Questionaram-me sobre um caso interessante dias atrás e gostaria de compartilhar com vocês:
"Dr., temos recebido reclamações de condôminos que veem, praticamente todos os finais de semana, os proprietários da unidade X usando da piscina, do local de recreação, a quadra poliesportiva e a churrasqueira. Acontece que essa unidade está alugada e os locatários nem possuem ciência disso.
O condomínio é obrigado a tolerar isso? Os proprietários têm, realmente, autorização para usar das dependências comuns do prédio, apesar da unidade deles estar alugada?
Ainda não tomamos nenhuma precaução em relação ao fato. O que poderíamos fazer, então?"
Surpreendente, porém, situação muito comum de se acontecer. Passemos à analisar.
Os condôminos, por serem proprietários da unidade, possuem, sim, o direito de usufruir das dependências do condomínio, tanto as áreas comuns do prédio, como as áreas privativas, tal qual um direito inerente à propriedade condominial previsto em lei (art. 1336, inciso II, do Código Civil). Bem como poderá o condômino proprietário dispor de sua unidade, de forma livre, à quem interessar, desde que observadas as previsões da Convenção de Condomínio, conforme art. 1336, inciso I, do Código Civil.
Até aqui, sem problemas.
A questão envolve a locação da unidade condominial à terceiros e o uso, por parte do proprietário-locador, das dependências comuns do prédio, não da unidade, já que ela está alugada para outros. Pode o proprietário-locador continuar usando das dependências comuns do prédio justificando ser proprietário de uma das unidades daquele condomínio, mesmo que não resida no condomínio?
Neste caso específico, a legislação não nos diz nada. A lei, portanto, é silente sobre essa hipótese. Logo, devemos nos ater a outras questões legais para basear nossa resposta.
Caberá, portanto, à Convenção de Condomínio ou o Regimento Interno, tais quais documentos constituídos, deliberados e aprovados pela coletividade do condomínio, externando a vontade dos condôminos sobre as regras impostas àquele condomínio específico, desde que, por óbvio, não seja contrário às leis aplicáveis aos Condomínios Edilícios (Lei nº 4.591/64, Código Civil, além da Constituição Federal e as leis estatais e municipais).
Vale ressaltarmos que a posse direta/imediata e o uso da unidade, inclusive sua habitação, é realizada pelo locatário, que passa a usar e gozar do imóvel por força da locação (regulada pela Lei nº 8.245/98). Logo, em regra, o direito de usar e usufruir das áreas comuns, tais como piscinas, salão de festas, academia, áreas de lazer, áreas para esportes, etc., é do locatário, e não do locador.
Voltando à questão da Convenção de Condomínio ou o Regimento Interno, havendo previsão expressa não autorizando o locador-proprietário continuar usando das dependências comuns do edifício após a locação, caberá à estes mesmos instrumentos salientarem quais serão as punições em caso de desobediência (por exemplo, incidência de advertências e multas, inclusive, a expulsão por força da caracterização do condômino antissocial), uma vez que o art. 1337, do Código Civil, prevê, claramente, em seu parágrafo único, que:
Art. 1337. (...)
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.
Assim sendo, o proprietário-locador podendo usar, fruir e dispor livremente sua unidade para terceiros, ao ganhar certos direitos no caso da locação, perde outros, devendo cumprir com os deveres instituídos pela lei e pelos instrumentos específicos do Condomínio na qual é condômino, principalmente a Convenção de Condomínio e o Regimento Interno.
É muito comum que os instrumentos suscitados prevejam que somente poderá fazer uso das áreas/dependências comuns o condômino MORADOR ou aquele que HABITA a unidade, limitando-se, pois, no caso de o imóvel estar alugado, somente ao locatário, portanto. Todavia, vale aquilo que estiver previsto nos referidos documentos.
Em caso de omissão da Convenção de Condomínio ou o Regimento Interno na tratativa sobre o assunto, valerá as regras de uso comum e do cotidiano da coletividade. É o que chamamos de regras de usos e costumes (art. 1337, inciso IV, Código Civil).
MAS, importante informar: as ASSEMBLEIAS CONDOMINIAIS (Ordinárias e/ou Extraordinárias) não só podem como DEVEM votar sobre o assunto, para que fique documentado e ratificado pela coletividade a questão, a fim de evitar problemas e discussões desnecessárias.
O papel do (a) síndico (a) neste tipo de situação é zelar pela coletividade e pelo cumprimento em igualidade por todos os condôminos, não podendo um ou outro deter de mais direitos em detrimento dos demais condôminos. O melhor é agir com paciência, deixando bem claro como as regras devem ser seguidas e quais as consequências caso não sejam observadas, sempre de maneira respeitosa e cautelosa.
Como podem perceber, esse assunto pode ser de grande valia para síndicos, imobiliárias, administradoras de condomínio e os próprios condôminos. A situação requer cuidado e atenção.
Se as dúvidas persistirem, encontro-me à disposição. Espero que tenham gostado do tema.
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Agradeço pela visita e leitura.
Até a próxima!
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Autor: Dr. Pérecles Ribeiro Reges, é especialista em Processo Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV), ênfase em Prática Cível pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS), aluno especial (2018/2) e ouvinte (2019/1 e 2019/2) do Programa de Pós-graduação em Direito Processual (PPGDIR) da UFES, Pós-graduando em Direito Empresarial pela PUC-Minas Gerais, membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/ES, advogado do escritório BRFT Sociedade de Advogados, inscrito nos quadros da OAB/ES sob o nº 25.458 e atua nos ramos do Direito Civil, Direito Imobiliário, Empresarial e Consumidor.