A coisa julgada é decifrada como sendo o meio pelo qual o Judiciário confere imutabilidade e indiscutibilidade às suas deliberações sentenciais, indicando que não mais é cabível recurso, como é manifestado no CPC/2015:
“Art. 502: Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.”
Com isso, é irretorquível que, havendo uma decisão judicial acrescida do trânsito em julgado, reveste-se de segurança jurídica o processo, tal como a parte beneficiada, impedindo, inclusive, que a matéria seja reapreciada por qualquer outro magistrado, de qualquer outra instância, salvo singulares exceções que, no que lhes concerne, são particulares do processo civil. Dessarte, a coisa julgada é, em lato sensu, um atestado de que o julgador, diante de toda a ampla defesa gerada no trâmite processual, possui clareza suficiente em suas convicções para tornar a sentença irrecorrível.
Originada em Roma, a coisa julgada era apoiada sob o parâmetro de critérios pragmáticos, transmitindo um usufruto civil e comunitário, tomando como louvável a premissa de que para nutrir o progresso social, seria mister que o cidadão detesse a plena convicção de que seus direitos e garantias não sofreriam qualquer perturbação (CHIOVENDA, 1998, 447).
O magistrado, no ato da sentença com trânsito em julgado, no que tange ao objeto em litigância, estaria emitindo uma interposição necessária da prevalência do equilíbrio social – o que passou a ser tratado como segurança jurídica (Idem, 1998, 452). Carecendo-se desta, não há de se tocar em estabilidade jurídica, pois sendo assim, a única certeza reservada ao impetrante, de modo geral, seria a indefinição demasiada, desnutrindo toda e qualquer tentativa de padronizar as decisões judiciais.
Em dado momento, a doutrina fragmenta a coisa julgada em formal e material. A formal produz efeitos apenas no interior do processo e decorre de uma sentença sem mérito – ou terminativa, em que o juiz não interpõe a matéria motivadora do litígio, podendo se dar ora pela extinção das instâncias recursais ora pelo transcurso do prazo. Já na material, o magistrado adentra o mérito e resolve a controvérsia conjugada pelas partes, suscitando coisa julgada dentro e fora do processo, através de uma decisão judicial petrificada, que não permite discussão em qualquer outro processo.
Com efeito, relativizar a coisa julgada é meramente desprezar – sem a instauração de ação rescisória – a decisão proferida pelo juiz, que está revestida de imutabilidade e, ao mesmo tempo, transmite a “verdade processual” perquirida e lograda ao final do processo pelo julgador. Porém, os defensores desse fenômeno pregam que a irrefutabilidade de uma decisão judicial coberta pelo manto do trânsito em julgado não poderá tolher a suposta verdade de fato, e não a que o juiz “encontrou”. Portanto, entende-se que o processo, nesse caso merece ser revisto e o magistrado possa compactuar com o devido convencimento.
Exemplo disso é o réu reconhecido como sendo o pai de uma criança carecedora de alimentos para sua subsistência e, diante de todas as contrarrazões e fontes de prova, o juiz concluiu que o acusado era de fato o pai da dependente e, em sua sentença, gerou coisa julgada. Contudo, em evento posterior, por meio de um exame de DNA, o réu conseguiu atestar que não era o genitor da beneficiada. Assim, tendo em vista o caso exposto, a doutrina que preconiza essa tese indaga: é justo que o réu custeie o sustento da autora?
É indispensável arguir que o Novo Código de Processo Civil não acolheu a flexibilização da res judicata com tanto louvor – o que se pode verificar no decorrer dos anos 2000 pela doutrina e, hesternamente, pelo CPC/73, como no seu art. 741 –, pois a trata com uma certa rejeição, embora não haja vedação expressa em seu texto, voltando-se a esse tipo de caso com uma dose de segurança jurídica e previsibilidade das decisões, à medida em que produziu mecanismos para tal. Decerto, os dispositivos ministrados pelo Novo CPC que alquebram a teoria da relativização da coisa julgada são basicamente o art. 975, §2º – que estabelece um prazo máximo para a proposição de ação rescisória constituída por prova nova – e o art. 525 – o qual trata da impugnação ao cumprimento de sentença.
Com efeito, trazendo à tona o caso do DNA, só se faz válida ação rescisória caso seja impetrada no prazo de cinco anos, o que inviabiliza uma investigação de paternidade quando decorrido esse período, o que não quebranta o posicionamento do STF a respeito do tema, mas apenas o regimenta. Da mesma forma, a referida legislação processual incluiu em sua carta normativa a possibilidade de subsistir revisão da coisa julgada que esteja articulada por sentença inconstitucional, desde que a ação rescisória esteja fundada em inconstitucionalidade da norma que fundamentou o julgamento rescindendo, obedecendo-se o prazo estipulado em lei.
Portanto, fica-se aclarado que só há uma caminho para se flexibilizar uma coisa transitada em julgado: ação rescisória – havendo mudança em seu termo inicial, com prazo de cinco anos em um dos casos; e sem prazo máximo estipulado no outro. Por isso, não é mais viável relativização em primeira instância com nova demanda, apenas desconstituindo a coisa julgada.
REFERÊNCIAS
SOUZA, Luciana Cláudia Medeiros de. “A relativização da coisa julgada inconstitucional e o novo Código de Processo Civil”. 2016. Conteudo Jurídico. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47491/a-relativizacao-da-coisa-julgada-inconstitucional-e-o-novo-codigo-de-processo-civil> Acesso em 15 de Maio de 2017.
DELLORE, Luiz. “O fim da Relativização da Coisa Julgada”. 2015. JOTA. Disponível em: <https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-fim-da-relativizacao-da-coisa-julgada-no-novo-cpc-31082015> Acesso em 18 de Maio de 2017.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições do Direito Processual Civil. Editora Bookseller, 1998.