O homem como vítima de estupro

Uma questão a refletir

06/09/2019 às 17:30
Leia nesta página:

Com a chegada da lei 12.015/09, tanto o homem quanto a mulher podem cometer/sofrer o crime de estupro.

O art. 213 do Código Penal sofreu uma importante alteração no ano de 2009 por meio da Lei 12.015/09. A partir do referido ano, o crime em comento passou a ser tipificado da seguinte maneira:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro atolibidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1 o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2 o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Assim, com a chegada da nova lei o tipo penal estabelece que tanto o homem quanto a mulher podem cometer/sofrer o crime. Estabelece, também que: CONSTRANGER ALGUÉM MEDIANTE VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA (todo ato que extermina a capacidade de escolha, vontade e/ou ação da vítima no que tange à livre disposição da sua liberdade sexual) A TER CONJUNÇÃO CARNAL (que segundo a doutrina majoritária se dá pela cópula pênis-vagina, ainda que exista uma corrente minoritária com pensamento em contrário) OU A PRATICAR OU PERMITIR QUE COM ELE SE PRATIQUE OUTRO ATO LIBIDINOSO (exemplos de atos libidinosos: coito anal, oral, toques, masturbação, beijos lascivos…).

Muito importante salientar que a prática que envolver o crime estupro, deve, necessariamente, ser praticada mediante as elementares da violência ou da grave ameaça, caso contrário o crime será outro de acordo com a análise do caso concreto.

Isto posto, passemos, agora, a analisar o homem como sujeito passivo do delito de estupro, ou seja, o homem figurando como vítima. Certamente é uma situação que se apresenta para muitos como uma novidade até absurda, pois, conforme veremos no decorrer deste esboço, não é!

Comecemos com um exemplo em que o homem pode figurar como sujeito passivo do crime pela ótica mais comum, pela conjunção carnal. Questionamentos podem surgir sobre como o homem poderá ter uma ereção se estiver sob violência ou uma grave ameaça.

Realmente a indagação é pertinente, porém, na maioria dos casos, o estupro em face do homem se dará de outra forma como veremos adiante e, por fidelidade à informação, vamos expor uma situação perfeitamente possível de ocorrer mediante a conjunção carnal. Tal situação é o caso de priapismo, que é uma ereção involuntária e persistente e que pode ocorrer, entre outras causas, devido à ingestão de certos antidepressivos ou fármacos.

Assim, uma mulher pode obrigar (mediante violência ou grave ameaça por diversas formas) um homem a ingerir um medicamento capaz de provocar uma ereção involuntária e, dessa forma, manter relações sexuais com ele satisfazendo a sua lascívia.

Entretanto, o objetivo deste escrito é chamar a atenção para outras formas de estupro contra o homem além da conjunção carnal propriamente dita. Como já observamos no art. 213 do CP, o estupro pode se configurar, também, por meio de “... praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, que são aqueles que já descrevemos acima (longe de esgotá-los).

Seguindo o estabelecido no dispositivo, podem ocorrer inúmeras outras situações em que o homem figurará como vítima do delito. Imaginemos a situação em que uma mulher ou um homem queira satisfazer sua lascívia introduzindo o seu dedo no ânus de um determinado homem e, para isso, ela (e) o coloca sob a mira de uma arma de fogo para que este ceda à sua “vontade”. Não existirá conjunção carnal, porém, estaremos diante de uma prática de um outro ato libidinoso (introdução do dedo no ânus) mediante uma grave ameaça e isso, sem nenhuma dúvida, caracteriza o crime de estupro.

Outra situação que pode ocorrer é a de um homem ou uma mulher, também portando uma arma de fogo, mandar um homem se despir e este começar a se masturbar com uma mão e com a outra penetrar seu próprio ânus com o dedo ou algum objeto proporcionando a ele (a) satisfação sexual, sob a grave ameaça de atirar nele se assim não “obedecer”. Neste exemplo o sujeito ativo, autor (a) do crime, nem encosta na vítima.

Um outro exemplo que podemos elencar, é a situação de uma mulher ou um homem amarrar a vítima (neste caso homem) na cama, também sob uma grave ameaça, e após amarrado o (a) autor (a) começar a passar sua língua em seu corpo satisfazendo, assim, a sua lascívia. Neste caso, além da grave ameaça estaremos diante da elementar da violência (física e psicológica) da pessoa estar amarrada, o que poderá, também, caracterizar um outro crime a depender da análise da situação.

Ainda que não tenhamos ciência de muitas ocorrências “conhecidas” de estupros contra o homem, é perfeitamente possível de ocorrer o crime em face dele. A única visão de estupro contra o homem que a grande maioria conhece (conhecia) eram os casos de estupradores violentados pelos próprios presos no sistema penitenciário, porém, até o ano de 2009 não existia o crime de estupro contra o homem e o que muitos achavam que era estupro, na verdade,era classificado como atentado violento ao pudor.

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Por fim, apenas com o objetivo de enriquecer o debate acerca do tema, trouxemos em um outro esboço (O crime de importunação sexual – Erro ou acerto do legislador?) a polêmica da discussão se a satisfação da lascívia deve ou não estar presente para a configuração do tipo em comento, pois a lei 13.718/19 trouxe importantes alterações que devem ser muito bem difundidas.

Sobre o autor
Denis Caramigo Ventura

Denis Caramigo Ventura: Advogado criminalista especialista em Crimes Sexuais; www.caramigoadvogados.com.br E-mail: [email protected] Facebook: Denis Caramigo Ventura Twitter: @deniscaramigo Instagram: @deniscaramigoventura

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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