1. INTRODUÇÃO
Anterior à fase processual penal, na qual o Estado possui o direito de punir o infrator da lei - jus puniendi -, há o procedimento conhecido como “inquérito policial”. Este, assim, antecede o processo penal e consiste na fase investigativa, sendo o primeiro estágio da persecução penal – o segundo estágio é o do processo penal em si.
O inquérito policial, portanto, consiste no procedimento de investigação preliminar com vistas a atribuir ao Estado o direito de punir todo aquele que comete uma conduta típica, de forma que seja garantida, à coletividade, a segurança, e que seja restabelecido o equilíbrio social. Simplificando, o inquérito consiste no conjunto de diligências realizadas para investigar a prática de um crime.
O inquérito também pode ser extrapolicial, quando instaurado por autoridade não policial, mas mesmo assim possui caráter investigativo. Tanto o inquérito policial como o extrapolicial possuem natureza administrativa e são preparatórios para a ação penal.
O inquérito é informativo, sigiloso, inquisitivo, dispensável, escrito e indisponível. Significa que a autoridade que possui atribuição para realizá-lo deve informar sobre tudo aquilo que for apurado no inquérito, de forma que, na fase judicial, este seja refeito para fins de comprovação das provas em Juízo.
Além disso, o inquérito é sigiloso, ou seja, não é público, justamente para garantir o êxito das investigações. Tal característica remete ao seu aspecto inquisitivo. Este também é evidente pelo fato de não haver, neste procedimento, qualquer possibilidade de exercício do contraditório ou da ampla defesa por parte do investigado.
O inquérito, ainda, é dispensável. Significa que ele não é imprescindível para a propositura da ação penal. Se o membro do Ministério Público constatar evidentes os indícios de autoria e de materialidade do crime, poderá oferecer denúncia sem que tenha havido, previamente, inquérito.
A investigação deve ser documentada e todos os seus atos devem ser registrados, daí sua característica escrita. Por fim, é indisponível: a autoridade responsável não possui discricionariedade para se eximir de realizá-lo. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Penal, a autoridade não poderá arquivá-lo, pois havendo a notitia criminis – a notícia do crime -, aquela é obrigada a realizar o inquérito.
Após este breve apanhado sobre o conceito, as espécies e as características do inquérito, entrar-se-á no cerne deste trabalho: serão estudados os órgãos oficiais de investigação. Ou seja, serão analisadas as autoridades policiais e extrapoliciais que possuem, como uma de suas atribuições, a função investigativa.
2. AS ESPÉCIES DE POLÍCIA E O INQUÉRITO POLICIAL
Pode-se afirmar que a Polícia possui três espécies: há a Polícia Administrativa, a Polícia de Segurança e a Polícia Judiciária.
A Polícia Administrativa é exercida por diversos órgãos da Administração Pública e possui, em síntese, caráter fiscalizatório. Além disso, incide sobre bens, direitos e atividades, encerrando-se no âmbito da função administrativa. A Polícia Administrativa, assim, atua com a finalidade de permitir a atividade administrativa e seu exerce função repressiva. É o caso, por exemplo, das atribuições da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), órgão da Administração Pública que possui a função de fiscalizar o tráfego, autuando e aplicando as medidas cabíveis para os infratores das normas de trânsito. Outros exemplos de Polícia Administrativa são: a Polícia de Caça, florestal e de pesca, a Polícia de Medicamentos e a Polícia Sanitária, entre outras.
A Polícia de Segurança, por sua vez, é exercida pela Polícia Militar dos estados e pelas Guardas Municipais e possui caráter tanto preventivo como repressivo das infrações penais, mas não investigativo. Um exemplo é o policiamento ostensivo realizado pela Polícia Militar: ao mesmo tempo em que possui o objetivo de prevenir a ocorrência futura de crimes, também visa à repressão imediata de infrações penais que eventualmente ocorram.
Por fim, a Polícia Judiciária possui como objeto a proteção à pessoa, na medida em que exerce funções de caráter investigativo ao apurar as infrações penais. Assim, a Polícia Judiciária possui a função de, ao apurar tais infrações, obter provas que viabilizem a atuação jurisdicional do Estado de punir o transgressor da norma. É com a notícia do crime que se inicia o inquérito policial, realizado pela Polícia Judiciária com a persecução penal do investigado, com a finalidade de produzir provas que viabilizem o jus puniendi, o direito de punir do Estado.
Desta forma, constata-se que, ao passo que as Polícias Administrativa e de Segurança possuem, respectivamente, exercícios de caráter fiscalizatório, e preventivo e repressivo, a Polícia Judiciária, por sua vez, exerce funções de caráter investigativo. Por esse motivo, tratar-se-á, de forma aprofundada, desta última, pois é, das três Polícias, a que compreende alguns dos órgãos oficiais de investigação.
2.1. A POLÍCIA JUDICIÁRIA: OS ÓRGÃOS OFICIAIS DE INVESTIGAÇÃO
O Código de Processo Penal, em seu artigo 4º, estabelece que a Polícia Judiciária é exercida pelas autoridades policiais:
Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995)
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
As autoridades policiais mencionadas no referido artigo compõem a Polícia Civil e pela Polícia Federal. Ou seja, a Polícia Judiciária é constituída pelas Polícias Civil e Federal. Estas, assim, são órgãos oficiais de investigação, responsáveis por apurar as autorias de infrações penais e a materialidade de cada uma delas.
O artigo 144 da Constituição Federal estabelece:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:" (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
(...)
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Como se depreende da norma supratranscrita, o constituinte estabeleceu as funções da Polícia Federal nos incisos do parágrafo 1º, ao passo que estipulou as da Polícia Civil no parágrafo 4º.
A principal diferença entre ambas consiste no fato de que a Polícia Federal atua no âmbito da União com exclusividade, instaurando e presidindo inquéritos, enquanto a Polícia Civil atua no âmbito dos estados da Federação, ressalvada a competência da União. As investigações militares, exceção tratada no parágrafo 4º do referido artigo 144, são presididas pela Polícia Judiciária Militar, órgão que será tratado posteriormente no tópico 2.1.3.
Primeiramente, tratar-se-á da Polícia Federal e, em seguida, da Polícia Civil.
2.1.1. POLÍCIA FEDERAL
2.1.1.1. BREVE HISTÓRICO
Em 10 de maio de 1808, D. João VI criou a Intendência-Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, que serviu de base para a criação, futuramente, da Polícia Federal. Quem a comandava era o Intendente-Geral de Polícia da Corte, Desembargador e Ouvidor Paulo Fernandes Viana.
Com o Decreto-Lei nº 6.378, a antiga Polícia Civil do Distrito Federal, que funcionava, na época, na cidade do Rio de Janeiro, capital da República, foi transformada em Departamento Federal de Segurança Pública - DFSP, subordinado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores.
Em 1961, com Brasília sendo a nova capital da Federação, todos os órgãos dos poderes da República foram transferidos para lá, inclusive o DFSP. Em 1964, com o golpe militar, prosperou a ideia de segurança pública em nível nacional. Com isto, a Lei nº 4.483/1964 atribuiu ao DFSP funções a serem exercidas no âmbito da União. Posteriormente, em 21 de julho de 1977 foi inaugurado o atual Edifício Sede do Departamento da Polícia Federal, em Brasília.
2.1.1.2. ATUAÇÃO
Dada as diferenças de competência territorial entre a Polícia Civil, no âmbito dos estados, e a Polícia Federal, no âmbito da União, vale ressaltar que ambos os institutos obedecem o disposto no artigo 1º do Código de Processo Penal:
Art. 1º. O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados:
I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional;
II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, § 2o, e 100);
III - os processos da competência da Justiça Militar;
IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, no 17);
V - os processos por crimes de imprensa.
Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos nos. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso.
Entretanto, para definir essa competência, é necessário entender também a competência material, que se encontra presente no texto da Carta Magna brasileira. Neste contexto, a competência material da Polícia Federal, indicada no inciso I do artigo 144 supratranscrito, está expressa no parágrafo 1º e incisos do mesmo dispositivo. A função investigativa está disposta de forma clara no inciso IV, que atribui exclusividade à Polícia Federal de exercer a função de Polícia Judiciária no âmbito da União.
A partir disto, percebe-se a competência da Polícia Federal como exclusiva no exercício de Polícia Judiciária referente à União, estabelecendo também a competência territorial que deva ser exercida por tal instituto. Neste contexto, saber a competência material contribui para a conseqüente orientação da processual, visto que o inquérito policial é um instrumento preparatório que visa à elaboração do processo. Por exemplo, ao identificar que suposto crime está atrelado à competência da Justiça Federal, conforme expresso no artigo 109 da Constituição Federal, o órgão competente de investigação será a Polícia Federal.
A Polícia Federal é dirigida pelos Delegados de Polícia Federal e está presente em todos os estados da Federação. Porém, em última instância, quem a comanda é o Ministro da Justiça, nomeado pelo Presidente da República.
O referido instituto possui viaturas caracterizadas com adesivos e giroscópio, mas estas apenas são utilizadas em operações policiais. Durante a fase do inquérito policial, para que se obtenha êxito nas investigações, são utilizados veículos sem identificação alguma.
2.1.2. POLÍCIA CIVIL
2.1.2.1. BREVE HISTÓRICO
O primeiro órgão genuinamente policial criado no Brasil foi a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, fundada em 1808. A PCERJ, inclusive, serviu de base para a criação da Polícia Federal futuramente.
No âmbito do Estado de São Paulo, a Polícia Civil surgiu em 1841 atrelada à Secretaria dos Negócios da Justiça. Com a Lei nº 261, que modificou o Código de Processo Criminal, foi criado o cargo de Delegado de Polícia. Posteriormente, com a Lei nº 979, de 1905, foi criada a Polícia Civil de Carreira do Estado de São Paulo, reestruturando a Polícia paulista ao criar seis classes de Delegados de Carreira e vários distritos policiais.
Em 1969, com o Decreto nº 52.213, a Escola de Polícia passou a ser denominada de Academia de Polícia. Em 27 de maio de 1970, a Academia foi transferida da Rua São Joaquim para um prédio na Cidade Universitária. Atualmente, a Academia realiza concursos públicos para ingresso na carreira policial, além de abrigar o Museu do Crime.
A partir da década de 1970, vários atos normativos criaram novos Departamentos na Polícia Civil do Estado de São Paulo, como o Departamento de Polícia Científica, Departamento de Administração e Planejamento e o Departamento de Investigações Sobre o Crime Organizado.
2.1.2.2. ATUAÇÃO
Como já abordado anteriormente, cabe à Polícia Civil atuar nas infrações penais que sejam de competência da Justiça Estadual. Pelo fato de a atividade investigativa da Polícia Civil se restringir aos estados, sua organização e manutenção cabe a cada um destes. Há a importante ressalva de que o Distrito Federal tem sua Polícia Civil organizada pela União, em virtude do que dispõe o artigo 21, inciso XIV, da Constituição Federal:
Art. 21. Compete à União:
(...)
XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;
(...)
O parágrafo 4º do artigo 144 da Carta Federal, transcrito no item 2.1., estabelece expressamente a necessidade de que as Polícias Civis sejam dirigidas por delegados de polícia de carreira, isto é, concursados. Estes são comandados por Delegados Gerais. A exigência de delegados aprovados em concurso público evita a nomeação, por parte do Governador, de pessoas que não estejam inseridas nos quadros da instituição.
A notícia do crime, que enseja a investigação pela Polícia Civil, muitas vezes se dá no momento do registro do Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia. Em seguida, com a emissão de Portaria, são determinadas as diligências do inquérito e este é instaurado. A investigação é no que consiste o inquérito policial e, quando concluída, seus autos são encaminhados para o Ministério Público, que futuramente irá propor a denúncia, iniciando a fase processual.
2.1.2.3. POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apenas a título exemplificativo, tratar-se-á da estrutura da Polícia Civil no Estado de São Paulo.
A Polícia Civil do Estado é formada pela Academia de Polícia (ACADEPOL), Assistência Policial Civil (APC), Corregedoria Geral, Conselho da Polícia Civil (CPC), Departamento de Administração e Planejamento (DAP), Departamento de Capturas e Delegacias Especializadas (DECADE), Departamento de Polícia Judiciária da Capital (DECAP), Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), Departamentos de Polícia Judiciária do Interior de São Paulo (DEINTER), Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo (DEMACRO), Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (DENARC), Delegacia Geral de Polícia Adjunta (DGPAD), Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), Departamento de Inteligência da Polícia Civil (DIPOL), Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC) e Gabinete do Delegado Geral (GDG). No entanto, serão tratados apenas os órgãos relacionados à investigação.
O DECAP - Departamento de Polícia Judiciária da Capital tem por atribuição a investigação criminal e a elaboração de diligências da Polícia Judiciária relativos a delitos ocorridos no âmbito da Capital, excetuando-se os de cunho militar e os de âmbito da União.
O DEIC - Departamento Estadual de Investigações Criminais tem por atribuição a investigação de crimes de autoria conhecida e desconhecida praticados contra o Patrimônio, a Propriedade Imaterial, a Fé Pública e os cometidos em meio eletrônico. Além disso, executa operações estratégicas de repressão ao crime organizado.
O DENARC - Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico executa ações de prevenção, investigação e repressão da produção não autorizada de drogas e do tráfico ilícito no âmbito da Capital.
O DHPP - Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa, no que concerne à função investigativa, tem como atribuição apurar a autoria de crimes contra pessoas deconhecidas, crimes de intolerância esportiva e crimes contra a vida da criança e do adolescente e crimes contra a dignidade sexual de vulneráveis.
Por fim, o DIPOL - Departamento de Inteligência da Polícia Civil auxilia investigações de crimes de lavagem de dinheiro no que concerne à produção de provas. O DIPOL realiza, por exemplo, a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico com a finalidade de obtenção de provas.
2.1.3. POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR
A apuração e a investigação de crimes cometidos por militares no exercício de suas funções são tratadas na exceção disposta no artigo 144, parágrafo 4º, da Constituição Federal, transcrito anteriormente. O artigo 8º do Código de Processo Penal Militar trata da competência investigativa da Polícia Judiciária Militar. Merecem atenção especial a alínea “a”, que versa sobre a competência para apurar a autoria e a materialidade do crime, e a alínea “b”, que alude ao caráter colaborativo da investigação para a atuação jurisdicional do Estado:
Art. 8º Compete à Polícia judiciária militar:
a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;
b) prestar aos órgãos e juízes da Justiça Militar e aos membros do Ministério Público as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que por eles lhe forem requisitadas;
c) cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar;
d) representar a autoridades judiciárias militares acerca da prisão preventiva e da insanidade mental do indiciado;
e) cumprir as determinações da Justiça Militar relativas aos presos sob sua guarda e responsabilidade, bem como as demais prescrições deste Código, nesse sentido;
f) solicitar das autoridades civis as informações e medidas que julgar úteis à elucidação das infrações penais, que esteja a seu cargo;
g) requisitar da polícia civil e das repartições técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao complemento e subsídio de inquérito policial militar;
h) atender, com observância dos regulamentos militares, a pedido de apresentação de militar ou funcionário de repartição militar à autoridade civil competente, desde que legal e fundamentado o pedido.
O artigo 7º do mesmo Código elenca as autoridades que exercem a função de Polícia Judiciária Militar. São elas:
Art. 7º A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas jurisdições:
a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo o território nacional e fora dele, em relação às forças e órgãos que constituem seus Ministérios, bem como a militares que, neste caráter, desempenhem missão oficial, permanente ou transitória, em país estrangeiro;
b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição;
c) pelos chefes de Estado-Maior e pelo secretário-geral da Marinha, nos órgãos, forças e unidades que lhes são subordinados;
d) pelos comandantes de Exército e pelo comandante-chefe da Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito da respectiva ação de comando;
e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios;
f) pelo secretário do Ministério do Exército e pelo chefe de Gabinete do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são subordinados;
g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;
h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios;
(...)
O artigo 9º, do Código de Processo Penal Militar, dispõe sobre no que consiste o Inquérito Policial Militar: apurar sumariamente o crime militar, de forma provisória, com a finalidade de obter os elementos que viabilizem a propositura da ação penal (BRASIL, 1969).
O Inquérito Policial Militar é instaurado mediante Portaria emitida pelo Encarregado, que deverá deixar de realizá-lo quando suspeito ou impedido. Conforme prescreve o artigo 15 do CPPM, o Encarregado, sempre que possível, deverá ser um oficial de posto não inferior ao de capitão ou capitão-tenente.
É possível, ainda, que tal competência seja delegada a outro militar, nos moldes dos parágrafos do artigo 8º do CPPM.
O Escrivão realiza a Conclusão do inquérito e, em seguida, o Encarregado realiza o Despacho. Posteriormente, há a juntada aos autos das provas obtidas através de perícia, além dos depoimentos. Após a fase de investigação, há a execução das diligências, culminando na prisão do indiciado.
Vale ressaltar que o artigo 48 do referido Código estipula que as provas a serem obtidas no inquérito policial militar devem ser produzidas por perito idôneo, além de obedecerem as formalidades legais.
Em um julgado do Tribunal Militar do Estado de São Paulo, é possível identificar claramente o caráter tanto investigativo do Inquérito Policial Militar como preliminar e antecedente à atuação jurisdicional do Estado:
POLICIAL MILITAR – CORREIÇÃO PARCIAL APRESENTADA PELO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA MILITAR CONTRA DECISÃO DO JUÍZO DE ARQUIVAR INQUÉRITO POLICIAL MILITAR – EXAME EFETUADO PELA JUSTIÇA MILITAR QUE RECONHECEU INEXISTIR CRIME MILITAR DOLOSO COMETIDO CONTRA A VIDA DE CIVIL – ARQUIVAMENTO MANTIDO POR MAIORIA DE VOTOS.
Discussão acerca da possibilidade do arquivamento de inquérito policial militar que apura a existência de crime militar doloso contra a vida de civis praticado por policiais militares. Competência da Justiça Militar para análise prévia do cometimento de crime apurado pela polícia judiciária militar. Legislação que prevê o encaminhamento dos autos ao Tribunal do Júri apenas quando do reconhecimento da existência de crime. (RELATOR: JUIZ FERNANDO PEREIRA. DATA DO JULGAMENTO: 01/06/2016)
3. A INVESTIGAÇÃO DE MEMBROS DA MAGISTRATURA
Com relação aos crimes praticados por Juízes de Direito ou por Juízes Federais, ou seja, por Magistrados de Primeira Instância, a investigação será presidida pelo Juiz Presidente do Tribunal e o processo e julgamento caberá ao Tribunal de Justiça competente, conforme determina o artigo 33, em seu parágrafo único, da Lei Complementar nº 35/1979 - Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Tal dispositivo estipula:
Art. 33 - São prerrogativas do magistrado:
(...)
Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.
No âmbito do Estado de São Paulo, a Constuição Estadual determina, em seu artigo 74, inciso II, a competência originária do Tribunal de Justiça para julgar Magistrados que cometerem infrações penais:
Artigo 74 - Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar originariamente:
(...)
II - nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os juízes do Tribunal de Justiça Militar, os juízes de Direito e os juízes de Direito do juízo militar, os membros do Ministério Público, exceto o Procurador-Geral de Justiça, o Delegado Geral da Polícia Civil e o Comandante-Geral da Polícia Militar.
(...)
A Constituição Federal, em seu artigo 108, atribui competência aos Tribunais Regionais Federais de julgamento de Magistrados que cometerem crimes comuns e de responsabilidade:
Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
(...)
Já os Desembargadores serão julgados e processados pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme determina o artigo 105, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.
(...)
Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, serão julgados e processados pelo Supremo Tribunal Federal, conforme prescreve o artigo 102, inciso I, alínea "c", da Constituição Federal:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.
(...)
Vale lembrar que a investigação de membro do Ministério Público será presidida pelo Procurador-Geral de Justiça, em caso de infração penal cometida por Promotor de Justiça, e será presidida pelo Procurador-Geral da República, em caso de infração penal cometida por Procurador da República.
4. A INVESTIGAÇÃO DE PARLAMENTARES: SENADORES E DEPUTADOS FEDERAIS
4.1. INTRODUÇÃO
O inquérito de parlamentar é a fase pré-processual que se faz necessária para investigar conduta típica penal de congressistas e membros do Parlamento Brasileiro, sob controle judicial do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal. As diligências da investigação do inquérito são exercidas pela Polícia Judiciária, devendo o delegado encarregado do inquérito, com acompanhamento da Procuradoria-Geral da República, submeter os autos para o STF. A partir daí, o Ministro encarregado de acompanhar o caso deverá determinar que a Polícia Federal realize as investigações.
4.2. DA PRERROGATIVA DE FORO
Os parlamentares são autoridades com prerrogativa de foro especial; ou seja, a competência originária para analisar e estabelecer qualquer tipo de investigação criminal e posteriormente, se for o caso, processo penal contra parlamentares, é do Supremo Tribunal Federal, com auxílio e fiscalização do Ministério Público Federal e da Procuradoria-Geral da República. Isso não siginifica que os autos não possam ser enviados para a Polícia Judiciária investigar, sempre com supervisão, e estabelecer o necessário para a abertura do processo em si.
4.3. DA INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO
A Polícia Federal foi definida pela própria Constituição, em seu artigo 144, como o órgão competente para exercer a função de Polícia Judiciária no que concerne aos interesses da União, sendo aquela responsável pela coleta de documentos, provas e laudos periciais. Não há na Constituição artigo que verse expressamente sobre a instauração de inquérito sobre autoridades com prerrogativa de foro, mas fica implícito ao analisar as competências para julgar parlamentares que, sob controle juridicional direto do Supremo Tribunal Federal, a Polícia Judiciária possa conduzir as investigações.
4.4. JURISPRUDÊNCIA
O Supremo Tribunal Federal, no Inquérito nº 1.504/DF, reconheceu a possibilidade de inquérito policial e investigação pela Polícia Judiciária de um senador. Seu entendimento é o de que a imunidade parlamentar concedida pela Constituição somente tem validade após a ação penal ser convalidada em juízo:
Imunidade parlamentar em sentido formal (CF, art. 53, § 1o, in fine). Garantia inaplicável ao Inquérito Policial. Precedente (STF) e doutrina.
O membro do Congresso Nacional - Deputado Federal ou Senador da República - pode ser submetido a investigação penal, mediante instauração de Inquérito Policial perante o Supremo Tribunal Federal, independentemente de prévia licença da respectiva Casa Legislativa.
A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido formal somente tem incidência em juízo, depois de oferecida a acusação penal [...]
Com efeito, a garantia da imunidade parlamentar em sentido formal não impede a instauração de inquérito policial contra membro do Poder Legislativo. Desse modo, o parlamentar - independentemente de qualquer licença congressional - pode ser submetido a atos de investigação criminal promovidos pela Polícia Judiciária, desde que tais medidas pré-processuais de persecução penal sejam adotadas no âmbito de procedimento investigatório em curso perante órgão judiciário competente: o Supremo Tribunal Federal, no caso de qualquer dos investigados ser congressista (CF, art. 102, I, "b") [..] (RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO. DATA DO JULGAMENTO: 17/06/1999)
O Superior Tribunal de Justiça acompanhou o Supremo Tribunal Federal:
PROCESSUAL PENAL - NOTÍCIA CRIME - INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL - INADMISSIBILIDADE - CPP, ART. 5º, II - PRECEDENTE DO STF (AGPET 2805-DF).
- Consoante recente entendimento esposado pelo STF, não é admissível o oferecimento de notícia-crime à autoridade judicial visando à instauração de inquérito policial.
- O art. 5º, II, do CPP confere ao Ministério Público o poder de requisitar diretamente ao delegado de polícia a instauração de inquérito policial com o fim de apurar supostos delitos de ação penal pública, ainda que se trate de crime atribuído à autoridade pública com foro privilegiado por prerrogativa de função.
- Não existe diploma legal que condicione a expedição do ofício requisitório pelo Ministério Público à prévia autorização do Tribunal competente para julgar a autoridade a ser investigada.
- É vedado, no direito brasileiro, o anonimato (art. 5º, IV, da CF/88). Agravo Regimental improvido" (AgRg na NC 317/PE, Agravo Regimental na Notícia-Crime 2003/0071820-2, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especial, DJ 23.05.2005,p.118).
Diante do exposto, extrai-se que, apesar de não haver lei formal que discorra sobre o assunto, de acordo com a doutrina e a jurisprudência o inquérito policial de autoridades parlamentares pode ser realizado pela Polícia Judiciária sem prévia autorização do Poder Legislativo e deve ser feito sob fiscalização do STF, com acompanhamento da Procuradoria-Geral da República. O argumento usado é o de que, no sistema acusatório, é fundamental a imparcialidade do juiz, o que seria colocado em risco se os magistrados tivessem que investigar, mesmo que fossem crimes cometidos por parlamentares.
5. CONCLUSÃO
O inquérito policial deve ser realizado pela Polícia Judiciária, composta pela Polícia Civil dos Estados e pela Polícia Federal, cada qual com suas atribuições. Há, ainda, a investigação de crimes militares, a ser feita pela Polícia Judiciária Militar e que, se confirmados os indícios de autoria e de materialidade, viabiliza seu julgamento perante a Justiça Militar.
Foi exposto, ainda, entendimento jurisprudencial acerca de investigações sobre condutas praticadas por parlamentares do Poder Legislativo federal e por magistrados.
Ao final, conclui-se que o inquérito policial, procedimento administrativo destinado a investigar indícios de autoria e materialidade de uma infração penal, é de suma importância por viabilizar a propositura da ação penal, evidenciando o sistema acusatório de persecução penal, vigente no direito processual penal brasileiro.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 14 out. 2016.
______. Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp35.htm. Acesso em: 14 out. 2016.
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