INDICAÇÃO ERRÔNEA DE AUTORIDADE COATORA EM MANDADO DE SEGURANÇA
Rogério Tadeu Romano
Discute-se aqui as implicações do erro na indicação da autoridade coatora.
Ficou pacífico o entendimento de que o erro na indicação da autoridade coatora implicava na extinção do feito sem julgamento do mérito por ilegitimidade passiva.
O juiz não poderia substituir essa indicação errônea.
A equivocada indicação da única autoridade impetrada impõe a extinção do writ sem julgamento do mérito.
Em sede de mandado de segurança, "a autoridade coatora é aquela que ordena a prática do ato impugnado ou se abstém de realizá-lo. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que, havendo erro na indicação da autoridade coatora, deve o juiz extinguir o processo sem julgamento do mérito, pela ausência de uma das condições da ação, sendo vedada a substituição do polo passivo da relação processual" (AgRg no Ag 428.178/MG, Rel.Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 20/6/2005).
No STF, tem-se a decisão abaixo enfocada:
MS 21382 / DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Relator(a) p/ Acórdão: Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 04/02/1993 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJ 03-06-1994 PP-13853 EMENT VOL-01747-01 PP-00150
RTJ VOL-00156-03 PP-00808
Parte(s)
IMPTE. : VANDA MARIA DA SILVA BATISTA DE AZEVEDO
ADVDO.: VICTOR RUSSOMANO JÚNIOR
IMPDO. : PRESIDENTE DA COMISSÃO DIRETORA DA MESA DO SENADO FEDERAL
Ementa
MANDADO DE SEGURANÇA - IMPETRAÇÃO CONTRA ATO DO DIRETOR-GERAL DO SENADO FEDERAL - INCOMPETENCIA ORIGINARIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PRETENDIDA MODIFICAÇÃO DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA - INADMISSIBILIDADE - WRIT NÃO CONHECIDO. A ERRONEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA PELO IMPETRANTE IMPEDE QUE O JUIZ, AGINDO EX OFFICIO, VENHA A SUBSTITUI-LA POR OUTRA, ALTERANDO, DESSE MODO, SEM DISPOR DE PODER PARA TANTO, OS SUJEITOS QUE COMPOEM A RELAÇÃO PROCESSUAL, ESPECIALMENTE SE HOUVER DE DECLINAR DE SUA COMPETÊNCIA, EM FAVOR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM VIRTUDE DA MUTAÇÃO SUBJETIVA OPERADA NO POLO PASSIVO DO WRIT MANDAMENTAL.
Sendo assim tem-se ainda:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INDICAÇÃO ERRÔNEA DA AUTORIDADE COATORA. EXTINÇÃO DO FEITO.
1. No mandado de segurança, a autoridade tida por coatora é aquela que pratica concretamente o ato lesivo impugnado. 2. Precedentes desta Corte do c. STF no sentido de que a errônea indicação da autoridade coatora pela impetrante impede que o Juiz, agindo de ofício venha a substituí-la por outra, alterando, assim, os sujeitos que compõem a relação processual. 3. Verificando-se a ilegitimidade passiva ‘ad causam’ da autoridade apontada como coatora, impõe-se a extinção do processo sem julgamento do mérito, pela ausência de uma das condições da ação. 4. Recurso a que se nega provimento, para confirmar a extinção do processo. (grifos nossos)
(RO no MS 15.124/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ acórdão Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 10/06/2003).
Nos últimos anos, contudo, a própria jurisprudência do STJ, reconhecendo que a burocrática estrutura da organização administrativa não poderia constituir óbice ao pleno acesso à justiça, constitucionalmente assegurado aos jurisdicionados, criou exceções à mencionada regra, flexibilizando o rígido entendimento que outrora prevalecia.
A Primeira Turma do STJ, no julgamento do REsp 806.467/PR (Rel. Ministro LUIZ FUX, DJU de 20/09/2007), decidiu que a indicação errônea de autoridade coatora, no polo passivo do mandado de segurança, é deficiência sanável. Entretanto, a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que a oportunidade para emenda da petição inicial de mandado de segurança, para fins de correção da autoridade coatora, somente pode ser admitida quando o órgão jurisdicional em que a demanda tenha sido proposta for competente para o conhecimento do writ. Nesse sentido: STJ, AgInt no REsp 1.505.709/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 19/08/2016; REsp 1.703.947/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/12/2017.
Foi desenvolvida a “teoria da encampação”, pela qual se reconhece que a autoridade coatora apontada equivocadamente possa prestar as informações e integrar a relação jurídica no lugar da verdadeira autoridade coatora, desde que verificada a presença simultânea de três requisitos, perfeitamente delineados no julgado abaixo transcrito:
PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – INDICAÇÃO ERRÔNEA DA AUTORIDADE COATORA – INFORMAÇÕES PRESTADAS SEM ENCAMPAÇÃO DO ATO TIDO COMO COATOR.
1. Inexistindo encampação do ato coator pela autoridade hierarquicamente superior, não se há como aproveitar a demanda direcionada em face de autoridade ilegítima. 2. Conforme jurisprudência pacífica desta Corte Superior, a teoria da encampação é aplicável ao mandado de segurança, tão-somente, quando preenchidos os seguintes requisitos: a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; b) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e, c) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. [...] (grifos nossos)
Ainda anoto:
(AgRg no RMS 27.578/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009).
"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - ENCAMPAÇÃO DO ATO ATACADO - LEGITIMIDADE DA AUTORIDADE COATORA - RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM - RECURSO PROVIDO.
I - 'Afigura-se pacífico o entendimento jurisprudencial segundo o qual a autoridade hierarquicamente superior, apontada coatora, que não se limita a alegar a sua ilegitimidade, mas defende o mérito da impetração, encampa o ato atacado, tornando-se legitimada para figurar no pólo passivo da ação mandamental.' (RMS n. 14686/MG, DJ 28.03.2003, Rel. Min. Gilson Dipp)
II - In casu, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul, ao prestar informações no mandado de segurança, legitimou-se passivamente, pois muito embora tenha argüido a sua ilegitimidade, terminou por defender o ato impugnado,
III - Neste diapasão, os autos devem retornar à Corte a quo, para que o Tribunal local prossiga no julgamento da lide.
Recurso ordinário provido." (RMS nº 19.782/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJU de 18/09/2006)
"MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO FEDERAL. LEGITIMIDADE DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. CONCLUSÃO DE CURSO DE FORMAÇÃO POR FORÇA DE MEDIDA LIMINAR. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO.
1. De acordo com a teoria da encampação, adotada por este Superior Tribunal de Justiça, a autoridade hierarquicamente superior, apontada como coatora nos autos de mandado de segurança, que defende o mérito do ato impugnado ao prestar informações, torna-se legitimada para figurar no pólo passivo do writ.
2. O Despacho n. 095/02 - Gab/MJ, editado pelo Ministro da Justiça, destinou-se apenas àqueles servidores que, nomeados e empossados no cargo de Delegado Federal, bem como aprovados no estágio probatório, estavam em exercício por força de decisão judicial ainda não transitada em julgado.
3. Não há ofensa ao princípio da isonomia, por ausência de identidade entre as situações confrontadas, na negativa de nomeação no cargo de Delegado Federal àqueles que, reprovados na prova escrita e não submetidos às demais fases do concurso, apenas participaram, com base em decisão concessiva de liminar, do concurso de formação.
4. "O candidato aprovado em concurso público possui mera expectativa de direito a ser nomeado, não havendo situação fática consolidada a ser preservada pela só conclusão do Curso de Formação por força de medida liminar" (AgRg no REsp 759.037/CE, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ 14/8/2006).
5. Mandado de segurança denegado." (MS nº 11.727/DF, Terceira Seção, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJU de 30/10/2006)
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. ENCAMPAÇÃO DO ATO IMPUGNADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA NÃO-CARACTERIZADA. ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. AUSÊNCIA DE CARÁTER PROTELATÓRIO. SÚMULA N. 98/STJ.
1. O STJ assentou o entendimento de que, se a autoridade apontada com coatora, em suas informações, não se limita a argüir sua ilegitimidade passiva, defendendo o ato impugnado, aplica-se a teoria da encampação e a autoridade indicada passa a ter legitimidade para a causa.
2. Afigura-se inviável a aplicação de multa em sede de embargos de declaração, se estes foram opostos com o manifesto intento de prequestionar a matéria deduzida no apelo especial, e não com o propósito de procrastinar o feito. Aplicação da Súmula n. 98/STJ.
3. Recurso especial provido." (REsp nº 433.033/SP, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 01/08/2006)
"PROCESSO CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - ERRÔNEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA
. (...).
2. Se a autoridade indicada erroneamente, mesmo tendo argüido a sua ilegitimidade, assumir a coatoria do ato e prestar informações, por economia processual, aplica-se a Teoria da Encampação, continuando-se com o writ.
3, Hipótese dos autos cujas circunstâncias autorizam aplicar a Teoria da Encampação.
4. Recurso especial improvido." (REsp nº 574.981/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 25/02/2004)
"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO CIVIL. AUTORIDADE COATORA. LEGITIMIDADE PASSIVA, ENCAMPAÇÃO DO ATO IMPUGNADO.
1. Autoridade coatora é aquela que pratica ou ordena, concreta e especificamente, a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas conseqüências administrativas.
2. Possui legitimidade passiva ad causam a autoridade que, ao prestar informações, defende o ato impugnado, encampando-o.
3. Recurso provido." (RMS nº 15.262/TO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 02/02/2004)
A aplicação da teoria da encampação, pois, em vista da processualística moderna, surgiu como reflexo da promessa constitucional de prestígio aos princípios da economia, celeridade e efetividade processuais (materializados no princípio-maior da “razoável duração do processo”), “configurando importante instrumento para os operadores do direito e, principalmente, para os indivíduos que necessitem da tutela emergencial dessa ação constitucional.
Sobre a teoria da encampação - que mitiga a indicação errônea da autoridade coatora, em mandado de segurança -, a Primeira Seção do STJ, nos autos do MS 10.484/DF (Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJU de 26/09/2005), firmou o entendimento de que tal teoria apenas se aplica ao mandado de segurança, quando preenchidos os seguintes requisitos, cumulativamente: (a) existência de subordinação hierárquica entre a autoridade que efetivamente praticou o ato e aquela apontada como coatora, na petição inicial; (b) manifestação a respeito do mérito, nas informações prestadas; (c) ausência de modificação de competência, estabelecida na Constituição, para o julgamento do writ.
Essa teoria da encampação, pois, deve ser aplicada quando preenchidos os seguintes pressupostos: (i) ausência de modificação de competência estabelecida na constituição Federal; (ii) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (iii) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. Tal inovação jurisprudencial, pelo que se observa, pode ter aplicação estendida às demais ações constitucionais, conforme, embora ainda timidamente, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.
Observo o que segue:
RMS 55062 / MG
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2017/0209629-4
Relator(a)
Ministro HERMAN BENJAMIN
Órgão Julgador
T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento
03/04/2018
Data da Publicação/Fonte
DJe 24/05/2018
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE
PASSIVA PARA A CAUSA. SECRETÁRIO DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MINAS
GERAIS. CONCURSO PÚBLICO DE PROFESSOR. NOMEAÇÃO. ATO PRIVATIVO DO
GOVERNADOR DO ESTADO. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD
CAUSAM.
1. . O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que "considerando a finalidade precípua do mandado de segurança que é a proteção de direito líquido e certo, que se mostre configurado de plano, bem como da garantia individual perante o Estado, sua finalidade assume vital importância, o que significa dizer que as questões de forma não devem, em princípio, inviabilizar a questão de fundo gravitante sobre ato abusivo da autoridade. Conseqüentemente, o Juiz, ao deparar-se, em sede de mandado de segurança, com a errônea indicação da autoridade coatora, deve determinar a emenda da inicial ou, na hipótese de erro escusável, corrigi-lo de ofício, e não extinguir o processo sem julgamento do mérito" (REsp 865.391/BA,Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 7/8/2008.
2. Recurso Ordinário provido.
Na forma da jurisprudência do STJ, a aplicação, em sede de mandado de segurança, da regra contida no § 3º do art. 64 do CPC/2015, correspondente ao § 2º do art. 113 do CPC/73, de modo a autorizar o magistrado a encaminhar o processo ao Juízo competente, acaso reconheça sua incompetência absoluta, somente se dá nos casos em que houve mero erro de endereçamento do writ - porque, nas situações em que há indicação equivocada da autoridade impetrada, tal providência importaria em indevida emenda à petição inicial da impetração, já que seria necessária a correção do pólo passivo -, e também nos casos em que, após excluída, do Mandado de Segurança, autoridade com prerrogativa de foro, remanesça autoridade, indicada na petição inicial, sem prerrogativa de foro. Precedentes do STJ(PET no MS 17.096/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, DJU de 05/06/2012; AgRg no MS 20.134/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 02/09/2014; AgRg no MS 12.412/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe de 17/09/2015; MS 21.744/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 05/10/2015).
Posteriormente, o STJ promoveu avanço jurisprudencial ainda mais significativo, passando a admitir a emenda à petição inicial para corrigir vício na indicação da autoridade coatora:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMENDA À PETIÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA RETIFICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA.
Deve ser admitida a emenda à petição inicial para corrigir equívoco na indicação da autoridade coatora em mandado de segurança, desde que a retificação do polo passivo não implique alteração de competência judiciária e desde que a autoridade erroneamente indicada pertença à mesma pessoa jurídica da autoridade de fato coatora. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.222.348-BA, Primeira Turma, DJe 23/9/2011; e AgRg no RMS 35.638/MA, Segunda Turma, DJe 24/4/2012. (grifos nossos)
(AgRg no AREsp 368.159/PE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 1º/10/2013).
Há, portanto, progressiva liberação no entendimento na matéria por parte do STJ: num primeiro momento, a indicação errônea acarretaria a extinção do feito sem julgamento do mérito; após, compreendida, muitas vezes, a excessiva burocratização a ensejar o erro quanto a essa indicação, ensejou-se a teoria da encampação. Mas essa teoria tem limites, como já acentuado.