O PROBLEMA DA DISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES DO PETRÓLEO NO PACTO FEDERATIVO
Rogério Tadeu Romano
A Lei nº 12.734/2012 alterou as regras de distribuição dessas receitas entre os entes federativos, propondo-se a contemplar mais igualitariamente todos os estados e municípios do país, ao custo da redução drástica e desproporcional dos percentuais devidos aos estados e municípios produtores.
A Constituição de 1988 contemplou a participação nas receitas oriundas dessas atividades como parte essencial do pacto federativo por duas razões: primeiro, para compensar a sobrecarga nos serviços públicos dos entes subnacionais que sofrem o impacto em sua população e território da exploração e produção; segundo, como compensação pela perda de arrecadação do ICMS, uma vez que este é cobrado no destino da produção, em exceção à regra geral, que é a cobrança na origem.
Assim, nos termos do art. 20, §1°, da Constituição, as participações governamentais têm caráter compensatório, necessariamente vinculado aos entes políticos que suportam as externalidades das atividades petrolíferas e que, ademais, não foram aquinhoados com a possibilidade da cobrança do ICMS na origem. Por isso, ao criar regras de distribuição desvinculadas de tal lógica, a Lei nº 12.734/2012 incorre em flagrante vício de inconstitucionalidade, comprometendo, ainda, a continuidade dos serviços públicos nos entes federativos produtores, como saúde, educação e segurança pública. Tudo isso foi bem acentuado por Gustavo Binenbojm, em artigo publicado no jornal O Globo, em 10 de setembro do corrente ano(Royalties e pacto federativo).
De acordo com a Superintendência de Participações Governamentais da Agência Nacional do Petróleo ( ANP), a eventual entrada em vigor da malsinada Lei n º 12.734/2012 reduzirá à metade as participações especiais dos estados produtores e a menos que isso no que se refere aos municípios. Só no Estado do Rio de Janeiro e seus municípios, as perdas seriam da ordem de R$ 12,2 bilhões em 2019, alcançando R$ 68,4 bilhões, em cinco anos. Por outro lado, o acréscimo de receita para os estados não produtores seria ínfimo, da ordem de 0,2% para o Rio Grande do Sul, 0,4% para o Paraná e 0,5% para Minas Gerais.
Em março de 2013, a Ministra Cármen Lúcia suspendeu, em caráter cautelar, dispositivos da Lei 12.734/12, que previam novas regras para a distribuição dos royalties de petróleo. A decisão foi proferida, de forma monocrática, , na ADin 4.917, ajuizada pelo Governador do Rio de Janeiro. O Procurador-Geral da República enviou parecer, em abril daquele ano, pedindo a suspensão da aplicabilidade da lei com a confirmação da liminar.
Sabe-se que os royalties do petróleo são os valores em dinheiro pagos pelas empresas produtoras aos governos para ter direito à exploração.
Pela nova lei de distribuição, os governos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo perderiam dinheiro. A parcela cai dos atuais 26% para 20% já a partir de 2013. Os Municípios que produzem petróleo e hoje ficam com 26% dos royalties, passariam a receber 15% no ano que vem e 4%, em 2020.
A parcela de cidades não produtoras virá passar de 1,75% para 21% o montante a receber a partir de janeiro. A parcela dos estados não produtores soltaria, literalmente, de 7% para 21%.
Só o Rio de Janeiro estimava uma perda de mais de R$3,4 bilhões no próximo ano,e de R$77 bilhões até 2020.
Por essa razão foi ajuizada ação direta de inconstitucionalidade 4.917 onde o Estado do Rio de Janeiro fala em afronta ao Pacto Federativo e pugna pela inaplicação das novas regras aos royalties devidos pelas concessões instituídas com base na legislação antes vigente.
Como está a lei aprovada, com a derrubada do veto da Presidente da República, atinge os contratos antigos.
É o que se lê da redação dos dispositivos da Lei 9.478/97 e da Lei 12.351/2010, que foram alterados pela Lei 12. 734/2012, sobre a mudança das regras de distribuição de royalties e participações especiais de Estados e Municípios.
Em parecer, o então Procurador-Geral da República. Roberto Gurgel, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, apresentada pelos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, foi favorável à redistribuição de royalties de petróleo, desde que a aplicação da nova regra não seja imediata.
Para tanto, o Chefe do Ministério Público da União, que atua naquele processo objetivo, de controle concentrado da constitucionalidade, como fiscal da lei, evoca o equilíbrio orçamentário dos Estados para defender que as velhas regras só valham a partir de 2016.
Segue, a meu ver, a correta posição já externada pela ex-Presidente da República, Dilma Roussef, quando do veto presidencial, pelo respeito ao ato jurídico perfeito.
O ato jurídico perfeito é um dos possíveis elementos geradores de situações jurídicas concretas, ou, mas limitadamente, um dos possíveis elementos criadores de direitos adquiridos e deveres jurídicos correlatos. É negócio jurídico já consumado segundo a lei vigente.
Considera-se que tal lição seja levada em conta pelo Supremo Tribunal Federal, na discussão do mérito da matéria.
Aliás, a Ministra Cármen Lúcia, quando concedeu liminar, naquela ação, lembrou que das concessões acabadas decorreram direitos que ingressaram no patrimônio público das pessoas federadas e que, mesmo se desdobrando em recebimentos de valores no presente e parcelas no futuro, fundamentaram-se em processos findos, válidos, que se formaram e se aperfeiçoaram segundo a legislação vigente no período em que se deram os seus atos.
Assim aplicar a nova legislação àqueles atos e processos aperfeiçoados segundo as normas vigentes quando de sua realização seria retroação, dotar de efeitos pretéritos atos e processos acabados segundo o direito, em clara afronta à norma constitucional do inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição.
Além disso, a discussão deve levar em conta o direito das entidades federadas, Estados e Municípios, que é constitucionalmente assegurado pela sua condição territorial e do ônus que têm de suportar ou empreender pela sua geografia essa exploração.
Ademais a alteração nas normas de partilha deve ainda levar em conta mudança necessária no Sistema Tributário, pois importaria em desajustar o frágil equilíbrio federativo nacional, exposto nessa luta fratricida.
Com o definhamento das receitas estaduais comenta-se que alguns governadores pressionam o Supremo Tribunal Federal para apressar o julgamento de projeto, aprovado em 2013, que redistribuiu com outros estados os royalties do petróleo do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.
Observe-se que a Lei n º 12.734/ 2012, além de comprometer o equilíbrio federativo estabelecido na Constituição, é um típico exemplo populista de medida “perde-perde”: os entes produtores têm tudo a perder, e os não produtores, nada significativo a ganhar.
Aguardemos a posição final do Supremo Tribunal Federal.