O BANIMENTO

09/09/2019 às 14:17
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O ARTIGO DESCREVE O BANIMENTO SOBRE O ASPECTO JURÍDICO, ENFOCANDO MOMENTO DA HISTÓRIA DO BRASIL, HÁ CINQUENTA ANOS.

O BANIMENTO

Rogério Tadeu Romano

Em resposta ao sequestro do embaixador norte-americano Elbrick, a junta militar constituída no Brasil, diante do impedimento por doença do presidente Costa e Silva, editou, em setembro de 1969, o Ato Complementar nº 64, determinando o banimento de quinze pessoas que foram levados ao México como exigência dos sequestradores daquele diplomata.

O banimento ou desterro é uma medida compulsória pela qual um cidadão perde direito à nacionalidade de um país, passando a ser um apátrida (a não ser que previamente possua dupla-cidadania de outro país). O banimento é usado como método de repressão política.

Entre os gregos, era costume condenar ao banimento alguém que tivesse cometido algum crime contra os interesses gerais da sociedade embora, em geral, se referisse aos casos de homicídios. O papel do Estado era o de simples executor da lei.

Essa medida mencionada, no histórico da repressão política que se fez naquele período, acarretou não só na proibição de retorno ao país, o que gera a perda da nacionalidade desses militantes, mas também criou mais uma modalidade de exilados brasileiros no exterior. Inicia-se, a partir de então, uma nova fase de vida na história particular de cada um dos trocados, fase esta marcada pela ruptura com a vida pretérita: planos, projetos e identidade foram reconfigurados e totalmente revistos no exterior, especialmente pelo caráter da perda da nacionalidade, que transforma e altera quaisquer referências de origem e lugar.

Todos aqueles que se mantinham sob a imposição do AI-13 (ato institucional que determinava o banimento) estavam proibidos perpetuamente de entrar no território nacional.

Determinava-se no artigo 1º do Ato Institucional nº 13:

Art. 1º - O Poder Executivo poderá, mediante proposta dos Ministros de Estado da Justiça, da Marinha de Guerra, do Exército ou da Aeronáutica Militar, banir do território nacional o brasileiro que, comprovadamente, se tornar inconveniente, nocivo ou perigoso à segurança nacional.

       Parágrafo único - Enquanto perdurar o banimento, ficam suspensos o processo ou a execução da pena a que, porventura, esteja respondendo ou condenado o banido, assim como a prescrição da ação ou da condenação.

Em razão disso foi baixo o Ato Complementar nº 64:

Art. 1º São banidos do Território Nacional os seguintes brasileiros: Argonauta Pacheco da Silva; Flávio Aristides de Freitas Tavares; Gregório Bezerra; Ivens Marchetti de Monte Lima; João Leonardo da Silva Rocha; José Dirceu de Oliveira e Silva; José Ibraim; Luiz Travassos; Maria Augusta Ribeiro Carneiro; Mário Roberto Galgardo Zanconato; Onofre Pinto; Ricardo Villas Boas Sá Rego; Ricardo Zarattini; Rolando Prattes e Wladimir Gracindo Palmeira.

     Art. 2º O Ministério da Aeronáutica Militar providenciará, imediatamente, a saída do território brasileiro das pessoas mencionadas no artigo anterior.

     Art. 3º O presente Ato Complementar entra em vigor nesta data revogadas as disposições em contrário.

Observe-se, aqui, que a medida foi decretada após o fato, ferindo o conceito de devido processo legal.

O Ato Institucional mencionado, assim como os de nºs 12 a 17, de agosto a outubro de 1969, foram editados pelos ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, em nome do presidente da República, Marechal Arthur da Costa e Silva, impedido por motivo de doença. Esses atos perderam significação em face da Constituição editada pela referida Junta, Constituição outorgada, sob a forma de Emenda Constitucional nº 1, datada de 17 de outubro de 1969, que incorporou ao seu texto alguns artigos dos mencionados Atos.

 O banimento se soma a outras medidas tomadas pelo regime militar no combate que chamou de subversão.

O Estado brasileiro patrocinou uma repressão ao mesmo tempo legal formalmente e ilegal, em sua natureza, baseada em censura, vigilância, tortura sistemática, prisões ilegais e desaparecimentos.

Essa medida se soma a outras sob o disfarce da legalidade, no abuso contra os direitos humanos.

Deve-se ver o banimento adotado pelo regime militar como uma reação na guerra interna travada entre a direita conservadora e a esquerda, apoiada em Cuba e na URSS, de linha marxista.
Assim o banimento como pena surgiu como reação dentro do endurecimento do regime que se seguiu ao AI-5.

A partir de 1988, com a Constituição-cidadã, não se pode expulsar o nacional do seu país de origem, negando-lhe a convivência com os seus concidadãos.

Ficou proibida, no Estado Democrático de Direito do Brasil, a instituição do banimento, porque brasileiros e estrangeiros têm o direito de locomoção. Qualquer receio a esse direito de ir e vir, ficar, parar, seguir, etc, enseja o uso do habeas corpus.

Dir-se-á que a vedação do banimento é abrangente, englobando o degredo e o desterro, outrora expressos na legislação penal brasileira, como se lê do Código Penal de 1890, artigos 50 e 51.
No Brasil, a primeira sentença de degredo, foi lavrada em abril de 1792, por conta da “conjuração mineira”. Eles haviam sido condenados à pena de morte, que foi comutada em degredo perpétuo, exceto para Tiradentes, que viria a ser executado.

Depois, na história do Brasil, registrou-se o exílio forçado do Imperador Dom Pedro II, que com sua família imperial foi banido para a Europa. Em 1930, após a Revolução, Washington Luís foi outro caso histórico.

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No Brasil, na bibliografia existente, há excelente trabalho de Poleti, Notas sobre o banimento e seus efeitos, Arquivos do Ministério da Justiça, 137 – 90 – 1.

Trago à colação a obra “Banimento em sua forma Extra-constitucional e cultura jurídica no Brasil, Ricardo Sontag e outros, quando se diz:

“Na historiografia que se ocupou da repressão política na ditadura militar, a referência aos banidos é uma passagem quase obrigatória , mas raramente a dimensão jurídica mereceu atenção privilegiada. O trabalho de Juliana Ramos Luiz (2011) procurou dar alguns passos nessa direção ao sublinhar as diferenças entre o instituto jurídico do banimento e outros similares, bem como entre a condição jurídica do banido e a de outros exilados. A pesquisa do historiador do direito Arno Dal Ri Júnior (2006, p. 289; 2011, p. 364-365) sobre segurança nacional e regimes de exceção no Brasil entre 1935 e 1985 também mencionou o banimento como parte do regime sancionatório excepcional erigido para a repressão do dissenso político baseado na expansiva noção de “segurança nacional”. Nesses trabalhos, a dimensão jurídica é devidamente valorizada, porém, vários aspectos ainda pendem de um maior aprofundamento no que diz respeito, por exemplo, às fontes jurídicas relativas especificamente ao banimento.”

O art. 72, § 20 da Constituição de 1891 dizia: “fica abolida a pena de galés e a pena de banimento judicial” . Todo o problema estava justamente no adjetivo judicial, pois a família imperial destronada tinha sido banida por decreto - e não por sentença judicial - em dezembro de 1889 (decreto n. 78-A).

Ruy Barbosa, um dos redatores do decreto de banimento de 1889, chegou a afirmar, exatamente, que o adjetivo judicial pretendia limitar a incidência da proibição constitucional, mantendo intacto o banimento de natureza política do decreto n. 78-A de 1884. A breve Constituição de 1934, promulgada depois da ascensão ao poder de Getúlio Vargas através da “revolução” de 1930, alterou a redação do artigo relativo ao banimento: “[n]ão haverá pena de banimento, morte, confisco ou de caráter perpétuo, ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar, em tempo de guerra com país estrangeiro” (art. 113, §29). Já não havia mais o adjetivo “judicial” e a exceção da guerra não se aplicava ao banimento.

Pontes de Miranda (1947, p. 417-418), em sua obra “Comentários à Constituição”, faz uma observação interessante comparando o banimento com a pena de morte (ao discorrer sobre esta nas Constituições de 1891 e 1934), prevista pela Constituição de 1946 em caso de guerra externa: ele aponta que a pena de morte era permitida, enquanto o banimento, que seria menos gravoso não o era: “podia-se o mais, não se podia o menos”.

Carlos Maximiliano (1948, p. 165), em seu “Comentários à Constituição”, enfatiza que se tratava da proibição do banimento ‘judicial’: O banimento que se proíbe, é o clássico: o decretado por veredictum judicial e consistente em obrigar o condenado a sair do país. Não se confunde com o desterro político, admitido em estado de sítio ou de guerra, para algum ponto do território nacional, nem com a residência obrigatória, tão usada pelos Romanos antigos e adotada pelo fascismo italiano. Ao fazer a distinção entre o desterro político e o banimento, que seria o decretado por decisão judicial, o autor pontua a admissibilidade do primeiro em estado de sítio ou de guerra.

Ayres Britto, em seu artigo “O problema da vigência dos Atos Complementares posteriores à edição do AI-5” publicado em 1977, defende que, no Brasil da época, existiam, na verdade, dois ordenamentos jurídicos: o primeiro com base na Constituição de 1967 e o outro derivado do AI-5. Para ele, este último teria existência passageira, justificada pela “grave instabilidade política, em que os novos depositários do poder constituinte se empenham por institucionalizar o ideário do movimento vitorioso” (BRITTO, 1977, p. 3). Dessa forma, elas não compõem uma unidade. É preciso ressaltar, ainda, que, com a instituição do AI-5, a Constituição passou a ter sua vigência condicionada ao primeiro, uma vez que por ele é limitada (condição que se inverte com o advento da emenda constitucional nº 1 de 1969, por sua vigência ficar subordinada a esta).

O certo é que o banimento, como surgido sobre o governo militar foi uma reação ao momento das esquerdas, na luta pelo poder e assim deve ser visto, fora dos limites do devido processo legal, tal como deve ser estudado.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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