COMPETÊNCIA PARA INSTRUIR E JULGAR CRIMES COMETIDOS POR APLICATIVOS

11/09/2019 às 14:48
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PARA JULGAR CRIMES ENVOLVENDO APLICAÇÃO DE APLICATIVOS.

COMPETÊNCIA PARA INSTRUIR E JULGAR CRIMES COMETIDOS POR APLICATIVOS
Rogério Tadeu Romano

Segundo o site do STJ, datado de 11 de setembro do corrente ano, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é competência da 5ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo (SP) a condução de inquérito policial e eventual julgamento de estelionato praticado por meio de aplicativo, por ter sido lá que os valores efetivamente entraram na esfera de disponibilidade dos acusados.

A vítima comprou uma carta de crédito para aquisição de um veículo Mercedez Benz por meio de aplicativo especializado em anúncios dos chamados "carros de repasse". Seguindo as orientações dos supostos vendedores, ele fez duas transferências – de R$ 40 mil e R$ 80 mil – para contas situadas em agências bancárias da cidade de São Bernardo do Campo. Também efetuou um depósito em dinheiro na boca do caixa, no valor de R$ 4 mil. As movimentações foram feitas pela conta bancária da vítima, cujo banco se situa em Caxias do Sul (RS).

No conflito de competência julgado pela Terceira Seção, o juízo suscitado, da 5ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, entendeu que ainda que as contas bancárias dos supostos vendedores pertençam a agências situadas em São Bernardo do Campo, o local geográfico de destinação do dinheiro integra o post-factum, não coincidindo com o local de consumação do crime, que seria o lugar onde se realizou o depósito – Caxias do Sul.

O suscitante, juízo da 2ª Vara Criminal de Caxias do Sul, por sua vez, sustentou que a obtenção da vantagem indevida ocorreu quando o dinheiro ingressou nas contas dos supostos estelionatários, em São Bernardo do Campo.

Lugar do crime, no que concerne ao evento, é aquele em que este iria realizar-se, não fosse a interferência de circunstâncias alheias, à vontade do agente. Jamais o lugar me que o agente tencionava fosse ele aperfeiçoado, como ensinam Aníbal Bruno (Direito Penal, tomo I, pág. 240), na mesma linha de Costa e Silva (Código Penal, pág. 36). Por sua vez, Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, pág. 164) aduziu que "na fase da tentativa, da mesma forma, que no momento da consumação, o crime haja tocado o território nacional".

Considera-se, pois, o lugar de sua consumação para efeito de fixação da competência.
Ora, quando se está diante de estelionato cometido por meio de cheques adulterados ou falsificados, a obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o cheque é sacado, pois é nesse momento que o dinheiro sai efetivamente da disponibilidade da entidade financeira sacada, para, em seguida, entrar na esfera de disposição do estelionatário até porque um cheque adulterado ou falsificado tanto pode ser sacado diretamente no caixa quanto pode ser depositado (e compensado) em conta do estelionatário ou até mesmo em conta de terceiro. Por esse motivo, em tais casos, entende-se que o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, seja dizer, onde a vítima possui conta bancária. A esse primeiro tipo de conduta, corresponde a hipótese com base na qual foi editada a Súmula n. 48 desta Corte, que assim dispõe:
Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.

Já na situação em que a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário),a obtenção da vantagem ilícita por certo ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, seja dizer, no momento em que ele é depositado em sua conta. Isso fica ainda mais nítido quando se imagina hipótese em que a vítima entrega pessoalmente dinheiro em espécie ao estelionatário.

Nesse sentido, a Terceira Seção desta Corte já decidiu: PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. CRIME DE ESTELIONATO. CONSUMAÇÃO COM A OBTENÇÃO DA VANTAGEM ILÍCITA. DEPÓSITO EM CONTA CORRENTE. COMPETÊNCIA DO LOCAL EM QUE SITUADA A AGÊNCIA. 2. CONFLITO CONHECIDO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DE INQUÉRITOS POLICIAIS DE BELO HORIZONTE/MG.1. O prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não à conduta propriamente. De fato, o núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente.2. Conheço do conflito para reconhecer a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte/MG, o suscitante.(CC 139.800/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2015, DJe 01/07/2015).

A propósito tem-se:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ESTELIONATO VIA DEPÓSITOS BANCÁRIOS EM DINHEIRO. COMPETÊNCIA DO LOCAL EM QUE SE OBTEVE A VANTAGEM INDEVIDA. CONEXÃO (ART. 76, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP). COMPETÊNCIA DO LOCAL EM QUE OCORREU O MAIOR NÚMERO DE RESULTADOS (ART. 78, II, B, DO CPP). FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA DE TERCEIRO JUÍZO ESTRANHO AO CONFLITO.1. O presente conflito de competência deve ser conhecido, por se tratar de incidente instaurado entre juízos vinculados a Tribunais distintos, nos termos do art. 105, inciso I, alínea “d”, da Constituição Federal - CF. 2. Nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal, "a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução". Destarte, nas hipóteses de estelionato no qual a vítima efetua pagamento ao autor do delito por meio de cheque, a competência para a apuração do delito é do Juízo do local da agência bancária da vítima, porque a consumação se dá quando o cheque é descontado pelo banco sacado. Já no caso de a vítima ter feito o pagamento mediante depósito bancário em dinheiro, como ocorreu no caso concreto, a jurisprudência firmada nessa Corte entende que o delito consuma-se no local onde verificada a obtenção da vantagem indevida, ou seja, no momento em que o valor entra na esfera de disponibilidade do autor do crime. Precedentes.3. Na espécie, analisando as provas colhidas no inquérito verifica-se que as vítimas, no dia 14/10/2014, na Agência 3118, em São Bernardo do Campo/SP, efetuaram 28 depósitos, cada um deles no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), tendo como beneficiários diversas pessoas titulares de contas correntes em diferentes agências bancárias da Caixa Econômica Federal Constata-se que há um número considerável de 6 depósitos em dinheiro destinados à agência da Caixa Econômica Federal localizada em Pacaju/CE, entretanto a maior concentração de depósitos ocorreu em Fortaleza, Capital do Estado do Ceará, onde se espalharam 15 dos 28 depósitos em dinheiro comprovados nos autos. 4. Constatada, portanto, conexão, com esteio no art. 76, I, do Código de Processo Penal - CPP. Considerando tratar-se de infrações da mesma categoria, ou seja, vários estelionatos de idêntica gravidade, prevalecerá a competência do local onde houver ocorrido o maior número de infrações, a teor do artigo 78, inciso II, alínea b, do CPP.5. Diante disso, verifica-se a necessidade de fixação de competência de terceiro Juízo estranho ao conflito, onde maior parte do proveito do crime foi depositada e disponibilizada para os agentes delituosos. Precedentes. Assim, em razão de os depósitos terem sido realizados pelas vítimas, em sua maioria, em agências situadas no município de Fortaleza/CE, as investigações e apuração dos fatos delituosos devem prosseguir naquela Comarca.6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito Criminal da Comarca de Fortaleza/CE a quem couber a distribuição do feito para apurar os crimes de estelionatos.(CC 161.881/CE, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2019, DJe 25/03/2019).

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PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE ESTELIONATO. ACUSADO QUE SE PASSA POR AGENTE DA RECEITA FEDERAL. OFERTA DE PRETENSAS MERCADORIAS APREENDIDAS PARA OBTER VANTAGEM DE TERCEIROS. NEGOCIAÇÃO COM PAGAMENTO EM ESPÉCIE E CHEQUE ADMINISTRATIVO. CONSUMAÇÃO DO DELITO NO MOMENTO E LOCAL ONDE RECEBIDO O VALOR EM DINHEIRO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PAULISTA.1. O crime de estelionato consuma-se no momento e lugar em que o agente obtém a vantagem indevida.2. No estelionato, ainda que a vantagem ilícita tenha sido composta por certa quantia em dinheiro e um cheque administrativo, o crime já está consumado quando do recebimento do valor em espécie, pois trata-se de um crime material instantâneo.3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 18ª Vara Criminal de São Paulo/SP, ora suscitado.(CC 96.109/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2009, DJe 23/09/2009).

Segundo o relator do conflito, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, o artigo 70 do Código de Processo Penal estabelece que a competência será, em regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração, e o estelionato, crime tipificado no artigo 171 do Código Penal, "consuma-se no local e momento em que é auferida a vantagem ilícita".

Para o ministro, quando o estelionato ocorre por meio do saque ou compensação de cheque, a obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o cheque é sacado, e o local da obtenção dessa vantagem é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária.

Quando a vítima, voluntariamente – como no caso analisado –, efetua depósitos ou faz transferência de valores para o estelionatário, a obtenção da vantagem ilícita ocorre quando o criminoso efetivamente se apossa do dinheiro, no momento em que ele é depositado em sua conta.

 A discussão se deu no CC 167.025.

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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