O contexto europeu das boas práticas administrativas na busca da eficiência da administração pública – breve análise comparativa

05/09/2019 às 17:12
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A reflexão versa em torno das boas práticas administrativas europeias, especialmente no que tange à Itália, em uma breve análise comparativa com a experiência brasileira sobre o tema.

NOTAS INTRODUTÓRIAS

A reflexão aqui proposta versa em torno das boas práticas administrativas europeias, especialmente no que tange à Itália, em uma breve análise comparativa com a experiência brasileira sobre o tema.

Desde logo é preciso pontuar as diferenças entre o sistema político e jurídico administrativo italiano com o relevante enquadramento das diretrizes da União Europeia. Nesse sentido a abordagem desses temas sob o panorama das práticas adotadas fornece subsídios relevantes acerca da eficiência na gestão administrativa, no que concerne aos temas ligados aos aspectos éticos, de combate à corrupção, compliance e dos contratos públicos.

Cabe ressaltar que o enfoque se dá também sobre os aspectos institucionais constitutivos do Ministério da Administração Pública italiana e de sua Agência Nacional Anticorrupção (ANAC).

De modo sucinto, passo a analisar o modo como a busca pela eficiência na gestão pública está presente no sistema italiano e Europeu, notadamente no italiano, destacando as práticas inovadoras em comparação com a nossa experiência administrativa.


DAS ESFERAS JUDICIAIS ITALIANAS E DA TUTELA JURISDICIONAL ADMINISTRATIVA – ASPECTOS RELEVANTES.

A Itália estrutura-se geopoliticamente de modo diverso do Brasil, inserida em um bloco econômico de proporção “supranacional” com a junção das áreas econômicas, social e política. Constitui-se em um Estado Unitário dividido em 20 regiões e 8101 comunas que seria o equivalente, respectivamente, aos nossos Estados e municípios, com autonomia política e administrativa.

Em muitos aspectos os nossos sistemas de Justiça convergem, não sem razão, vez que as nossas concepções, métodos e construções do Direito Civil tem origem no Direito Romano.

Contudo, no que tange ao sistema de Justiça, a Itália adota um sistema diverso do nosso, formado por Jurisdição Comum e Jurisdição Administrativa. O Brasil não conta com uma Jurisdição administrativa. Na Itália, a Jurisdição Administrativa é formada pelos Tribunali Amministrativi Regionali, mais conhecidos como TAR, bem como pelo Conselho de Estado, que, de acordo com a Constituição Italiana é um órgão de consultoria jurídico- administrativa e de proteção da justiça na administração, sendo também órgão consultivo jurídico-administrativo supremo do Governo.

As competências do Conselho de Estado e outros órgãos da Justiça Administrativa resguardam a tutela dos interesses legítimos contra a administração pública e, em particular, as questões legais de direitos subjetivos.

O Conselho de Estado funciona como um tribunal de apelação de 1º grau, mantido o Recurso ao Presidente, como antigamente se fazia ao rei nas monarquias absolutas. Esse recurso pode ser escrito até numa folha de papel, sem a exigência de advogado, porém exige-se uma taxa de 680 Euros para impetração do referido recurso que tem prazo de impugnação de 60 dias.

Outro aspecto que chama a atenção na Justiça Administrativa é a competência dos Tribunais Administrativos Regionais (TAR) para julgar causas relativas às eleições, com exceção das eleições nacionais.

A Justiça Administrativa tem a vantagem da celeridade da prestação jurisdicional nas causas a ela afetas, bem como a aproximação da Justiça com os cidadãos, como é o caso dos Tribunais Regionais Administrativos (TAR), presentes em todas as regiões italianas.


A RAIZ SISTÊMICA DA CORRUPÇÃO, OS EFEITOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ITALIANA E OS MECANISMOS LEGAIS ADOTADOS.

Segundo dados da Comissão Europeia, “a corrupção, por si só, representa um custo para a economia da União Europeia equivalente a 120 bilhões de euros por ano, apenas um pouco menos do que o orçamento anual da União Europeia”.

Após todo o escândalo de corrupção trazido à tona com a operação Tangentopoli ou “Mãos Limpas”, como é mais conhecida, a Itália enfrentou novamente em 2014 várias denúncias de fraude e corrupção ligadas a obras públicas durante a Expo de Milão e a Mostra de Veneza, com a prisão de altos funcionários públicos, políticos e cidadãos, expondo a raiz sistêmica da corrupção inserta no aparato público. Em muitos países, os contratos ligados a grandes obras públicas sempre atraíram os “vermes” da corrupção, corruptos e corruptores, em razão da grande soma de dinheiro e dificuldade de fiscalização desses contratos.

Como forma de dar uma resposta à sociedade, exatamente como acontece aqui no Brasil diante de assuntos que mobilizam a opinião pública, algumas Leis foram editadas no clamor social da operação Mãos Limpas, como a Lei de Obras Públicas, cujas regras foram extremamente restritivas em relação à licitações e contratos públicos.

Posteriormente, outras normas importantes foram editadas com o escopo de simplificar e ajustar o ordenamento italiano com as diretrizes da União Europeia buscando diminuir a burocracia e aumentar a transparência e eficiência na Administração.


DA AUTORIDADE NACIONAL ANTICORRUPÇÃO ITALIANA – ANAC

A Autoridade Nacional Anticorrupção (ANAC), surgiu na Itália, em 2012, com a transformação da Comissão Independente para a Avaliação e Integridade das Administrações Públicas (CIVIT) e depois dos escândalos de corrupção em Milão e Veneza, cuja função primordial é prevenir a corrupção na Administração Pública em questões ligadas a licitação e contratação pública, principalmente no aspecto formal.

Com a edição do novo Código de Contratos Públicos Italianos, de 2016, surgido da necessidade de priorizar a gestão e fiscalização dos contratos, a competência da ANAC foi ampliada no que tange às contratações públicas, permitindo àquela Agência estabelecer orientações normativas com o fim de conferir aplicabilidade ao novo Código e de aplicar multa aos órgãos públicos, caso descumpram suas orientações. Importante mencionar que para a ANAC o prazo para rever a licitação e contratações públicas não prescreve em 6 meses, como para o resto da administração.

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Apesar de toda importância da ANAC na busca de transparência e moralidade dos contratos públicos, percebe-se, ainda, uma certa insegurança jurídica quanto à força dos seus atos, e críticas aos meios de fiscalização burocráticos e formalistas que, na prática, parecem atravancar novas contratações públicas.


DA ÉTICA E EFICIÊNCIA NA GESTÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA- A REFORMA E OS EFEITOS DO SILÊNCIO ADMINISTRATIVO.

Consoante a compreensão de Marianna Madia, ex Ministra da Simplicação e Reforma Administrativa Italiana que deu nome as principais reformas da administração chamada de Reforma Madia,“se as administrações funcionam bem, elas funcionam bem para todos. Se elas funcionam mal, sempre haverá maneiras de contornar os obstáculos e obter um bom serviço, mas apenas para um número privilegiado”.

A lógica da corrupção distribui a ineficiência a todos os que não pagam propina, produzindo ineficiência para toda coletividade. Dentro desse contexto, a reforma da Administração Pública na Itália prioriza restaurar a relação de confiança dos cidadãos com o Estado, abaladas por sucessivos escândalos de corrupção, através da eficiência, transparência e instituição de códigos éticos na Administração, transparência e simplificação dos processos e aplicação do best value. O best value pressupõe eficiência de resultados; subordinação de outros valores ao próprio best value como concorrência anticorrupção, transparência, qualidade dos serviços prestados, avaliação e medição de resultados, além de acesso justo, ou seja, facilidade e igualdade de acesso aos serviços.

O acesso eficiente e simplificado aos serviços permite cortar os tentáculos da corrupção dentro da Administração, tornando o Estado mais competitivo e desburocratizado.

A Lei nº 114 de 2014 deu as primeiras diretrizes para a Reforma Administrativa Italiana, cujas medidas mais significativas foram as seguintes: 1. Instituição de novos e maiores poderes para a ANAC; 2. Promoção de “Agenda para a simplificação compartilhada entre Estado, Regiões e autonomias locais para o período de 2015-2017; adoção de módulos únicos e padrão em todo o país para serem utilizados para atividades de construção e produção”. 3. A proibição das administrações Públicas de realizar operações financeiras com empresas e entidades estrangeiras cuja identidade dos assuntos que controlam essas empresas não é possível rastrear; 4. Impossibilidade de permanecer nas Administrações Públicas além da idade da aposentadoria; 5, Promover a renovação das administrações não permitindo aos aposentados públicos e privados funções gerencias, exceto as exercidas gratuitamente. 6. Estabelecimento de prazos precisos e certas regras para as autorizações que as administrações públicas devem emitir para aqueles que querem investir.

A Lei 124/2015, chamada de Lei Madia trouxe o instituto do silenzio assenso ou consentimento silencioso como parte do processo de reforma, simplificação e reestruturação da administração. Na Itália, o silêncio administrativo, nos casos e prazos determinados pela administração, tem o efeito de decidir em favor do postulante, deferindo-lhe os pleitos e requerimentos quando houver inércia da administração. Essa regra tem o efeito de combater a corrupção e evita a eternização dos prazos para a Administração.


CONCLUSÃO

Apesar do ceticismo dos Italianos com o combate à corrupção na Itália, o fato de estarem amparados por um bloco econômico como a União Europeia com regras rígidas, uniformização dos padrões e aporte de recurso econômico para os Países membros aumenta substancialmente as chances de diminuição efetiva da corrupção sistêmica com medidas voltadas à ética, eficiência, transparência na Administração e fiscalização dos contratos públicos.

O Brasil em muitos aspectos relativos à reforma e simplificação administrativa está mais avançado do que a Itália, principalmente na rotina de digitalização de processos e na utilização de sistemas como o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) que inova a prática administrativa e elimina rotinas burocráticas e excessivas, evitando fluxo desnecessários de documentos e excesso de papel, preservando o meio ambiente e modernizando os processos.

No entanto, na Administração Pública Italiana há a adoção do instituto do silenzio assenzio ou consentimento silencioso, uma boa e inovadora prática administrativa, pois, gera responsabilidades para a omissão da administração, nos casos em que deveria se pronunciar. No Brasil há alguns casos de consentimento silencioso, porém, na legislação esparsa. Essa é uma boa prática que cabe uma análise mais aprofundada.

A experiência da Jurisdição Administrativa, embora seja bem diversa da nossa realidade jurisdicional, apresenta aspectos interessantes, em termos de celeridade da Justiça e aproximação com os cidadãos.

É possível enfrentar e vencer os monstros dos custos invisíveis da má gestão administrativa e da corrupção? Percebe-se que somente práticas ditas inovadoras, reformas administrativas, por mais sofisticadas em termos e intenções ou criação de órgãos específicos, não bastam para exterminar a corrupção ou simplificar a pesada estrutura do Estado, vez que a lógica político-administrativa está contaminada em seus princípios, tanto no Brasil quanto na Itália.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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