Sobre a exigência de Procuração Pública para determinados atos notariais, negócios jurídicos diversos e demais atos da vida civil (a depender, conforme o caso, de quem figurará como outorgante no instrumento do mandato), temos as respostas no diploma civilista vigente e, no caso do Estado de São Paulo, em suas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em seu Tomo II. Assim, podemos analisar isoladamente as normativas, bem como cumulativamente (para o Estado de São Paulo).
Temos que três são os aspectos a serem considerados para a exigência da Procuração Pública: i) a forma do ato a que se destina a procuração; ii) a vontade “direta” da lei e iii) o aspecto subjetivo, isto é, quem será o outorgante do instrumento.
Em relação ao primeiro aspecto, invocamos a redação do artigo 657, do Código Civil, que diz: “A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito”. Aqui nada mais se quer afirmar do que o seguinte: deve-se exigir para a procuração a mesma forma do ato para a qual ela (a procuração) se destina. Se ato com forma pública, procuração pública. Se ato com forma particular, procuração particular ou pública, pois “quem pode “o mais”, pode “o menos””[1].
[1] Acerca da alienação de bens imóveis: “TJSP, Ap. Cível nº 4.268.434.800, 4ª Cam., relator Desembargador Francisco Loureiro, j. 05.03.2009 – Ementa: ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO – Permuta de estabelecimento comercial por imóveis – Cessão de quotas sociais – Réu não era proprietário do estabelecimento – Ausência de comprovação de poderes para alienar o imóvel em nome do proprietário – Mandato deve seguir a mesma forma exigida pela lei ao ato a que se destina – Artigos 108 e 657 do Código Civil, que consolidam entendimento existente”. Nessa mesma esteira de entendimento, segue ementa de acórdão do CSMSP, Apelação Cível 1011119-24.2017.8.26.0590: “Registro de Imóveis – escritura pública de compra e venda – procuração outorgada por instrumento particular – impossibilidade – mandato que deve ser outorgado pela forma exigida em lei para a prática do ato – hipótese de exceção não configurada – recurso não provido” (Relator: Geraldo Francisco Pinheiro Franco).
Ainda, quanto à forma do ato final (pois sabemos que a procuração é instrumento para a concretização de outro ato “fim”), há de se observar o item 130, Cap. XIV, das normas retromencionadas (NSCGJ-SP): “A procuração outorgada para a prática de atos em que exigível o instrumento público também deve revestir a forma pública”. Reforça, ainda, o mesmo conjunto normativo, em seu item 41, ao afirmar: “O Tabelião de Notas, antes da lavratura de quaisquer atos, deve: c) conferir as procurações para verificar se obedecem à forma exigida, se contêm poderes de representação para a prática do ato notarial e se as qualificações das partes coincidem com as do ato a ser lavrado, observando o devido sinal público e o prazo de validade da certidão, que não poderá exceder a 90 dias”.
São exemplos dessa exigibilidade, quanto ao primeiro aspecto apresentado: i) artigo 108, do Código Civil (negócios imobiliários acima de 30 (trinta) salários mínimos) e ii) procuração para a lavratura de separação, divórcio ou inventário extrajudicial (lei 11.441/2007). No que diz respeito à Inventário e Partilha extrajudiciais, o item 106, das NSCGJ-SP, é autoexplicativo: “Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais”.
Sobre o segundo aspecto, “a vontade “direta” da lei”, temos como exemplo a procuração para Celebração de Casamento (art. 1542, CC), que deve se revestir da forma pública. Vale lembrar que o mesmo não é exigido para a Habilitação, na qual pode haver a representação por instrumento particular (art. 1525, CC). Aliás, em relação ao Estado de São Paulo, vale lembrarmos o que dizem suas normas de serviço (NSCGJ-SP, Prov. 58/89), no Item 83, Cap. XVII: “Em caso de casamento por mandato, a procuração lavrada por instrumento público, com prazo não superior a 90 dias, deverá conter poderes especiais para receber alguém em casamento, o nome da pessoa com quem vai casar-se o mandante e o regime de bens a ser adotado. 83.1. Caso não seja mencionado o regime de casamento, vigorará, quanto aos bens, o regime da comunhão parcial, a não ser que seja apresentado pacto antenupcial a que tenha comparecido, pessoalmente, ou por seu procurador, o contratante representado. 83.2. A procuração para contrair casamento lavrada em país estrangeiro deverá ser legalizada pelo Consulado Brasileiro de onde foi expedida, traduzida por tradutor público juramentado, registrada junto ao Oficialde Registro de Títulos e Documentos, arquivando-se o original em língua estrangeira e a sua tradução”.
Quanto ao sujeito que figura como outorgante da Procuração (terceiro aspecto), apesar de ter também sua justificação na vontade da lei (como no segundo aspecto), a característica preponderante dessa classificação está na figura do sujeito que outorga poderes. É o caso do incapaz, deficiente visual, analfabeto ou impossibilitado de assinar (art. 654, CC)[2].
[2] “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AUTORA ANALFABETA. PROCURAÇÃO OUTORGADA POR INSTRUMENTO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. VÍCIO NÃO SANADO. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. A procuração outorgada por analfabeto deve ser formalizada por instrumento público, a teor dos arts. 215, § 2º, e 654 do Código Civil, sendo insubsistente o documento firmado com mera impressão digital do outorgante. Precedentes. 2. Se a autora, analfabeta, não regularizou sua representação processual no prazo assinado pelo Relator, o recurso não deve ser conhecido, nos termos do artigo 76, § 2º, I, do Novo CPC” (TJ-MG - AC: 10521160114331001 MG, Relator: Marcos Lincoln, Data de Julgamento: 01/07/0019, Data de Publicação: 08/07/2019).
A propósito, há que se dizer que a disposição do artigo 654, do Código Civil (“Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura das partes”), não anula ou contradiz o que nos diz o artigo 657 (CC), antes corrobora. Isso porque, apesar de não trazer a melhor redação, o texto não afirma que todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração particular em toda e qualquer situação, em detrimento dos pormenores já levantados aqui. A melhor interpretação do artigo 654 põe o foco na capacidade, dizendo, em outras palavras, que, aquele que não for capaz, não estará apto para outorgar procuração por instrumento particular. Oportunamente, trazemos mais uma vez texto das Normas de Serviço de São Paulo, e lembramos o que diz Item 34, Cap. XIII, NSCGJ-SP: “Se alguém não puder ou não souber assinar, uma pessoa capaz e a seu rogo o fará, devendo os notários e registradores declarar essa ocorrência no ato”. 34.1. “As impressões digitais serão colhida mediante emprego de coletores de impressões digitais, vedada a utilização de carimbo”.
De acordo com o exposto, apesar de correntes contrárias, fica clara a exigibilidade de procuração pública nos casos anteriormente narrados, devendo o profissional do direito atentar-se a essa formalidade.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Lei nº 10406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília: [s. n.], 11 jan. 2002.
SÃO PAULO. Provimento nº 58/89, de 28 de novembro de 1989. Cartórios Extrajudiciais. Normas de Serviço: Corregedoria Geral da Justiça, São Paulo: [s. n.], 1989.
Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. Coordenador Cezar Peluso – 10. ed. rev. e atual.- Barueri, SP: Manole, 2016.