QUEM É O LEGITIMADO PASSIVO NO MANDADO DE SEGURANÇA?
Rogério Tadeu Romano
Parte, segundo Chiovenda(Instituições de direito processual civil, v. II/320) “parte é aquele que demanda em seu nome(ou em cujo nome a demanda é demandada) a atuação de uma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada”.
Ab initio, cito a lição de Hely Lopes Meirelles(Direito Administrativo Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989) com relação ao remédio aqui estudado:
O mandado de segurança é ação civil de rito sumário especial, sujeito a normas procedimentais próprias, pelo que só supletivamente lhe são aplicáveis disposições gerais do Código de Processo Civil. Destina-se a coibir atos ilegais de autoridade, que lesem direito subjetivo, líquido e certo do impetrante. Por ato de autoridade, suscetível de mandado de segurança, entende-se toda ação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, do desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração [...].
Vem a propósito o que seja ato de autoridade.
Hely Lopes Meirelles(obra citada, 18ª edição, páginas 31 e 54/55), ensinou que: "Ato de autoridade é toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Por autoridade entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal. Deve-se distinguir autoridade pública do simples agente público . Aquela detém, na ordem hierárquica, poder de decisão e é competente para praticar atos administrativos decisórios, os quais, se ilegais ou abusivos, são suscetíveis de impugnação por mandado de segurança quando ferem direito líquido e certo ; este não pratica atos decisórios, mas simples atos executórios, e, por isso, não responde a mandado de segurança, pois é apenas executor de ordem superior . (...) Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua execução. Não há confundir, entretanto, o simples executor material do ato com a autoridade por ele responsável. Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas conseqüências administrativas; executor é o agente subordinado que cumpre a ordem por dever hierárquico, sem se responsabilizar por ela (...) Incabível é a segurança contra autoridade que não disponha de competência para corrigir a ilegalidade impugnada . A impetração deverá ser sempre dirigida contra a autoridade que tenha poderes e meios para praticar o ato ordenado pelo Judiciário; tratando-se, porém, de simples ordem proibitiva (não fazer), é admissível o writ contra o funcionário que está realizando o ato ilegal, a ser impedido pelo mandado. Um exemplo esclarecerá as duas situações: se a segurança objetiva a efetivação de um pagamento abusivamente retido, o mandado só poderá ser dirigido à autoridade competente para incluí-lo na folha respectiva; se visa à não efetivação desse mesmo pagamento, poderá ser endereçado diretamente ao pagador, porque está na sua alçada deixar de efetivá-lo diante da proibição judicial. Essa orientação funda-se na máxima 'ad impossibilita nemo tenetur': ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível. Se as providências pedidas no mandado não são da alçada do impetrado, o impetrante é carecedor da segurança contra aquela autoridade, por falta de legitimação passiva para responder pelo ato impugnado. A mesma carência ocorre quando o ato impugnado não foi praticado pelo apontado coator."
Quem é a parte passiva no mandado de segurança?
Na visão de Sérgio Ferraz(Mandado de segurança, 1992, pág. 44), sujeito passivo, no mandado de segurança, é a pessoa jurídica de Direito Público que vai suportar os efeitos defluentes da ação. Ela sequer é litisconsorte necessária da autoridade coatora, eis que esta não é parte.
Há, no entanto, que entendia que pare passiva é a autoridade coatora, é o que sustentaram Lopes da Costa(Manual elementar de direito processual civil, 1956, pág. 319 e 210), Ari Florêncio Guimarães(O Ministério Público no Mandado de Segurança, páginas 167 e 168), Hamilton Moraes e Barros(As liminares no mandado de segurança, pág. 69) e Hely Lopes Meirelles(Mandado de segurança, 13ª edição, pág. 33).
O artigo 6º, parágrafo terceiro, da Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009, diz:
Art. 6o A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.
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§ 3o Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.
É o coator que, identificado, apresentará a resposta.
No entanto há a consideração de que partes passivas em litisconsórcio necessário, são a autoridade coatora e a pessoa jurídica de Direito Público: é a posição de Sebastião de Souza(Mandado de segurança, pág. 274) e Jorge Americano(Comentários ao Código de Processo Civil, segunda edição, volume II/122). Anote-se que alguns dos adeptos da primeira corrente admitem o ingresso da pessoa jurídica como litisconsorte facultarivo(como é o caso de Hely Lopes Meirelles).
Luiz Eulálio Bueno Vidigal(Do mandado de segurança, pág. 99 e seguintes) afirmou que o Estado é o sujeito da ação. Disse ele: “a autoridade coatora, que seria, no caso, litisconsorte do Estado, melhor se denominaria como substituto processual do Estado, porque desenvolve, em seu próprio nome, a atividade necessária para a defesa de interesse alheio.
Pontes de Miranda(Comentários ao Código de Processo Civil, segunda edição, tomo V/156-158 e 169) ensinou que a ação de segurança é impetrada contra pessoa jurídica, mas acrescentou que esta é a “demandada”. Porém, em outra obra, Pontes de Miranda(Tratado das Ações, Tomo VI/50) disse, ao abordar o writ contra ato judicial, concluiu: “o juiz, na ação do mandado de segurança contra ele proposta é parte”.
Para Brandão Cavalcati(Do mandado de segurança, quarta edição, pág. 16), o ente público não é litisconsorte do coator, mas assistente, em modalidade assistencial diversa.
Mas há os que pensam que parte passiva é a pessoa de Direito Público. Tais as lições de Seabra Fagundes, Celso Balbi e Celso Bastos.
Para Celso Bastos tem-se a seguinte solução: a) parte passiva é a pessoa de Direito Público(que, como tal, deve ser citada); b) o coator é mero informante, por não ser parte, e por ser agente administrativo, está jungido ao dever da veracidade; c) como informante, pode postular sua permanência no feito, eis que legítima, em tese, sua pretensão de sustentação do ato que cometeu ou omitiu; d) como não é parte, o coator não tem, diretamente legitimação recursal, a não ser que intervenha no feito também como terceiro, numa das modalidades legalmente admissíveis; e) como parte é a pessoa jurídica, ela é que diretamente se legitima para interpor ou impugnar recursos.
Assim parte no mandado de segurança é a pessoa jurídica de Direito Público a que vinculada a autoridade coatora.
Essa pessoa jurídica atua através de seus representantes indicados nos artigos 131 e 132 da Constituição, o que torna obrigatória a sua citação, independente da notificação do coator, para prestar informações.
Em sede jurisprudencial tem-se:
Na jurisprudência, entendendo ser parte passiva no mandado de segurança a autoridade coatora: TRF/5ª Região, AMS, 70.706-PB, rel. Des. Fed. Frederico Azevedo, DJU 29.11.2002, Seção 2, p. 895; STJ, REsp 39571/SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 22.5.1995, p. 14367; STF, RMS 22180/DF, rel. Min. Eros Grau, DJ 12.8.2005, p. 00011; STJ, RMS 26357/RS, rel. Min. Felix Fischer, DJe 8.9.2008; STJ, REsp 760515/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 9.6.2008; STJ RMS 24112/SP, rel. Min. José Delgado, DJe 3.3.2008; STJ, RMS 20618/SP, rel. Min. Paulo Medina, DJ 12.6.2006, p. 543, dentre outros.
[2] Na jurisprudência, pela polaridade passiva da pessoa jurídica, encontram-se, dentre outros, os seguintes julgados: STJ, REsp 842279/MA, rel. Min. Luiz Fux, DJe 24.4.2008; STF, AI-AgR 431264/PE, rel. Min. Cezar Pelluso, DJ 23.11.2007, p. 00117; STF, AI-AgR 447041/PE, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 19.11.2004, p. 00029; STJ, REsp 984032/ES, rel. Min. Castro Meira, DJe 16.6.2008; RTJ 118/337; RTJ 125/323; RT 521/285.
[3] Alguns resquícios jurisprudenciais também são encontrados neste sentido. Assim: TRT/14ª Região, MS 0076/2002, rel. Juiz Pedro Pereira de Oliveira, DJE/RO 6.1.2003, Anexo TRT n. 3; TJ/AP, Remessa Ex-officio em Mandado de Segurança 386/2004 – Acórdão nº 7890, rel. Des. Mello Castro, DOE 17.5.2005, p. 19.
Desde o tempo da lei nº 1.533/51, restou sedimentado na doutrina e na jurisprudência que a legitimidade passiva no mandado de segurança é posição da pessoa jurídica a qual a autoridade coatora fosse vinculada, seja por que é o ente público quem suportará os ônus decorrentes da impetração, revelando-se que é a pessoa jurídica quem sofre os feitos do trânsito em julgado, bem como pela plena possibilidade de desistência do Writ, sem qualquer necessidade de anuência da autoridade coatora e, por fim, pela evidente inalterabilidade da legitimidade passiva, quando eventualmente a autoridade seja exonerada, destituída, enfim, quando quem praticou o ato seja removido de sua posição decisória.