Serviço de rádio pela internet sem a autorização: entendimentos do STF e do STJ

10/09/2019 às 15:32
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O ARTIGO DISCUTE O SERVIÇO DE RÁDIO PELA INTERNET E SEUS ASPECTOS CRIMINAIS.

SERVIÇO DE RÁDIO PELA INTERNET SEM A AUTORIZAÇÃO: ENTENDIMENTOS DO STJ E DO STF

Rogério Tadeu Romano

A operação de serviço de internet via rádio é caracterizada como serviço de telecomunicação multimídia que, para viabilização de sua exploração, exige autorização prévia da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Dessa forma, eventual prestação do serviço sem permissão da agência constitui crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação, conforme prevê o artigo 183 da Lei 9.472/93. 

O entendimento foi reafirmado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao determinar de que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) reaprecie apelação do Ministério Público Federal originada de ação penal contra engenheiro que, segundo o MP, teria comandado empresa que explorava, desde 2005, serviço de internet sem autorização da Anatel.

Segundo o site do STJ, de 5 de fevereiro de 2018, o o relator do  recurso especial do Ministério Público, ministro Jorge Mussi, destacou que o STJ possui entendimento pacífico no sentido de que a prestação direta de serviços de internet via rádio, sem a autorização da Anatel, configura, em tese, o delito de clandestinidade previsto pela Lei 9.472.

Segundo o ministro, a tipicidade é caracterizada ainda que se trate de mero serviço de valor adicionado, conforme previsto pelo artigo 61 da mesma lei. Assim, para Jorge Mussi, atesta-se a potencialidade da conduta atribuída ao recorrido ofender o bem jurídico tutelado pelo artigo 183 da Lei 9.472/97, razão pela qual não há falar em atipicidade. Com a decisão, os autos retornarão à segunda instância.

Com o tipo do artigo 183 da Lei 9.472/97, o legislador buscou tutelar a segurança dos meios de comunicação, pois se sabe que o funcionamento dessas rádios pode causar interferência em vários sistemas, principalmente o aéreo.

É certo que o Supremo Tribunal Federal já  entendeu por adotar o princípio da insignificância para o caso.

O HC foi interposto em outubro passado pela defensora pública federal Arlinda M. Dias, onde argumenta que a conduta só será típica quando, além de se enquadrar no dispositivo penal criminalizador, ao mesmo tempo exponha a perigo ou viole o bem jurídico protegido pela norma, no caso, o funcionamento das telecomunicações. “No caso, o uso de transmissor com potência de 19 watts não tem o condão de causar lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora”, disse a defensora.

O ministro Lewandowski disse que o Princípio da Insignificância deve prevalecer ante a ausência de resultado lesivo e de tipicidade de conduta atestada no próprio laudo da Anatel, ao tratar da frequência e alcance das emissões. Para o ministro, nos casos irrelevantes, a questão deve ser resolvida administrativamente: “Não me parece que seja o caso de enquadrar em processo criminal uma rádio comunitária com alcance de 500 metros no interior do país, onde não há nenhuma forma de comunicação, onde se presta realmente serviço público”.

No entanto o Supremo Tribunal Federal já entendeu pela inaplicabilidade do princípio da insignificância para o caso:

HC N. 115.423-SP

RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO

EmentaHABEAS CORPUS ORIGINÁRIO IMPETRADO CONTRA ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES. HABITUALIDADE. EMISSORA CLANDESTINA QUE INTERFERE NO TRÁFEGO AÉREO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ORDEM DENEGADA. 1. O acórdão impugnado está em conformidade com a jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “o uso clandestino e habitual de serviços de telecomunicações amolda-se ao tipo penal do art. 183 da Lei 9.472/1997” (HC 115.137, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma). Precedentes. 2. Constatado pelas instâncias de origem que a rádio clandestina operada pelo paciente  estava interferindo no tráfego aéreo, não é possível a adoção do princípio da insignificância penal. 3. Violação do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. Precedente: HC 119.979, Rel.ª Min.ª Rosa Weber. 3. Ordem denegada.

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal tem aplicado o princípio da insignificância em favor de donos de rádios clandestinas que usam frequência incapaz de interferir no funcionamento dos serviços de comunicação autorizados.

De acordo com a ação penal,  o envolvido foi denunciado pelo crime após ser surpreendido por fiscais da Agência Nacional de Telecomunicações operando clandestinamente uma rádio denominada Nativa FM, no município de Ulianópolis (PA). Ele foi condenado pelo juiz de primeira instância à pena de 2 anos de detenção e 10 dias-multa, substituída pela pena de prestação de serviços gratuitos.

 Neste último caso o ministro Gilmar Mendes afirmou que a jurisprudência do STF era no sentido de afastar a incidência do princípio da insignificância, ou seja, reconhecer a tipicidade material da conduta, aos crimes contra os serviços de telecomunicações.

Porém, destacou que em março deste ano a 2ª Turma, no julgamento de um caso análogo, aplicou o princípio da insignificância.

Naquela ocasião, o colegiado reconheceu que o potencial lesivo da conduta era mínimo, uma vez que o transmissor tinha uma baixa potência, 19 W, alcançando um raio máximo de 5 km.

No caso concreto analisado pelo ministro, o transmissor tinha potência ainda menor, de 13 W, com pouco alcance. “Dessa forma, a possibilidade de dano ao sistema de telecomunicação e aeroviário é diminuta, não havendo lesividade relevante para o Direito Penal”, afirmou o ministro Gilmar. Por esse motivo, ele trancou a ação penal contra o dono da rádio. A decisão se deu no âmbito do RE 1.040.251.

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A matéria já foi objeto de diversos julgamentos pelo STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE TELECOMUNICAÇÕES. SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO. ACESSO À INTERNET. VIOLAÇÃO DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. De acordo com o entendimento firmado nesta Corte, "a transmissão de sinal de internet via radio, sem autorização da ANATEL, caracteriza o fato típico previsto no artigo 183 da Lei n. 9.472/1997, ainda que se trate de serviço de valor adicionado de que cuida o artigo 61, § 1°, da mesma lei" (AgRg no REsp 1.566.462/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/3/2016, DJe 28/3/2016). 2. "A prática de serviço de radiodifusão clandestina, mesmo que de baixa potência e sem a obrigatoriedade de autorização por parte do órgão regulador, como na hipótese de serviço de valor adicionado (SVA), constitui delito formal de perigo abstrato, o que afasta o reconhecimento da atipicidade material da conduta pela aplicação do princípio da insignificância" (AgRg no REsp 1.555.092/PE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe de 2/2/2016). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 1.064.266/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017).

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. TRANSMISSÃO DE SINAL DE INTERNET VIA RÁDIO SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA. TIPICIDADE DA CONDUTA. 1. A orientação consolidada nesta Corte é no sentido de que o serviço de comunicação multimídia - internet via rádio - caracteriza atividade de telecomunicação, ainda que se trate de serviço de valor adicionado nos termos do art. 61, § 1º, da Lei n. 9.472/1997, motivo pelo qual, quando operado de modo clandestino, amolda-se, em tese, ao delito descrito no art. 183 da referida norma. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 971.115/PA, Relator Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 08/05/2017). AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE  RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF, ART. 102, I, ”D” E “I”. ROL TAXATIVO. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. SERVIÇO DE PROVEDOR DE INTERNET. ART. 183 DA LEI N.º 9.472/97. ALEGAÇÃO DE BAIXA FREQUÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O desenvolvimento clandestino de atividade de transmissão de sinal de internet, via rádio, comunicação multimídia, sem a autorização do órgão regulador, caracteriza, por si só, o tipo descrito no artigo 183, da Lei n.º 9.472/97, pois se trata de crime formal, inexigindo, destarte, a comprovação de efetivo prejuízo. 2. A inexistência de potencial ofensivo ou interferência ao sistema de telecomunicações ante a suposta baixa frequência do serviço, bem como a habitualidade não são passíveis de aferição na via estreita do habeas corpus, por demandar minucioso exame fático e probatório inerente a meio processual diverso. Precedente: HC 130.786, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 16/06/2016. 3. In casu, o paciente foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97, em razão de desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação, em especial, exploração de prestação de serviço de comunicação multimídia (internet), mediante link ADSL e antena TPLINK, sem a devida autorização legal. 4. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas d e i, da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 5. Agravo regimental desprovido. (STF, HC 129.807 AgR/PR, Relator Ministro LUIZ FUX, julgado em 31/03/2017, PRIMEIRA TURMA, DJe 20/04/2017).

Mais recentemente, o STJ reafirmou sua posição no sentido da criminalização da conduta.

Tal se deu no julgamento do HC 515.028.

Como se lê do site do STJ, em 10 de setembro do corrente ano, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratificou entendimento – já consolidado na jurisprudência do tribunal – de que o fornecimento de internet via rádio sem a devida autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) caracteriza o crime previsto no artigo 183 da Lei 9.472/1997.

Com esse fundamento, a turma não conheceu de habeas corpus impetrado em favor de um homem condenado por atividade clandestina de telecomunicação.

De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), dois homens desenvolveram no interior de São Paulo um esquema para a comercialização ilegal de internet via rádio, cobrando R$ 50 por mês dos consumidores pelo serviço fornecido sem autorização da Anatel.

A sentença condenou um dos acusados pelo desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) deu provimento ao recurso do MPF para condenar também o outro pelo mesmo crime.

No habeas corpus, a defesa de um dos condenados argumentou que os laudos técnicos atestaram que o equipamento de rádio utilizado era de comunicação restrita, o que não caracterizaria crime desde a edição da Portaria 680/2017 da Anatel.

Para a defesa, a conduta seria atípica, pois o acusado estava compartilhando sinal de internet com equipamento de comunicação restrita, e não desenvolvendo atividade de telecomunicação propriamente dita.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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