais, como de sabença, "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada" (súmula 282/STF), e "o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento" (Súmula 56/STJ).
11. Revelam-se deficientes as razões do recurso especial quando a recorrente não aponta, de forma inequívoca, os motivos pelos quais considera violados os dispositivos de lei federal, bem como, quando limita-se a impugnar a sentença de primeiro grau, fazendo incidir a Súmula 284 do STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia." 12. Agravo regimental desprovido”.
(AgRg no REsp 963990 / SC AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2007/0146420-7 Relator Ministro LUIZ FUX  PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento: 08.04.2008. Data da Publicação e Fonte: DJe 12.05.2008).
Ocorre que, o próprio STJ vem estabelecendo diversas restrições para que se efetive seu entendimento em favor da interrupção dos serviços públicos essenciais. São elas:
a) o corte do serviço deverá respeitar o princípio da não surpresa, devendo existir prévia comunicação, por escrito, visando dar a oportunidade de o consumidor pagar seu débito e purgar a mora (Resp. AgRg no AREsp 412822 / RJ; REsp 1270339 / SC);
b) não é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica por dívida pretérita, a título de recuperação de consumo, em face da existência de outros meios legítimos de cobrança de débitos antigos não pagos (REsp 1298735/RS). Deve, assim, o débito ser atual para que haja a interrupção do serviço;
c) quando configurado o abuso de direito pela concessionária, cujo reconhecimento implica a responsabilidade civil de indenizar os transtornos sofridos pelo consumidor. Incidem, portanto, os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade (por ex.: suspender o fornecimento de energia elétrica em razão de um débito de R$ 0,85, não age no exercício regular de direito, e sim com flagrante abuso de direito). Nesse sentido o REsp 811690/RR;
d) quando o débito decorrer de suposta fraude no medidor de consumo de energia apurada unilateralmente pela concessionária (REsp 1298735/RS; AgRg no AREsp 346561/PE; AgRg no AREsp 370812/PE);
e) desde que a interrupção não atinja serviços públicos essenciais para a coletividade, tais como escolas, creches, delegacias e hospitais. Coloca-se em evidencia o princípio da supremacia do interesse público (EDcl no REsp 1244385 / BA; AgRg no REsp 1523996/RR; AgRg no AREsp 301907/MG; AgRg no AREsp 543404/RJ; AgRg nos EREsp 1003667/RS);
f) quando a interrupção da prestação de serviços públicos por inadimplência do usuário for violar o direito à vida, à saúde e a dignidade humana. O STJ faz verdadeira ponderação principiológica, onde o sistema constitucional brasileiro (art. 170, caput, da CF), determina que a ordem econômica tenha por fim assegurar a todos uma existência digna. A propriedade privada e a livre iniciativa, postulados mestres no sistema capitalista, são apenas meios cuja finalidade é prover a dignidade da pessoa humana (REsp 1101937 / RS; AgRg no REsp 1201283 / RJ; AgRg no REsp 1162946 / MG; REsp 853392/RS.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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